Download Análise: Sermão do Santíssimo Sacramento por Padre Vieira - A Razão contra Inimigos da Fé and more Essays (high school) English in PDF only on Docsity! Análise: Sermão do Santíssimo Sacramento, do Padre Antônio Vieira Antônio Vieira é o maior representante da prosa barroca no Brasil e o maior orador sacro do Brasil-Colônia. Nascido em Portugal, veio para o Brasil ainda criança e estudou no Colégio dos Jesuítas, em Salvador. Os sermões do Padre Vieira são o melhor exemplo do Barroco Conceptista no Brasil. São textos que usam a retórica, com jogos de ideias e palavras, para convencer os leitores (no caso, os assistentes) pelo raciocínio, mais que pela emoção. O tema do Sermão do Santíssimo Sacramento é, em seus termos gerais, o do mistério da Eucaristia, a ação de graças em que se daria, segundo a ortodoxia católica, a transformação da substancia do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo. O tema é potencialmente polêmico, na medida em que, esse foi um dos dogmas mais visados pela crítica teológica reformista que não pretendia ver no sacramento mais que o "símbolo" ou a "imagem" do verdadeiro ser divino. Pois, para tratá-lo, Vieira encontra ura forma perspicaz: ele se propõe a demonstrar a todos os "inimigos da fé" a verdade da transubstanciação sem lançar mão de qualquer recurso dogmático e pautando-se exclusivamente por argumentos de natureza racional. Diz ele: "e porque os princípios da fé contra aqueles que a negar, ou não valer, ou não querem que valhar, ainda que infalíveis, pondo de parte o escudo da mesma fé, e saindo a campo em tudo com armas iguais, argumentarei sorrente hoje com a razão”. Para dar mais sustento ao argumento, Antônio Vieira simula a discussão sobre a ocorrência de um milagre com um filósofo, segundo os seguinte trechos: “O filósofo (que é gente tão cega pela presunção, como os que até agora vimos pela infidelidade) cuida que tem fortíssimos argumentos contra este mistério, e diz que não pode ser verdadeiro por muitos princípios. Primeiro, porque as naturezas e substâncias das coisas são imutáveis: logo o que era substância de pão, não se pode converter em substância de Cristo. Segundo, porque o todo é maior que a parte, e a parte menor que o todo: logo, se todo Cristo está em toda a hóstia, todo Cristo não pode estar em qualquer parte dela. Terceiro: porque o entendimento deve julgar conforme as espécies dos sentidos, que são as portas de todo o conhecimento humano: os sentidos cheiram, gostam e apalpam pão, logo pão é e não corpo de Cristo o que está naquela hóstia. Com a natureza argumenta o filósofo, e com a mesma natureza o há de convencer a razão, e muito facilmente e sem trabalho, porque com a fé ser sobrenatural, a melhor ou mais fácil mestra da fé é a natureza. Os profetas, que foram os que pregaram e ensinaram os mistérios da fé aos homens, não os mandou Deus ao mundo no tempo da lei da natureza, senão no tempo que se seguiu depois dela, que foi o da Escrita. E por quê? Douta e avisadamente Tertuliano: Deu Deus primeiro aos homens por mestra a natureza, havendo-lhes de dar depois a profecia, porque as obras da natureza são rudimentos dos mistérios da graça, e muito mais facilmente aprenderiam os homens o que se lhes ensinasse na escola da fé, tendo sido primeiros discípulos da natureza: Se queres ser mestre na fé, faze-te discípulo da natureza, porque os exemplos da natureza te desatarão as dificuldades da fé. Ouça pois o filósofo, discípulo da natureza, por mais graduado que seja nela, e verá como lhe desfaz a razão com os princípios de sua mesma escola todos os argumentos que tem contra a fé daquele mistério”. “E que não haja o filósofo de crer aos olhos, ainda que lhe digam contestemente que ali está pão, a mesma natureza lho ensina com um notável exemplo. Na íris, ou arco celeste, todos os nossos olhos jurarão que estão vendo variedade de cores, e contudo ensina a verdadeira filosofia que naquele arco não há cores, senão luz e água. Pois se a filosofia ensina que não há cor onde os olhos estão vendo cor que muito que ensine a fé que não há pão onde os olhos parece que vêem pão? Por isso dizia Davi, falando de seus olhos, uma coisa muito digna de reparar, em que ninguém repara: Senhor, revelai-me os olhos, e considerarei vossas maravilhas. Parece que havia de dizer o profeta: Senhor, revelai-me vossas maravilhas, para que eu as conheça, mas revelai-me os olhos para que conheça vossas maravilhas! [...]” A partir desse trecho, nota-se que o filósofo argumenta que, se sentimos a textura, o cheiro e sabor de pão, logo, a hóstia é apenas o alimento e não o corpo de Cristo, porque nossos sentidos claramente constatam que aquilo é pão. Por outro lado, Antônio Viera retruca que os sentidos humanos não são confiáveis, já que em um arco- íris vemos uma grande quantidade de cores em algo que é apenas água e luz. Assim, se onde há água e luz vemos cores (que, de acordo com a filosofia, não existem) por que não pode haver o corpo de Cristo onde vemos e sentimos pão? Ou seja, nossos sentidos não são confiáveis o suficiente para afirmarmos que a hóstia não se transforma no Corpo de Cristo, conforme os ensinamentos na Igreja Católica.