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Sedução e Relacionamentos Interpessoais: Análise de Figuras Históricas, Traducciones de Psicología

EducaçãoPsicologia SocialRelacionamentos Interpessoais

Este documento explora a natureza da sedução em relações interpessoais, utilizando exemplos de grandes sedutores históricos como Sócrates, Casanova e Dom Juan. O texto discute as múltiplas facetas e mecanismos da sedução, além de sua importância na relação pedagógica.

Qué aprenderás

  • Como as figuras históricas de Sócrates, Casanova e Dom Juan ilustram a sedução?
  • Qual é a importância da sedução na relação pedagógica?
  • Como a sedução pode ser utilizada para liberação, em vez de servidão e destruição?
  • Como as estratégias de sedução de professores podem ser percebidas pelos alunos?
  • Quais são as diferentes facetas e mecanismos da sedução?

Tipo: Traducciones

2021/2022

Subido el 11/12/2022

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¡Descarga Sedução e Relacionamentos Interpessoais: Análise de Figuras Históricas y más Traducciones en PDF de Psicología solo en Docsity! Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 13 Imagens de sedução na pedagogia. “A sedução como estratégia profissional”* Clermont Gauthier Stéphane Martineau ** Resumo: Este texto tem por objetivo responder a uma questão por muito tempo oculta em educação, a saber, se é possível pensar a sedução como uma estratégia profissional na relação pedagó- gica. Para tanto, analisamos seis figuras de grandes sedutores da literatura: Sócrates, Casanova, Dom Juan, Valmont, Johannes e Xerazade. Essa análise permitiu compreender que se a sedução, às vezes, está relacionada com o engodo, por outro lado, ela está longe de ser sempre negativa. Dessa maneira, depreendem-se al- gumas características de uma sedução positiva, isto é, identificam- se condições de um uso ético da sedução no ensino. Palavras-chave: Sedução, jogo, relação pedagógica, trabalho interativo, ética Muitas outras coisas precisariam ser retomadas, matizadas, mas já é tempo de ir aos fatos, depois de termos simplesmente lembrado esta evidência: não há ser totalmente alheio à sedução. Mesmo aqueles que a recusam parecem estremecer diante dessa recusa. (Sibony 1986, p. 18) Introdução Sedução na pedagogia? A expressão causa espanto. Ou me- lhor, escandaliza. “Como é possível imaginar que uma coisa tão per- * Texto traduzido por Francisco Pereira de Lima. ** Respectivamente: Universidade de Laval e Universidade de Toronto. 14 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 versa como essa esteja ocorrendo, na surdina, em nossas salas de aula?” Como é possível afirmar que os professores lançam mão de um procedimento tão baixo? E, no entanto, pensando bem, a sedução é algo que seduz. Passados os primeiros momentos de resistência, cada um de nós reconhece que lança mão desse recurso quando en- sina (Lafon 1992). Nessa reação está expresso todo o equívoco rela- tivo a esse conceito. A sedução deixa as pessoas sem graça porque representa, de certo modo, o engodo, o mal, a imoralidade e, eviden- temente, a culpa. Mas a sedução é também uma necessidade, e até mesmo um doce prazer. Ora, admitir não poder deixar de fazer uso de alguma coisa e, ao mesmo tempo, só ver nisso corrupção, é conde- nar-se a deixar esse objeto num intervalo da consciência, é não agir sobre a sedução, mas deixá-la agir sobre si. O objetivo deste texto é refletir sobre esse problema controverso. A posição que adotamos aqui não é normativa: não reprovamos a sedução nem fazemos sua apologia. De uma maneira mais pragmática, constatamos a presença incontornável da sedução nas relações humanas e, por conseguinte, na pedagogia. O texto analisa o exercício desse “poder velado, laten- te, inconfessado e ‘melhor’, mais agradável para todo o mundo... que tem mesmo a ver com o prazer” (Lafon 1992, p. 166). Ele tenta res- ponder a uma pergunta que, durante muito tempo, permaneceu ocul- ta: é possível imaginar a sedução como uma estratégia profissional na relação pedagógica? Na tentativa de encontrar uma resposta, ana- lisamos seis imagens de grandes sedutores da literatura: Sócrates, Casanova, Dom Juan, Valmont, Johannes e Xerazade. Essa análise nos dará a possibilidade de mostrar que, se a sedução, às vezes, tem a ver com o engodo, nem tudo nela é negativo. Nesse sentido, iden- tificaremos certas características de uma sedução positiva, propondo, desse modo, algumas pistas interessantes que nos ajudarão a refle- tir sobre as condições que possibilitam o uso ético da sedução no en- sino. Ensinar é jogar Como toda relação social, o trabalho docente é semelhante a um jogo. Na verdade, nas relações interpessoais, “os indivíduos empregam o que se poderia chamar de estratégias de ganho” (Goffman 1988, p. 100). A interação pode ser vista, desse modo, “como uma série de Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 17 la, como em todas as instituições sociais, no sentido de Goffman (1988), é preciso tornar-se dissidente ou dissimulado, salvar as aparências, para ser deixado em paz, sabendo que ‘a vida está noutro lugar’, nos interstícios, nos momentos em que é possível furtar-se aos olhares, ao controle, à ordem escolar” (Perrenoud 1994, p. 16). Jogador ele tam- bém, o aluno apenas reage às ações, às “jogadas” do professor, é um jogador interativo. Não se sabe quem vai ganhar o páreo, se os professores ou se os alunos, nem tampouco como a partida será jogada, qual será o pla- car, quem serão os “feridos” e por quanto tempo. Como em todo jogo, reina a incerteza em relação ao desfecho. Uma relação de forças – Visto que os jogadores possuem inte- resses diferentes, cuja satisfação pode ser obtida à custa do adversá- rio, uma relação de forças se estabelece entre eles. Seria um erro atri- buir ao professor o papel de chefe do jogo e aos alunos o de jogado- res passivos. Se no passado isso ocorria, numa organização social hie- rárquica baseada na autoridade absoluta do mestre, hoje em dia não é mais assim. Se outrora o professor foi totalmente senhor do jogo, a pedagogia nova introduziu uma nova relação de forças na sala de aula. O professor não é mais uma figura autoritária, distante, séria, detentor de um saber incontestável; doravante, ele precisa se aproximar de seus alunos, ouvir e responder às necessidades deles, tornar-se um amigo. O modelo de aluno que recebia passivamente as lições do mestre foi substituído por aquele que, ao ser convidado a expressar suas neces- sidades e seus interesses, toma a iniciativa de assumir suas próprias aprendizagens. Essas mudanças fundamentais modificaram consideravelmente a relação de forças entre o professor e os alunos, geraram um funcio- namento muito mais imprevisível, dinâmico e menos linear. Nesse as- pecto, a relação pedagógica se aproxima muito mais, agora, do tipo de relação social analisado por Goffman (1988). Este, de maneira bastante pertinente, demonstra que toda interação face a face é um “jogo cons- tante de dissimulação (de si mesmo) e de investigação (do outro)” (Winkin apud Goffman 1988, p. 67). Na verdade, quanto mais indefini- do é o quadro da interação social, menos clareza há na definição dos papéis e mais os atores precisam se dedicar a um exercício complexo de negociação em que entra uma parcela importante de artimanha, tan- to na apresentação de sua própria pessoa quanto na capacidade de adivinhar o outro. Por exemplo, pode-se imaginar a seguinte situação: 18 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 Paulo envia uma mensagem verbal a João e presume que este verá ali apenas uma informação “transparente” e espontânea. Por sua vez, João decodifica essa mensagem como sendo constituída não somente de elementos transparentes, mas também de informações “codificadas”. Ao fazer isso, ele presume que Paulo ignora que ele esteja fazendo seme- lhante decodificação. Mas Paulo decodifica a decodificação de João e descobre a hipótese que este último fez a seu respeito sem revelar: Paulo está se comportando, aqui, como um verdadeiro jogador de pô- quer; ele está “blefando”, ele não mostra que sabe tanto. Enfim, João compreende que Paulo compreendeu seu subterfúgio, mas age como se não tivesse percebido nada (Winkin apud Goffman 1988, p. 67). É assim que se elabora, na sala de aula, entre professor e alunos, um verdadeiro jogo de “dribles e contradribles”, de estratégias recíprocas e de artifícios. Nessa partida de inumeráveis jogadas, seria um erro acreditar que a sedução é só o apanágio do professor; os alunos não são nada inocentes e também se entregam a manobras semelhantes (Lafon 1992, p. 283). Uma dinâmica complexa – Essa nova relação de forças tornou complexo o jogo que ocorre na sala de aula. De uma maneira mais es- pecífica ao contexto pedagógico, Doyle (1986, p. 34) ilustra bem o emaranhado dessas interações, identificando seis traços fundamen- tais, específicos à situação de ensino na sala de aula: a) a pluridimen- sionalidade; b) a simultaneidade; c) a imediatez; d) a imprevisibilidade; e) a visibilidade; f) a historicidade. A pluridimensionalidade se refere à quantidade de eventos e de tarefas diversas que são realizadas nas salas de aula; basta mencionar os componentes relativos aos aspec- tos físicos, afetivos, intelectuais, sociais, morais de cada um dos alu- nos. A simultaneidade remete ao fato de que várias dessas dimensões são ativadas ao mesmo tempo. A imediatez lembra a rapidez do ritmo em que esses eventos ocorrem; muitas vezes, o professor é obrigado a tomar decisões em situação de urgência (Van der Maren 1990). A imprevisibilidade está ligada ao aspecto inesperado desses aconte- cimentos; nem o professor nem os alunos sabem como certas situa- ções vão acabar e em benefício de quem. A visibilidade sublinha a di- mensão pública de todas as jogadas do professor e dos alunos; na sala de aula, tanto o professor quanto os alunos se comprometem o tempo inteiro. O professor avalia o comportamento de seus alunos as- sim como estes suportam os limites do professor. A historicidade ma- nifesta o impacto desses gestos sobre os acontecimentos que estão por ocorrer na sala de aula. Numa partida, todas as jogadas contam Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 19 e são gravadas na memória dos jogadores, servindo de referência conforme a necessidade. É nesse espaço da sala de aula que profes- sor e alunos se encontram e fazem as suas jogadas a fim de ganhar a partida. No jogo do ensino é preciso recorrer a artifícios, ou seja, seduzir Como vimos, há artifícios em toda forma de interação social. En- tretanto, no caso específico do trabalho interativo, que visa à transfor- mação do outro, esses artifícios assumem uma forma particular: a per- suasão. De fato, como objeto do trabalho interativo, o cliente não pode ser tratado como uma matéria inerte. Ele “possui habilidades e capaci- dades para barrar, sabotar, retardar e deslocar o efeito da tecnologia interativa, que tem por objetivo transformá-lo ou transformar alguns de seus atributos” (Cherradi 1990, p. 58). As potencialidades reflexivas do cliente, sua autodeterminação e mesmo sua resistência e suas artima- nhas dão ao trabalho interativo uma dimensão dinâmica de incerteza. Quanto maior a mudança no cliente ou no usuário visada pela interação, maiores são a complexidade e a indeterminação que carac- terizam a fragilidade de um conhecimento, sob a forma de causa e efei- to, dos atributos variáveis e instáveis a serem modificados no usuário. Maior também é a capacidade que tem o usuário de driblar o efeito da tecnologia interativa, utilizada pelo trabalhador interativo; maior, então, é a necessidade, do ponto de vista do trabalhador interativo, de traba- lhar um usuário cujos atributos são apropriados ao tipo de tecnologia interativa utilizada (Cherradi 1990, p. 14). Nesse tipo de interação, o fato de o usuário ser pró-ativo, isto é, potencialmente capaz de neutralizar ou de barrar os efeitos da interven- ção do trabalhador interativo, constitui um sério problema. Quanto mai- ores forem as necessidades de controle, menos o trabalhador interativo “poderá se desvencilhar e se liberar da vontade do usuário, principal- mente quando a tecnologia visa a mudanças importantes no compor- tamento do cliente” (Cherradi 1990, p. 15). É precisamente por isso que a persuasão surge como a estratégia, o artifício mais útil para o traba- lhador interativo. Persuadir é seduzir. Persuadir é exercer uma influência não somente cognitiva, mas também afetiva. Persuadir é influenciar por meio da palavra e do ges- to, é seduzir a mente e o coração ao mesmo tempo. Nesse sentido, o 22 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 Jogos de sedução Mesmo que a sedução seja constitutiva de toda relação humana e, portanto, do trabalho docente, ainda assim, de modo geral, ela é per- cebida de maneira negativa. Na verdade, ela é associada à manipula- ção, à mentira, ao engano. Conforme Grisoni, a tradição ocidental comporta, há muito tempo, um preconceito contra a sedução, que é solidamente associada ao pecado. De Górgias, contemporâneo de Sócrates, até Freud é praticamente o mesmo discurso que prevalece. Seduzir supõe sempre um fun- do de engano, de mentira e de ilusão. Uma espécie de fatalida- de. Quase uma diabolização. Ele acrescenta que: mesmo a etimologia de seduzir comporta o preconceito. Em vez de derivar, como se poderia pensar, de sui-ducere – atrair para si –, termo que daria a idéia de “atração”, de “domínio”, de “fas- cinação”, “seduzir” vem, na verdade, de se-ducere, que signifi- ca colocar à parte, separar, dividir, partilhar. Ele integra o primeiro sentido, mas desviando-o, deformando-o. O movimento do des- vio está presente aí, como um reflexo do princípio do mal por ex- celência. (Grisoni apud Lafon 1992, pp. 33-34) Essa representação negativa certamente não é estranha à moral judeu-cristã, da qual somos herdeiros. De fato, encontram-se na Bíblia pelo menos dois exemplos que ilustram o que foi dito anteriormente. No Antigo Testamento, o diabo, sob a forma da serpente, seduz Eva e a leva a comer do fruto proibido, o que precipitou o gênero humano para fora do Paraíso. A serpente torna-se, assim, o símbolo do sedutor do mundo in- teiro. Todos conhecem, também, no Novo Testamento, as tentações de Cris- to durante os 40 dias que passou no deserto. O diabo se apresenta, en- tão, em várias ocasiões, como o grande sedutor que procura enganá-lo. Além dessas imagens redutoras e negativas da sedução, e con- siderando que ela é constitutiva de toda relação humana, convém refi- Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 23 nar a análise e examinar suas múltiplas facetas e seus diferentes meca- nismos. Será que tudo é negativo na sedução? Todos os sedutores são iguais? São todos motivados pelas mesmas razões diabólicas? Todos utilizam as mesmas estratégias? A sedução tem sempre o mesmo efei- to, e esse efeito é sempre perverso? Para responder a tais perguntas, decidimos examinar várias fi- guras de sedutores que ficaram famosos ao longo da história. Estamos retomando, desse modo, o argumento de Bataille (1957, p. 26), que, re- ferindo-se a Sade, afirmou que o excesso esclarece o sentido do mo- vimento. Nesse sentido, a análise de figuras de grandes sedutores – Sócrates, Casanova, Dom Juan, Valmont, Johannes, Xerazade – leva a ver a mecânica da relação que eles estabelecem com o outro, a fim de compreender melhor como a sedução ocorre nas relações huma- nas. Isso nos dará a possibilidade de esboçar, em seguida, na última parte, uma resposta para a questão fundamental que nos preocupa: é possível pensar a sedução como estratégia profissional na relação pe- dagógica? Seis grandes sedutores Sócrates Sócrates nasceu em Atenas em 469 e morreu em 399 antes de Cristo. Ele é a imagem paradigmática do professor. Conforme Gusdorf, “a função docente, tal como se desenvolveu no Ocidente, encontra em Sócrates seu patriarca e seu herói exemplar” (p. 87). Ele chega a chamá- lo de “príncipe encantado do conhecimento” (1963, p. 15). Isso diz a que ponto Sócrates foi um grande sedutor. Para compreender melhor o sentido do trabalho educativo de Sócrates, convém, inicialmente, precisar a natureza da relação mes- tre-discípulo entre os gregos. Na época de Sócrates, a educação da juventude repousa na relação entre um “amante” e seu jovem prote- gido, o “amado”. Nessa relação, que não exclui as relações sexuais, o amante é visto como o herói à cuja altura o amado procurará ele- var-se progressivamente. A relação repousa igualmente no desejo do amante de seduzir o amado a fim de que nasça neste último um sen- timento de fervorosa admiração: “(...) a princípio, a educação era muito 24 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 menos um ensinamento, um doutrinamento técnico do que o conjun- to dos cuidados oferecidos por um homem mais velho, cheio de ter- na solicitude, a fim de favorecer o crescimento de um jovem que ali- mentava o desejo ardente de corresponder a esse amor, mostrando- se digno dele” (Marrou 1981, p. 62). Era fácil encontrar Sócrates, pois ele ensinava em lugares públi- cos, interrogando os passantes, conversando com os homens importan- tes ou com os artesãos e até com os escravos. Sócrates nunca pedia recompensas financeiras em troca dessas conversas. Ele ministrava o seu ensino gratuitamente a quem se dignava conversar com ele. Con- tudo, seu público-alvo, como diríamos hoje, era sobretudo a juventude ateniense, composta pelos efebos da nobreza da cidade. Assim como os sofistas, Sócrates também era um grande sedu- tor. “Ele não se limitava a acolher os jovens, ele os atraía, declarava- se amante deles e felicitava-se por saber seduzi-los” (Meunier 1965, p. 137). Em contrapartida, diferentemente deles, era por suas almas que Sócrates estava apaixonado. O Banquete, de Platão, explicita o porquê. Nessa obra, o discurso de Diotima enuncia os diferentes graus do amor. Deve-se amar primeiro um belo corpo; depois, ao compreender que a beleza de um corpo é irmã da beleza que se acha em to- dos os outros, amar todos os corpos belos; em seguida, ver a beleza da alma como superior à do corpo; ver-se-á, então, a be- leza que está nas leis e nos atos dos homens. Dos atos dos ho- mens passa-se às ciências, para contemplar sua beleza e pro- duzir, com uma fecundidade inesgotável, os discursos e os pen- samentos mais magníficos da filosofia, até que, enfim, chega-se a ver apenas uma única ciência, a da beleza absoluta, ideal, eter- na, da qual participam todas as belas coisas. (Chambry, Notice sur le Banquet, 1964, p. 19) Mesmo sentindo-se atraído pelo corpo dos jovens efebos, era à alma deles, entretanto, que Sócrates visava em primeiro lugar: “Conhe- cendo as conseqüências funestas de um amor demasiado carnal, Sócrates exortava seus amigos a absterem-se, na medida do possível, dos prazeres de Afrodite, e a se afastarem de tudo o que pudesse in- flamar as paixões, exasperar os sentidos e dar à alma motivo para se afligir” (Meunier 1965, p. 141). Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 27 Casanova Ao contrário dos outros grandes sedutores de mulheres, Giacomo Casanova não é um personagem de ficção. Ele realmente existiu. Nas- ceu em Veneza, no dia 2 de abril de 1725, e era filho de atores perten- centes à pequena burguesia. Morreu em 4 de junho de 1798. Se ele se tornou um personagem famoso, foi graças à sua própria vida, que ele conta nos 16 volumes de suas Memórias. Dizem que ele tinha um físico bastante agradável e uma viva inteligência. Recebeu uma excelente edu- cação: doutor em direito, conhecia o grego, o latim, o francês e o hebreu, além de se virar em espanhol e em inglês. Possuía profundos conheci- mentos de teologia, de filosofia e de matemática. Exerceu diversas pro- fissões, que abandonou logo em seguida: padre, militar, músico e até agente secreto! Dançava como ninguém e era excelente na esgrima e na equitação. Viajante incansável, percorreu incessantemente toda a Euro- pa: da Espanha à Rússia, da Inglaterra à Polônia. Em suma, era um ho- mem fora do comum: bonito, inteligente, culto; tinha tudo para agradar e, ainda por cima, era devorado por uma paixão incontrolável: as mulheres. Casanova quer seduzir todas as mulheres, ele ama todas elas e não escolhe: mulher do povo ou mulher da corte, jovem ou velha, ele pega aquilo que a vida lhe traz, autêntico “amontoado insensato de be- leza e de lixo, de inteligência e de vulgaridade, verdadeira feira do aca- so sem freio e sem escolha!” (Zweig 1937, p. 135). Casanova é essenci- almente um ser do prazer. “Não é um sedutor, é um gozador” (Marceau 1948, p. 142). Ele não somente se deleita com o seu próprio prazer, mas o prazer do outro o enche de deleite. “Ele gosta do prazer que proporci- ona às mulheres” (idem, p. 116). Casanova não é um sedutor estratégico, ele não planeja, não cal- cula. “Se tivesse sido apresentado à devota Madame de Tourvel, Casa- nova teria, sem dúvida, como Valmont, procurado conquistá-la. Mas, entrementes, para matar sua fome, teria ido à cata das empregadas do castelo, de algumas camponesas das redondezas e da velha tia, ain- da por cima” (idem, p. 185). Ele vive o momento e é totalmente domi- nado por suas paixões. “Nunca tive condições de me ultrapassar e nun- ca terei” (Zweig 1937, p. 125). Contrariamente aos verdadeiros seduto- res, que preferem seduzir as mulheres e que encontram nas artimanhas e subterfúgios seu verdadeiro prazer, Casanova “não sente prazer nas etapas, (...) ele não as respeita” (Marceau 1948, p. 134). “Ele não reflete nem trama; é no infortúnio que vêm até ele, para salvá-lo, inspirações 28 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 astuciosas e muitas vezes geniais; ele nunca prepara, com planos ou cálculos (ele não tem muita paciência), nem a menor das ações” (Zweig 1937, p. 125). É inútil procurar nele motivos ocultos e inconfessáveis ou segredos que não devam ser revelados. Ao contrário, Casanova é um ser de superfície, cujo exterior se confunde com o interior e cujo obje- tivo se esgota no instante presente. Como Casanova seduz? De uma maneira muito simples: ele se dá sem reservas, se abandona completamente, possuído pelas mulhe- res. Elas sentem nele a febre animal: “ele não precisa inventar artifíci- os líricos ou enganadores para seduzir: Casanova só precisa deixar agir sua paixão e ela trabalha para ele” (Zweig 1937, p. 138). As mulheres se deixam possuir por ele porque sentem que ele é possuído por elas. “Nada se pode ir buscar nesse mestre, nada se pode aprender com ele, pois não existem truques próprios de Casanova, não há uma técnica casanovense da conquista e da sedução. Seu segredo está na since- ridade do desejo, na expressão elementar de uma natureza apaixona- da” (id., ibid.). Casanova não estraga as mulheres, ele não é demoníaco, ele per- manece na superfície; é o corpo delas que ele quer, e não a alma. Ele cumpre sempre as suas promessas; por isso, as mulheres que conquis- tou não se sentem lesadas nem feridas: “Graças a seu magnífico depó- sito de sensualidade, ele dá prazer por prazer, corpo por corpo e nunca contrai dívidas da alma” (id., ibid.). De fato, suas relações com as mulhe- res são realmente leais, porque são simplesmente de ordem sexual e sensual (id., ibid.). Ele não provoca nenhuma catástrofe. Ele fez muitas mulheres feli- zes e não fez nenhuma delas ficar histérica. Todas saem intactas de uma aventura puramente sensual para voltar à vida cotidiana, ou seja, a seus maridos ou a outros amantes. Mas nenhuma delas se suicida nem se abandona ao desespero; seu equilíbrio interior não é perturbado (...). Ele as inflama sem consumi-las; conquista sem destruir, seduz, mas não desmoraliza (...). (idem, p. 140) Mais do que isso, as amantes de Casanova ignoram o ciúme, não guardam rancor dele por tê-las deixado e o recomendam umas às outras (idem, p. 147). Elas chegam a escolher uma substituta para ele ou a dis- cutir com ele sobre quem vai ser o seu sucessor. Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 29 Assim, na verdade, ele não conquistou essas mulheres para si mes- mo, mas para revelar-lhes uma forma de prazer alegremente aceita, e é por isso que logo elas procuram recrutar novas adeptas para esse culto realizado para torná-las felizes: a irmã mais velha leva a caçula para o altar desse adorável sacrifício; a mãe leva a filha a esse terno professor; cada amante incentiva a outra a participar do rito e da dança desse deus tão pródigo. (o grifo é nosso; id., ibid.) Não é difícil compreendê-las: Casanova é um sedutor generoso que “não abandona uma mulher sem lhe deixar dinheiro, seu carro, um marido” (Marceau 1948, p. 190), sem recompensá-la com a certeza de ter sentido prazer no mais profundo da sua própria carne. Em suma, mesmo que as abandone ou que elas decidam abandoná-lo, “...nenhuma delas gostaria que ele fosse diferente do que foi: por isso, Casanova só precisa ser o que é, ou seja, sincero na infidelidade de sua paixão (...)” (Zweig 1937, p. 138). Dom Juan Existem duas versões muito conhecidas de Dom Juan: o Dom Juan de Molière, peça de teatro encenada em 1665, e o famoso Dom Giovanni de Mozart, cujo libreto foi composto por Lorenzo da Ponte para a famosa ópera apresentada pela primeira vez em 1787. Considerando a grande semelhança entre o personagem de Dom Juan de Da Ponte e Casanova, cujas características acabamos de apresentar, julgamos que deveríamos analisar apenas o Dom Juan de Molière, que apresenta particularidades diferentes. A peça de cinco atos apresenta, inicialmente, a cena da deserção de Dom Juan. Ele acaba de abandonar a mulher, Dona Elvira, que recla- ma vingança por tal afronta. Dom Juan, perseguido pelos irmãos de Dona Elvira, chega a uma pequena aldeia, depois de ter naufragado. No cami- nho, ele aproveita para seduzir duas jovens camponesas, embevecidas com suas belas palavras e encantadas com seus ares de grande senhor. Em seguida, estando num cemitério diante do túmulo de um Comendador que outrora havia assassinado, ele convida a estátua do morto a vir fazer- lhe uma visita, e ela aceita. De volta à casa, à mesa, Dom Juan vê reapa- recer a estátua do Comendador, que também lhe faz um convite. Por bra- vata, ele aceita o desafio. Finalmente, depois de ter enganado todo mun- do, seu pai, Dom Luis, Elvira e os irmãos, além das camponesas Carlota 32 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 Não sei, na verdade, que homem pode ser esse, se ele realmen- te agiu conosco com tanta perfídia; e não entendo como, depois de tanto amor e de tanta impaciência demonstrada, de tantos ga- lanteios insistentes, de juramentos, de suspiros e de lágrimas, de tantas cartas apaixonadas, de declarações ardentes e de promes- sas reiteradas, de tanta emoção e de tanta exaltação que ele dei- xou transparecer, até vencer, em sua paixão, o obstáculo sagra- do de um convento, para colocar Dona Elvira em seu poder, não compreendo, repito, como, depois de tudo isso, ele teria coragem de faltar com sua palavra. (Molière, ato 1 cena 1, pp. 35-36) Pois é, a técnica final, a arma secreta de sedução de Dom Juan é a promessa de casamento, promessa que é sempre quebrada, eviden- temente. Como menciona Sganarelle, o fiel servidor de Dom Juan: “Pro- meter casamento não lhe custa nada; é a armadilha de que ele se serve para agarrar as mulheres, e está sempre pronto a pedir todas as mãos em casamento” (idem, p. 36). Como vimos, o importante para Dom Juan é a conquista. Ao atin- gir seu objetivo, ele não pode estabelecer uma relação a longo prazo com sua parceira e vai continuar seu combate noutro lugar: “Mas quan- do nos tornamos senhores, não há mais nada a dizer nem a desejar; toda a beleza da paixão acaba e adormecemos na tranqüilidade de um tal amor” (Molière, ato 1, cena 2, p. 40). Por exemplo, depois de unir-se a Dona Elvira para sempre, pelo casamento, Dom Juan a abandona. Esse abandono, natural na lógica de Dom Juan, será percebido por Dona Elvira como uma traição inqualificável: “Ah, celerado! Agora te conheço por inteiro; e, para infelicidade minha, conheço-te quando não é mais tempo de te conhecer e quando esse conhecimento só pode servir para o meu desespero” (Molière, ato 1, cena 3, p. 48). Enquanto Casanova dá amor, e também se dá, Dom Juan toma, rouba das mulheres o que elas têm de mais precioso: a honra. É o que as deixa tão enfurecidas quan- do descobrem o logro. De fato, como mostra Zweig: Assim que são vencidas por sua técnica fria, as mulheres pas- sam a ver em Dom Juan o próprio diabo; elas detestam, com todo o ardor do amor que lhe dedicavam na véspera, o inimigo hereditário e enganador que, no dia seguinte, derrama sobre a paixão que sentiam a ducha gelada de seu riso irônico (...). Elas sentem vergonha de sua própria fraqueza, ficam loucas, furiosas Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 33 e enraivecidas em sua cólera impotente contra o malandro que as enganou, que as fez cair no erro e as espoliou, e passam a odiar todo o sexo masculino. (1937, p. 145) O que é odioso na sedução de Dom Juan é a violação de sua promessa, que leva ao rompimento da duração, pois toda promessa de casamento é sempre promessa de duração. Por conseguinte, o es- cândalo, em Dom Juan, é que ele promete sem parar e viola, assim, a “lei” da promessa à qual suas vítimas crêem que ele também está ligado. As vítimas tomam consciência de que Dom Juan não estava realmente em relação com elas, que ele não jogava o mesmo jogo, que havia sempre uma distância entre elas e ele, que “sua boca não estava de acordo com o seu coração” (Molière, ato 5, cena 2, p. 100). Dom Juan não está em relação com ninguém. Ele transforma a men- tira em sistema e não se compromete com a outra pessoa, mas com- promete a outra pessoa com ele. Valmont No século XVIII, As l igações perigosas, romance de Pierre Choderlos de Laclos, conheceu um sucesso fenomenal. Nele, o au- tor nos convida, por intermédio de uma troca de correspondências, a acompanhar as estratégias de um sedutor, Valmont, e de sua cúmpli- ce, Madame de Merteuil, bem como o destino infeliz de Madame de Tourvel, vítima desse jogo mefistofélico. Como os grandes sedutores, Valmont possui tudo para seduzir: “...um belo nome, uma grande for- tuna, muitas qualidades agradáveis (...)” (C. de Laclos 1996, p. 42). Mas, embora esses atributos sejam essenciais à sedução, eles não bastam para explicá-la. É preciso mais do que isso, alguma coisa mais sutil e mais profunda: uma inteligência astuciosa e o domínio de si mesmo: A libertinagem é praticada como um esporte – para usar o nosso vocabulário – dos mais difíceis, exigindo uma imensa habilidade, muito sangue frio e todos os dons do homem mundano. Se tives- sem sido aplicados noutros objetos, os talentos empregados por Valmont para seduzir as mulheres teriam feito dele um perfeito di- plomata ou um poderoso estrategista (...). (Pomeau 1996, p. 47) 34 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 A melhor maneira de descrever a problemática da sedução em Laclos seria por meio da seguinte citação, na qual Valmont exulta depois de ter vencido, de maneira monstruosa, a resistência de Madame de Tourvel, aquela que ele cobiçava acima de tudo: “Não é como nas mi- nhas outras aventuras, uma simples capitulação mais ou menos vanta- josa, e da qual é mais fácil aproveitar do que se orgulhar; é uma vitória completa, obtida numa batalha difícil e decidida por meio de sábias ma- nobras. Não é de surpreender que esse sucesso, que obtive sozinho, seja ainda mais precioso para mim; e o excesso de prazer que senti, com o meu triunfo, e que ainda estou sentindo, não é mais do que a doce im- pressão do sentimento da glória’” (C. de Laclos 1996, p. 400). Tudo está nessa frase, e mais ainda nas entrelinhas – a personalidade do sedutor: um conquistador pretensioso; o alvo seduzido: a inacessível e insubmissa devota; o motivo: a glória proporcionada pela conquista; a maneira: o cál- culo frio; o efeito: o mergulho da vítima no desespero e na morte. Vamos examinar cada um desses diferentes aspectos. Para Valmont, é importante não somente viver na libertinagem, mas ser reconhecido como o maior dos libertinos. Para ele, seduzir Madame de Tourvel representa o coroamento de sua carreira: “Quando eu tiver ob- tido esse triunfo, direi a meus rivais: ‘Vejam a minha obra e tentem en- contrar neste século um segundo exemplo!’” (C. de Laclos 1996, p. 375). Ele se deleita com o efeito que a sua façanha produzirá nos salões da época: “Se eles não podem me ver trabalhando, mostrar-lhes-ei a minha obra já concluída; eles só terão que admirar e aplaudir” (idem, p. 321). Esse orgulho sem medidas leva-o até mesmo a sacrificar o amor que ele parece sentir por Madame de Tourvel. Sua cúmplice, Madame de Merteuil, leva-o a tomar consciência da impiedosa vaidade que se apossa dele: “Sim, Visconde, você amava muito Madame de Tourvel, e, aliás, você ain- da a ama; ama como um louco. Mas, como eu me divertia fazendo-o sentir vergonha, você a sacrificou corajosamente. Você teria sacrificado mil, para não sofrer uma gozação” (idem, p. 451). Já famoso por suas inumeráveis conquistas, Valmont não pode se satisfazer com presas fáceis, com “(...) a insípida vantagem de ter tido uma mulher a mais” (idem, p. 126). Só lhe interessa agora a presa mais sublime, mais “desumana”: “Você conhece a mulher do presidente, Madame Tourvel, com toda a sua devoção, seu amor conjugal, seus prin- cípios austeros. É ela que vou atacar; é esse o inimigo digno de mim, o objetivo que pretendo alcançar...” (idem, pp. 85-86). Enquanto Dom Juan era indiferente às mulheres, Valmont busca a mulher diferente. E ele pen- Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 37 tético”, antes de tudo. Para ele, trata-se de identificar a essência da beleza numa mulher, de se apossar dela e de enaltecê-la até o sublime. “O diário mostra assim que, às vezes, era uma coisa completamente arbitrária que ele desejava, um ‘olá’, por exemplo, e ele não queria de forma alguma receber mais do que isso, porque tal saudação era o que a pessoa em questão pos- suía de mais belo” (Kierkegaard 1997, p. 15). O sedutor torna-se, assim, uma espécie de artista que faz surgir o Belo. “Um artista pinta sua bem-amada, e acha prazer nisso, um escultor a forma, e é o que também eu faço, mas no sentido espiritual” (idem, p. 157). Ele diz também: “O essencial é ficar à espreita do que cada uma pode dar e, conseqüentemente, do que ela pede” (idem, p. 84). A pessoa seduzida torna-se, de certo modo, sua obra, e fica lhe devendo sua beleza revelada. Por conseguinte, o gozo, como projeto estético, se opõe, em Johannes, à sedução vulgar voltada unicamente para a realização do prazer carnal: “Eu não faço questão de possuí-la, no senti- do grosseiro do termo, o que me importa é desfrutar dela no sentido artísti- co” (idem, p. 129). O projeto de Johannes consiste, então, em tornar-se tudo para ela, em fazer com que ela o ame incondicionalmente: Eu sou um esteta, um erótico, que compreendeu a natureza do amor, sua essência, que acredita no amor e o conhece a fundo, e que se reserva somente a opinião pessoal de que uma aventura galante dura apenas seis meses, no máximo, e de que tudo acaba no momento em que a gente desfruta das últimas provas de amor. Sei de tudo isso, mas sei, também, que o supremo gozo imaginável é o de ser amado, de ser amado acima de tudo. (Kierkegaard 1997, p. 122) A exigência estética desse sedutor o distingue de Casanova, de Dom Juan e de Valmont, ao mesmo tempo. Ao passo que Casanova se comporta como um verdadeiro glutão do amor, pois, para ele, todas as mulheres servem, sem nenhuma distinção, que Valmont seleciona com base na dificuldade do desafio e que Dom Juan encontra prazer na mu- dança perpétua, Johannes realiza um outro tipo de seleção, que o leva a estetizar a diferença em cada mulher. Podemos estar apaixonados por muitas, ao mesmo tempo, porque as amamos de diferentes maneiras. Amar uma só é muito pouco; amar todas elas é uma falta de caráter superficial; mas, conhecer-se a si mesmo e amar um número tão grande quanto possível, prender em 38 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 sua alma todas as potências do amor, de maneira que cada uma de- las receba o alimento apropriado, enquanto a consciência engloba o todo, é esse o verdadeiro gozo, é isso que é viver. (idem, p. 111) Esteta da sedução, Johannes não objetiva entrar realmente em re- lação com a outra pessoa. “De início, ele tirava prazer pessoal da estética; em seguida, ele tirava prazer esteticamente de sua personalidade. Ele tira- va prazer, então, egoistamente, de si mesmo (...)” (idem, p. 13). Esse perso- nagem parece, assim, incapaz de manter uma verdadeira relação amoro- sa partilhada. Para ele, o amor se reduz não somente a receber do outro, mas a ser tudo para o outro: “Aprendendo a amar, ela aprenderá a amar a mim; à medida que ela desenvolver essa regra, o paradigma surgirá, e esse paradigma sou eu” (idem, p. 137). Seu objetivo, então, é tirar prazer da re- lação para si mesmo, tornando-se mestre do espírito e do coração de sua vítima. A fim de concretizar seus objetivos, o sedutor não poupará nenhum estratagema, nenhuma maquinação. Conseqüentemente, Johannes aparece como um ser frio, calculista, cínico: “Não gosto de sentir vertigem”, diz ele (idem, p. 120). Ele só pode conceber uma relação no engano: Todas as moças que quiserem confiar-se a mim podem estar cer- tas de receber um tratamento perfeitamente estético; somente no fim, é claro, elas serão enganadas; mas também, é uma cláusula da minha estética, pois ou a moça engana o rapaz ou o rapaz en- gana a moça. (idem, p. 142) Para seduzir Cordélia, Johannes prepara uma implacável maquina- ção. Ele a encontra, por acaso, num lugar público. Ao vê-la, ele sente a necessidade de conhecê-la melhor: “(...) preciso conhecê-la em todos os aspectos de sua vida espiritual, antes de começar meu ataque” (idem, p. 76). Para tanto, ele lhe prepara armadilhas sob a forma de encontros su- postamente fortuitos, mas que são, na verdade, inteiramente organizados. “Posso distribuir, como simples bagatelas, encontros que muitas vezes me custaram horas de espera...” (idem, pp. 75-76). Johannes é metódico e aca- ba descobrindo onde ela mora, quais são seus hábitos, suas companhi- as, suas idas e vindas. Em seguida, ele se torna amigo de Eduardo, na- morado de Cordélia, e usa essa amizade para chegar até ela. Ele chega mesmo a ganhar a estima da tia com quem Cordélia mora, tendo longas conversas com ela. Progressivamente, ele acaba por atiçar a curiosidade Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 39 de Cordélia, levando-a a tornar-se noiva dele. Ele vai mais longe ainda, até o ponto em que, paradoxalmente, após ter despertado o desejo dela com cartas ardentes de paixão, ele se torna pouco a pouco mais distante, provocando nela um fogoso movimento de aproximação. “Ela vai querer me atrair usando os mesmos recursos que usei com ela, ou seja, o ero- tismo” (idem, p. 211). Ele leva Cordélia a conceber o amor deles como um estado superior às convenções sociais como o noivado e o casamento. Ela decide, então, acabar com o noivado em nome da lógica daquele amor e dar-se logo totalmente a ele. Ele prepara Cordélia para a última noite... que ele é o único a saber ser a última! Tão logo a “possui”, ele a abandona. Tudo está acabado e não desejo vê-la nunca mais. Uma moça tor- na-se fraca quando ela dá tudo – ela perde tudo; pois a inocência no homem é um elemento negativo, mas na mulher é a essência de sua natureza. Agora, toda resistência é impossível, e só é belo amar enquanto ela dura; quando ela acaba, tudo é fraqueza e há- bito. (Kierkegaard 1997, p. 251) A execução desse projeto leva vários meses. Tudo ocorre de tal maneira que, em nenhum momento, ele estabelece uma verdadeira rela- ção com os outros personagens da história. Cada um dos atores – Eduar- do, a tia, Cordélia – não é mais que um objeto útil a seu projeto, um peão no tabuleiro de seu jogo perverso: “Os indivíduos foram apenas estimulan- tes para ele; ele os jogava para longe de si como as árvores deixam cair suas folhas – ele rejuvenescia, as folhas murchavam” (idem, p. 17). A sedução estética de Johannes é um processo de crueldade: “Tra- balho para desenvolver o contraste, armo o arco do amor a fim de pro- duzir um ferimento mais profundo” (idem, p. 90). Nessa história, tanto a alma quanto o corpo são violados. Johannes deixa Cordélia num esta- do lamentável, em que ela acredita ser a causa de sua própria infelici- dade. Ela se sente culpada e fica com a dolorosa impressão de ser res- ponsável pela ruptura deles. Xerazade Ao descobrir que sua esposa o traía, o sultão Xariyar mandou cor- tar-lhe a cabeça. Em seguida, ele ordenou ao vizir que lhe trouxesse to- 42 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 te, os jogos de sedução levam seja a excluir, seja a manter a outra pes- soa no jogo. Examinemos brevemente esses três pólos contrastantes. Jogar o jogo ou aproveitar-se do jogo Certos sedutores jogam o jogo, enquanto outros se aproveitam do jogo, isto é, jogam uma espécie de jogo duplo no qual o que dizem ao outro não corresponde à sua intenção ou ao seu comportamento real mas não declarado. Na verdade, para esses sedutores, o outro não é um parceiro de jogo, não é um sujeito de relação, mas um simples objeto do qual se aproveitam, de que se servem a seu bel-prazer. É possível reunir Sócrates, Casanova e Xerazade na categoria da- queles que jogam o jogo, ao passo que Dom Juan, Valmont e Johannes pertencem àqueles que se aproveitam do jogo. De fato, Sócrates entra re- almente em relação com seu discípulo, procura o conhecimento com ele, e não à custa dele. Ele não se serve do outro para seus próprios fins nar- cisistas, mas visa caminhar com ele em direção à sabedoria. Casanova entra numa relação passional com suas parceiras, busca o prazer parti- lhado. Ele não lhes promete nada além do que pode lhes dar, ou seja, o gozo. O jogo de Xerazade parece mais ambíguo. Em primeiro lugar, é pre- ciso reconhecer que Xerazade cumpre suas promessas. Tal como prome- tido, a cada noite, e durante mil e uma noites, ela contava uma história mais impressionante do que a anterior. Contudo, o mais fundamental ain- da é que, durante os mil e um dias em que o sultão tratava dos negócios do reino, Xerazade permaneceu totalmente fiel a ele. E, paulatinamente, enquanto no início ela parecia zombar do rei, por intermédio de um pla- no sutil armado com a irmã, ela acabou estabelecendo uma relação pro- funda e feliz com ele. Esse tipo de sedutor expresso pelas figuras de Sócrates, Casanova e Xerazade tenta seduzir a fim de que o outro entre no jogo; não há jogo duplo aqui, pois cada um dos parceiros joga o mes- mo jogo. Por outro lado, Dom Juan, Valmont e Johannes se aproveitam li- teralmente de suas vítimas. Cada um à sua maneira faz a outra pessoa acreditar que ele está em relação com ela, mas, na verdade, age de acor- do com um outro esquema. Por conseguinte, esse tipo de sedutor joga um “jogo duplo” a fim de ganhar a partida, cujos verdadeiros lances ele é o único a conhecer. Dom Juan finge se comprometer com sua belda- Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 43 de através da promessa de casamento, mas, na realidade, se guarda para todas as outras. Valmont faz Madame de Tourvel acreditar que a sua verdadeira motivação é o amor que sente por ela, quando, na realidade, está jogando um outro jogo em cumplicidade com Madame de Merteuil, no intuito de realizar o coroamento de sua carreira de grande sedutor. Enfim, Johannes simula o amor para desfrutar, de maneira egoísta, de seu domínio sobre Cordélia. Em suma, esses sedutores são, de certa ma- neira, os únicos a jogar; eles jogam para si mesmos. Eles planejam, de maneira egoísta, tirar proveito da relação. Assim, Dom Juan, Valmont e Johannes não querem gozar com os outros, mas dos outros. Eles não cumprem suas promessas, nunca cumprem com a sua palavra. Gusdorf (1971) nos faz compreender a relação íntima que existe entre a sedução e a linguagem. Para ele, a autenticidade da comunicação não está numa certa representação de um ideal da linguagem pura (verdadeira), mas no esforço constante de manifestação do homem. Não há verdade na pala- vra em si, mas pode haver uma correspondência entre palavra e ato. Ora, o problema desses sedutores é justamente o fato de que, neles, não há correspondência entre palavra e ato. “A ética da palavra, numa experi- ência renovada dia após dia, afirma uma exigência de veracidade. Tra- ta-se de dizer a verdade, mas não se pode dizer a verdade sem ser ver- dadeiro. Assim se define a necessidade de colocar a limpo as relações de si para o outro e de si para si” (1971, p. 121). Além disso: “O homem de palavra não paga com palavras, mas paga com sua pessoa” (id., ibid.). Seduzir para durar ou por um instante A relação com o tempo constitui uma outra diferença importante entre os sedutores. Sócrates, Casanova e Xerazade produzem uma sedu- ção que, de certa maneira, tende a durar, enquanto Dom Juan, Valmont e Johannes empenham suas energias em gozar o último momento da que- da da vítima. Embora Sócrates também esteja interessado nos corpos jovens e viris, seu objetivo é bem mais profundo. Ele persegue um objetivo a lon- go prazo, o de fecundar as almas. Casanova vive o instante, mas sua ação se insere na duração. Ele busca a continuidade do prazer, a eter- na aventura (Zweig 1937, p. 128). Ele vive no imediato, mas, paradoxal- mente, suas relações com as mulheres são duráveis: elas permanecem 44 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 apegadas a ele, conservam uma lembrança deleitável de sua pessoa e adorariam reviver uma vez mais uma sensual noite de amor em seus bra- ços. Embora o objetivo primeiro de Xerazade tenha sido o de pôr fim à matança infernal ordenada pelo sultão e de escapar assim à morte, sua relação com Xariyar transformou-se, em seguida, em verdadeiro amor. Ela viveu feliz com ele “durante anos e anos, passando dias mais admiráveis que os anteriores...” (Tomo 2, 1993, p. 1.018). Só aparentemente Dom Juan, Valmont e Johanes se inserem na duração. A realização do obje- tivo deles exige, às vezes, meses de preparação e de esforços. Entretan- to, esse objetivo nunca se volta para a continuidade. Esses sedutores procuram algo que está além da relação. Só uma idéia os anima, a que- da da vítima, e, quando esse objetivo se realiza, eles a abandonam sem remorsos. Dom Juan nem bem acaba de se casar com Dona Elvira e já está partindo para iniciar outras conquistas; Madame de Tourvel é aban- donada por Valmont assim que é conquistada por ele; depois que o amor se consuma, Johannes abandona Cordélia sem nenhuma explicação. Excluir ou manter o outro no jogo Nos seis exemplos analisados, é possível constatar um forte apego da pessoa seduzida por seu sedutor. Todavia, outra diferença importante surge entre os diversos personagens. Dois grandes tipos de efeito aparecem claramente: a exclusão da pessoa seduzida ou sua conservação no jogo. Sócrates, Casanova e Xerazade fazem a outra pessoa entrar no jogo, transmitem-lhe o prazer de jogar com eles. São sedutores que mantêm a relação com a pessoa seduzida, a qual nunca é posta fora do jogo. O Banquete, por exemplo, é a ence- nação dessa relação pedagógica que continua entre Sócrates e seus discípulos. Alcibíades, aluno cheio de artimanhas, continua mesmo assim querendo conservar sua relação com o mestre. Nenhuma das mulheres seduzidas por Casanova é excluída do jogo após uma aven- tura com ele. Ao contrário, todas permanecem sendo parceiras poten- ciais para novas partidas. Quanto a Xerazade, ela põe fim ao trágico destino ao qual estavam condenadas as outras mulheres do sultão. Ao contrário delas, ela não é impiedosamente excluída do jogo, mas con- segue transformá-lo em seu parceiro para o resto da vida. Por outro lado, o jogo duplo de Dom Juan, de Valmont e de Johannes coloca suas vítimas literalmente fora do jogo, retirando delas, definitivamen- Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 47 mar, em seguida, as lições que tiramos da análise dos sedutores, apli- cando-as desta feita à relação professor-alunos. A análise do jogo pedagógico, tal como ocorre entre o professor e os alunos, na sala de aula, põe em evidência vários elementos. Em pri- meiro lugar, contrariamente à maioria dos sedutores, o professor não dis- põe de um tempo infinito para seduzir suas “vítimas”. Logo no início do ano letivo, desde o primeiro dia de aula, ele deve estabelecer um con- tato com alunos que lhe são mais ou menos estranhos e fazê-los acei- tar as regras de funcionamento de sua sala de aula. Ele só pode exer- cer sua “influência” durante aquele tempo em que os alunos estão sob a sua responsabilidade, período delimitado pelo calendário escolar. Além disso, o jogo da sedução ocorrerá num espaço especializado, associa- do ao trabalho intelectual que não é – devemos admitir – particularmente propício ao estabelecimento de relações íntimas. Ademais, a relação pe- dagógica é uma relação obrigada. De fato, nem o professor nem os alu- nos se escolhem uns aos outros. E o que é pior, ao contrário do profes- sor, os alunos são obrigados a estar na escola. Por outro lado, contrari- amente aos seis casos analisados, o professor não tem de seduzir so- mente uma pessoa a cada vez, mas um coletivo: ele precisa conseguir influenciar não somente cada criança em particular, mas também o gru- po como um todo. Enfim, não se pode esquecer a relação assimétrica entre o adulto que é professor e os alunos que estão sob a sua respon- sabilidade. Ao delegar-lhe a responsabilidade de instruir e educar as cri- anças, a sociedade espera que ele exerça uma certa forma de autorida- de sobre eles. Logo de saída, essas condições próprias ao contexto do ensino impõem, assim, limites àquilo que poderá se revelar como sen- do, ou não, estratégias eficazes de sedução no contexto profissional. Examinemos, agora, como podemos pensar a sedução em função dos limites da relação pedagógica. O jogo pedagógico é, em parte, de- terminado pelos limites e regras dentro dos quais se situa o ensino no ambiente escolar. Assim, o professor não pode jogar qualquer jogo. Na qualidade de trabalhador investido de um mandato particular, ele deve trabalhar no intuito de instruir e educar os jovens. Entretanto, não se pode esquecer que os limites e as regras que orientam seu trabalho di- zem respeito, sobretudo, às modalidades gerais da interação. O profes- sor possui, por conseguinte, uma certa margem de manobra no estabe- lecimento das regras do jogo em sua própria sala de aula. Nesse con- texto, o que significa “jogar o jogo”? Resposta: cumprir com a sua pro- messa. A adequação entre a palavra e o ato tem por efeito o estabeleci- 48 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 mento de um clima de confiança, garantia de uma relação de qualidade. Nesse sentido, tal como Sócrates, Casanova e Xerazade, o professor aplica seus artifícios e suas estratégias de sedução não para enganar o outro, mas para compremetê-lo a jogar com ele. Inversamente, não cum- prir com sua promessa é fazer como Dom Juan, Valmont e Johannes, ou seja, jogar jogo duplo, o que, no caso do professor, significa zombar dos alunos. Jogar o jogo, em termos de pedagogia, é, então, numa certa me- dida, responder ao mesmo tempo às exigências da instituição educativa, contribuir para que suas finalidades principais sejam atingidas e estabe- lecer com os alunos uma relação em que cada um, de acordo com as re- gras, jogue o mesmo jogo da sedução. A relação de sedução entre o professor e os alunos não tem nem a importância de um casamento, nem a fugacidade da aventura de uma noite. Considerando que o ano letivo dura dez meses, uma sedução pro- fissional eficaz precisa se inserir nessa duração semiprolongada. Como a sedução pedagógica tem um termo, as estratégias devem ser pensa- das em função desse fim, o que quer dizer que elas devem considerar, desde o início da relação, a partida dos alunos. Seduzir na duração im- põe um limite à possibilidade de enganar o outro. De fato, a exigência do tempo impede que a mentira perdure. Cedo ou tarde, o professor de- verá prestar contas diante do tribunal de seus alunos sobre a veracida- de de seu ser, de seus gestos e de suas palavras. O que pressupõe que o professor, desde os primeiros contatos com a turma, saiba que, quaisquer que sejam as metamorfoses sofridas pelo encontro, ele jamais deverá perder de vista o fato de que ele só pode ser um “objeto transacional” em direção ao saber, que ele está ali de passagem. Ele jamais deverá esquecer que deve reali- zar um trabalho de luto sobre a sua própria pessoa e não sobre os saberes que detém, que ele deve realmente abandonar seu desejo de onipotência – sua fantasia de onipotência. (Lafon 1992, p. 291) Assim, nessa perspectiva psicanalítica, a sedução pedagógica difere daquela empregada pelos sedutores, pois ela ensina a supe- ração de si mesmo, o luto em relação a seu próprio narcisismo. De fato, contrar iamente a personagens como Dom Juan, Valmont e Johannes, que querem ser indispensáveis, mesmo que seja para ir embora assim que a noite termina, o pedagogo ensina o aluno a não Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 49 precisar dele. Dessa maneira, seduzir de modo durável vai de encon- tro ao narcisismo dos professores que devem: assumir o caráter mais paradoxal de seu trabalho: instituir em sua própria ação o princípio de seu desaparecimento. Nesse sentido, sua utilidade social se baseia em sua capacidade de aceitar tor- nar-se inútil. Eles precisam, efetivamente, saber morrer continua- mente para o aluno, para aquele que se formou. A autonomia dos parceiros tem esse preço. (Ardoino 1980, p. 136) Por outro lado, segundo Lafon (1992), toda relação professor-alunos começa por uma sedução primeira, sedução festiva, como diria Cifali (1994). “Ora, o perigo da sedução na relação pedagógica reside na própria natu- reza da sedução que está associada à imediatez e ao prazer” (Lafon 1992, p. 135). A sedução, limitada ao momento do prazer, não permite a sublima- ção exigida por um trabalho que se prolonga no tempo: “A sublimação se- ria o resultado de um trabalho no tempo, de esforços, de deslocamentos, para alcançar o princípio de uma realidade que termina, muitas vezes, de forma dolorosa” (o grifo é nosso; idem, p. 137). Nessa relação a meio termo entre os alunos e o professor, este deve, como Xerazade, cativá-los dia após dia. É assim que eles poderão, progressivamente, desviar seu olhar do pro- fessor em direção aos objetos do conhecimento. A realidade da relação professor-aluno começa além da sedução primeira, o prazer do aluno devendo ser adquirido por ele, que deve apossar-se dele, torná-lo seu, e não querer agradar ao ou- tro. O prazer se torna, então, a vitória por ter ultrapassado o “não- sabido”, e não somente o olhar do outro que aprova. (idem, p. 291) Disso depende a sobrevivência de um e do outro, do professor como profissional centrado sobre a aprendizagem (e não sobre si mes- mo), e do aluno como aprendiz, cada um dando sentido, assim, à sua pre- sença na sala de aula. Dessa maneira, a sedução pedagógica bem-sucedida seria aque- la cujo efeito é manter os alunos no jogo, ou seja, que consegue alimen- tar o compromisso deles com suas próprias aprendizagens. Contraria- mente às vítimas de Dom Juan, de Valmont e de Johannes, que partilham 52 Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99 CHODERLOS de LACLOS, P. Les liaisons dangereuses. Edição estabe- lecida por René Pomeau. Paris: Garnier-Flammarion, 1996. 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