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Guias e Dicas
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Construção de Identidades Socioculturais: Diferença Cultural, Entre-lugar e Hibridismo, Exercícios de Comunicação

Psicologia SocialAntropologia SocialCiências da Comunicação

Neste capítulo, abordamos questões relacionadas à construção de identidades socioculturais, através de abordagens da diferença cultural, do entre-lugar, da transdiferença e do hibridismo. A construção de identidades está associada a processos culturais localizados e envolve a identidade pessoal e coletiva, além de identidades situacionais. Bucholtz e hall discutem a construção da identidade e da diferença, enquanto bhabha e hall abordam o papel da construção dos eu e do outro na interação intercultural. A concepção de dialogismo contribui para a discussão sobre identidade, enfatizando a fluididade e a reconfiguração de identidades em contextos históricos, culturais e situacionais.

O que você vai aprender

  • O que é o entre-lugar e como ele contribui para a construção de identidades?
  • Como a transdiferença dialoga com a construção de identidades culturais híbridas?
  • Como as identidades são reconfiguradas em contextos históricos, culturais e situacionais?
  • Qual é a relação entre a diferença cultural e a construção de identidades?
  • Como a construção dos eu e do Outro influencia a interação intercultural?

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Florentino88
Florentino88 🇧🇷

4.7

(29)

83 documentos

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Baixe Construção de Identidades Socioculturais: Diferença Cultural, Entre-lugar e Hibridismo e outras Exercícios em PDF para Comunicação, somente na Docsity! 3 Identidades de ordem sociocultural: entre a diferença, os entre-lugares e o hibridismo Ao iniciar minha caminhada como pesquisadora e professora em uma ins- tituição bilíngue, contexto da pesquisa, notei como os profissionais se posiciona- vam em relação a este ambiente intercultural, construindo identidades institucio- nais, profissionais e pessoais. Considerei importante tratar, em termos teóricos, de identidades de ordem sociocultural, no âmbito da segunda pergunta de pesquisa: • Como os professores se manifestam em entre-lugares institucionais e culturais, entre a sociedade brasileira e a inglesa, no contexto de uma es- cola bilíngue, com uma proposta internacional? Neste capítulo, tratarei de questões que envolvem identidades socioculturais, a partir de abordagens da diferença cultural e do entre-lugar, da transdiferença e do hibridismo relacionado à construção identitária. 3.1 Cultura, comunicação e identidade Gudykunst e Yun Kim (1994) discorrem sobre a influência que a cultura tem sobre a comunicação, principalmente entre grupos interculturais e como a compreensão sobre o encontro entre estes grupos pode minimizar mal-entendidos e aprimorar o entendimento entre pessoas de culturas distintas. Segundo os autores (1994, p.16), a noção de cultura é concebida como um sistema de competência compartilhada, de forma abrangente, e que varia entre os indivíduos em suas especificidades, não sendo, necessariamente, tudo o que um indivíduo conhece, pensa e sente sobre seu mundo. A cultura engloba o que seus companheiros conhecem, acreditam e comunicam a partir do uso do código, da noção do “jogo que está sendo jogado” (game being played), mas nem todo o indivíduo compartilha precisamente a mesma matriz cultural nem o mesmo código. 33 A definição de cultura proposta por Keesing (1974, p.75), linguista e antro- pólogo americano, considera que a cultura pode ser metaforizada como uma teoria do “jogo em processo” em cada sociedade. Esta abordagem reforça a tese de que o significado é construído e negociado em situações de interação, e que os processos culturais estão intimamente relacionados indicando como devemos nos comunicar com os outros e interpretar seu comportamento. A construção de identidades está diretamente associada aos processos culturais socialmente localizados. Há assim, para os autores, uma combinação entre conhecimentos prévios a partir de normas e regras, que coordenam e influenciam os comportamentos na comunicação, e a interação em situações de contato diário entre nativos, com interpretações individuais distintas e localizadas (Gudykunst e Yun Kim 1994, p.17). Do ponto de vista dos autores, a cultura envolve assim tanto o “jogo em processo” como conhecimentos prévios que interferem na comunicação. Ao remeter ao conceito de cultura para o nativo vesus o não nativo, Gudykunst e Yun Kim (1994, p.25) apontam para a questão da comunicação entre “desconhecidos” (strangers), muito pertinente para a discussão sobre meus papéis perante o grupo de professores brasileiros e ingleses. Sou brasileira, e também docente da instituição internacional foco da pesquisa, além de assumir o papel de entrevistadora durante o encontro. A fim de contrapor a visão da realidade do nativo e do não nativo, Parrillo (1980, p.3), mencionado em Gudykunst e Yun Kim (1994, p.25), comenta sobre essas diferenciações: Porque este é um mundo compartilhado, podemos dizer que também é intersubjetivo. Para os nativos, toda a situação social engloba não apenas papéis e identidades, mas também compartilhamento da realidade da estrutura intersubjetiva da consciência. O que é aceito pelo nativo como algo corriqueiro é problemático para o não-membro do grupo. Em um mundo familiar, as pessoas passam o dia respondendo automati- camente sem questionar ou refletir. Para os não-membros do grupo, no entanto, toda situação é uma novidade e, portanto, experimentada como uma crise.6 A citação acima aponta para as questões relacionadas à forma como a cultura e a realidade são observadas a partir da ótica de um membro nativo versus a de um não nativo. Gudykunst e Yun Kim (1994) comentam sobre a ansiedade e 6 Because this is a shared world, it is an intersubjective one. For the native, then, every social situation is coming together not only of roles and identities, but also of shared realities the intersubjective structure of consciousness. What is taken for granted by the native is problematic for the stranger. In a familiar world, people live through the day responding to daily routine without questioning or reflection. To strangers, however, every situation is new and is therefore experienced as a crisis. 36 festar intenção, mas também por revelar informação que pode não ter sido delibe- radamente dada para ser percebida pelo outro. Um exemplo são reações físicas, como enrubescer-se, suor, ou pistas paralinguísticas, passando a ter como foco a interpretação da informação pelo ouvinte. Um dos papéis comunicativos de um indivíduo é projetar a informação a partir de dois princípios distintos baseados em Goffman (1959 apud Schiffrin, 1994, p.398): informação intencionalmente dada (information given), e informa- ção dada não intencionalmente (information given-off). Goffman (op. cit) comenta que, independentemente da intencionalidade do comunicador em transmitir uma mensagem, as informações podem ser repassadas ao destinatário reduzindo a res- ponsabilidade do comunicador ao longo do processo comunicativo e, consequen- temente, aumentando a co-responsabilidade dos envolvidos no processo de comu- nicação em coconstruir a mensagem. O modelo inferencial e interacional de comunicação estão representados na presente pesquisa a partir de duas perspectivas. Enquanto o modelo inferencial de comunicação relaciona-se a inferências ou mal entendidos entre participantes de culturas distintas, o modelo interacional remete à interação e coconstrução dos participantes ao longo da entrevista de pesquisa. A partir do pressuposto de que “a comunicação intercultural é um processo simbólico e interacional envolvendo a atribuição de significado entre pessoas de culturas diferentes9”, (Gudykunst e Yun Kim, 1994, p.19), podemos associar o conceito de entre-lugares culturais e o compartilhamento ou não de realidades aos modelos de comunicação de Schiffrin (1994). A falta de compartilhamento de experiências e de um código pode sugerir a coconstrução de um entre-lugar, de uma nova forma de comunicação que venha nascer dos conflitos que emergem nas situações de comunicação. Com a situação desta pesquisa delineada por interações interculturais, vere- mos o envolvimento da pesquisadora já na forma como as entrevistas foram intro- duzidas (Cap. 6, p.95). Nota-se a posição discursiva e social da pesquisadora, que é sustentada por questões de pertença sociocultural brasileira (Cap. 7, p.134, Cap. 8, p.148), o que pode sugerir que, ao longo do contato intercultural, tenhamos alternado entre um modelo de comunicação inferencial ou, por vezes, interacional. 9 Intercultural communication is a transactional, symbolic process involving the attribution of meaning between people from different cultures. 37 Para Modan e Shuman (2001, p.15), as entrevistas sociolinguísticas geralmente funcionam em um trabalho de campo em que pesquisadores se posicionam como community insiders, logo, como participantes, e outras vezes como community outsiders, a procura de conhecimento sobre aquela comunidade. Os participantes da pesquisa e a postura do pesquisador serão os responsáveis por alinhavar o posiciona- mento do pesquisador enquanto inside ou outside community 10 . Ting-Toomey (1999, p.147) detalha relações in-goup e out-group como uma forma de construção e de reconhecimento de identidade sociocultural em situa- ções de fronteira. A autora define identidades in-group com apego emocional e compartilhamento de realidade social vinculada cultural, étnica e socialmente. Já a relação out-group é vista como aquela em que permanecemos separados, desvin- culados emocionalmente, e suspeita para o in-group. Há também, em uma relação de atribuição de sentido ao “in-group”, o prin- cípio da negatividade. Ting-Toomey (1999, p.152-153), ao cunhar este princípio, refere-se à tendência dos indivíduos de escutar a informação negativa em relação ao outro com mais clareza do que a positiva. Normalmente, percebemos com mais facilidade comportamentos negativos do out-group a fim de confirmar nossas ex- pectativas negativas e, consequentemente, valorizar e legitimar a conduta e a identidade social do in-group do qual fazemos parte. Pode-se considerar a existência de uma combinação entre questões sobre in- group e out-group e a de estereótipos. Segundo Ting-Toomey (1999, p.161), há dois tipos de estereótipos: os autoestereótipos (“autostereotypes”) e os heteroeste- reótipos (“heterostereotypes”). O primeiro refere-se ao que os insiders, membros de uma realidade sociocultural pensam sobre seu próprio grupo, hábitos culturais, sociais e históricos. Já o segundo tipo refere-se ao que os outsiders, membros que não compartilham da mesma realidade sociocultural, pensam do grupo de fora. Geralmente, estereótipos são baseados em generalizações construídas de forma a legitimar uma cultura em detrimento de outra, criando uma mais valia que é repro- duzida e aceita como sociotype. A construção de estereótipos baseados em diferentes perspectivas culturais e as diferenças entre os modelos de comunicação que os indivíduos de determinadas 10 Há uma vertente de estudos da antropologia que se refere às teorias de inside e outside community mas, devido ao escopo desta pesquisa, não a detalharemos. 38 culturas operam desvelam a relação existente entre a construção de identidades dos indivíduos e de grupo. No cerne das identidades construídas por atores sociais, há a identidade pessoal e identidade coletiva (De Fina, 2011 e Snow, 2001). A identidade pessoal (De Fina, 2011, p.268) articula e agrega todos os construtos identitários manifestados pelo indivíduo ao longo de sua vida, que caracte- rizam como um ser único ao mesmo tempo em que o diferencia do “outro” e englo- bam questões de valores morais, características físicas, atitudes. Além deste tipo de identidade, devemos considerar, para o escopo desta pes- quisa, as identidades situacionais que podem ser vistas como papéis relacionados ao contexto de interação em que professor/aluno, médico/paciente, entrevista- dor/entrevistado pode se encontrar (op. cit.), dependendo da expectativa do encon- tro. Em um encontro com amigos, negociamos a identidade pessoal, e somos nós os responsáveis pelo que projetamos. Já em uma reunião de trabalho, falamos enquanto representantes de uma instituição, de uma comunidade, projetando iden- tidades coletivas assim como pessoais. Portanto identidades pessoais e coletivas são construções fluidas e fragmentadas que se apresentam nos múltiplos discursos em que nos engajamos e representam as múltiplas facetas identitárias dos sujeitos em uma interação (Moita Lopes, 2003, p. 19-22). Por outro lado, a identidade coletiva para Snow (2001, p.3) é constituída pelo compartilhamento e pela interação intrínseca a um “we-ness”, ancorada por experiências e atributos comuns entre aqueles que se incluem nesta coletividade relacionando-se ou contrastando com “outros”. Por exemplo, identidades coletivas abrangem grupos e agregações em uma variedade de contextos: pequenos grupos, grupos profissionais, grupos de vizinhos, membros de uma comunidade, incluindo categorias como gênero, religião, grupos étnicos, culturas e nações. Os autores aqui resenhados apontam para o caráter fluído e para a reconfiguração das identidades ao associar identidades coletivas, assim como as pessoais, a processos de ordem sócio histórica, cultural e situacional em que os indivíduos estão inseridos, demonstrando a relevância desta seção para a presente pesquisa. As identidades que construímos são negociadas durante o processo de co- municação, e possuem caráter fluido e transicional, o que pode contribuir para o surgimento de interconexões entre elas, caracterizadas por pistas linguísticas, 41 delimitadoras que, inevitavelmente, servirão de base para a construção da nossa identidade. São essas características que fornecem “dados” para distinguir, por exemplo, os integrantes das classes que compõem a pirâmide social. Desse modo, verificamos o quanto os estereótipos estão vinculados às relações de ordem macro de dominação e ao poder convencionados pela estrutura social a que pertencemos (Hall, 2000, p.66). A visão de estereótipos para Bhabha (1998, p.105) vem reforçar o não reco- nhecimento do outro em si, enfatizando as diferenças entre o eu e o outro, entre o local e o estrangeiro, entre o não pertencimento através da afirmação/negação de uma característica. Segundo Bhabha (op.cit.), os estereótipos atuam como uma estratégia linguístico-discursiva de manutenção da ambivalência, endossando a fixidez e o engessamento das diferenças culturais. Apesar de mudanças, permanece em seu ensaio uma confiança limitadora e tradi- cional no estereótipo como capaz de oferecer, em um momento qualquer, um porto seguro de identificação (Bhabha, 1998, p.110). Partindo de uma visão baseada no discurso do colonialismo, Bhabha (op.cit.) defende o pressuposto de que o estereótipo é uma forma de aprisionar uma realidade sociocultural dos “espectadores” independentemente de sua diacro- nia, descartando a fluidez com que as identidades culturais se (re) constroem, de- pendentes da realidade social, cultural e econômica que a nação vive no momento presente. A partir de um olhar baseado na relação entre o sujeito, o discurso e o outro, pelo viés dos estudos da semiótica, Landowski (1997, p.6) suscita a discussão sobre a construção da identidade em relação à alteridade, às diferenças e a “captura de um sujeito camaleônico”. As questões sobre alteridade ressaltam o debate sobre o que é ser estrangeiro, o Outro, como um nicho para o debate sobre a necessidade de uma discussão acerca da construção da identidade em situações de contato intercultural. O estrangeiro é aquele que vem de outro país, de outra nação, que cultua outros hábitos, que representa outra cultura. Na verdade, o estrangeiro pode estar em nossas casas, em nossos ambientes de trabalho, em nós mesmos. Há uma falsa inteligibilidade sobre o que vem a ser o eu e o Outro, o local e o forasteiro, o conhecido e o desconhecido. Assim, o Outro tem, relativamente ao eu, uma visão obscura ao mesmo tempo em que reveladora, isto é, uma experiência de mim que Eu não tenho, mas 42 que posso ter sobre ele. O Outro é condição necessária, mas não suficiente da mi- nha existência e da minha (in)completude (im)possível, pois necessito do olhar do Outro, mas regresso a mim mesmo e a minha incompletude, não vendo o que o Outro viu, mas o que foi possível para mim. Desse modo, está posta a impossibi- lidade de acabamento e de completude do eu e do Outro. Além disso, a experiên- cia do Outro, mesmo sendo do “eu”, é inacessível. Estas situações de contato intercultural propõem o debate sobre as questões do outro, da diferença, das situações de contato e de heterogeneidade que passam a contribuir para um novo conceito de identidade coconstruída em um espaço fronteiriço. A perspectiva sociocultural proposta por De Fina (2011) vem demonstrar que as realidades sócio-históricas estão em constante processo de construção e reconstrução, são realidades que dinamizam a relação entre o eu e o Outro. Segundo De Fina (2011, p.267), a realidade social não é algo estático, pré- existente, independente; a realidade social é um construto dependente do processo sociocultural em questão. Sendo assim, a identidade é um processo no qual o in- divíduo se constrói, desconstrói, reconstrói constantemente dependendo do mo- mento da interação com outros indivíduos e com o mundo. Assim como a cons- trução da realidade não é algo pré-moldado, independente, fixo ou estável, a construção das identidades assumidas por um indivíduo devem ser percebidas como algo flexível, instável e mutante. Os binarismos local/estrangeiro, eu/outro, semelhante/dessemelhante, são, assim como igualdade e diferença vistos como questões contrapostas e não dimen- sões que mutuamente se reclamam. Estes binarismos reforçam a visão de hege- monia entre as sociedades, atuando como manutenção para o mundo globalizado, baseado no sucesso econômico e no poder de algumas nações sobre as outras. Segundo Bucholtz e Hall (2006, p.25), a teoria da identidade social explora o fenômeno do binarismo “in group” (local) e “out-group” (estrangeiro) basean- do-os em uma visão de identidade constituída a partir da crítica ao processo das diferenças. Esta nova perspectiva teórica para identidades sociais é definida de forma relativa e flexível dependendo da atividade em que os indivíduos estão en- gajados. O conceito de “in-group” é aquele ao qual o indivíduo pertence e o “out- group” é visto como o diferente, o estranho, o forasteiro. A fim de manter uma 43 identidade social positiva, membros de ambos os grupos procuram fazer compara- ções favoráveis, constituindo o processo de categorização social em que: Este processo de categorização social é alcançado cognitivamente por estas compara- ções como atribuição e aplicação de esquemas relacionados ao grupo, contribuindo para objetivos sociais e psicológicos como, por exemplo, levantar a auto-estima. Outra ideia central é de que membros do “out-group” são caracterizados de forma reducio- nista se comparados aos “in-group” membros, consequentemente fortalecendo o “in- group”, enquanto leva a julgamentos estereotipados do “out-group”.12 (Bucholtz e Hall, 2006, p.371). É com o advento da globalização que Hall (2000, p.9) esclarece que a “identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável, é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza”, visto que, ao inserir-se no mercado global e compartilhar várias culturas, perde-se o referencial de uma cultural imaculada, pura e estável. Com a globalização, as fronteiras transnacionais foram praticamente dissipadas, não permitindo uma identidade única, aumentando o debate acerca das identidades coletivas (Snow, 2001) e, posteriormente, cunhando o termo identidades híbridas com (Bhabha, 1996), que trata deste novo panorama social construtor de identida- des. Hall (2000, p.74) comenta que, na medida em que culturas nacionais tornam- se mais expostas a influências externas, tornou-se mais difícil conservar as identi- dades culturais intactas. A visão de alteridade pressupõe que a perspectiva intercultural, emergente de movimentos socioculturais e políticos, reconhece o caráter multidimensional e complexo da interação entre sujeitos “diferentes” ou ainda sobre a “diversidade cultural”. Busca, pois, desenvolver concepções e estratégias que favoreçam o en- frentamento dos conflitos, na direção de superação das estruturas socioculturais geradoras de discriminação, de exclusão ou de sujeição entre grupos sociais. A globalização da economia, da tecnologia e da comunicação ao mesmo tempo em que suscita a abertura de uma nova dinâmica das relações interculturais, intensi- fica as interferências e conflitos entre grupos sociais de diferentes culturas (vide capítulo anterior sobre globalização e internacionalismo). Frente a estas questões, 12 This process of social categorisation is achieved cognitively by such operations as attribution and the application of existing schemas relating to the group, and sees its operation serving particular social and psychological goals, such as boosting self-esteem. Another central idea is that outgroups are more easily and reductively characterised than ingroups, such that ingroup identification often leads to stronger stereoptyping and prejudice towards outgroups (Bucholtz e Hall, 2006, p.25). 46 O movimento de tradução cultural pode ser considerado como uma armadi- lha, se interpretado como uma maneira de imitar o original, o que remete a uma tradução não verossímil, uma vez que não há como haver uma reprodução perfeita de um ato cultural anterior, visto que as culturas são baseadas no aqui e no agora, embora influenciadas pela “original”. O “terceiro espaço”, ou o entre-lugar, cria um local em que os momentos de produção cultural originais não mais existem em isolamento, nem tampouco em concomitância, mas um local em que se fun- dam novas perspectivas culturais, a partir do reconhecimento da alteridade. Para Bhabha, este “terceiro espaço” não é uma identidade em si, de modo que “a identificação seja um processo de se identificar com e através de outro objeto, um objeto de alteridade” (Rutherford, 1990, p.35). Sendo assim, o pro- cesso de hibridação cultural, pertencente ao “terceiro espaço”, gera algo novo, irreconhecível, “uma nova área de sentido e representação” (op. cit., p.37). Uma forma de metaforizar estes conceitos seria pensar em uma obra literária: há sua versão original, baseada em conceitos políticos, culturais e sociais vigentes no tempo em que fora escrito. Uma nova versão, por mais que tente ser fidedigna, jamais será uma tradução perfeita, mas sim, uma releitura, com traços da versão original, mas influenciada por fatores sociais, políticos e culturais intrínsecos ao momento histórico vigente. Traduzindo para o escopo deste trabalho, o nascimento de uma identidade híbrida se daria a partir do reconhecimento de variedades culturais, de “descen- tralização do self” (Rutherford, 1990, p.37), de negociação de identidades a partir da alteridade, de uma rejeição a um posicionamento fixo, imóvel, incontestável. Em outras palavras, segundo Bhabha, a hibridação refere-se “ao fato de que uma nova situação, uma nova aliança que se formula, pode exigir de você eventual- mente que traduza seus princípios, expanda-os, repense-os” (Rutherford,1990, p.37). Esses movimentos de ressignificação, de negociação, de fluxo, de movi- mento a fim de reconstruir uma identidade cultural, subvertem a tendência da identidade à fixação. Bhabha (1994) argumenta que uma identidade híbrida, na verdade, emerge da associação de características de poder e de submissão nas relações entre socie- dades que se formaram a partir da visão de colonizadores e colonizados. A partir das relações de poder, da construção de identidades históricas e socioculturais é que nasce o questionamento acerca das considerações sobre identidades de fixi- 47 dez, de polaridades entre culturas aparentemente dissociadas. O que o debate sus- cita é que todas as formas de culturas, seja dos dominados ou dominantes, estão, invariavelmente, em contínuo processo de hibridação. Este processo não deter- mina dois polos diferentes, ou opostos de caracterização, mas reconhece nestes espaços oportunidades para que surja um “terceiro espaço”, não um reflexo, ou reprodução desta ou daquela cultura, mas um espaço de articulação, de negociação de novos paradigmas. Seria, pois a agência contra a prática hegemônica do colo- nizador, abrindo espaço para a rearticulação e negociação de uma ressignificação cultural para ambos os polos. O potencial híbrido está em seu conhecimento inato de transculturação, suas habi- lidades de atravessar ambas as culturas e traduzir, negociar e mediar afinidades e diferenças em uma dinâmica de intercâmbio e inclusão13 (Taylor, 1997). Dialogando com as questões do hibridismo cultural, para Olinto (2010), transdiferença é um elemento teórico que surge como proposta para entender pro- cessos identitários híbridos. Com isso, a transdiferença permite que se observem questões sobre o múltiplo pertencimento cultural no qual a sociedade pós-mo- derna se entrelaça ao conceito de internacionalismo. É a oportunidade de um olhar que se volta para o espaço entre, entre as dife- renças e as semelhanças, incluindo os paradoxos anteriores como mutuamente pertencentes a um entremeio que, para o contexto deste trabalho, ajuda a significar as coconstruções de identidades dos participantes. Olinto (2010) propõe que não há transdiferença sem diferença. O conceito proposto por Olinto propõe um intercâmbio de culturas distintas como regra e não como exceção. A transdiferença se articula de modo suplementar, e não substitu- tivo com relação ao conceito de diferença. As práticas culturais e estéticas atuais encontram-se em processos de vertiginosa e acelerada transformação e hibridação, e, concomitantemente, os domínios discipli- nares enfrentam dificuldades no uso de paradigmas científicos comprometidos com molduras dicotômicas que fecham as fronteiras da diferença (Olinto, 2010, p.40). A fim de ilustrar o conceito de transdiferença, Olinto cita como culturas distintas, ou opressoras e oprimidas, se coconstroem. Os membros de comunida- 13 The hybrid’s potential is with their innate knowledge of ‘transculturation’ their ability to transverse both cultures and to translate, negotiate and mediate affinity and difference within a dynamic of exchange and inclusion (Taylor, 1997, p.66). 48 des indígenas que vivem no mundo dos brancos se sentem como estranhos em uma terra que era primeiramente deles, e que lhes foi tomada. Estes indígenas não se sentem nem defensores de suas terras nem pertencentes à cultura do homem branco. Eles ocupam uma posição de transdiferença visto que não rejeitam a cul- tura dominadora do branco ao mesmo tempo em que não se afastam de sua pró- pria. Dificilmente há como dissociar ou homogeneizar a organização que se passa em comunidades que sofrem as influências de políticas dominadoras, visto que elas se transfiguram e de certa forma tentam pertencer aos dois polos, ou seja: “não há transdiferença sem diferença” (Olinto, 2010, p.30). (...) hoje inexistem visões uniformes de uma identidade nacional e, por conse- guinte, é preciso representar a multiplicidade coexistente das perspectivas da in- vestigação contemporânea, reprimindo o desejo de vê-las unificadas (Olinto, 2010, p.34). Olinto (2010, p.27) baseia-se nos estudos de Breinig e Losch (2002) que caracterizam a teoria da transdiferença em ambientes de pluralismo cultural. Além de terem escrito sobre o multiculturalismo nos Estados Unidos, os autores defini- ram a transdiferença como "tudo o que resiste a construção de significado baseado em um modelo binário excludente e fechado"14 (Breinig e Losch, 2002, p.23). Os autores (op.cit.) propõem que o conceito de transdiferença seja conside- rado mais específico do que o de hibridismo (Bhabha, 1996). Os autores assina- lam que transdiferença não significa síntese nem tampouco desconstrução, mas refere-se a momentos temporais em que a construção de diferenças culturais entre limites étnicos se torna temporariamente instável. Além disso, Breinig e Losch (2002 apud Kalscheuer, 2009, p.27) determi- nam três níveis de relações que podem resultar em situações de transdiferença: o intra-sistêmico, o inter-sistêmico e o nível individual. No nível intra-sistêmico, os autores focam na questão de como tudo que é transgressor ameaça a ordem e como possibilidades alternativas são descartadas. Neste caso, a transdiferença não pode ser controlada e é necessário um trabalho permanente para que seja garantida a manutenção da ordem. Já no nível inter-sistêmico, que se refere a permanente negociação de identidades em contextos interculturais, aspectos da relação de po- 14 “all that which resists the construction of meaning based on an exclusionary and conclusional binary model” (Breinig e Losch, 2002, p.23).
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