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Guias e Dicas
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a lei da boa razão e as fontes do direito: investigações sobre as, Provas de Direito

Apesar de as leis, em sentido amplo, já ocuparem papel relevante entre as fontes no período anterior a 1769, foi com a Lei da Boa Razão que se consolidou essa.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Baixe a lei da boa razão e as fontes do direito: investigações sobre as e outras Provas em PDF para Direito, somente na Docsity! A LEI DA BOA RAZÃO E AS FONTES DO DIREITO: INVESTIGAÇÕES SOBRE AS MUDANÇAS NO DIREITO PORTUGUÊS DO FINAL DO ANTIGO REGIME THE "LEI DA BOA RAZÃO" AND THE SOURCES OF LAW: INQUIRIES ABOUT THE CHANGES ON PORTUGUESE LAW IN THE END OF ANCIEN RÉGIME Gustavo César Machado Cabral RESUMO Este trabalho tem como objetivo analisar as mudanças ocorridas em Portugal no final do Antigo Regime, especialmente a partir dos governos de D. José I e do Marquês de Pombal (1750-1777). O foco do estudo são as mudanças oriundas da promulgação da Lei da Boa Razão (1769), a qual alterou profundamente a sistemática das fontes do direito português. Apesar de as leis, em sentido amplo, já ocuparem papel relevante entre as fontes no período anterior a 1769, foi com a Lei da Boa Razão que se consolidou essa predominância da legislação pátria. Além de privilegiar os atos legislativos emanados do rei, a Lei da Boa Razão cuidou da interpretação, preferindo a interpretação autêntica e a realizada pela Casa da Suplicação, cuja atividade, principalmente para a recepção do direito natural, foi fundamental para o período. PALAVRAS-CHAVES: Antigo Regime. Fontes do Direito. Lei da Boa Razão. ABSTRACT This paper intends to discuss the changes happened in Portugal in the end of the Ancien Régime, especially from the governments of D. Joseph I and the Marquis of Pombal (1750-1777). The focus of this study are the changes coming from the enactment of the “Lei da Boa Razão” (1769), which has profoundly modified the systematic of the sources of Portuguese Law. Although the laws have already occupied a relevant role among the sources of Law before 1769, the “Lei da Boa Razão” consolidated this leading figure of the domestic laws. Besides focusing on the legislative acts emanating from the King, the “Lei da Boa Razão” dealt with the interpretation, preferring authentic interpretation and the interpretation executed by the “Casa da Suplicação”, which activities, mainly in the reception of the Natural Law, were primordial to that time. KEYWORDS: Ancient Régime. Sources of Law. “Lei da Boa Razão”. INTRODUÇÃO A segunda metade do século XVIII representou, para Portugal, um período singular. Internamente, viu-se uma alteração no cenário político: a partir de 1750, quando assumiu o trono D. José I, instalou-se um governo forte e centralizado, no qual a figura do Ministro Sebastião José de Carvalho e Mello, futuro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal, simbolizou a autoridade do Estado. Esse novo governo tratou de implementar uma série de reformas que atingiram diversos pontos. Na economia, a necessidade de se aumentar a arrecadação fez com que a Coroa se fizesse mais presente no Brasil, a mais importante de suas colônias, realizando com mais intensidade a fiscalização tributária na região das Minas. Em outras áreas da colônia, procurou-se incentivar a agricultura, que ficara esquecida desde a descoberta do outro. Procurou-se, na Metrópole, dar incentivos à indústria nacional, ainda bastante incipiente. O objetivo dessas medidas era um só: fazer diminuir a dependência externa de Portugal e promover o desenvolvimento nacional[i]. A Administração sofreu mudanças nessa época. No âmbito fazendário, para dar mais segurança à arrecadação de tributos no local onde mais se contribuía para dar riquezas a Portugal, as Minas Gerais, foram criados as Intendências do Ouro e, posteriormente, o cargo de Intendente-Geral do Ouro, bem como a Intendência dos Diamantes[ii]. Na justiça, descentralizou-se a jurisdição de segunda instância com a criação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, em 1751, o qual facilitou a aplicação do Direito Real nas regiões mais distantes de Salvador, onde ficava o único Tribunal da Relação até então, o da Bahia. O Direito não passou imune por mudanças. Em 18 de agosto de 1769, promulgou-se a Lei da Boa Razão, a qual cuidava de um problema elementar, o das fontes do direito. Apesar de a monarquia nacional portuguesa já estar consolidada há séculos, a questão das fontes do direito permanecia problemática, em virtude da força de que dispunha o direito subsidiário, composto por elementos como o direito canônico e o direito romano. A existência de uma consolidação de leis, as Ordenações Filipinas (1603), e de uma infinidade de normas esparsas não era suficiente para sanar todas as divergências e conflitos na aplicação das leis. Dentro do cenário político que permeava Portugal na metade do século XVIII, dúvidas sobre as fontes do direito seriam extremamente prejudiciais para as reformas que se pretendiam. E mais: a falta de segurança jurídica gerada por esse problema ia de encontro aos planos políticos josefinos e pombalinos. O modelo de Estado que se tentava implantar na época, fortemente influenciado pelo iluminismo[iii], fez surgir em Portugal o que se convencionou chamar de despotismo esclarecido: um governo forte e autoritário, que se utilizava de preceitos iluministas na condução do Estado. Nesse contexto, a Lei Boa da Razão é o principal objeto de investigação deste artigo. Após dar explicações gerais necessárias sobre a situação política e econômica de Portugal no século XVIII e tratar do This version of Total HTML Converter is unregistered. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6114 tema das fontes do direito até a promulgação da referida lei, investigam-se as alterações trazidas pelo mencionado diploma, abordando-se, principalmente, os seguintes pontos: a idéia de boa razão, a lei enquanto fonte principal, as fontes subsidiárias, as interpretações e o papel da Casa da Suplicação. Pretende-se, assim, apresentar um panorama geral do Direito Português com a vigência da Lei da Boa Razão, relacionando essa nova situação ao contexto político em que se inseriu Portugal no final do Antigo Regime. 1 O REINO DE PORTUGAL NO SÉCULO XVIII Por questões sucessórias, Portugal foi anexado pela Espanha, no final de 1580, passando o rei espanhol a acumular a coroa portuguesa. Portugal não deixou de ter um rei próprio, mas este era o mesmo da Espanha, e assim foi até que, em 1640, um movimento liderado pelo Duque de Bragança expulsou os espanhóis e restaurou a independência, consolidada com as cortes de 1641, as quais confirmaram no trono o referido nobre, dali em diante chamado de D. João IV, no trono. Os eventos que se sucederam à reconquista da soberania portuguesa causaram prejuízos a Portugal. Guerras freqüentes com a Espanha e com a Holanda, neste caso para expulsar os batavos do Nordeste do Brasil, ocasionaram um endividamento externo considerável, além de terem representado o fim da parceria com os holandeses no negócio do açúcar. A perda econômica, portanto, se manifestou de duas formas: a guerra com a Holanda, além de cara, causou a superação da produção açucareira luso-brasileira pelo pólo produtor holandês no Caribe. Enquanto os reinados de D. João IV (1640-1656), D. Afonso VI (1656-1683) e D. Pedro II (1683- 1706) foram marcados pela beligerância e pelas dificuldades financeiras, os tempos do reinado de D. João V foram bem diferentes, caracterizados por paz e riqueza; a ausência de guerras externas, a estabilidade política dentro de Portugal e o sucesso do domínio sobre o Brasil garantiram uma situação tranqüila, ainda mais saborosa em virtude dos excelentes resultados do empreendimento colonial. Representaram esses anos o auge da exploração aurífera no Brasil, transferindo-se da Colônia à Metrópole uma quantidade impressionante de riquezas. Com ela, financiou-se o luxo da Corte de D. João V, cujo principal símbolo era a suntuosa Biblioteca Real, a qual, com seus cerca de sessenta mil volumes, era uma das maiores do seu tempo[iv]. Os altos custos de uma corte rica eram garantidos pela aplicação de boa parte dos recursos extraídos do Brasil. A exuberância dos resultados, como nos luxuosos palácios reais, custou caro a Portugal, em que pese não ter sido essa riqueza observada nas ruas; apesar de Lisboa ser uma das cinco maiores cidades da Europa na época, a sua infra-estrutura era lastimável, enfrentando graves problemas de higiene, de iluminação e de segurança[v]. Ao falecimento de D. João V, em 1750, seguiu-se a ascensão de D. José I ao trono português, momento em que se constatou a necessidade de se reestruturar financeiramente o País, em razão da preocupante situação das contas públicas, e o aumento da arrecadação passou a ser a principal alternativa. A fim de cuidar da principal fonte de receita da época, a mineração no Brasil, D. José designou Carvalho e Melo – que seria Conde de Oeiras em 1759 e Marquês de Pombal em 1769 –, logo após trazê-lo para comandar o seu Ministério. Um evento contribuiu decisivamente para consolidar essa necessidade de virada dos rumos da política fiscal: o terremoto que destruiu Lisboa, em 1º de novembro de 1755[vi]. Combatendo a superstição religiosa, de matriz jesuíta, para quem o desastre seria fruto do castigo divino, Carvalho e Melo afirmou que a tragédia tivera causas naturais e soube tirar proveito dos acontecimentos para implantar um novo modelo de Estado. Três pontos sintetizavam os planos de Carvalho e Melo: introdução de indústrias em Portugal, fazer do comércio algo ainda mais rentável e conseguir o melhor proveito do ouro que vinha do Brasil[vii]. O que se pretendia era diminuir, na economia portuguesa, a dependência externa, em especial da Inglaterra, a qual só havia aumentado desde o Tratado de Methuen, de 1703. A estratégia pombalina era fazer de Portugal um país industrializado e moderno, e a principal fonte de recursos para essa almejada “revolução industrial” não seria outra que a oriunda das minas brasileiras. Desta forma, o modelo econômico que se pretendia não era o liberal, que vinha sendo adotado pela Inglaterra, mas o velho modelo mercantilista[viii]. A idéia metalista[ix] era encarada como fundamental para o Portugal desses tempos, possibilitando- lhe a industrialização. Outro elemento fundamental do mercantilismo encontrado no modelo pombalino é a idéia de pacto colonial[x], cabendo à principal colônia portuguesa, o Brasil, servir de fonte de recursos para Portugal e de mercado consumidor para a produção portuguesa. Disso se percebe que o mercantilismo pombalino foi uma reação ao liberalismo inglês e uma tentativa de financiar a industrialização portuguesa. Não se pode afirmar que, caso esta tivesse sido bem- sucedida, Portugal teria adotado uma política econômica liberal, na busca por mercados consumidores para This version of Total HTML Converter is unregistered. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6115 época, persistia, ainda que formalmente, o Império Romano[xxxi], e o Direito Canônico, cuja incidência, em tese, deveria ser restrita às matérias espirituais. Por outro lado as legislações temporais se contrapunham não somente à legislação canônica, mas, também, às leis que estavam acima dos homens. Tratam-se das leis divinas, eternas e naturais, sistematizadas por Tomás de Aquino[xxxii], conceitos cuja influência na Europa se estendeu por séculos; em Portugal, essa influência foi ainda mais forte, em decorrência da força da Escolástica espanhola do século XVII[xxxiii]. Entre as leis pátrias, José Homem Correia Telles tratou de separá-las em dois grupos, a partir do objeto da norma. Dividiu-as em leis políticas e leis econômicas; as primeiras teriam como objeto o Direito Pátrio Público Externo[xxxiv], enquanto as segundas tratariam do Direito Pátrio Público Interno[xxxv]. Tal separação, mais do que a sua finalidade didática, evidencia referência explícita da filosofia política aristotélica: José Homem Correia Telles parte da divisão entre assuntos políticos, os concernentes ao Direito Público Universal, por ser referente a qualquer Estado ou República, e assuntos econômicos, aqueles que se relacionam a qualquer dos membros de uma família[xxxvi]. Para esclarecer essa decisão, o autor lança mão de dois exemplos: “a Lei que exclúe da successão os bastardos dos Nobres, he huma Lei Economica; e a que exclúe da successão da Corôa as filhas dos Reis, que casarem com estrangeiros, huma Lei Política”[xxxvii]. Ou seja, as leis políticas se refeririam a assuntos de Estado, enquanto as leis econômicas regulariam a vida privada. É evidente que os juristas sentiram dificuldades para aplicar as leis pátrias em primeiro lugar; a pouca importância conferida a essas leis até 1769 era referendada por uma formação universitária de cunho romanista e canônica. Três anos depois da Lei da Boa Razão, contudo, promulgaram-se os Estatutos da Universidade de Coimbra, reformados justamente com a intenção de preparar os juristas para essa nova realidade do Direito Português. Os novos Estatutos coimbrãos complementaram as reformas iniciadas com a Lei da Boa Razão. Ambos os diplomas foram normas que versaram sobre o próprio Direito, servindo como instrumentos para a sua utilização, a qual deveria ser a adequada com os objetivos do governo instalado em Portugal[xxxviii]. 3.2.2 A idéia de “boa razão” O termo “boa razão” já aparecia nas Ordenações Filipinas e era utilizado como critério para a aplicação ou não do direito romano. A abertura que possui o significado da expressão, contudo, dificultava o seu adequado emprego, sendo necessário um conceito mais preciso. A Lei da Boa Razão, em cujo nome se evidencia a relevância possuída pela idéia de “boa razão”, tratou de fixar parâmetros seguros para a expressão utilizada nas Ordenações. Para isso, não apresentou um conceito fechado, preferindo a isso relacionar três hipóteses daquilo que poderia ser utilizado para fundamentar a boa razão. Inicialmente, a lei, no seu item 9, indica aquilo em que não consiste a boa razão: E mando pela outra parte, que aquella boa razão , que o sobredito preâmbulo determinou, que fosse na praxe de julgar subsidiaria, não possa nunca ser a da authoridade extrínseca destes, ou daquelles textos do Direito Civil, ou abstractos, ou ainda com a concordância de outros Essa exclusão de antemão serviu para impedir a aplicação de textos por motivos outros que não a sua adequação à boa razão. Os fundamentos para da aplicação devem vir da própria lei, da sua compatibilidade com os critérios objetivos da boa razão, e não por argumentos como o de autoridade[xxxix]. Em seguida, o legislador começa a tratar dos elementos apontados como componentes da boa razão. No primeiro caso, ela consistiria “nos primitivos princípios, que contém verdades essenciaes, intrínsecas, e inalteráveis, que a Ethica dos mesmos Romanos havia estabelecido, e que os Direitos Divino, e Natural, formalizarão para servirem de Regras Moraes, e Civis entre o Christianismo”. A importância dessa determinação é visível; de uma vez, ela dá relevância ao direito natural, o qual fundamentará o direito burguês nas revoluções liberais, e condiciona o direito romano ao direito natural e ao divino. Em outras palavras, a Lei da Boa Razão indica que o direito romano só é aplicável se estiver em conformidade com os ensinamentos cristãos. José Homem Correia Telles afirmou não ser adequado o emprego do direito romano caso ele tenha fundamentos pagãos e dá numerosos exemplos desses casos[xl]. No segundo caso, seria boa razão a que “se funda nas outras Regras, que de universál consentimento estabeleceo o Direito das Gentes para a direcção, e governo de todas as Nações civilisadas”. A conformidade do direito romano deveria ser conferida perante os países que compunham o mundo civilizado, mas a lei não indica quais os países “iluminados” nem um critério para hierarquizar esses direitos potencialmente concorrentes[xli]. Analisando a totalidade da lei, pensa-se que por “civilizado” quis-se indicar as nações cristãs[xlii]. Já quanto à idéia de direito das gentes, Paulo Ferreira da Cunha menciona a influência do pensamento de Hugo Grotius na formação desse conceito[xliii]. Por fim, no terceiro caso, entender-se-ia por boa razão a que se estabelece nas Leis Políticas, Economicas, Mercantis e Maritimas, que as mesmas Nações Christãs tem promulgado com manifestas utilidades, do socego publico, do estabelecimento da reputação, e do This version of Total HTML Converter is unregistered. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6118 augmento do cabedaes dos povos, que com as disciplinas destas sabias, e proveitosas Leis vivem felices à sombra dos thronos, e debaixo dos auspícios dos seus respectivos Monarcas, e Principes Soberanos. José Homem Correia Telles indica que a razão pela qual se remeteram discussões referentes a matérias comerciais a normas externas foi a insuficiência de leis pátrias sobre o tema, cabendo o socorro às leis de matrizes romanas[xliv]. O direito comercial, aliás, teve profundas ligações com o direito romano; a lex mercatoria, cuja origem remonta aos tempos imperiais, influenciou profundamente as leis comerciais ainda hoje vigentes. Ainda que tenha tentado clarear o conceito de boa razão, a Lei de 18 de agosto de 1769 não o fez com o sucesso pretendido, e isso foi constatado pouco depois, com a reforma dos Estatutos da Universidade Coimbra, em 1772. Nesta, indicou-se a importante fórmula da verificação do uso atual: na dúvida sobre se uma norma de direito romano estaria conforme ou não à boa razão, deveriam os juízes verificar qual o uso moderno que se fazia, entre as nações civilizadas, da referida norma[xlv]. Consagrou-se legislativamente, portanto, a doutrina do usus modernus pandectarum[xlvi], de origem alemã e influenciada por autores como Benedikt Carpzov (1595-1666)[xlvii], Justus Henning Böhmer (1674-1749)[xlviii], Augustin Leyser (1683-1752)[xlix] e Johann Gottlieb Heineccius (1681- 1741)[l]. A influência da pandectística em Portugal, chegando essa tendência, inclusive, à lei, foi anterior à Escola Pandectística Alemã, cuja origem remonta aos autores mencionados, mas que só se desenvolveu no século XIX[li]. 3.2.3 Direito subsidiário Tendo já apresentado em que consistia o direito subsidiário e restando claros os limites daquilo que se considerava boa razão, fica claro que o emprego do direito subsidiário, especialmente do Direito Romano, foi bastante restrito. As leis pátrias, oriundas do rei-legislador, ganharam importância com a Lei da Boa Razão e passaram a ser mais relevantes do que o direito romano, o qual só era utilizado diretamente[lii] em situações excepcionais e dentro dos limites traçados em 1769. O direito canônico aparecia nas Ordenações como fonte subsidiária do direito, mas, com a Lei da Boa Razão, sofreu alterações substanciais, as quais, em verdade, restringiram a sua aplicação. Isso porque a lei em comento, no seu item 12, reservou o uso do direito canônico exclusivamente para “materia que traga peccado”, excepcionando os casos em que o pecado não apareça às hipóteses em que “os Sagrados Canones determinem o contrario”. A convivência entre direito laico e direito canônico foi intensa, especialmente no medievo[liii], tendo assim permanecido até o Setecentos, fruto da influência da Igreja no Estado. Apesar de essa ingerência religiosa nos assuntos de governo ter diminuído progressivamente desde a Baixa Idade Média, ela ainda persistia no século XVIII, manifestando-se, inclusive, na ampla utilização do direito canônico em Portugal, uma vez que o extenso rol de matérias enquadradas como “de peccado” fazia do direito canônico verdadeiro substituto do direito pátrio em diversos temas, a exemplo do penal. A centralização josefina e pombalina refletiu na tentativa de diminuir a presença eclesiástica em assuntos que fugissem aos seus temas. Medidas como a expulsão dos jesuítas e a reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra exemplificam essa tendência, da mesma forma que a comentada restrição do uso do direito canônico. Quanto a esta, outro aspecto merece destaque: a Lei da Boa Razão determinou que, em casos de conflito entre o direito pátrio e o direito canônico, aquele deveria prevalecer, e não este, como mandava a tradição. Alterou-se, portanto, a secular predominância do direito canônico sobre o pátrio. Outra tradicional fonte subsidiária cuja importância sofreu drástica redução foi a doutrina. As obras de Acúrsio e de Bártolo, com as Ordenações Filipinas, foram alçadas à categoria de fontes subsidiárias em Portugal, o que só retrata a importância que lhes era dada já há alguns séculos. O prestígio que tiveram os glosadores e os comentadores, representados, respectivamente, por Acúrsio e Bártolo, foi intenso desde a Baixa Idade Média, momento em que se deu a recepção do direito romano. Prestou-se Acúrsio à função de reunir as glosas elaboradas por juristas anteriores numa obra intitulada Glosa ordinaria[liv]. Sobre a obra dos glosadores, Paolo Grossi rebate as críticas de que os seus trabalhos eram exegéticos e imobilizariam o direito, defendendo, ao contrário, que os glosadores teriam sido corajosos ao utilizar um instrumento lógico útil e inovador que ajudou a modificar a cultura jurídica[lv]. Bártolo, por sua vez, apesar de ter utilizado largamente citações de outros autores, adicionava a esses ensinamentos comentários seus, o que foi de extrema utilidade, principalmente nas situações em que entrariam em conflito o ius commune, de ordem geral e emanado do Império, e o ius proprium, particular de cada local. A tentativa desse jurista foi de conciliá-los, interpretando o segundo a partir do primeiro[lvi]. Com a Lei da Boa Razão, a doutrina deixou de ser fonte do direito, ainda que subsidiária. O referido diploma não se contentou em retirar-lhes a autoridade, tecendo-lhes duras críticas e afirmando que eles teriam sido destituídos da instrução da história romana, elemento fundamental para entender os textos jurídicos romanos, não conheceriam perfeitamente a filologia e a língua latina e estariam desprovidos do conhecimento das regras fundamentais do direito natural e do direito divino que cercariam a boa razão. Seus juízos seriam vagos, errantes e contrapostos à boa razão[lvii]. This version of Total HTML Converter is unregistered. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6119 Não passou imune a críticas essa inovação legislativa. José Homem Correia Telles, em que pese reconhecer que os dois autores não teriam sido bons intérpretes das leis romanas, justifica essa deficiência pela época em que ambos viveram, entre os séculos XIII e XIV, chegando a afirmar que “se das suas opiniões não resultava perigo de salvação eterna, quanto melhor segui-las, que vagar na incerteza!” [lviii]. Termina fazendo sugestão sobre a doutrina: “Conviria pois que a nossa Lei desauthorisando Accursio e Bartholo, lhes substituísse outros DD. de melhor nota, a fim de ficar menos campo ao perigoso arbitrario dos Julgadores”[lix]. 3.2.4 O costume O uso dos costumes, antes reconhecidos e utilizados como fonte subsidiária, não cessou com a Lei da Boa Razão. Eles continuaram a figurar entre as fontes do direito; entretanto, com a nova lei, sofreram severo disciplinamento. O legislador optou por lhes condicionar a aplicação a três critérios legalmente estabelecidos, os quais, é importante que se frise, deveriam ser cumpridos cumulativamente. Aparecem no item 14 os três requisitos. No primeiro deles, subordinam-se os costumes às “mesmas bôas razões”, colocando-lhes em conformidade com o restante da lei e ligando-lhes às idéias acima mencionadas do que seria a boa razão. O segundo requisito condiciona a existência de costumes à inexistência de contraposição às Leis pátrias, o que indica a proibição do costume contra legem. Por fim, no último requisito, o mais difícil de ser alcançado: o de “ser tão antigo, que exceda o tempo de cem annos”. Esse requisito temporal serviu não somente para preservar a autoridade de costumes realmente tradicionais e fortemente arraigados na cultura jurídica portuguesa, mas, principalmente, para limitar consideravelmente o direito costumeiro. Entende-se essa medida a partir do contexto em que ela se deu. D. José I e o Marquês de Pombal pretendiam racionalizar o Estado português, o que implicava a necessidade de se excluir o caráter espontâneo da formação do direito, o qual caracterizava, justamente, as origens do direito consuetudinário; Mário Reis Marques chama atenção para a contraposição entre razão e tradição, tendo o iluminismo privilegiado a primeira[lx]. Da mesma forma, permitir um direito que não se originasse do legislador seria um contrasenso diante do governo forte ali instalado. 3.2.5 Sobre a interpretação 3.2.5.1 Interpretação autêntica Logo nas primeiras linhas de uma de suas mais conhecidas obras, José Homem Correia Telles indica em quais casos ele acreditava ser absolutamente necessária a interpretação as leis: 1º quando na Lei se encontra alguma obscuridade, alguma ambigüidade, ou falta de expressão; 2º quando o sentido da Lei he claro nos termos, mas conduzir-nos-hia a consequencias falsas, de decisoens injustas, se indistinctamente fosse applicada a tudo o que parece ser comprehendido nas suas palavras[lxi]. Essa passagem representa o que se pensava sobre a interpretação das leis em Portugal entre os séculos XVIII e XIX: nem tudo precisa ser interpretado, mas somente os casos em que a clareza inexistente prejudicasse o bom entendimento e a boa aplicação da norma. Assim como não eram todos os casos que ensejavam a necessidade de se interpretar, esse exercício não caberia a qualquer um. A interpretação ideal deveria ser realizada pelo autor da lei, pois, como dele partiu o ato legal, só ele poderia indicar o que se quis expressar. Mas a determinados órgãos caberia a interpretação das leis, como aos tribunais. Em Portugal, por exemplo, o rei D. Manuel I transferiu à Casa de Suplicação a possibilidade de indicar a autêntica vontade da lei[lxii]. Desta forma, o conceito de interpretatio trazido por Giovanni Tarello[lxiii] se enquadra no que aqui se quer demonstrar. Os elementos principais dessa interpretação eram a razão e a autoridade: a primeira fundamentaria a decisão de quem poderia interpretar por estar investido na segunda. A interpretação mais importante, no momento, era a autêntica, com a qual se pretendia indicar a vontade do legislador a partir de esclarecimento prestado por ele próprio. Não é que se proibisse a interpretação por outros órgãos, muito pelo contrário; conforme já expresso parágrafos acima, a Casa de Suplicação tinha a incumbência de interpretar e de uniformizar a interpretação das leis, e a Lei da Boa Razão não alterou essa determinação, prevendo no seu sexto item, inclusive, um longo procedimento a ser seguido. Entretanto, caso persistissem dúvidas depois da intervenção pela Casa de Suplicação, ao rei caberia se pronunciar sobre elas, conforme determina o décimo primeiro item da Lei da Boa Razão. Esse recurso funcionava como último justamente pelo prestígio da interpretação autêntica, já que ela resolveria definitivamente qualquer dúvida que eventualmente aparecesse. Rui Manuel de Figueiredo Marcos relaciona a opção e o prestígio da interpretação autêntica no período josefino com as duas grandes preocupações da ordem jurídica do período, que eram a segurança jurídica e a modernização da ordem jurídica nacional[lxiv]. A interpretação autêntica, por servir ao esclarecimento daquilo que quis o autor da lei, não poderia ser mais útil à segurança jurídica, ainda mais pelo fato de que, por ser realizada pelo rei, tinha-se a certeza do cumprimento da sua autoridade. Da mesma This version of Total HTML Converter is unregistered. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6120 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003. GRAES, Isabel. Contributo para um estudo histórico-jurídico das Cortes portuguesas entre 1481- 1641. Coimbra: Almedina, 2005. GROSSI, Paolo. L’ordine giuridico medievale. 2 ed. Bari: Laterza, 1996. HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. 14 ed. São Paulo: Atlas, 1984. LANDAU, Peter. Justus Henning Böhmer. STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert. 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Fiscais e meirinhos: a Administração no Brasil Colonial. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, 83-95. [iii] Sobre a dúvida quanto a ter havido iluminismo em Portugal, cf. CARVALHO, Flávio Rey de. Um Iluminismo português?: a reforma da Universidade de Coimbra (1772). São Paulo: Annablume, 2008. [iv] SCHWARCZ, Lília Moritz. A longa viagem da Biblioteca dos Reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 78. [v] SCHWARCZ, Lília Moritz, op. cit., p. 43-45. [vi] Sobre as medidas de urgência tomadas a partir da atividade legislativa, cf. MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo. A legislação pombalina: alguns aspectos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2006, p. 69-70. [vii] SCHWARCZ, Lília Moritz, op. cit., p. 96. [viii] Sobre o perfil das medidas econômicas adotadas no governo de D. José I, afirmou Airton Seeländer: “Seit seinen Aufenthalten als Botschafter in London (1738-1743) und Wien (1745-1749), befürwortete Sebastião José de Carvalho e Melo die Anwendung eines neuen Regierungsstils: die Krone, die bisher nur sporadisch die Initiative im Wirtschaftsbereich ergriffen hatte, sollte nun energisch eine umfassende, kohärente merkantilistische Wirtschaftspolitik durchsetzen” SEELÄNDER, Airton Cerqueira Leite. Polizei, Ökonomie und Gesetzgebungslehre: ein Beitrag zur Analyse der portugiesischen Rechtswissenschaft am Ende des 18. Jahrhunderts. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2003, p. 15. [ix] “Essa idéia foi deduzida da seguinte observação: a prosperidade dos países parece estar na razão direta da quantidade de metais preciosos que possuem”. HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. 14 ed. São Paulo: Atlas, 1984, p. 65. [x] Sobre o tema, cf. HUGON, Paul, op. cit., p. 78-82. [xi] Sobre o tema, cf. SCHWARCZ, Lília Moritz, op. cit., p. 100-101; MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. cit., p. 104-114; MOTA, Carlos Guilherme. A idéia de revolução no Brasil e outras idéias. 4 ed. São Paulo: Globo, 2008, p. 281. Silvia Hunold Lara, ao tratar da condenação dos Távora e do Duque de Aveiro, afirma que a crueldade das suas penalidades teve como finalidade servir de exemplo do que aconteceria àqueles que resistissem ao poder e às ações de D. José I e de Pombal. Cf. LARA, Silvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 91-94. [xii] O que motivou a expulsão dos jesuítas foi a acusação de terem alguns membros dessa ordem se envolvido com o atentado à vida de D. José I, o qual fundamentou a execução dos nobres mencionados. As razões reais, contudo, ligam-se ao enorme poder que a Companhia de Jesus exercia no Reino, representando entrave à execução das pretensões de Pombal. Cf. SCHWARCZ, Lília Moritz, op. cit., p. 101-103. Ainda que a Igreja tenha continuado a exercer forte influência em Portugal, a sua submissão ao poder secular foi visível. [xiii] Não se aprofundará neste artigo sobre a origem da legitimidade do poder dos reis, mas é preciso que se esclareça que a hipótese mais aceita por este autor é a de que ela se originaria da sua aclamação nas Cortes, em que se reuniam os três braços do Reino – nobreza, clero e o povo, através dos procuradores das vilas e das cidades. Sobre a tese aqui levantada, cf. CABRAL, Gustavo César Machado; DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. As Cortes e a legitimidade do poder em Portugal (séculos XII-XVII). In: Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI; Centro Universitário de Maringá - CESUMAR. (Org.). Anais do XVIII Encontro Nacional do CONPEDI. 1 ed. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 5054-5081. Para um panorama geral das Cortes em Portugal, cf. GRAES, Isabel. Contributo para um estudo histórico-jurídico das Cortes portuguesas entre 1481-1641. Coimbra: Almedina, 2005. [xiv] O poder real não era, de fato ilimitado. Jean Bodin defendia que o seu exercício encontrava barreiras nas leis divinas, nas leis naturais e nas leis fundamentais, cf. BODIN, Jean. Les six livres de la République. Paris : Librairie Générale Française, 1993, p. 111-137 e 151-178. Sobre as leis fundamentais, cf. SEELÄNDER, Airton Cerqueira Leite. Notas sobre a constituição do direito público na Idade Moderna: a doutrina das leis fundamentais. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos n° 53. Florianópolis: Fundação Boiteux, dezembro de 2006, p. 197-232; MOHNHAUPT, Heinz. Konstitution, Status, Leges fundamentales Von der Antike bis zur Aufklärung. MOHNHAUPT, Heinz; GRIMM, Dieter. Verfassung: zur Geschichte des Begriffs von der Antike bis zur Gegenwart. Berlin: Duncker & Humblot, 1995, p. 62-66. [xv] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 225. [xvi] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, op. Cit., p. 227. [xvii] “Por ‘fonte do direito’ designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa. O direito resulta de um complexo de fatores que a Filosofia e a Sociologia estudam, mas se manifesta, com ordenação vigente e eficaz, através de certas formas, diríamos mesmo de certas fôrmas, ou estruturas normativas, que são o processo legislativo, os usos e costumes jurídicos, a atividade jurisdicional e o ato negocial”. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 140. [xviii] Falando mais precisamente da Baixa Idade Média, Paolo Grossi trata dessa pluralidade: “Nel secondo medioevo – medioevo sapienziale – un’altra singolarissima convivenza ci segnalerà il marcato pluralismo di questa esperienza giuridica: nello stesso territorio avranno vigenza e applicazione – nei modi che si tenterà di precisare più innanzi – sia i considdetti iura propria, cioè le norme particolari consolidate in consuetudini o emanate localmente da monarchi e da città libere, sia lo ius commune, cioè il maestoso sistema giuridico universale elaborato sulla piattaforma romana e canonica da un ceto agguerritissimo di giuristi (maestri, scienziati, pratici), patrimonio scientifico ovunque presente a fornire schemi interpretativi, invenzioni tecniche, soluzioni per i troppi casi localmente non previsti dalla miopia dei singoli legislatori” GROSSI, Paolo. L’ordine giuridico medievale. 2 ed. Bari: Laterza, 1996, p. 54. [xix] Grossi reconhece esse fato: “De ‘leggi’ – cioè di atti autoritati generali e rigidi destinati a tutti i sudditi o a una parte cospicua di essi – nemmeno il primo medioevo è scarso. I monarchi visigoti in Spagna e quelli longobardi in Italia, al vertice di regni che per più secoli costituiscono un regime stabile, rispettivamente, per l’intera penisola iberica e per buona parte dell’Italia centro settentrionale (secc. Vi-VIII), sono impegnati in una ripetuta attività legislativa” GROSSI, Paolo, op. Cit., p. 55. [xx] “Anteriormente al seccolo XVIII la parola ‘iurisdictio’ (e le parole che nelle varie lingue traducevano piú o meno soddisfacentemente quella parola latina) indicava la titolarità e l’estensione di un potere giuridico di applicare diritto (di creazione sia altrui sia propria) e di producere diritto (sia precedentemente, sia in concomitanza con l’applicazione)”. TARELLO, Giovanni. Storia della cultura giuridica moderna: assolutismo e codificazione del diritto. Bologna: Il Mulino, 1993, p. 53. [xxi] “Per lex si intendeva l’intervento legislativo del sovrano, Il texto del Corpus iuris ove recepito ed in quanto legge del sovrano, le consuetudini in quanto fissate e compilate, e tutta la legislazione statutaria (da qualsiasi potere statutante provenisse)”. TARELLO, Giovanni, op. Cit., p. 67. [xxii] “Carta de lei, ou simplesmente Lei, em nada differem. Os Alvarás com força de Leis valem como ellas, e só differem em começar pelo nome appellativo = Eu El-Rei. = Os Decretos também tem força de Leis; mas começão pela determinação do Soberano, occultando o mais das vezes o motivo, e apenas são firmados com a Rubrica do Monarca, nunca passando pela Chancelaria-Mór do Reino. As Cartas Régias começão pelo nome da Pessoa, á que vão dirigidas; e estas, e bem assim as Resoluções sobre as Consultas dos Tribunaes, valem como Leis, e servem para a decisão de casos semelhantes”. TELLES, José Homem Correia. Commentario crítico á Lei da Boa Razão, em data de 18 de agosto de 1769. Lisboa: Typografia de N. P. de Lacerda, 1824, p. 5. [xxiii] SILVA, José Justino de Andrada e. Collecção chronologica da Legislação Portugueza compilada e anotada. Lisboa: Imprensa de J. J. A. da Silva, s.d., p. 1-22. [xxiv] SEELÄNDER, Airton Cerqueira Leite, op. Cit., p. 46-47. [xxv] RIBEIRO, João Pedro. Indice Chronologico Remissivo da Legislação Portugueza Posterior à Publicação do Codigo Filippino com hum Appendice. Parte 1: desde a mesma publicação até o fim do reinado do Senhor D. João V. 2 ed. Lisboa: Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1805, p. 290-291. [xxvi] RIBEIRO, João Pedro, op. Cit., p. 318. [xxvii] CUNHA, Paulo Ferreira da. Para uma história constitucional do Direito Português. Coimbra: Almedina, 1995, p. 174. [xxviii] Em verdade, o direito canônico não era subsidiário; tratava-se de direito especial, pois cuidava de matérias ligadas à fé e à espiritualidade. Como o rol destas era bastante extenso, via-se, na prática, um enorme aplicação do direito canônica em Portugal, principalmente através do Tribunal do Santo Ofício. [xxix] O nome dado ao Título LXIV do Livro III das Ordenações Filipinas não deixa dúvidas: “Como se julgarão os caso, que não This version of Total HTML Converter is unregistered. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6124 forem determinados por as Ordenações”. [xxx] As Cartas de Lei, as Leis, os Alvarás e os Decretos, cf. SEELÄNDER, Airton Cerqueira Leite. A polícia e o rei-legislador: notas sobre algumas tendências da legislação portuguesa no Antigo Regime. In: BITTAR, Eduardo. C. B. (Org.). História do Direito Brasileiro: leituras da ordem jurídica nacional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 97. [xxxi] O Império Romano do Ocidente caiu em 476, mas a coroação de Carlos Magno em 800 fez nascer o Império Carolíngio, encarado como continuação do Império Romano. Um de seus sucessores, Otto, foi coroado Imperador Romano 962, iniciando o Sacro-Império Romano Germânico, que durou até 1806. Sobre a primeira dinastia, descendente de Carlos Magno, cf. SCHNEIDMÜLLER, Bernd. Die Kaiser dês Mittelaltters: Von Karl dem Großen bis Maximilian I. 2 ed. München: C.H. Beck, 2007, p. 44-56. O prestígio e a influência dos imperadores romano-germânicos diminuíram com o passar dos séculos, sendo já o Kaiser mero figurante na política européia no século XVIII. [xxxii] Segundo Santo Tomás de Aquino, “o conceito eterno de lei divina tem a natureza de lei eterna, enquanto ordenada por Deus para o governo das cousas por ele pré-conhecidas”. AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. v 15. Trad. Alexandre Correia. São Paulo: Profissionais Salesianas, 1954, p. 24. Enquanto que “a lei natural não é mais do que a participação da lei eterna pela criatura racional”. AQUINO, Santo Tomás de, op. cit., p. 28. [xxxiii] Dentre os principais autores identificados com a escolástica espanhola está Francisco Suárez (1548-1617), que viveu os últimos vinte anos de sua vida em Portugal, onde foi professor da Universidade de Coimbra. Sobre a sua obra, cf. VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Trad. Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 393-422. [xxxiv] A lei que reformou os Estatutos da Universidade de Coimbra, em 1772, elencou as matérias envolvidas no Direito Público Externo e que deveriam ser abordadas pelo professor da respectiva disciplina no Livro II, Título III, Capítulo 3, §5. [xxxv] Sobre as matérias lecionadas pelo professor de Direito Público Interno, os Estatutos as mencionam no Livro II, Título VI, Capítulo 2, §4. [xxxvi] TELLES, José Homem Correia, op. Cit., p. 53. [xxxvii] Idem, ibidem. [xxxviii] Rui Manuel de Figueiredo Marcos indica que, para acabar com a predominância da escolástica no ensino jurídico português, criticada especialmente por Luís Antônio Verney, a método mais adequado era acabar com o arbítrio dos alunos e dos professores quanto ao que era ensinado e ao que estudado. A lei, no caso os Estatutos, deveria guiar os planos de estudos jurídicos em Coimbra. Cf. MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. Cit., p. 160-161. Essa medida adequou-se perfeitamente ao perfil centralizador do governo josefino. [xxxix] Quanto ao Direito Romano, era possível que, à época, se reconhecesse a aplicabilidade de determinada lei simplesmente porque ela fora promulgado por um imperador conhecido, sem antes verificar se ela era adequada ao que determinava a lei portuguesa. [xl] Cf. TELLES, José Homem Correia, op. Cit., p. 34-36. [xli] Cf. MARQUES, Mário Reis. História do Direito Português Medieval e Moderno. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 165. [xlii] Sobre o tema, afirmou José Homem Correia Telles “ter-se por civilisadas todas as Nações da Europa, só se exceptuarmos a Turquia”. TELLES, José Homem Correia, op. Cit., p. 62. Isso indica que o critério de ser cristã era fundamental, à época, para o critério de civilização. [xliii] CUNHA, Paulo Ferreira, op. Cit., p. 183. [xliv] Cf. TELLES, José Homem Correia, op. Cit., p. 62-63. [xlv] MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. Cit., p. 156. [xlvi] Neste sentido, cf. MARQUES, Mário Reis, op. Cit., p. 166; MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. Cit., p. 156. [xlvii] Sobre o autor, cf. OTTO, Jochen. Benedikt Carpzov. STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert. München: Beck, 1995, p. 115-116. [xlviii] Sobre o autor, cf. LANDAU, Peter. Justus Henning Böhmer . STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert. München: Beck, 1995, p. 93. [xlix] Sobre o autor, cf. LUIG, Klaus. Augustin Lyser. STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert. München: Beck, 1995, p. 377-378. [l] Sobre o autor, cf. LUIG, Klaus. Johann Gottlieb Heineccius. STOLLEIS, Michael (Org.). Juristen: ein biographisches Lexikon, von der Antike bis zum 20. Jahrhundert. München: Beck, 1995, p. 279-280. [li] Essa Escola Pandectística Alemã fez mais famosos autores como Georg Friedrich Puchta (1798-1846) e Bernhard Windscheid (1817-1892) do que os anteriormente citados, em razão de ter recebido influência da Escola Histórica de Friedrich Carl Von Savigny (1779-1861) e de ter servido ao positivismo alemão de Karl Friedrich von Gerber (1823-1891) e de Paul Laband (1838-1918). Sobre a Pandectística Alemã do século XIX, cf. WIEACKER, Franz, op. Cit., p. 491-524; LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2 ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 19-39 [lii] Fala-se em aplicação direta do Direito Romano porque é possível enxergar a sua aplicação indireta: preceitos romanos já haviam sido inseridos na legislação portuguesa, adquirindo o caráter de lei pátria. Portanto, nesta não se inseriam apenas as normas originariamente portuguesas, mas toda lei que emanasse do legislador português, ainda que o seu nascedouro fosse o Direito Romano. [liii] “Medieval canon law and civil law developed a close symbiotic relationship with one another. Canonists had to study a good bit of elementary Roman civil law as part of their training, while jurists who studied Roman law in the schools also had to acquire more than a slight facility with canon law in order to make a reasonable living. Church law and the laws of civil society complemented each other, but also competed with each other on many matters”. BRUNDAGE, James A. Medieval Canon Law. New York: Longman, 1995, p. 96-97. [liv] WIEACKER, Franz, op. Cit., p. 58-59. [lv] GROSSI, Paolo, op. Cit., p. 159. [lvi] STEIN, Peter. Roman Law in European History. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 71-73. [lvii] Dizia o texto original o item 13 da Lei da Boa Razão: “Sendo certo, e hoje de nenhum douto ignorado, que Accursio e Bartholo, cujas auctoridades mandou seguir a mesma Ord. no §1 do sobredito tit., forão destituídos não só da instrucção da História Romana, sem a qual não podião bem entender os textos que fizerão os assumptos dos seus vastos escriptos; e não só do conhecimento da Philologia, e da boa latinidade, em que forão concebidos os referidos textos; mas tambem das fundamentaes regras do Direito Natural, e Divino, que devião reger o espírito das Leis, sobre que escreverão. E sendo igualmente certo, que ou para supprirem aqquellas luzes, que lhes faltavão; ou porque na falta dellas ficarão os seus juízos vagos, errantes, e sem boas razões á que se contrahissem; vierão a introduzir na Jurisprudencia (cujo caracter fórmão a verdade, e a simplicidade) as quase innumeraveis questões metaphysicas, com que depois daquella Escola Bartholina se tem illaqueado, e confundido os direitos, e domínios dos litigantes intoleravelmente: mando que as glossas, e opiniões dos sobreditos Accursio, e Bartholo não possão mais ser allegadas em Juízo, nem seguidas na pratica dos Julgadores; e que antes muito pelo contrario em hum, e outro caso sejão sempre as boas razões acima declaradas, e não as auctoridades daquelles, ou de outros semelhantes Doutores da mesma Escola, as que hajão de decidir no foro os casos occorrentes; revogando tambem nesta parte a mesma ordenação, que o contrario determina”. [lviii] TELLES, José Homem Correia, op. Cit., p. 85. [lix] TELLES, José Homem Correia, op. Cit., p. 85-86. [lx] MARQUES, Mário Reis, op. Cit., p. 167. [lxi] TELLES, José Homem Correia. Theoria da interpretação das Leis e ensaio sobre a natureza do senso consignativo. Lisboa: Typografia Lacerdina, 1815, p. 5. [lxii] Ordenações Manuelinas, Liv. V, tít. 58, §1. [lxiii] “Per interpretatio si intendeva qualunque espressione normativa fosse stata enunciata da tribunali o da giurisperiti, in assenza di lex applicabile ad un dato aso, in base a ragioni (rationes) o ad opinioni cui si attribuiva ‘autorità’ (auctoritates)”. TARELLO, Giovanni, op. Cit., p. 67. Deve-se ressaltar que o autor trata, nessa passagem, de um momento específico (começo do século XVIII); apesar de dizer que os conceitos por ele trabalhados se aplicam a todas as regiões da Europa continental, ele enfatiza a sua aplicabilidade às culturas jurídicas francesa, germânica e italiana. [lxiv] MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo, op. Cit., p. 182. [lxv]TELLES, José Homem Correia. Commentario crítico á Lei da Boa Razão, em data de 18 de agosto de 1769. Lisboa: Typografia de N. P. de Lacerda, 1824, p. 74. [lxvi] “Quando pois o Espírito da Lei for significado pellas palavras della, e de tal espírito se infira alguma restricção, ou ampliação, que necessaria seja, para se não preverter esse mesmo espírito; tal restricção ou ampliação he justa”. TELLES, José Homem Correia, This version of Total HTML Converter is unregistered. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6125
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