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Fermentados e Cerâmica: Relação entre Bebidas e Potérias na História dos Tupi-Guarani, Trabalhos de Antropologia Social

Este documento discute a importância da manufatura de bebidas ligeiramente alcoólicas na cultura humana, com ênfase nos grupos tupi-guarani. Ele explica como as bebidas fermentadas podem mobilizar mão de obra, criar relações sociais e gerar poder político. Além disso, o texto compara vasos etílicos arqueológicos e etnográficos para preparo e consumo de bebidas fermentadas entre as tradições tupi-guarani e polícroma da amazônia. O documento também aborda a hipótese de que os elementos cerâmicos comuns entre essas tradições podem ser resultado de contatos entre grupos de língua arawak.

Tipologia: Trabalhos

2020

Compartilhado em 03/11/2021

andreza-trindade
andreza-trindade 🇧🇷

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Baixe Fermentados e Cerâmica: Relação entre Bebidas e Potérias na História dos Tupi-Guarani e outras Trabalhos em PDF para Antropologia Social, somente na Docsity! DOI 10.1590/50103-40142015000100006 À arqueologia dos fermentados: a etílica história dos Tupi-Guarani FERNANDO ÓZORIO DE ALMEIDA ! Beers are a vital subsistence food. Their consumption can also place the cos- mological participant in closer contact to the hidden space. (Stahl, 1984, p.65) Outra característica que se tornou quase universal, porque satisfaz a uma necessidade biológica, é a manufatura de bebidas ligeiramente alcoólicas. (Meggers, 1987, p.145) Drunkness also expresses culture in so far as it always takes the form of highly patterned, learned comportment which varies from culture to culture: pink elephants in one region, green snakes in another. (Douglas, 1987, p.4) Introdução ESTE ARTIGO será discutido o consumo de bebidas fermentadas, um há- bito amplamente difundido nas sociedades indígenas amazônicas. Um tema extenso, que possui uma série de campos analíticos (e.g. cognição, saúde, sociabilidade), muitos já razoavelmente debatidos, em especial pelas ci- ências médicas e pela antropologia. Na arqueologia, esse é um tema bastante recente (ver exceções em Braidwood, 1953; Katz; Voight, 1986), tendo sido negligenciado pela escola processualista norte-americana e pouco aprofundado até hoje na arqueologia brasileira (vide exceção em Neumann, 2010; Noelli; Brochado, 1998). O tema dos fermentados não é, de forma alguma, um assunto escolhido de forma aleatória dentro de uma imensidão de possibilidades. Trata-se, sim, para alguém que estuda cerâmica arqueológica, de algo que está presente em (quase) todos os lugares da Amazônia há milhares de anos. Foram os potes que trouxe- ram o assunto à tona, o que também significa que o viés ceramológico deixará de fora da discussão outros elementos que alteram a mente, comuns a muitas sociedades indígenas sul-americanas, como o tabaco, a coca e o ayahuasca. Tampouco se pretende argumentar que se trata da resposta para todas as questões da arqueologia amazônica, um optimm climático ou uma várzea fértil pós-moderna (ver adiante). Pretende-se apenas discutir um elemento central nas transformações das sociedades amazônicas através do tempo, um elemento que EstUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 87 potencializa o acesso à comunicação com outros grupos e com o lado obscuro, possibilita a compreensão de muitas questões não evidentes, podendo tanto as- segurar a estabilidade quanto levar a mudanças (Jennings; Bowser, 2009, p.2). Isto é, não se defende que a produção em grande escala de fermentados levou a um episódio de formação (o período Formativo) das sociedades indígenas amazônicas, e sim a possibilidades ilimitadas de transformação (Goldstein et al., 2009, p.141). O ser humano não é o único animal que se aproveita dos benefícios do álcool. Durante uma série de experimentos foi observada uma propensão à em- briaguez nos chimpanzés dado o livre acesso a bebidas. Constatou-se também que os machos consumiam aproximadamente o dobro do que consumiam as fêmeas, chegando a beber uma quantidade equivalente a quatro garrafas de vi- nho em um dia. Com o passar do tempo, percebeu-se que as bebedeiras ficaram padronizadas (com horários mais ou menos fixos), mas os chimpanzés perma- neciam quase sempre embriagados. Testes com ratos mostraram resultados se- melhantes: os animais se reuniam em torno da fonte de álcool sempre algum tempo antes do horário de serem alimentados. A cada três ou quatro dias, os ratos tinham um pico de consumo (McGovern, 2009, p.10). Além da sensação prazerosa que causa, o álcool pode aliviar a dor, parar uma infecção, saciar a fome e curar doenças. Antes do advento da medicina moderna, o álcool era o principal paliativo do ser humano. No caso da cerveja, o processo de fermentação aumenta o conteúdo proteico e vitamínico (especialmente de vi- tamina B) encontrado naturalmente no produto-base e adiciona sabor e aroma a esse produto (McGovern, 2009, p.267). A utilização de água fervida no processo de fermentação (que acelera esse processo) permite que se beba um líquido mais seguro do que a água, sujeita a contaminação por dejetos humanos até nas áreas mais escassamente habitadas (Standage, 2005, p.15). Mesmo quando a água não é fervida, o próprio álcool ajuda a eliminar as impurezas. À cerveja pode ser obtida por meio de uma série de grãos, tubérculos e frutos. As frutas, por exemplo, especialmente em climas tropicais, podem fer- mentar ainda na árvore, devido ao calor e à umidade (McGovern, 2009, p.7). Esse fenômeno é aproveitado tanto por seres humanos quanto por outros ani- mais frugivorostíferos, como passarinhos e macacos. Outra fonte antiga de ál- cool utilizada pelo ser humano é o mel, que fermenta se armazenado em água, transformando-se em hidromel. Pode-se especular, então, que qualquer porção mal armazenada de frutas ou mel, sujeita à umidade (e.g. água da chuva), pode- ria ter fornecido bebidas alcoólicas de forma fortuita na Antiguidade. Entretan- to, frutas são sazonais e nem sempre se encontra mel em grande quantidade, o que os torna fontes inconstantes de fermentados (Standage, 2005, p.15). Mesmo inconstantes, presume-se que os fermentados estavam presentes na “revolução cognitiva” que o ser humano atravessou nos últimos trinta mil anos, como nas pinturas rupestres criadas durante o Paleolítico Superior euro- ss EsruDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 na, O que resultou na criação do livro The Jívaro: people of'the sacred waterfalls (Harner, 1972). Dentre uma série de didáticas descrições, essa etnografia retrata a quantidade de cerveja de mandioca consumida por esses grupos, especialmen- te por parte dos chefes das casas. Como exemplo, Harner (1972, p.52-4) descre- ve o que seria um dia na vida de um chefe de família Achuar: O marido se levanta da cama de sua esposa em torno das duas horas da manhã, vai até o lado masculino da casa e se senta em um banco. Lava sua boca com água fresca de uma cabaça que está ao seu lado. Chama sua esposa, dizendo: “traga cerveja”. Ela esquenta um pouco de água, mistura com cerveja de mandioca e traz um pote para ele. Ela serve a ele e a um visitante (homem) que porventura tenha pernoitado ali, iluminada pela luz de uma vela de resina. Em seguida, ela retorna para o seu lado da casa e cozinha banana e mandioca. Ela serve para cada pessoa uma tigela dessa comida. Enquanto isso, o marido está fiando um tecido de algodão e con- versando em voz baixa com o visitante. A esposa traz mais cerveja e serve. Ela volta para o seu lado da casa e permanece sentada, descansando ao lado do fogo, por aproximadamente uma hora. Ela então retorna trazen- do mais cerveja. Como os homens não terminam rapidamente de beber, ela permanece agachada ao lado do marido, escutando a conversa (ela acabou de comer um pouco de mandioca no lado feminino da casa). Ela volta para lá, onde permanece por cerca de meia hora, e traz mais cerveja. Ela retorna para o seu lado da casa de novo e, depois de aproximada- mente meia hora, retorna com mais cerveja. Dessa vez ela fica e conversa um pouco como seu marido e depois retorna para sua área. Já está quase amanhecendo. O marido chama a esposa para trazer cerveja. Ela traz um grande vaso de cerveja e a serve continuamente até o amanhecer. Ele então a informa que está indo caçar e coloca cerveja dentro do seu cantil de cabaça, levando um pouco de mandioca cozida em uma bolsa de rede. Pega sua espingar- da e sai para caçar com a esposa e com os seus cães de caça. As crianças ficam em casa. Eles voltam para casa aproximadamente às duas horas da tarde, tendo matado uma cotia. Assim que chegam, o homem pede à mulher para tra- zer cerveja, o que ela faz. Ele então descarna a cotia, e ela a cozinha em uma panela (pote). Após ter cozinhado, ela leva a panela para o centro da casa e retira toda a carne, depositando-a sobre folhas frescas de bananeira. Chama os homens (o marido e o eventual visitante) para vir comer. Eles se levantam, pegam seus bancos e se dirigem às folhas de bananeira. Todas as crianças se aproximam e se agacham em volta da comida. A esposa serv um pedaço de carne para cada criança, assim como uma tigela à parte de carne para o visitante. Quando tudo foi comido, os homens se levantam e retornam com seus bancos para o local onde estavam sentados. Lavam suas mãos e bocas com gua da cuia. Então o marido se levanta e pede à mulher para trazer cer- a. Tendo tomado a cerveja, ele se deita na cama do lado masculino da EstUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 91 casa até aproximadamente cinco da tarde, enquanto sua esposa vai até a roça, pega mais mandioca e cozinha. Ele se levanta e pede para sua esposa trazer cerveja. Ela carrega a cerveja em tigelas de cabaça. O marido pede para ela trazer mandioca e carne. Depois dessa refeição, a esposa traz um pequeno pote de cerveja. Os ho- mens tomam apenas duas porções cada e depois conversam. A conversa dura aproximadamente vinte minutos, e eles se servem de novo de cer- veja. À esposa permanece do lado do marido durante a conversa, às vezes participando dela. Depois de servi-los pela segunda vez, a esposa retorna para o seu lado da casa, enquanto os homens conversam até o escurecer. A esposa traz então uma vela de resina e acende. Eles conversam mais e bebem cerveja de novo. Finalmente eles terminam o pote de cerveja, c a esposa retorna para o seu lado da casa com ele. Ela vai para a sua cama, enquanto os homens continuam sua conversa. Ela descansa em torno de meia hora, até que o marido a chama de novo para servir cerveja. Ela traz um pote. Os homens bebem, e cla permanece com eles. Quando eles fi- nalmente terminam a cerveja, a esposa retorna para seu lado da casa, lava os potes e as cabaças de serviço e os guarda. Então ela vai se deitar. Depois de meia hora, os homens também vão para a cama, o marido se juntando à esposa do lado feminino da casa, enquanto o visitante descansa sobre a cama diurna do marido no lado masculino da casa. (tradução nossa) Segundo a descrição de Harner (1972), os Jívaro não consomem água pura. Essa serve apenas para que as pessoas se lavem e para cozinhar alimentos. O autor enfatiza que os Jívaro consideram a cerveja muito superior à água pura, que eles só bebem em momentos de emergência, como quando os cantis de cerveja secam durante expedições de caça. Conforme visto, não se trata apenas de uma questão de paladar: o processo de ferver a água e o próprio álcool eli- minam impurezas que podem causar doenças. O relato também é didático ao apontar que a cerveja é um alimento, refrescante e rico em vitaminas e calorias, e que — pelo menos a consumida no dia a dia — não possui um alto teor alcoólico (Meggers, 1987, p.145). Caso contrário, a caça com certeza não seria muito proveitosa. O que não fica explícito, no entanto, é que os demais membros da casa também consomem uma significativa quantidade de cerveja. Harner (1972, p.52) estima que uma mulher beba de um a dois galões (3,8 a 7,5 L) de cerveja por dia, e uma criança, cerca de meio galão (1,9 L). Os homens beberiam uma nada modesta quantidade de três a quatro galões (11,4 a 15 L) diários. O relato também revela que outros produtos vegetais (sólidos) são consu- midos durante o dia. Entretanto, chama a atenção a imensa desproporção dos demais produtos vegetais ante a onipresença das bebidas fermentadas. Despro- porção observada em diversos grupos etnográficos como os Tupari (língua Tu- pi-Tupari), para os quais o único alimento é a carne — os produtos de roça (com exceção da chicha) são acompanhamentos (Soares-Pinto, 2009, p.111) - e os Apiaká (Tupi-Guarani), que têm a caça como o alimento forte, o vegetal como o alimento fraco, e a cerveja como o “forte que enfraquece” (Wenzel, 1986, p.56). 92 EsruDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 O cauim, como era conhecida a cerveja dos grupos Tupi-Guarani, era feito à base de mandioca (doce ou amarga) ou milho, podendo receber ingredientes extras, como mel ou frutas, para aumentar os teores de açúcar e, por conse- -quência, de álcool (Noelli; Brochado, 1998, p.119). Assim como nas socieda- des Jívaro, o preparo da bebida” e o cultivo das roças é uma função feminina, traço recorrente em outras sociedades indígenas das terras baixas sul-americanas e das terras altas andinas (Jennings; Chatfield, 2009, p.200). Nas sociedades de quatro das maiores famílias linguísticas da Amazônia — Jívaro, Tupi-Guarani, Carib e Arawak —, o status de um chefe de família muitas vezes está relacionado à quantidade de mulheres que “possui” (poligamia e/ou uma grande quantidade de filhas) e, por consequência, à quantidade de cerveja produzida e ao potencial de realizar grandes eventos festivos (cf. Harner (1972, p.80) sobre os Jívaro; Soares-Pinto (2009, p.106) sobre os Tupari; Whitehead (1999, p.402) sobre os Arawak e Carib das Guianas). Fenômeno que se repete em muitas partes do mundo, como nas sociedades Luo, do Kenia: [...] feasting is gendered asymmetry im terms of labor and benefits. Specifi- cally, female labor (producing and processing the agricultural supplies essen- tial for feasts) often lavgely supports a system of feasting which men ave the primary beneficiaries in the political arena. This is one of the main reasons why there is q linkage between polygyny and male political power [...]. (Die- tler, 2001, p.91) Esse desequilíbrio entre os gêneros é particularmente explícito em alguns grupos, como os Shipibo-Conibo do alto Amazonas, para os quais a principal fes- ta (e bebedeira) celebrava a clitoridectomia (retirada do clitóris) de garotas que chegaram à idade de se casar. Trata-se de uma “precaução” masculina para evitar a volta do tempo mitológico em que os papéis eram invertidos (pré-agricultura?): as mulheres estavam no controle e possuíam pênis (uma versão expandida do cli- tóris que, por isso, deve ser retirado) (DeBoer, 2001, p.218; Roe, 1982). O fardo feminino ligado ao cultivo de alimentos e ao preparo de fermentados também é retratado na mitologia dos índios Campa (Ashaninka) do sudoeste amazôni- co. Kashiri, nome dado tanto à Lua quanto à cerveja (em Arawak), apresenta a mandioca e seu cultivo a uma garota (em período de reclusão) do grupo, que engravida de Kashiri, dando luz ao Sol, que a queima viva. É interessante notar que Kashiri, além de ser um símbolo do sofrimento feminino, é o responsável pelo início do canibalismo entre os Campa (Weiss, 1972, p.162-3). Apesar desse evidente desequilíbrio, não se trata apenas de chegar a uma conclusão marxista de inserir as mulheres na categoria “classe explorada” (Ho- dder, 1994, p.79), já que, em muitos casos, elas compartilham o prestígio do marido (Dietler, 2001, p.92). Da mesma forma, ao controlar o fluxo de bebidas, as mulheres podem participar e influenciar em importantes decisões políticas, especialmente em debates que ocorrem em âmbito doméstico (Bowser, 2002, p.240, 276; Jennings; Chatfield, 2009, p.216). EstUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 93 elaborada e engobo vermelho (que também aparece na cerâmica Mina). Ou seja, desde os primeiros vasos (dos quais se tem notícia) para consumo de fermen- tados, ocorre uma divisão (há exemplos do contrário) entre vasos para preparo (corrugados, ungulados, escovados) e tigelas para consumo (pintadas). Essa di- visão seria observada com notável constância — abrangendo infinitas variações de formatos e de desenhos plásticos e crômicos — em um universo de falantes de diferentes línguas, dentro e fora da Amazônia. É incrível como esse duo panela corrugada /tigela pintada sobreviveu ao tempo e ao espaço — uma verdadeira Tradição da Floresta Tropical — enquan- to aparentemente a cerâmica rústica Mina foi desaparecendo: mesmo incerta, a ausência de vasos para preparo e consumo de fermentados parece provável (cf. formas Mina em Bandeira, 2010). Portanto, se hoje é reconhecido que a domes- ticação de alimentos ocorreu por meio de uma relação simbiótica, ou coevolutiva, entre o ser humano e as plantas (Rindos, 1984), pode-se dizer, com certo exage- ro; que houve uma relação simbiótica entre a cerâmica (ou determinados tipos de vasos e estilos cerâmicos) e o consumo de fermentados nas sociedades ame- ríndias pré-coloniais. Suposição que pode, inclusive, fornecer um caminho para a compreensão da imensa variabilidade interna dos Jê do Brasil Central (Robrahn- -Gonzáles, 1996) ante certa homogeneidade Tupi-Guarani: a cerâmica Jê não é (tradicionalmente) um componente ritual nem tende a carregar um estilo que está difundido — o pervasive style de DeBoer (1991, p.148) — em outros campos da sociedade, como em outros objetos ou no próprio corpo (Miiller, 1990). Também chama a atenção o potencial de separar e dividir grupos pela va- riabilidade desse duo. Por exemplo, na comunidade multiétnica de Conambo (Equador), formada majoritariamente por grupos de língua Quechua e Jívaro, todas as mulheres (maduras) produziam tigelas pintadas para o consumo de chi- cha, ainda que diferenças estilísticas permitissem distinguir quais tigelas eram ligadas a cada metade (Bowser; Patton, 2008, p.110). Na ocorrência de casa- mentos entre metades, a esposa, ao mudar para a casa do marido, tendia a mudar de estilo, adotando o padrão da sogra. Um exemplo de que os laços políticos podem ser mais fortes do que os laços étnicos (Bowser, 2002, p.198). Além dis- so, verificou-se que esses grupos costumavam enterrar seus mortos nos grandes vasos para preparo de fermentados (ibidem, p.138), característica análoga à dos grupos Tupinambá e Guarani. No caso desses Tupi-Guarani, ocorrem exemplos de tigelas para consumo utilizadas como tampa ou acompanhamento das urnas (Buarque, 2010), como se servissem para não faltar bebida ao falecido (Figura 1). A fabricação de cerâmica, incluindo os vasos de preparo e consumo de cerveja, era uma atividade feminina, tanto nos grupos Tupi-Guarani quanto nos grupos Jívaro. Em ambos, percebe-se que os vasos destinados ao consumo de fermentados eram os que mais recebiam decorações policrômicas. Segundo Harner (1972, p.66), os vasos para o preparo da cerveja — os maiores produzi- dos pelos Jívaro — possuíam decoração nos seus pescoços, e os grandes vasos de 96 EsruDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 consumo de cerveja possuíam decoração por toda a face interna. Nos pequenos vasos de consumo, essas decorações ocorriam na face externa do vaso. O autor indica que os motivos pintados seriam simples padrões em zigue-zague. No en- tanto, tal descrição parece destoar da sofisticada cerâmica policrômica apresen- tada por Karsten (1935), que esteve com os Jívaro nos anos 1930, o que aponta uma variabilidade interna entre os Jívaro e/ou uma possível simplificação no processo de manufatura dos vasos (Figura 2). O significado dos motivos pintados nos vasos para preparo e consumo da cerveja está longe de ser aleatório. Por exemplo, na citada comunidade de Co- nambo o design das pinturas é um forte elemento cultural para os grupos Que- tchua e Jívaro, um marcador de identidade. Foi também observado, nas socieda- des Tupi e Tupi-Guarani (Lima, 2005), que os fermentados simbolizavam uma forma de morrer análoga ao ritual canibal, da mesma forma que podem simbo- lizar o leite materno e a vida (Soares Pinto, 2009). Neste último sentido, não é de estranhar que a saliva - o componente exógeno essencial para a fermentação do milho e da mandioca, ao contrário das frutas, que já possuem maltose — seja vista como elemento vital para os Asurini, já que dá vida tanto ao cauim quanto à própria cerâmica, ao ser utilizada durante o alisamento dos vasos (Miiller, 1990, p.183; Neumann, 2008, p.35). Entretanto, um lado mais sombrio e mórbido é frequente nos motivos pintados das vasilhas da Subtradição Tupinambá do litoral, incluindo partes humanas devoradas nos rituais antropofágicos, como representações de intestinos (Buarque, 2010, p.169-70). É evidente que nem todos os grupos precisam expressar identidade em vasos e tigelas para o consumo de fermentados. Habitantes da bacia do alto rio Madeira, os grupos de língua Tupi-Arikém, talvez não tivessem tigelas ce- râmicas para o consumo de fermentados, e sim cuias (cabaças) com hastes para esse fim (Magalhães, 1916). Outro exemplo da mesma região vem dos Suruí (Tupi-Mondé), que preferem realizar motivos pintados na produção de cesta- ria do que na cerâmica. Na cerâmica arqueológica “Tupi”, escavada em áreas de interflúvio nas proximidades do alto-médio Ji-Paraná (Zimpel Neto, 2009), tampouco há tigelas policrômicas, e quase não há exemplos de tigelas carenadas (com ombros), nos moldes Tupi-Guarani. O que, ainda assim, não serve para justificar que esses grupos (Tupi não Tupi-Guarani) não tinham suas identidades reafirmadas pelo consumo de fermentados. A própria utilização de uma cuia com haste, caso tenha sido uma antiga tradição, poderia ser um diferenciador cultural dos Arikém em relação aos outros grupos. À utilização de diferentes formas cerâmicas não decoradas (e.g. entre os Tupari e os Suruí) ou de diferentes termos para designar os vasos e a cerveja, assim como variações no próprio produto vegetal que serve de base para o fer- mentado, também podem ter servido para antagonizar identidades. Por exem- plo, no império andino Wari (600-1100 d.C.), o uso de um vegetal alternativo ao milho, fruto da árvore Schinus molle, teria sido um diferenciador desse grupo EstUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 97 98 Stephen Shennan/Muscu de Arqueolo; Fonte: Karsten, 1935. Figura 2 — Vaso Jívaro para a preparação (acima) e consumo de cerveja (demais) EsruDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 Garcia (comunicação pessoal) indica a existência de tigelas quadrangulares no baixo Xingu. Nesse sentido, é bastante comum os pesquisadores do sudeste amazônico verem na Subtradição Tupinambá da Amazônia elementos recorren- tes em apenas uma das demais Subtradições, o que remete ao sudeste amazônico como possível local pelo qual os Tupinambá e os Guarani começaram a se dis- persar (Almeida; Neves, não publicado). A cronologia dos sítios arqueológicos dessa região, com datas entre 200 d.C. e 1700 d.C., precisa ser mais recuada para confirmar tal hipótese (Almeida, 2013). Nesse sentindo, o da busca pelas “origens”, pode-se dizer que a compara- ção dos vasos etílicos vai contra a mais elegante hipótese até hoje formulada para explicar a dispersão dos grupos Tupi-Guarani: a de que a cerâmica dos grupos “Tupinambá e Guarani seria uma ramificação da chamada Tradição Polícroma da Amazônia (Brochado, 1984; Lathrap, 1970; Figura 4). Figura 4 — Ramificação dos Tupinambá e dos Guarani pela Tradição Polícroma da Amazônia. EstUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 101 Ao olhar para a cerâmica da Tradição Polícroma da Amazônia (TPA) — tendo em mente a variabilidade de elementos das tigelas e panelas para fermen- tados da Tradição Tupi-Guarani — fica claro que se trata de dois agrupamentos distintos (Tabela 1). Primeiro (1), não há um padrão de tigelas com ombros e decorações pintadas sobre os ombros na TPA. Na verdade, é dificil apontar qual seria a tigela para consumo de bebidas na TPA. Essas tigelas com decora- ção policrômica só aparecem com grande frequência no alto Amazonas, ainda que, nesse caso, assemelhem-se às produzidas por outros ocupantes dessa região como as da Fase arqueológica Cumancaya e as dos atuais Jívaro. Além disso (II), as urnas funerárias TPA (as supostas panelas para preparo de fermentados) possuem formato distinto da Tradição Tupi-Guarani: as urnas TPA em geral possuem formato cilíndrico, com um bojo inferior avantajado, ao passo que os yapepó (panelas Guarani) tendem a ter o bojo superior avantajado (Tabela 1). Por fim (II), muitas panelas-urna Tupi-Guarani possuem decoração corrugada, elemento ausente na cerâmica TPA. É raro, no entanto, as urnas Tupi-Guarani possuírem decoração policrômica e, mesmo quando está presente, essa decora- ção é encontrada apenas na parte superior do vaso (Prous, 2010). Essa rica uti- lização da policromia na TPA, muitas vezes combinada com apliques modelados com desenhos antropomorfos, permite pensar se essas urnas de fato eram tam- bém levadas ao fogo (como no caso Tupi-Guarani). Ao que parece, esse tipo de vaso TPA nasceu com apenas um uso em vista, o de ser urna funerária, ao passo que os Tupi-Guarani fizeram valer mais o esforço manufatureiro desses grandes vasos e os teriam utilizado em mais de uma função. Os produtores (ou a maior parte deles) de cerâmica da Tradição Polícro- ma da Amazônia não parecem ter utilizado os vasos para preparo e consumo de bebidas fermentadas como elementos de identidade,” ao contrário do que ocorreu com os produtores (ou a maior parte deles) de cerâmica da Tradição Tupi-Guarani, da fase Cumancaya (Shipibo-Conibo) e os Jívaro. Portanto, do ponto de vista de uma análise preliminar que usa cerâmicas arqueológicas para preparo e consumo de fermentados, não há uma ligação direta entre a Tradição Polícroma da Amazônia e a Tradição Tupi-Guarani. O que se propõe aqui é que os elementos cerâmicos comuns à TPA e à Tradição Tupi-Guarani são fruto de contatos em diferentes locais e momentos com uma vasta rede pan-amazô- nica, provavelmente orquestrada por grupos de língua Arawak (Almeida, 2013, Figura 1). Rede que também teria influenciado o estilo cerâmico de uma série de grupos de línguas diferentes, como os atuais grupos Jívaro e os Shipibo-Conibo (Fase Cumancaya). Como essa rede teria ocupado lugares específicos, os chamados lugares significativos (Zedeno; Bowser, 2009, p.6), como áreas de cachoeiras de en- contros de grandes rios e não toda a extensão desses rios, é natural que alguns grupos tenham participado e sido influenciados por essa rede e outros não. Cla- ramente deficitária de estudos mais intensivos para “comprová-la” essa hipótese 102 EsruUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 possui como maior mérito a habilidade em explicar como grupos do alto Ama- zonas (e.g. os Shipibo-Conibo e os Jívaro) e do baixo Amazonas (e.g. os grupos “Tupi-Guarani) possuem tamanha semelhança estilística, sem que provavelmente nunca tenham tido contato direto: possuíam, sim, um ancestral estilístico em comum. Além disso, tal hipótese explica porque alguns membros de grupos linguísticos (como os Tupi-Guarani e os Shipibo Conibo) possuíam tigelas poli- crômicas para o consumo de fermentados enquanto grande parte de seus paren- tes linguísticos não (i.e. grande parte das demais famílias do Tronco Tupi e da família Pano, respectivamente). Se estiver correta, essa proposta pode inclusive “datar” o início do estilo cerâmico dos Tupi-Guarani, a ser consagrado no tem- po como uma Tradição. Ou seja, indicar quando a família linguística e a Tradi- ção arqueológica passaram a caminhar juntas. Sugere-se aqui (ver a seguir) que essa “sincronização” tenha ocorrido pouco tempo antes do início da era cristã, provavelmente no sudeste amazônico (área de maior variabilidade linguística e estilística entre os Tupi-Guarani). A diferenciação estilística entre a TPA e a Tradição Tupi-Guarani, no en- tanto, não desqualifica a possibilidade de a TPA estar relacionada a grupos de língua Tupi. Pelo contrário, uma futura confirmação do alto Madeira como local de origem da dispersão dos grupos TPA, um local historicamente ligado a gru- pos Tupi (Menéndez, 1981/1982), somada ao caráter belicoso dessa dispersão e à sua “ponta de lança” Kokama-Omágua,"º levará à conclusão de que a TPA era relacionada, sim, a grupos de língua Tupi. No caso Tupi-Guarani, sugere-se o contato desses grupos com uma das ramificações dos grupos com cerâmicas Inciso-Pintadas (dos antigos Arawak), provavelmente em data próxima ao início da era cristã. Se essa hipótese estiver correta, significa que as mais antigas cerâmicas da Tradição Tupi-Guarani não se encontram no alto Ji-Paraná (sudoeste amazônico), conforme postulou Miller (2009), uma vez que a cerâmica da região do rio Ji-Paraná não apresenta a po- licromia característica da Tradição Tupi-Guarani, e a presença de falantes Tupi- “Guarani (Kagwahiva) nessa região data do período colonial. No entorno do baixo Xingu, há presença de policromia na cerâmica da Tradição Tupi-Guarani, com datas relativamente antigas (atingindo 280 + 80 d.C.), em regiões não muito distantes (Figueiredo, 1965; Garcia, 2012; Pereira et al., 2008; Silveira et al., 2008) e uma grande variedade de grupos falantes de Tupi-Guarani (Mello; Kneip, 2006; Rodrigues, 1984/1985). Dessa forma, e com esse possível panorama que coloca a região de entorno do baixo Xingu como centro de origem da dispersão dos Tupi-Guarani, seria de vital importân- cia reconsiderar as datas mais antigas (anteriores ao início da era cristã) obtidas por Silveira et al. (2008), que poderiam resolver a questão (Almeida; Neves, manuscrito não publicado). À hipótese de que a formação do Estilo (posteriormente Tradição) Tupi- -Guarani aconteceu no entorno do baixo rio Xingu (em rituais de cachoeira?) e EstUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 103 migração “seria mais adequado para definir as movimentações que os mesmos (Tupi-Guarani) realizaram, motivados pela pressão de outros grupos, como por exemplo após 1500, dos europeus”. Apesar das evidentes contribuições feitas por Lathrap, Brochado e No- elli - sendo a mais importante delas a retomada de bases etnográficas e etno- -históricas para a interpretação dos dados arqueológicos —, esses autores acaba- ram por adotar uma posição demasiadamente antagônica com relação à visão determinista de Meggers e Miller, extrapolando para o lado oposto (ilimitadas possibilidades de processos de desenvolvimento social, econômico e político por parte dos Tupi-Guarani). Entretanto, ao contrário do que ocorreu com o debate pan-amazônico entre Meggers e Lathrap, e depois entre Meggers e Roosevelt, que foi equalizado por autores como Carneiro (1995) e Neves (2008, 2012), a arqueologia Tupi-Guarani ainda carece de uma reavaliação dos prós e contras dessas diferentes propostas. Um dos problemas nas interpretações realizadas por Lathrap, Brochado e Noelli reside no caráter demasiadamente processual, de longa duração, das explanações. Sabe-se que, apesar de o know-how em estudos de longa duração ser o maior atrativo das pesquisas arqueológicas, essa mesma capacidade pode se tornar uma maldição, à medida que as possibilidades contingenciais, de eventos, são descartadas em prol de explanações ligadas apenas a processos de longa du- ração (Morris, 2000, p.5). Como ensinam os múltiplos exemplos de bebedeiras Tupi-Guarani, basta uma discussão trivial durante uma festa para alterar o status quo de uma hora para outra, separando famílias, tornando amigos em inimigos, transformando cunhados em alvos para rituais canibais, levando a mudanças na economia e na política e, é possível, forçando grandes mudanças territoriais. Tendo em mente questões como a quebra do monopólio da longa du- ração, é possível contribuir para reestabelecer um equilíbrio epistemológico e avançar dentro de macrodiscussões sobre os Tupi e os Tupi-Guarani. Até o mo- mento, a maior dessas contribuições é um novo olhar sobre os grupos de interf- lúvio (Almeida, 2008, 2013; Almeida; Garcia, 2008; Garcia, 2012; Pereira et al., 2008; Silveira et al., 2008). Outra questão que avançou muito com os trabalhos de Lathrap, Brochado e Noelli, mas que necessita ser reavaliada, é a da oposição entre migração e expansão. Conforme apontado, na visão desses autores, a história Tupi-Guarani é uma história de expansão, sendo as migrações muito mais ligadas à catástro- fe pós-contato. Ao falar dessas migrações, Noelli (1996) se refere aos famosos movimentos messiânicos ocorridos durante os primeiros séculos da colonização europeia (séculos XVI e XVII), realizados por grupos Tupi-Guarani, em busca da chamada terra sem mal (Clastres, 1978; Métraux, 1979). Nessas ocasiões, muitos grupos Tupi-Guarani teriam sido coagidos por líderes religiosos a fugir dos europeus. Talvez rios tenham sido utilizados, mas a migração Tupinambá entre o Pernambuco e o Maranhão (Abbbeville, 1975 [1614]) e a migração Gua- 106 EsruUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 rani para o Peru (Clastres, 1978, p.61) foram feitas basicamente a pé, por terra. Exemplos de migrações amazônicas dos Tupi-Guarani seriam a discutível viagem dos Tupinambá do litoral para a ilha de Tupinambarana (Cypriano, 2007; He- riarte, 1874; Menéndez, 1981/1982) e a migração dos Waiãpi, do rio Xingu para a região do rio Oiapoque, no atual estado do Amapá (Gallois, 1986, p.59, 78). Em todos esses casos, o que chama a atenção é o fato de diferentes grupos, geograficamente distantes (com exceção dos dois exemplos Tupinambá), ado- tarem a mesma estratégia em face de um eminente colapso: migrar para longe. Tal recorrência não deve ser desprezada e pode ser uma pista para a compreen- são desses grupos, ainda mais se levado em consideração o seu modo de vida predador, no qual o “sucesso” de um grupo — ocupação de melhores territórios (Balée, 1987) ou captura de mulheres (Clastres, 1998) — ocorria, muitas vezes, à custa do infortúnio de outro. Além disso, durante uma longa história de ocupa- ção amazônica, não faltariam concorrentes, Tupi ou não Tupi, levando a tensões que, em momentos agudos e na eminência do colapso, levariam grupos a se fragmentar e/ou migrar, talvez guiados pelo “antídoto cosmológico” que esses “Tupi-Guarani possuíam para esses momentos: buscar a terra sem mal. Um incremento na mobilidade não necessariamente levaria a movimentos de longa distância. Os exemplos etnográficos dos Guajá, dos Urubú-Ka"apor (Balée, 1994) e dos Parakanã ocidentais e orientais (Fausto, 2001) refletem eventos recentes que com certeza ocorreram também no passado (Neves, 2012, p.68). A etnografia Parakanã é didática inclusive para mostrar que a adoção de uma estratégia mais móvel por parte dos grupos orientais lhes forneceu uma vantagem sobre os grupos ocidentais, fazendo que sofressem menos baixas. Assim, quando arqueólogos e linguistas simplesmente não conseguem res- ponder perguntas como “Por onde os Guarani se expandiram na Amazônia?” (o que também vale para os Tupinambá do litoral) ou “Como é possível que os Guarani possuam datas tão próximas aos grupos Tupi-Guarani amazônicos, se estão tão distantes?” talvez seja o caso de cogitar a hipótese da migração. Essa hipótese só pode ser comprovada pela maneira mais difícil, a ausência de outras opções, o que não é alento para os estudiosos, mas serve de estímulo para pes- quisas detalhadas. Além disso, outro benefício de pensar que curtos momentos de migração podem ter intercalado longos momentos de expansão é que esse viés ajuda a compreender questões como a do porquê do sucesso expansivo dos Tupinambá do litoral e dos Guarani frente aos Tupinambá da Amazônia e dos demais grupos “Tupi, mesmo esses grupos possuindo modos de vida tão semelhantes. Se são tão semelhantes nos demais, a razão do sucesso dos Tupinambá do litoral e dos Guarani deve estar ligado a um processo de deriva, uma descolagem dos demais grupos por meio de uma ou mais migrações. Descolados para regiões nas quais os habitantes possuem modos de vida distintos, como os sambaquieiros do litoral sul-sudeste brasileiro, os migrantes Tupi-Guarani teriam se beneficiado de um processo de EstUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 107 seleção natural (para manter a terminologia darwinista), beneficiando-se (entre outros) das terras férteis do sul e do sudeste para cultivar grandes plantações e, portanto, fazer grandes festas e grandes bebedeiras. Sem a pressão de pares ama- zônicos, tendo que lidar apenas com grupos despreparados para suportar com grupos “predadores” (que chegaram “de repente”), os Tupi-Guarani finalmente passaram a executar os processos expansivos tão caros às propostas de Lathrap, Brochado e Noelli. Além disso, outra probabilidade é que a própria separação dos Tupi-Guarani do antigo núcleo Tupi da bacia do alto rio Madeira em di- reção ao sudeste amazônico também tenha ocorrido em decorrência de uma migração ou de um processo de deriva. Esse viés interpretativo serve para desmontar (a exemplo de Neumann, 2008) de vez a caracterização feita por Noelli (1993), de que os Guarani (como os demais Tupi-Guarani) seriam sociedades prescritivas, avessas a mudanças. Etnograficamente pode-se citar o exemplo dos Tenetehara do interior mara- nhense, que possuíam um padrão circular de aldeia (imitando os vizinhos Tim- bira) e passaram a copiar as alinhadas vilas coloniais (Ladeira, 1983), fenôme- no análogo ao descrito para grupos Munduruku do Tapajós (Arnaud, 1974) e Kagwahiva do alto Jamari (França, 2012, p.157). Mediante o contexto arque- ológico do sudeste amazônico, foi possível observar uma série de influências dos grupos Inciso-Modelados nas cerâmicas Tupi-Guarani (e.g. Garcia, 2012). Nessa região, também é possível citar o contexto etnográfico do alto Xingu, com a adoção de elementos Arawak pelos Tupi-Guarani (Heckenberger, 2002, 2005). Também no sudeste amazônico, foi sugerido que grupos Tupi-Guarani teriam se apropriado de elementos estilísticos de portadores de antigas cerâmi- cas Inciso-Pintadas (antigos falantes de Arawak?), na constituição do que viria a ser conhecido como Tradição Tupi-Guarani. É possível que um evento análogo tenha ocorrido no alto Madeira, com grupos Tupi se apropriando de elementos estilísticos de (outras) antigas cerâmicas Inciso-Pintadas, na constituição do que viria a ser conhecido como Tradição Polícroma da Amazônia. Portanto, mesmo que nem todas essas hipóteses se concretizem em futuros estudos, é possível ter certeza de que, mesmo que os diversos grupos Tupi não tenham mudado inces- santemente através do tempo, eles tampouco eram grupos prescritivos. À razão para a baixa variabilidade das Subtradições Guarani e Tupinambá do litoral é a mesma que tornou possível o sucesso expansivo desses grupos: a deriva. Em geral isolados de grupos com modos de vida semelhantes (canibais, guerreiros, cervejeiros), os Tupinambá e Guarani não tiveram alternativa a não ser se voltar para si próprios (quem se interessaria em ir a uma abstêmia festa Jé?), fortalecendo as organizações estruturantes, tendo menos possibilidades de mudar por não ter com quem beber. Conclusão Por milhares de anos as bebidas alcoólicas constantemente acompanharam os seres humanos. Nessa longa convivência, elas se tornaram atores de grande 108 EsruUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 PINDAIA, V. (Org.) Arqueologia amazônica 2, Belém: MPEG, 2010. p.147-72. BARTON, €C. M. et al. Long term sociology and contingent landscapes. Journal of Archaeological Method and Theory, v 11, p.253-95, 2004. BOLIAN, C. E. Archncological excavations in the Trapecio of Amazonas: the Polychro- me Tradition. 1975. Thesis (PhD. in Antrhopology) — University of Illinois. Urbana Champain, 1975. BOWSER, B.J. 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ABSTRACT — The consumption of alcoholic beverages is traditionally neglected in the archaeological literature, which treats the issue as a theme of secondary interest in the history of human populations. However, the ethnographic literature of the indigenous populations of the South American lowlands points exactly to the opposite: it is the solid non-alcoholic vegetal food which has a secondary role in daily and ritualistic life EstUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015 117 of various collectives. The archacological data provides chronological depth to the rela- tion between the human being and alcoholic beverages. Moreover, the archaeological pots used for the preparation and consumption of these beverages are fundamental to the understanding of historical processes and events which modeled the dispersion of a series Of groups across the continent. KEYWORDS: Fermented drinks, Archacological pottery, History of the Tupi-Guarani. Fernando Ozorio de Almeida é docente do Departamento de Arqueologia da Univer- sidade Federal de Sergipe (Darq-UFS). Bacharel em História (FFLCH-USP), mestre e doutor em Arqueologia (Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo). É membro do Arqueotrop (Laboratório de Arqueologia dos Trópicos, MAE- USP). O — fernandozoriomhotmail.com Recebido em 20.2.2015 e aceito em 12.3.2015. ! Departamento de Arqueologia, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju/SE, Brasil. 18 EsruUDOS AVANÇADOS 29 (83), 2015
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