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Behaviorismo, Terapia do Comportamento e Aprendizagem Cognitiva: Um Resumo Histórico, Manuais, Projetos, Pesquisas de Filosofia

Uma panorámica histórica dos estudos sobre comportamento animal e humano, abordando o behaviorismo, o behaviorismo radical, o comportamentalismo propositivo, a teoria hipotético-dedutiva do comportamento e a insuficiência do modelo e-r. Além disso, discute a importância da internalização do comportamento humano, a necessidade de incluir variáveis intervenientes e processos conscientes no estudo do comportamento, e a evolução para abordagens cognitivo-comportamentais. O texto também menciona a importância dos estímulos verbais e imaginário no comportamento humano, a terapia de aversão, a modelação social e a terapia cognitiva.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2021

Compartilhado em 22/04/2022

yasmin-ribeiro-50
yasmin-ribeiro-50 🇧🇷

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Baixe Behaviorismo, Terapia do Comportamento e Aprendizagem Cognitiva: Um Resumo Histórico e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Filosofia, somente na Docsity! 195 Capítulo 12 As bases teóricas e filosóficas das abordagens cognitivo- comportamentais Eliane M. O. Falcone “A dúvida não é um estado agradável, mas a certeza é absurda.” Voltaire O avanço das ciências físicas e biológicas ocorrido no século XIX, cujas características marcantes foram a experimentação e os métodos objetivos de investigação, contribuiu fortemente para o surgimento das bases empíricas das abordagens cognitivo-comportamentais. Nessa época, a física se desenvolvia com o avanço de teorias que permitiam maior compreensão da matéria. A biologia, por sua vez, estava progredindo na descoberta da etiologia de determinadas doenças orgânicas e do tratamento destas. Juntando-se a esses fatos, os estudos de Darwin, que defendiam uma continuidade entre a espécie humana e a dos outros animais, incentivaram a investigação do comportamento animal para o entendimento do comportamento humano (Kazdin, 1983). Os estudos com condicionamento se originaram primeiramente entre os investigadores russos, que começaram a aplicar os métodos objetivos da fisiologia aos problemas da psicologia. Dentre estes, o mais conhecido foi Ivan P. Pavlov (1849-1936), que realizou várias experiências com cães, a partir das quais deu origem à teoria dos reflexos condicionados. O mesmo modelo de condicionamento também foi realizado para eliciar respostas condicionadas de medo, onde uma luz vermelha, após alguns emparelhamentos com um estímulo incondicionado (choque elétrico), transformava-se em um estímulo condicionado, provocando respostas de medo nos animais. A partir desses achados, o paradigma de condicionamento clássico ou pavloviano passou a ter implicações para a compreensão de fenômenos psicopatológicos. 196 197 Os estudos dos investigadores russos passaram a influenciar os pesquisadores norte-americanos e, no final do século XIX, surgiu a psicologia experimental animal, que forneceu as bases para um outro modelo de condicionamento, conhecido como condicionamento operante, desenvolvido a partir de observações feitas por Edward L. Thorndike. Ao realizar uma série de experimentos com gatos, Thorndike encontrou que, após emitirem várias respostas, esses animais passavam a manifestar apenas uma: aquela que era seguida da possibilidade de acesso ao alimento. Esse fenômeno ficou conhecido como a “Lei do Efeito”, segundo a qual, dentre as várias respostas emitidas em uma mesma situação, aquela que é seguida de satisfação do desejo do animal será a mais fortemente conectada com a situação (Baldwin e Baldwin, 1998). Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) ampliou os estudos de Thorndike definindo o reforço como um estímulo que aumenta a probabilidade de ocorrência de uma resposta (Skinner, 1981). Diferentemente do modelo pavloviano, onde o reforço (estímulo incondicionado) está associado a um estímulo neutro, eliciando uma resposta condicionada, o reforço no condicionamento operante é contingente a uma resposta dada. Ele só ocorre após o comportamento se manifestar. A psicologia experimental animal, surgida no final do século XIX, deu origem ao behaviorismo, que representou uma revolução metodológica, na medida em que se propunha a estabelecer as bases científicas da psicologia. Os behaviorismos metafísico, radical e metodológico John Broadus Watson (1878-1958), ao fundar o behaviorismo, exerceu grande importância na clarificação e formalização da filosofia desta orientação. Embora seja reconhecido na literatura como representante do behaviorismo metodológico, sua rejeição ao conceito de “mente” fez com que o seu nome estivesse principalmente associado ao behaviorismo metafísico (Mahoney, 1974). O behaviorismo metafísico negava a existência da “mente” e dos “estados mentais”. Aceitar o conceito de “mente” implicaria aceitar uma teoria dualista, onde uma entidade espiritual (mente) influenciaria uma física (corpo) e vice-versa. Além disso, o mundo privado, por não ser diretamente observável, não poderia ser um foco de estudo. Assim, para não aderir ao dualismo mente-corpo, Watson adotou uma posição estrita de monismo 198 199 admitiu que a especificação dos estímulos não era suficiente por si só para explicar o comportamento. Esse autor concluiu que o estudo dos processos de aprendizagem nos seres humanos necessitava explicar como o indivíduo percebia os estímulos e que significado tinha essa percepção. Tolman, por sua vez, propunha que os organismos desenvolvem cognições sobre diferentes estímulos e que a formação dessas cognições constituía a aprendizagem. O organismo aprendia estratégias de resposta e percebia relações gerais em seu ambiente. Assim, para que os animais aprendessem a solucionar um labirinto, desenvolviam mapas cognitivos dos estímulos ambientais e essas cognições eram responsáveis pelo comportamento (Kazdin, 1983). A despeito das diferenças entre os behaviorismos radical e metodológico, a integração dos paradigmas de condicionamento pavloviano e skinneriano foi proposta por Hobart Mowrer (1928-1982), que descreveu um modelo de dois fatores para explicar o medo e o comportamento de evitação. A aquisição do medo aconteceria por meio do condicionamento clássico e, por ser o medo um estímulo aversivo, o animal aprende a reduzi-lo evitando os estímulos condicionados (reforçamento negativo). Primeiras aplicações dos princípios de condicionamento Condicionamento pavloviano Dentre as primeiras tentativas de utilização dos princípios de condicio- namento para os problemas de ansiedade, a mais famosa refere-se aos procedimentos de condicionamento realizados por Watson e Rayner, em 1920, com o “Pequeno Albert”, um bebê de 11 meses. O objetivo desse experimento era demonstrar que as reações fóbicas eram aprendidas por meio de condicionamento. Albert era uma criança saudável que, ao ser colocada diante de um rato branco, não manifestou nenhuma reação de medo. Entretanto, após algumas sessões de condicionamento em que o aparecimento de um rato ficava associado a um barulho forte, Albert começou a manifestar medo do rato branco e de outros objetos semelhantes ao animal, tais como algodão, casaco de pele etc. Posteriormente, Mary Cover Jones (1896-1987), em 1924, começou a aplicar os princípios de extinção para ajudar crianças com fobia a perder o medo. Dois métodos demonstraram ser eficazes. O primeiro foi realizado a partir da associação do objeto temido com uma resposta agradável (ex., 200 201 comer uma barra de chocolate); o segundo consistiu na apresentação do estímulo fóbico na presença de outras crianças que não manifestavam nenhum temor. Em 1935, Hobart Mowrer e Willie Mowrer desenvolveram um tratamento para a enurese noturna utilizando os princípios de condicionamento clássico em 30 crianças enuréticas com idades entre três e 13 anos. Partindo do princípio de que o controle da micção corresponde a uma reação aprendida e que as crianças com enurese noturna apresentam uma falha na resposta aos sinais (distensão da bexiga) que precedem à micção, os Mowrer aplicaram um método de tratamento baseado no condicionamento pavloviano, onde a distensão da bexiga corresponde ao estímulo condicionado ao controle do esfíncter e à inibição da micção. Um ruído forte servia como estímulo incondicionado e o despertar (acompanhado da contração do esfíncter) era a resposta incondicionada. Para a realização do experimento foi construído um colchão contendo em seu interior fios elétricos que se conectavam ao som de uma campainha. Quando a criança, dormindo, começava a urinar, esta molhava o colchão, ativando o circuito elétrico, que por sua vez acionava a campainha, provocando o despertar da criança. Após algumas repetições dessa experiência, a criança começava a acordar antes da micção e, posteriormente, passava a controlar o esfíncter sem precisar despertar. O procedimento conseguiu eliminar a enurese nos 30 participantes do estudo. No início da década de 1950, na África do Sul, Joseph Wolpe (1915 - 1997) começou a realizar experimentos sobre “neurose experimental” em gatos, baseado nas pesquisas de Masserman (1943). Nesses experimentos, os gatos aprendiam a sentir medo do alimento, após alguns emparelhamentos com estímulos aversivos. Posteriormente, após aproximações sucessivas onde o gato era empurrado em direção à comida, na ausência da estimulação aversiva, a ansiedade se reduzia até a extinção. Wolpe concluiu que o medo condicionado e o ato de comer eram mutuamente antagônicos, ou seja, parecia haver uma inibição recíproca entre ambos. Wolpe testou essa hipótese alimentando os animais em locais cada vez mais próximos de onde eles haviam recebido o choque. Verificou então que o medo poderia ser reduzido mediante a apresentação concomitante de estímulos provocadores de ansiedade e estímulos que produziriam uma resposta antagônica e mais forte do que a ansiedade. Assim, os estímulos provocadores de ansiedade eram produzidos de forma gradual, dentro de uma hierarquia, começando por aqueles que provocassem ansiedade mais leve. 200 201 Para utilizar o seu trabalho em seres humanos, Wolpe criou a técnica de dessensibilização sistemática para tratar pacientes com fobia. Utilizou como resposta antagônica ao medo o relaxamento. Inicialmente, o paciente aprendia o exercício de relaxamento e, posteriormente, começava a enfrentar, passo a passo, as etapas da hierarquia de situações temidas, mantendo-se em relaxamento para inibir reciprocamente a reação de medo. As exposições ao estímulo temido poderiam ocorrer ao vivo ou pela imaginação. Os procedimentos detalhados da técnica de Wolpe podem ser encontrados em uma publicação traduzida para o português em 1981, com o título Prática da terapia comportamental. A contribuição de Wolpe exerceu grande influência na prática da terapia comportamental. Entretanto, a base teórica da inibição recíproca deixou de exercer influência, uma vez que a exposição em situações na vida real foi vista como a forma mais eficaz de produzir reduções na ansiedade condicionada. Além disso, a exposição gradual e o uso de inibidores recíprocos, tais como o relaxamento, são desnecessários. Por outro lado, a técnica da dessensibilização sistemática incentivou as pesquisas que levaram ao desenvolvimento atual das terapias baseadas na exposição (Hawton, Salkovskis, Kirk e Clark, 1997). Outros investigadores que contribuíram para o desenvolvimento da terapia comportamental na África do Sul foram James G. Taylor e Leo J. Reyna, os quais exerceram influência sobre os estudos de Wolpe. Stanley J. Rachman e Arnold A. Lazarus trabalharam diretamente com Wolpe após o desenvolvimento da técnica de dessensibilização sistemática (Kazdin, 1983). Na mesma época em que Wolpe realizava as suas pesquisas, Hans J. Eysenck (1916-1997) publicava na Inglaterra, em 1952, um trabalho com o título The Effects of Psychotherapy: An Evaluation. Nessa publicação, Eysenck avaliou a eficácia das terapias de orientação psicanalítica e a confiabilidade do diagnóstico psiquiátrico através da revisão da literatura psicoterápica. Eysenck não encontrou provas conclusivas de que a psicoterapia psicanalítica fosse mais efetiva do que a remissão espontânea (melhora produzida sem nenhum tratamento específico). Essa revisão tornou-se famosa e bastante polêmica, já que colocava em questão a eficácia da terapia psicanalítica. Os estudos de Eysenck despertaram maior preocupação com a verificação de eficácia psicoterápica em geral e com as possíveis limitações da terapia tradicional (Kazdin, 1983). Eysenck fundou, em 1963, a revista Behaviour Research and Therapy, a primeira dedicada à terapia do comportamento. Outros autores que deram contribuições relevantes para a terapia comportamental na Inglaterra foram Shapiro, que chamou atenção para o 204 205 modelos da vida real que desempenham, intencionalmente ou não, padrões de comportamento que podem ser imitados pelos outros. Depois que a pessoa desenvolve um repertório verbal adequado, os modelos podem ser verbais. Assim, personagens de filmes, de propagandas, figuras históricas etc. podem funcionar como modelos poderosos. Os pais, professores e irmãos mais velhos costumam ser modelos para as crianças. Nos grupos sociais, estamos constantemente imitando atitudes de algumas pessoas e, ao mesmo tempo, somos modelo para outras. A modelação implica processos cognitivos importantes que envolvem atenção, julgamento sobre o modelo e as conseqüências do comportamento deste etc. indicando que a mediação cognitiva influencia o comportamento. Para Bandura, a conseqüência da resposta não exerce uma influência puramente instrumental sobre o comportamento. Ela também é conceituada como um processo cognitivo. A partir da observação de suas próprias ações, o indivíduo vai discernir respostas apropriadas e inapropriadas e vai se conduzir de acordo com esse julgamento. A concepção de resposta apropriada é construída pelo próprio indivíduo, a partir da observação de seu comportamento. Em outras palavras, o reforço aumenta a probabilidade de ocorrência de uma resposta pela sua função preditiva, e não porque ele esteja automaticamente conectado à resposta. Assim, a motivação também tem base cognitiva e é influenciada pela previsão das conseqüências futuras. Dentre os conceitos mais importantes da teoria de aprendizagem social de Bandura, que contraria a explicação operante sobre o poder da contingência, encontra-se o de auto-eficácia, que se refere à crença que uma pessoa tem de que será capaz de realizar um determinado comportamento. A força da convicção da pessoa sobre a própria eficácia influencia no quanto ela vai tentar enfrentar as situações dadas. Isso irá determinar tanto a iniciação quanto a persistência do comportamento. As contribuições de Bandura sobre auto-eficácia se estendem hoje a uma variedade de pesquisas, tanto na psicologia social, em estudos sobre idosos e sobre evasão acadêmica, como na clínica e na saúde, no entendimento das dependências químicas, na depressão e em outros transtornos psicológicos. Em 1974, Michael Mahoney publicou um livro intitulado Cognition and Behavior Modification, em que defendeu a cognição como mediadora do comportamento. Um dos motivos da rejeição ao estudo dos fenômenos cognitivos por parte dos behavioristas radicais devia-se ao fato de que este era baseado em inferências, significando que o que é inferido não poderia se aplicar ao estudo do comportamento. Mahoney sustentou que o que caracteriza 204 205 um conhecimento científico não é a sua ausência de inferências, mas sim a sua capacidade preditiva: A questão básica nas explicações mediacionais versus não-mediacionais do comportamento não é se as inferências são justificáveis, mas sim quais inferências são legítimas e úteis. Como foi referido antes, a aceitação de uma hipótese ou teoria é determinada por sua adequação e força preditiva, e não por sua parcimônia ou falta de inferências. Muitos behavioristas, é claro, presumem que há uma forte correlação positiva entre estas características – ou seja, que as explicações não inferenciais e parcimoniosas do comportamento são mais capazes de precisão preditiva e amplitude explicativa. Esta é, de fato, a base da interpretação errônea da postura de Skinner acerca da mediação e da inferência (Mahoney, 1974: 26). Outros autores também desafiaram os princípios estritamente compor- tamentais. Dobson e Scherrer (2004) citam o trabalho de Vygotsky realizado em 1962 com crianças que estavam aprendendo regras gramaticais com sucesso, independentemente da habilidade de pais e educadores para usarem reforço discriminativamente. Esses autores citam também o trabalho de Mischel, Ebbesen e Zeiss (1972) sobre retardo na gratificação. Além da insatisfação com os modelos E-R, outros fatores históricos e contextuais contribuíram para o desenvolvimento das abordagens cognitivo- comportamentais. O primeiro desses fatores refere-se à rejeição dos modelos psicodinâmicos e ao questionamento de sua eficácia. Rachman e Wilson (1980, citados por Dobson e Block, 1988) afirmaram não haver indícios aceitáveis que sustentassem a visão da psicanálise como uma abordagem de tratamento eficaz. Dobson e Scherrer (2004) mencionam trabalhos de Albert Ellis (1973) e Aaron Beck (1967) em que ambos, embora vindos de uma tradição psicodinâmica, revelaram divergências filosóficas para com diversos princípios básicos desse modelo. No prefácio de uma publicação traduzida para o português intitulada Terapia cognitiva da depressão, Beck (Beck, Rush, Shaw e Emery,1982) relata que seus questionamentos ao modelo psicanalítico tiveram início em 1956, quando este tentava validar a formulação psicanalítica da depressão. Ao verificar que a hipótese da raiva retrofletida não se confirmara em seus estudos, levando-o a outras descobertas (como, por exemplo, a tríade negativista da depressão), Beck procurou embasamento nas teorias cognitivas para explicar a depressão. Outro fator histórico-contextual que culminou no desenvolvimento das abordagens cognitivo-comportamentais refere-se a uma atenção crescente dada aos aspectos cognitivos do funcionamento humano na psicologia geral, aliados ao desenvolvimento, pesquisa e estabelecimento 206 207 de diversos conceitos mediacionais na psicologia experimental. Os modelos de processamento de informação (cf. capítulo 13) passaram a ser cada vez mais aplicados em construtos clínicos, tal como se pode ver nas publicações sobre mediação cognitiva da ansiedade referidas em uma revisão de estudos feita por Dobson e Scherrer (2004). Assim, tanto a psicologia cognitiva em geral quanto a psicologia cognitiva aplicada acumularam evidências que desafiavam os modelos estritamente comportamentais a explicar esses dados pela incorporação de fenômenos cognitivos. Todas essas evidências levaram os teóricos comportamentais a redefinirem os seus limites e a incorporarem fenômenos cognitivos dentro dos modelos de mecanismo comportamental (Dobson e Block, 1988). Finalmente, a crescente identificação de diversos terapeutas e teóricos como de orientação cognitivo-comportamental, aliada às pesquisas de resultados, na maioria positivos, das intervenções clínicas cognitivo-comportamentais, constituiu mais um fator contextual de desenvolvimento dessa abordagem. Dobson e Scherrer (2004: 45) afirmam que a autodenominação de muitos profissionais como cognitivo-comportamentais “resultou em um zeitgeist que chamava cada vez mais atenção para o campo crescente da TCC” (terapia cognitivo-comportamental). Todo esse movimento gerou a criação da revista científica Cognitive Therapy and Research, em 1977, que abriu mais espaço para a divulgação desse enfoque. Princípios das abordagens cognitivo-comportamentais: o foco na cognição, na emoção e implicações para o tratamento As abordagens cognitivo-comportamentais compartilham diversas características fundamentais, mas também manifestam considerável diversidade de princípios e de procedimentos. Dobson e Scherrer (2004) explicam essa diversidade pelas diferentes origens teóricas de seus representantes. Eles citam Beck e Ellis, por exemplo, como vindos de uma tradição psicanalítica, enquanto apontam Marvin R. Goldfried, Donald Meichenbaum e Mahoney como treinados na abordagem comportamental. A premissa básica das abordagens cognitivo-comportamentais refere-se à existência de um processo interno e oculto de cognição, sendo o compor- tamento mediado por eventos cognitivos. Um mesmo evento pode ser considerado como agradável para uma pessoa, gerando um comportamento 208 209 resultados positivos da terapia cognitiva têm sido encontrados no tratamento do transtorno bipolar (Juruena, 2004) e da esquizofrenia (Barretto e Elkis, 2004). Além da terapia racional emotivo-comportamental de Ellis e da terapia cognitiva de Beck, outras abordagens cognitivo-comportamentais surgiram com o passar dos anos, embora não tenham atingido uma posição tão influente. Entre estas se incluem: a reestruturação sistemática de Goldfried (1974); o treinamento de auto-instrução e de inoculação de estresse desenvolvido por Donald Meichenbaum nos anos 1970; a terapia de resolução de problemas de D’Zurilla e Goldfried, na década de 1970; e a terapia de autocontrole, construída por Fuchs e Rehm, em 1977 (citados por Dobson e Scherrer, 2004). Desenvolvimentos mais recentes da abordagem cognitivo-comportamen- tal referem-se às terapias estruturais e construtivistas. Guidano e Liotti criaram na década de 1980 uma abordagem estrutural da psicoterapia, em razão do potencial explicativo limitado da teoria da aprendizagem. Para esses autores, a organização cognitiva de um indivíduo, incluindo teorias causais, pressupostos básicos e regras tácitas de inferência que determinam o conteúdo dos pensa- mentos, desempenha um papel causal nos comportamentos problemáticos. Para mudar essas estruturas cognitivas disfuncionais, a terapia começa com a identificação e modificação de estruturas cognitivas superficiais e depois, das mais profundas (teorias causais implícitas mantidas pelo paciente) (Dobson e Scherrer, 2004). Embora existam aspectos comuns entre a terapia estrutural de Guidano e Liotti e as outras formas de abordagem cognitivo-comportamental quanto à identificação e modificação de estruturas cognitivas, estas últimas são consideradas racionais, uma vez que o seu pressuposto filosófico é o de que existe um mundo externo que pode ser percebido de forma correta ou incorreta. Por outro lado, Guidano mostrou-se mais preocupado com o “valor de validade” das estruturas cognitivas do que com o seu “valor de verdade” (Dobson e Scherrer, 2004). Para os terapeutas de enfoque construtivista, que têm atualmente Mahoney como um dos principais defensores, a terapia consiste em enfatizar o processo de dar significado à experiência, em oposição ao conteúdo do que está sendo pensado. Assim, as estratégias focalizam-se em exercícios facilitadores que enfatizam o processo do pensamento e a produção de significado, em oposição aos exercícios corretivos em torno do conteúdo do pensamento (Dobson e Scherrer, 2004). 210 211 Enquanto alguns autores (por ex., Neimeyer e Raskin, 2001) questionam a compatibilidade teórica entre as terapias construtivistas e cognitivo-comportamentais, outros defensores das terapias cognitivo- comportamentais adotaram, em graus variados, tratamentos com base em princípios construtivistas (por ex., Mahoney, 1991; Meichenbaum, 1994; Young, 1994, citados por Dobson e Scherrer, 2004). Assim, as questões sobre a compatibilidade teórica entre os enfoques cognitivo, construtivista e pós- racionalista ainda não são conclusivas. Popularidade e abrangência das abordagens cognitivo-comportamentais Em uma pesquisa realizada por Robins, Gosling e Craik (1999), a abor- dagem cognitivo-comportamental é apontada como a que mais obteve popu- laridade nos últimos 20 anos. Embora esse estudo não faça menção aos locais onde essa popularidade se manifesta, sua metodologia baseou-se em uma meta- análise de publicações existentes em um determinado período sobre as diversas abordagens teóricas, o que permite perceber o avanço crescente das abordagens cognitivo-comportamentais em todo o mundo. Outro estudo realizado por Buela-Casal, Alvarez-Castro e Sierra (1993), para avaliar as preferências dos psicólogos na Espanha, concluiu que os psicólogos espanhóis manifestam uma clara preferência pela abordagem cognitivo-comportamental. Parece existir um consenso na literatura sobre a popularidade da abordagem cognitivo-comportamental na psicologia clínica e na psicologia da saúde, nos Estados Unidos e na Europa. Paul M. Salkovskis (2005), em seu livro recentemente traduzido para o português com o título: Fronteiras da terapia cognitiva propõe que “[…] a terapia cognitiva se tornou a abordagem psicoterápica mais importante e a melhor validada entre as demais. É o tratamento psicológico de escolha para uma ampla variedade de problemas psicológicos” (p. 15). Em entrevista concedida a uma revista argentina (1999), esse autor afirma: Um avanço na Inglaterra consistiu em que o Colégio de Psiquiatras exige que os psiquiatras tratem vários casos com terapia cognitiva em seu treinamento, de tal maneira que eles não podem converter-se em psiquiatras sem haver recebido supervisão em terapia cognitiva (p. 187). Para Dobson e Scherrer (2004), as abordagens cognitivo-comportamentais “têm aumentado de escopo e popularidade, adquirindo sua atual condição de ‘paradigmas dominantes’ na área da psicologia clínica” (p. 42). Em publicação 210 211 recente traduzida para o português com o título Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento (2005), os autores Michael S. Gazzaniga (neurocientista) e Todd F. Heatherton (psicólogo social e da personalidade) apontam a terapia cognitivo-comportamental como a mais eficaz no tratamento dos transtornos da ansiedade, do humor e da personalidade. No Brasil, a popularidade das abordagens cognitivo-comportamentais está apenas começando e pode ser identificada principalmente pela crescente publicação de livros organizados por autores brasileiros nos últimos cinco anos. Alguns desses autores são de São Paulo (Abreu e Roso, 2003; Lipp, 2004; Silvares, 2000), Rio de Janeiro (Range, 2001) e Rio Grande do Sul (Caminha, 2005; Caminha, Wainer, Oliveira e Piccoloto, 2003; Knapp, 2004). Além dos livros nacionais, a quantidade de publicações traduzidas para o português tem aumentado consideravelmente. Uma variedade de publicações em periódicos nacionais pode ser também encontrada. A popularidade das abordagens cognitivo-comportamentais tem aumentado em parte graças à fundação de associações itinerantes que organizam congressos anuais (Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental – ABPMC, fundada no Rio de Janeiro em 1991) e a cada dois anos (Sociedade Brasileira de Terapias Cognitivas – SBTC, fundada no Rio Grande do Sul em 1997). A primeira publica a Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, desde 1999. A segunda publica a Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, fundada em 2005. Associações regionais também têm surgido, como a Associação de Terapias Cognitivas do Estado do Rio de Janeiro (ATC-RIO), que organiza, juntamente com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, um evento anual (Mostra de Terapia Cognitivo- Comportamental). Os profissionais brasileiros de orientação cognitivo-comportamental têm se dedicado a intervenções em consultórios, além de pesquisa, ensino, orientação e supervisão clínica. A prática clínica institucional tem sido realizada por um grupo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em um ambulatório de ansiedade (ANBAM), onde psicólogos e psiquiatras exercem atividades de ensino, pesquisa e intervenção cognitivo-comportamental. No campo da psicologia da saúde, tem se destacado o trabalho de um grupo de psicólogos de São José do Rio Preto, que desenvolveram o Serviço de Psicologia do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), iniciado em 1981 com a contratação de uma psicóloga para atuar na enfermaria de pediatria e contando atualmente com 40 psicólogos (docentes, contratados e aprimorandos) que desenvolvem atividades de extensão de serviços à comunidade, ensino e pesquisa em psicologia da saúde. A história
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