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Classificação de Servidões Urbanas e Rurais: Quasi-Tradição e Prescripção, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito Civil

Este documento discute sobre a classificação de servidões urbanas e rurais, a necessidade da quasi-tradição na constituição de servidões affirmativas, e a prescripção de servidões discontinuas. O texto também aborda a validez de servidões constituídas em nome alheio e a necessidade do exercício da servidão para sua preservação.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2012

Compartilhado em 05/03/2012

matheus-henrique-gouveia-de-melo-pe
matheus-henrique-gouveia-de-melo-pe 🇧🇷

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Baixe Classificação de Servidões Urbanas e Rurais: Quasi-Tradição e Prescripção e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Direito Civil, somente na Docsity! AS AS SERVIDÕES REAES (ESTUDO DE DIREITO CIVIL) PELO JUIZ DE DIREITO Didimo Agapito da Veiga Junior ________ RIO DE JANEIRO B. L. GARNIER – Livreiro-editor 71 RUA DO OUVIDOR 71 ___ 1887 As servidões reaes: estudo de Direito Civil 2 AS SERVIDÕES REAES As servidões reaes: estudo de Direito Civil 5 _________________ Typ. PERSEVERANÇA, rua do Hospicio n. 85. _________________ As servidões reaes: estudo de Direito Civil 6 AO CONSELHEIRO José Fernandes da Costa Pereira Junior EM SIGNAL DE GRANDE AFFECTO FRATERNAL OFFERECE O Autor As servidões reaes: estudo de Direito Civil 7 INTRODUCÇÃO ________ I. Não estava este trabalho destinado a exceder as modestas proporções de uma monographia das servidões ruraes. Reflectindo, mais tarde, que a inclusão do estudo das servidões urbanas concorreria para que o trabalho não offerecesse uma deficiencia sensivel, quanto á methodisação, pelo facto da eliminação de um membro importante, n’esse corpo de direitos reaes que constitue as servidões; alteramos o plano primitivo e emprehendemos o estudo das servidões reaes. Desde então impoz-se, como necessaria, a divisão da obra em tres partes. Na primeira expendêmos a doutrina geral sobre as servidões. Pobre e escasso, o direito escripto sobre as servidões é, entre nós, pouco mais do que o que o direito romano consubstanciou no Liv. 8.º do Digesto, no Titulo 34 do Liv. 3º do Codigo e no Liv. 2.º Tit. 3.° das Institutas. (a) (a) Effecticamente, a bem pouco se reduz o que temos na nossa legislação, para regular o importante assumpto das servidões. Na Ord.do L. 1º, Tit 68 §§ 24 a 40 achão-se formulados preceitos sobre diversas servidões urbanas, que vemos reproduzidos em muitos dos codigos modernos e que detidamente serão estudados na segunda parte, deste trabalho. Pela Lei de 9 de Julho de 1773, § 12 confirmada nesta parte pelo Decr. de 17 de Julho de 1778 se regulou a constituição de caminhos e atravessadouros particulares, estabelecendo o caso unico em que esta constituição é admissivel: o de se dirigirem a fontes, ou pontes com manifestar utilidade publica. Finalmente temos as leis reguladoras das servidões d’aguas particulares e publicas. As primeiras regem-se pelas disposições dos paragraphos undecimo e duodecimo da Lei de 27 de Novembro de 1804, postos em vigor no Brazil pelo Alvará de 4 de Março de 1819. A concessão das Aguas publicas e particulares tem sido regulada por diversas disposições. Os decretos ns. 3191 de 1863, 3282 de 1864 e 3645 de 1866. representão o ultimo estado da legislação a tal respeito. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 10 Não levamos, com estas palavras, em mente censurar as modernas classificações das servidões em continuas e discontinuas. apparentes e não apparentes; são inteiramente accordes com a natureza das cousas (e é este o seu melhor titulo de procedencia) e são de efficassissimo effeito em referencia á acquisíçáo e extincção das servidões por prescripção. Desejamos apenas firmar bem claramente que é perfeita a classificação das servidões em urbanas e ruraes: tudo está em ligar-se a cada um dos membros da classificação a sua verdadeira noção. Da incorrecção n’este importante topico têm dimanado todos os erros. III. A noção fundamental é a que offerece o fragmento de Paulo: servitutes praediorum aliae in solo, aliae in superficie consistunt. (L. 3. D. de servit.) As servidões urbanas são as que se ligão á superfície; as ruraes as que se prendem ao sólo. Assim firmada, a classificação apoia-se em facto permanente: não se dão essas oscillações na natureza de direitos reaes, oscillações impossiveis de serem aceitas, sem offensa da systematisação do estudo das relações juridicas creadas pelo estado de dependencia e de restricção de direitos dominicaes, que imporia o estado da servidão. O mal proveio da falsa doutrina que classificava as servidões em urbanas e ruraes, segundo a natureza do predio dominante. Pretenderão apoiar tal systema na Lei 1ª do Dig. Comm. praed., onde Ulpiano, bem longe de curar da classificação de taes servidões, trata de definir o que se deva entender por predios rusticos e urbanos, e accentúa o principio capital em materia de servidões: que estas não podem existir sem os predios. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 11 A definição dos predios completou-a o mesmo Ulpiano na Lei 198, D., de verbor. signif., e nas Leis 166 e 211, do mesmo titulo, elucida o verdadeiro sentido das expressões — urbana e rustica. A referencia que na nota 79 á citada Lei 198 da edição academica do Corpus Juris Civilis se faz á L. 1ª Comm. praed., é prova de que n’esta se curou apenas da fixação do sentido das expressões cuja definição preoccupava o jurisconsulto no frag. 198 de verb. signif. A conciliação dos textos é, como se vê, facil. Ulpiano trata de definir o que sejão predios urbanos e rusticos; Paulo firma o principio regulador da classificação das servidões em urbanas e rusticas, e conforme este, pertencem á primeira especie todas as servidões que entendem com a superficie e á segunda as que se fixão no sólo. Esta classificação não traz o inconveniente de se vêr a mesma servidão ora incluida entre as urbanas, ora entre as ruraes, segundo o predio dominante é urbano ou rustico; antes desde que a servidão se ligar aos edificios ella será urbana (por ex. o stillicidium, a altius non tollendi &c. &c.) e sempre que se apoiar unicamente no sólo, será rural, (por ex., as servidões iter, actus, via, aqueductus &c. &c.) Estudado com criterio e attenção, o texto de Ulpiano (L. 198 D. de verb. signif.) apoia esta doutrina, pela difinição que dá do que seja predio urbano ou rustico. Urbana prœdia, omnia œdificia accipimus, non solum ea quœ sunt in oppidis, sed et si forte stabula sunt, vel alia meritoria in villis et in vicis... quia urbanum prœdium, non locus facit, sed materia etc. etc. Os antigos interpretes do direito romano classificavão as servidões segundo a natureza do predio dominante: Urbanœ dictœ quœ urbanis rusticæ quoe rustices sunt debitæ; denominatione facienda a proedio dominante, sic ut servitus urbana sit, ubi proedium dominans tale est; etsi si serviens non urbanum sed rusticum foret &c. &c. (Voet, Obr. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 12 cit., n. 4; Vinnio, loc. cit., n. 4 in fine); e essa foi a base da classificação aceita pelos antigos civilistas portuguezes (B. Carneiro § 75, n. 1; Lobão, Casas, § 42; Corrêa Telles, Dig. Port. Liv. 3º, tit. 5, art. 443). O Codigo Civil francez deu entrada em suas disposições a esta doutrina (art. 687) e d’ahi vem o julgarem, com jusra rasão, esta classificação inutil e sem effeitos juridicos; accresce que ao lado d’ella foi pelo mesmo Codigo adoptada a classificação das servidões em continuas e discontinuas (art. 688) que absorve os effeitos regulares e estaveis das urbanas e ruraes. Mais coherentes forão os cod igos de Portugal, Chili, Uruguay, republica Argentina e Italia, que nào a mencionárão. Os modernos interpretes do direito romano, tem, na maior parte, porém, ligado á classificação o seu verdadeiro sentido.( Molitor, Servit. n. 30; Maynz, Cours do Droit romain, vol. 1º, § 132, pag. 821; Ortolon, Comment., á Instit., Liv. 2º, Tit. 3º, n. 447; Accarias, n. 269, segundo periodo) e os nossos escritores modernos, que se tem occupado do assumpto, a têm aceitado como completa.( Lafayete, Dir. das Cousas, § 119, A). IV. Segundo a nossa doutrina comprehende-se em regra nas servidões urbanas as continuas e nas ruraes as discontinuas. Esta classificação inaugurada pela Glosa e aceita, com justa razão, pelo direito moderno, como fundamental e de elevado alcance juridico; não fez mais do que pôr em saliencia certos caracteres inherentes ao uso, ou exercicio das servidões e que já não havião escapado á prespicacia dos jurisconsultos romanos. Servitus prœdiorum rusticorum, etiam si corporibus accedunt, incorporales tamen sunt: et ideo usu non capiuntur, vel ideo, quia TALES SUNT SERVITUTES, UT NON HABEANT CERTAM CONTINUMAQUE POSSESSIONEM: nemo enim tam perpetuo, tam continenter ire potest, ut nullo As servidões reaes: estudo de Direito Civil 15 c) A de não poder o serviente levantar a casa, ou parede. d) A de não tirar a vista das janellas. e) A de lançar fumo, aguas servidas, residuos, para o predio serviente. (B. Carn. § 75, n, 7. Ribeiro de Moura, Manual do edificante, §§ 22 a 28; Lafayette, Dir. das Cousas, § 129 e notas: Consolidação das Leis Civis, arts. 936 a 957). Todas estas servidões localisão-se in superficie. Por outro lado, as servidões, classificadas entre as ruraes, todas se localisão in solo. Si é verdade que a natureza do predio dominante é que imprime á servidão a sua qualidade de urbana e rural, como classificar antecipadamente um certo numero de servidões entre as urbanas e outras entre as ruraes e isto com a circumstancia muito notavel, de serem as primeiras todas fixadas na superficie e as segundas no sólo? Não insistiremos mais. Parece-nos amplamente justificada a utilidade e o fundamento juridico da classificação que adoptámos. VI. Uma ultima reflexão. Apesar da ideia desfavoravel que os organisadores do Cod. Civil francez ligavão ás servidões, ao ponto de, falseando os noções juridicas, recusarem a denominação de servidões aos direitos de usufructo, uso e habitação, para não supporem a possibilidade do reconhecimento juridico de servidões de pessoas (Demol., Distinct. des biens, n. 211; Servit., n.3; Mourlon, Répétit. Ecrit., n. 1659; Laurent, Droit Civ. Intern., vol. 7, n. 332) a tendencia do direito moderno é despil- as d’esse caracter odioso (Solon, Servit., Introd., n. 3 e seg.) não porque ellas não importem uma restricção á liberdade do exercicio dos direitos dominicaes, mas porque, contemplando sob ponto mais elevado esta creação juridica, chega-se ao conhecimento de que é ella elemento As servidões reaes: estudo de Direito Civil 16 essencial na vida social, e condicção de paz e de cordialidade no trato das relações oriundas do facto importantissimo da visinhança. Assim considerando-se, por um instante, a servidão, não sob o aspecto da restricção que impõe ao direito de propriedade do serviente, mas sob a face da utilidade que presta ao dominante, modifica-se, por sem duvida, a feição odiosa, que as primeiras codificações conhecidas lhe imprimirão, com o nome sinistro de servidão. A sua antiguidade attesta a necessidade do seu uso. Já nos fragmentos 6, 7, 8 e 9 da Taboa 7º, da Lei das 12 Taboas, se veem reguladas factos de verdadeira servidão (Lei das 12 Taboas, no Appendice da Histor. do Dir. Rom. de Ch. Giraud). Hoje que o direito moderno completa, como fal-o sentir E. Giasson, a consagração da propriedade romana, e apaga os ultimos traços dessa propriedade collectiva de origem germanica e slava, que, aliás, ainda nestes tempos, merece os applausos e a defeza ardente de um dos mais lucidos espiritos contemporaneos (Em. de Lavelye, De la Propriété et de ses formes primitives, Introd. pag. XI e XII); hoje que as tendencias da individualisação do dominio vão até gerar apprehensões nos animos dos economistas, pela necessidade da divisão progressiva do solo, ao ponto de chegar á consequencia da minuscula propriedade territorial, á que denominou-se modernamente pulverisação do sólo (Paul Le roy Beaulieu, Répartition des Richesses, cap. 6º); a frequencia das servidões ha de dar-se como resultante necessaria da multiplicidade das propriedades de pequenas areas, entre as quaes os encravamentos, a falta de aguas sufficientes, hão de tornar indispensaveis os caminhos pelos predios alheios, a tirada d’agua dos dominios visinhos, a constituição, finalmente, de servidões, sem as quaes a exploração desses pequenos territorios, a utilisação desses dominios minusculos tornar-se- hão impraticaveis. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 17 VII. Si a nossa area vastissima do terreno não deixa antever este estado de cousas, senão em remotissimo futuro, todavia, a progressão em que caminha o principio da subdivisão da propriedade nos velhos paizes da Europa, aproxima, de certo, a passos não muitos tardos, a época em que a superabundancia da população agricola, presa ao sólo pelos laços da pequena propriedade torne, por força das leis reguladoras da successão em muitos desses paizes, a hypothese da pulverisação do sólo uma triste realidade para o futuro economico da producção. As servidões serão então o complemento necessario desses dominios fraccionados, e encaradas, não mais pelo aspecto do onus que impõe ao predio sujeito, mas pela utilidade que prestão ao dominante, serão indispensaveis para tornar possivel o aproveitamento das areas limitadas de terras, desprovidas de todos os meios que as grandes propriedades poem ao alcance de seus donos, e que sómente poderão ser encontradas nos predios confinantes ou proximos, utilisando-se assim de recursos que fornecerá o estado de visinhança que Solon (Introd. n. 3) diz ter sido uma das primeiras necessidades da ordem social. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 20 Poder-se-ha, porém, ter servidão sobre um predio do qual se é condomino? Poder-se-ha ter, em proveito de um predio commum, servidão sobre o predio do qual se tenha a propriedade exclusiva? A distincção que faz Molitor (n. 11), para responder a estas questões, entre o caso de acquisição e o de conservação das servidões é de inteira procedencia. A indivisibilidade das servidões impede que possa alguem adquirir servidão sobre, ou a favor, de predio de que é condomino. A acquisição seria, neste caso, por parte indivisa o que vedão textos expressos. (L. 8°. § 1º. D. de servit.;L. 26, D. do servit proed. urban.: L. 6, § 1º. D. Comm. proed.) 2. — E’ um direito real; conseguintemente: a) Só póde versar sobre uma cousa; a ter por objectivo uma pessoa transformar-se-hia em obrigação de fazer e — servitus in faciendo consistere nequit. A prestação da serventia, a effectividade do direito opera-se pela propria cousa; (Maynz, § 124; Molitor, n. 9; Van-Wetter, § 220; Accarias, n. 264; Pardessus, Serv. n. 9; Demol. n. 10) e é reclamavel contra o terceiro detentor, porque: predio cui debetur inhoeret (Solon, n. 4; B. Carn., § 74, n. 4; Dir. das Cousas, § 114; Cod. Civ. Argentino, Liv. 3.°, Tit. 12, art. 1.° e nota ao mesmo): é o caracteristico do jus in re (L. 12. D. Comm. proed.; Leis 47, 48 e 49 D. de contrah. emp.; Maynz, § 76). b) Transfere-se com o dominio da cousa: Em relação ao proprietario serviente a servidão consiste: em soffrer o exercicio do direito alheio, in patiendo, ou em abster-se de exercitar o direito que lhe é proprio, in non faciendo (L. 15 § 1º, D. de As servidões reaes: estudo de Direito Civil 21 servit.; L. 6, § 2, D. si serv. vindic.; Accarias, n. 264; Mackeldey, § 309, n. 2; Van-Wetter, § 220. Distingue-se da obrigação: em que esta é um laço pessoal, que gera direitos apenas entre os contractantes e seus herdeiros, ao passo que o direito de servidão exercita-se contra terceiros. Servitutem non hominem debere, sed rem, diz Ulpiano. (L. 6, § 1.° D. si serv. vindic.) A servidão não se desagrega da pessoa ou cousa em favor das quaes foi constituida; perde-se com ellas. O que significa que é, por si só, inalienavel. Nemo potest servitutem adquirere, vel urbani, vel rustici praedii nisi qui habet praedium. (L. 1.º, § 1.° D. Comm. proed. B. Carn. § 74, n. 5; Dir. das Cousas, § 115; Solon, Cap. 1.°, n. 4; Mourlon, Répétit. Ecrit, n. 1655. 3. — A servidão não se presume: antes sendo amplissimo o exercicio ao direito de propriedade, em favor da plena liberdade desta é que milita a presumpção. D’ahi duas consequencias de alta importancia: a) A servidão deve ser constituida e provada de modo explicito; b) a sua interpretação é sempre stricti juris. (L. 9. Cod. de servit. et agua; Accarias, n. 264; Mackeldey, § 309, n. 5; B. Carneiro, § 74, ns. 26 e 28; Molitor, n. 6 e 7; Cod. Argentino, nota de Sarsfield, ao art. 2.°, do Tit. 12 do Liv. 3º; Coelho da Rocha, § 588, n. 1 e 2; Zacharias, § 339 &.) Da presumpção de liberdade reconhecida em favor do exercicio da propriedade resulta, como corollario, não só que o proprietario tem a mais plena disposição de seu dominio, como que assiste-lhe o direito de impedir que terceiro perturbe esse exercicio ou pratique actos que importem o exercicio de direitos dominicaes. In suo hactenus facere licet, quatenus nihil in alienuni committat. A ninguem é dado exercitar uma servidão sem provar que a adquirio bona fide: ou por facto humano, ou por força da lei: isto porque a servidão é uma limitação da propriedade. (Molitor, n. 6; Didier-Pailhé n. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 22 210). Vinnio arremata a consagração d’estes principios capitaes com o seguinte e judicioso conceito: Per se autem servitus, et respectu ejus, a quo debetur, non jus est, sed juris privatio aut imminutio: (Liv. 2.° tit. 3.°, n. 1). 4. — A servidão tem como fundamento essencial a utilidade do predio dominante. Sem urna vantagem, ainda que voluptuaria, de adorno, de maior commodidade para o predio ou pessoa agente do direito real, este não subsiste, a servidão não se mantem. (Lei 15 D. de servit.; Vinnio, loc. cit. n. 1; Molitor, n. 10, Didier-Pailhé, n. 211; Mackeldey, § 309, n. 3; Accarias, n. 265, Maynz, § 132; veja-se as leis: 8a e 19ª D. de servit., Leis 3, 15 e 16 D. de servit. proed urban. Lei 6ª, § 1º de servit. proed rusticor; L. 8ª, § 1º D., si serv. vind., L. 3, D. princ. de aqua quotid.; C. da Rocha, § 588, n. 3; B. Carneiro, § 74, ns. 24 a 25; Dir. das Cousas, § 115, n. 1; Pardessus, n. 13). 5. — A servidão não pode ser objecto de outra servidão, servitus servitutis esse non potest: diz Paulo na Lei 1º, D. ae usu et fructu. (Mackeldey, § 309, n. 1; Didier-Pailhé, n. 210; Molitor, n. 12). O fundamento desta decisão é que a servidão só se legitima pela utilidade que presta ao predio em favor do qual foi constituida; é uma restricção de dominio; a servidão de servidão, não se comprehenderia mais do que a restricção de restricção de direitos senhoris. Poderá, porém, com o consenso do serviente fazer participar da prestação da utilidade da servidão a mais outro predio, quando não se onera o predio serviente? Figure-se o exemplo da Lei 24 D. de servit. pred. &. Trata-se n’ella de saber si a agua que em virtude de uma servidão de aqueducto passa por um predio pode ser tambem utilizada por esse predio intermedio. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 25 Os codigos modernos nem menção fizerão d’essa condição como elementar da servidão. Convêm, no emtanto, accentuar: que os organisadores do Digesto deixárão de incluir o usofructo, o uso e a habitação no Livro 8º que trata das servidões (apesar do Fragmento de Marciano. L. 1ª. D. de servit. que os considera servidões) porque taes desmembramentos de dominio, cessando pela morte das pessoas que os exercião activamente, offendião o caracter de perpetuidade exigido nas servidões.2 8. — A indivisibilidade é inherete tanto ao direito da servidão á que os AA. chamão servidão activa, como ao onus da servidão, ou servidão passiva. Ella revela-se na acquisição, no exercicio e na perda das servidões. 9. — E’ assim que os condominos do predio dominante adquirem a servidão como um direito proprio de cada um sobre o predio serviente. A acquisição não se opera por partes proporcionaes ao direito dominical de cada condomino: a servidão é adquirida por cada um em toda a sua plenitude. Assim a exercitão e assim a perdem. D’ahi estas consequencias: a) Cada um dos condominos do predio dominante tem em inteiro o direito de servidão, e póde exercital-o (Demol., vol. 12. n. 861; Molitor, Servit., n. 17). Nem se diga que d’ahi resulta aggravação da servidão, pois, como diz Molitor, a pessoa que exercita o direito de servidão deve limitar- se, nesse exercicio, ás necessidades do predio dominante. 2 Os codigos modernos adoptárão o systema inaugurado pelo Francez no artigo 637, e sómente reconhecerão como servidões as reaes. Qual foi, porém a razão que levou os codificadores francezes a excluirem das servidões o usofructo, o uso e a habitação? O não quererem ferir as susceptibilidades nacionaes empregando as expressões—Servidões pessoaes!—(Demol, Serv. n. 3.) Do que depende a estabilidade das noções juridicas!! As servidões reaes: estudo de Direito Civil 26 b) O exercicio por parte de um dos condominos evita a prescripção em que incorreria a servidão por abandono dos outros: a razão é que um predio não póde ser em parte livre e em parte sujeito á servidão. (Molitor, Servit., n. 17; Demolombe, loc. cit; Cod. Civ. Franc., art. 703 e 710). Desde, porém, que se dér a divisão do predio dominante, ou por effeito de partilha, ou de alienações, constituindo-se tantas servidões activas, quantos forem os quinhões ou partes divisas; a prescripção em referencia a um dos proprietarios, é á prescripção contra um fundo dominante distincto dos outros, para os seus effeitos juridicos (L. 6°. § 1º. D. quemad. servit. ammit; Demol. n. 863). c) Extincta a servidão em referencia a um condomino dominante está liberto o predio serviente, si o direito de servidão não fôr salvo pelo exercicio de outro condomino: a indivisibilidade impõe esta consequencia. (Cod. Civ. fr. arts. 709 e 710). d) No caso de haver sido o predio serviente dividido em regiões separadas e demarcadas cabe em. favor de cada uma das regiões um direito completo de servidão, exercitavel contra todo o predio serviente. (L. 6 § 1°., D., quemad. serv. amitt.) N’este caso a servidão activa desmembra-se em, tantas outras quantas são as partes divisas. Resultará d’ahi aggravação da servidão para o predio serviente? Nec fit ulla injuria ei, cujus fundus servit, imo si quo melior; quoniam alter dominorum, utendo, sibi, non toti fundo, proficit. (Celso, no fr. supra citado; Molitor, Serv. n. 29). Si, porém, a servidão houver sido constituida era favor de uma porção apenas do predio dominante, ella fica pertencendo in totum á As servidões reaes: estudo de Direito Civil 27 parte, ao quinhão a que couber a porção do fundo que tem a servidão: as outras partes divisas ficam sem servidão alguma. (Demol., 12, n. 862). 1O. — Em referencia ao onus da servidão a indivisibilidade não e menos absoluta. Assim: a) Quanto á acquisição: O senhor do predio dominante prescreve activamente, contra qualquer dos condominos do predio serviente para o fim de firmar em absoluto a servidão em favor do seu predio, logo que a propriedade de todo o fundo serviente venha a caber ao condomino prescripto.A indivisibilidade opera, n’este caso, o seguinte effeito: firmar em todo o predio a servidão adquirida sobre uma parte indivisa. Bem entendido: se não se realizar o dominio de uma parte divisa, n’esta assentará a servidão prescripta: porque em todo o caso prevalece o preceito da Lei 2 D. de servit. que se vê reproduzida em outros textos. ( L. 19. D. de servit. proed. rust.; L. 10 de evict, Accarias, n. 267; Molitor, n. 25; Demolombe, n. 742; Pardessus, n. 253; Cod. Civil Argentino, Liv. 3º. tit. 12, art. 17.) b) Quanto ao exercicio: O senhor, ou qualquer condomino do predio dominante, conserva o direito contra o senhor, ou qualquer condomino do predio serviente, pelo facto do exercicio da servidão. A razão é que a servidão é constituida em vantagem do predio dominante: o exercicio de um condomino, proprietario por parte indivisa d’elle, mantem o direito, ainda que em contrario a um dos condominos do serviente. (Molitor, n. 27; à contrario sensu: L. 6º. D. quemod. servit. amit.) No caso de haver sido pratilhado o predio serviente, conserva o dominante tantas servidões quantas forem as partes divisas: pelo não uso extingue-se a servidão em referencia a qualquer d’essas porções; pelo As servidões reaes: estudo de Direito Civil 30 12. — Bem ao envez do direito romano (nota 2), onde a execução da stipulatio tornava asperrimas as questões sobre a constituição das servidões, em face do principio da indivisibilidade, no direito moderno4 o 18 (verb.: idem juris) D. Comm. proed.; L. 3. D. de servit. legata) e isto porque, não podendo ser mantida a estipulação em nome dos outros que não estipularão (L. 38 § 17. D. de verb. oblig.) tinha de cahir a estipulação, por outra parte, diante do principio da indivisibilidade que se oppõe a que vigore a servidão constituida em referencia somente ao estipulante. (Molitor, n. 19; Maynz, § 140). b)Na mesma nullidade incorre a estipulação feita por um dos condominos de um predio, em favor de outro predio; (L. 17, D. de servit.) isto porque, como diz Pomponio no citado fr.: usus eorum indicisus est (L. 2 de servit.; L. 34, princ. D. de serv. proed. rust.; L. 10 princ., D, de aqua pluv-arc. Mavnz, § 140, not. b). Quando se passava ao desempenho da estipulação, isto é, á verdadeira constituição da servidão, a regra geral era que, para ter a servidão existencia legal, fazia-se preciso que todos os estipulantes a constituissem. (L. 2. D. de servit.) Em beneficio, porém, da efectividade das servidões, deo-se á indivisibilidade bastante elasterio, para não se julgal-a violada: Ainda quando operada a constituição por um dos estipulantes, os outros, não uno acto, não simultanea, mas successivamente, dessem cumprimento á estipulação (L. 18, D. Comm. proed.); comtanto, porém; a) que os condominos do predio conservassem até o final o seu direito de propriedade; b) e a constituição se operasse, por acto inter-vivos, porquanto nas servidões constituidas mortis causo, a simultaneidade da acquisição por parte dos herdeiros ou legatarios era indispensavel. (Molitor, n. 20; L. acima citada). No exercicio da actio ex-stipulatu revelava-se ainda o rigor com que se observava no direito romano o principio da indivisibilidale. a) A estipulação feita a todos os condominos autorisava o uso da actio ex-stipulatu in solidum por qualquer d’elles. (L. 19. D. de servit. proed. rust.) b) A servidão promettida por todos os condominos póde ser havida in solidum de cada um d’elles. (Molitor, n. 21). 4 Com justa razão disse o Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 133, nota 2a.) que prevaleceo sempre no nosso direito a doutrina de não se reputar effectivamente constituida a servidão pelo titulo, sem o exercicio ao direito. Um dos mais acreditados doutrinadores do nosso direito, levando o culto do romanismo ao ultimo exagero, ensinou que nas servidões afirmativas o contrato ou promessa da servidão dá por si sómente um jus ad rem e, para ser adquirido o jus in re, cumpre que acceda sempre a quasi tradição isto é, a pratica do acto da servidão, por parte do adquirente, com a paciencia do dono serviente. (B. Carneiro, § 78, n. 2, vol. 4º.) Como consequencia importantissima desta doutrina o senhor do predio dominante não tinha contra o do predio serviente, emquanto não entrasse na quasi-posse da servidão pelo exercicio, senão uma acção pessoal, para cumprimento do contracto e com a simples sancção de prestação de perda e damnos. Felizmente a possibilidade de duvida desappareceo de entre nós. Em virtude do que dispõe o art. 264 do Decreto n. 3453 de 26 de Abril de 1865 a transcripção do titulo constitutivo da servidão opera todos os effeitos contra os terceiros independeste da quasi-tradicção, e o que mais é, a celebre quasi-traditio, revelada pelo exercicio da servidão, não opera esse effeito; só o consegue a transcripção do titulo. E’ esta a doutrina do direito moderno. Um dos mais adiantados jurisconsultos (Demolombe, Traité des servitudes, vol. 2, n. 733) vae mesmo até achar rigorosa a exigencia da transcripção em referencia ás servidões continuas e apparentes, por se revelarem facilmente aos terceiros: a razão da Lei franceza de 23 de Março de 1855, e que actuou igualmente no espirito do nosso As servidões reaes: estudo de Direito Civil 31 principio aceito da constituição das servidões pelo contracto e independente de quasi tradicção, reduzio de muito o interesse do estudo da indivisibilidade das servidões, a qual, como bem diz Molitor (n. 22) sómente deve ser examinada em seus effeitos nos seguintes casos: a) Quando a servidão foi estipulada por um só dos proprietarios do predio. O direito moderno, em contrario ao direito romano, considera valida a servidão convencionada, por um só dos condominos de um legislador de 1865, foi justamente fazer independer da necessidade do exercicio a validade e a effectividade da servidão. Quiz elle que, ainda quando não revelada pelo exercicio ella fôsse tida como validamente constituida era sua qualidade de direito real pelo simples titulo que lhe dava origem e que se impusesse ao respeito dos terceiros, dosde que ao conhecimento d’elles chegasse a sua constituição legal denunciada pelo registro. Foi sem duvida um grande passo essa constituição de um direito real, sem a superticiosa necessidade da quasi-traditio. A indivisibilidade das servidões, com quanto desconhecida como da essencia desses direitos reaes, por alguns autores (Pardessus, n. 22), esta consagrada por expressas disposições de quasi todos os codigos: COD. CIV. PORTUGUEZ, art. 2269;: As servidões são indivisiveis: se o predio serviente fór dividido entre varios donos, cada porção ficará sujeita á parte do servidão que lhe cabia; e, se o predio dominante fór dividido, poderá cada consorte usar da servidão sem alteração nem mudança. COD. CIV. ORIENTAL art. 516: Las servidumbres son indivisibles: dividido el predio serviente, no varia la servidumbre que estaba constituida en êl, y deben sufrirla, aquel ó aquellos á quienes toque la parte en que se ejercia. Dividido el predio dominante, cada uno de los nuevos duemos gozará de la servidumbre, pero sin aumemtar el gravamen del predio sirviente. COD. CIV. CHILENO, art. 826: Dividido el predio serviente no varia la servidumbre que estaba constituida en él, y deben sufrirla aquel ó aquellos a quienes toque la parte en que se ejercia. Art. 827: Dividido el predio dominante, cada uno de los nuevos dueños gozará dela servidumbre, pero sin aumentar el gravamen del predio sirviente. COD. CIV ARGENTINO, Tit 12, art. 38: Las servidumbres reales son indivisibles como cargos y como derechos, y no pueden adquirirse ó perderse por partes alicuatas ideales, y los propietarios de las diferentes partes pueden ejercerlos, pero sin agravar la condicion de la heredad sirviente. Art. 39. La indivisibilidad de las servidumbres no impide que en su ejercicio puedan ser limitadas respecto el lugar, tiempo y modo de ejercerlas. COD. CIV. FRANCEZ, Art. 700: si l’heritagé pour le quel la servitude a été établie vient á être divisé, la servitude reste due pour chaque portion, sans néanmoins que la condition du fonds assujetti soit aggravèe. Ainsi, par exemple, s’il s’agit d’un droit de passage, tous les coproprietaires seront obligés de l’exercer par le même endroit. COD. CIV. AUSTRIACO, art. 485; Toute servitude est aussi cosniderée comme indivisible en ce sens que le droit établi sur le fonds ne peut être ni alteré, ni divisé par l’augmentation, la diminution ou le morcellement du fonds. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 32 predio, em favor desse mesmo predio: é a consequencia da repulsão do principio — alteri stipulari nemo potest do fragmento de Ulpiano (L. 38, § 17, D. de verb. Oblig., Demol., n. 761; Pardessus, n. 263; Dir. das Cousas, § 117, B. Carneiro, § 74, n. 21; Molitor, n. 23 e 24). Em face da doutrina do art. 1119 do Cod. Civil francez que admitte a estipulação feita em nome alheio, e do facto de constituirem-se as servidões no direito moderno pela convenção simplesmente, e não houve, conseguintemente, necessidade de tradicção do direito da servidão, nem possibilidade das duvidas que no antigo direito se suscitavão sobre os effeitos da estipulação em referencia á constituição das servidões, tem-se entendido que a servidão constituida em nome alheio é de indiscutivel validade. aa) Quando ha mandato de condominos. (Molitor n. 24). aaa) Quando na falta de mandato, os condominos confirmão a constituição. aaaa) Quando a parte do predio sujeito a servidão cabe em partilha ao constituidor. aaaaa). Quando o condomino que estipulou a servidão, torna- se unico proprietario no predio. (Demol. n. 761, Pardessus, n. 262; Molitor n. 22 e segs.) A servidão constituida pelo condomino, sob a condicção da approvação dos outros condominos, resolvese pela recusa d’essa approvação. (Molitor n. 24.) 13. — Como se vê estamos bem distanciados do direito romano, e, como diz Molitor (Obr. cit. n. 24), mantem-se a servidão constituida em favor de um predio, pelo exercicio do direito por parte de um só coproprietario em virtude dos dois seguintes principios aceitos pelo direito moderno: que as convenções se interpretão segundo a intenção das partes, As servidões reaes: estudo de Direito Civil 35 proed. rust.; Molitor, n. 26; Maynz, § 144, not. 14; Accarias, n.267, 2° alinea; Demol., n. 985; Pardessus, n. 298; Solon, n. 493.) 16. — b.) A prescripção. Não se extingue a servidão desde que esta é exercida ainda que sómente em vantagem de parte do predio dominante; a servidão de tirada de agua assim se conserva, bem como a de caminho, ainda que somente se haja exercitado em uma porção limitada do terreno.(Leis 18, D., de servit. proed. rust., 5,8 § 1º e 9D. quemad. servit. amit.; Molitor, n. 27; Van-Wetter, § 252; Maynz, § 145.) O exercicio por parte de um só dos condominos salva da prescripção a servidão activa dos outros, que n’ella incorrerão pela longa inercia. (L. 17, D. de servit.) Assim se a prescripção deixa de realizar-se contra um dos condominos que é menor, a vantagem aproveita a todos os coproprietarios: Si communem fundura ego et pupillus haberemus, licet uterque non uteretur, tamen propter pupillum et ego viam retineo. (L. 18. D. de servit. proed. rust.; L. 5, 6, 8 § 1º, 16, D., quemad. servit. amit., L. 10, D. L. tit.: Accarias, n. 272: Maynz, § 145: Solon, n. 503: Demol. n. 996.) Não se observão, porém, estas decisões se o predio se acha dividido em regiões, ou em partes discriminadas: o estado da indivisão é que produz estes effeitos não o de divisão, porquanto: pro certa parte fundi servitus tam amitti quam constitui potest. (L. 7. D, de servit: Molitor, n. 27: Didier-Pailhé, n. 219: Van-Wetter, § 252: Maynz, § 145: Solon, n. 503: Demol., n. 996: Pardessus, n. 303: Emile Accolas, Manuel de Droit Civil, vol. 1º., pag. 727 e 728: Cod. Franc. art. 709: Cod. Argentino, Liv. 3º. tit. 12, art. 92: Cod. Port. art. 2281: cod. chileno, art. 886: cod. do Uruguay, art, 607.) 17. — c) A remissão. Na parte indivisa a remissão não opera a extincção da servidão: dá-se o mesmo que em referencia á confusão. (L. 6. D. de servit.) As servidões reaes: estudo de Direito Civil 36 No caso de condominio dos proprietarios dos dois predios dominante e serviente, a remissão por parte de um d’elles não produz a extincção da servidão: (L. 34. D. de servit. proed. rust.) vigorão ainda neste caso os mesmos principios que em referencia á confusão, e isto porque a servidão não se remitte por parte: neque remitti servitus per partem poterit, diz Papiniano na citada L. 34. (L. 19 e 35. D. de servit proed. Rustic.: Molitor, n. 28: Maynz, § 144.) No direito moderno varia a solução. Como já fizemos vêr, a constituição da servidão realiza-se pela convenção: a remissão regularmente feita não póde deixar de produzir effeitos em referencia ao condomino que a concede. Os demais condominos, porém, a nada estão ligados: conservão o pleno exercicio da servidão. Na hypothese de haver sido a remissão concedida a um só dos condominos do predio serviente, não estando discriminada a parte que pertence ao favorecido pela remissão, esta não produz effeitos sem a annuencia dos demais coproprietarios do dominante, cujo direito não póde ser tirado por acto pessoal do remittente. N’este caso o dono da parte remida é forçado a supportar o exercicio da servidão por parte dos demais condominos do predio dominante. E’ a consequencia natural, por isso que a servidão é indivisivel em seu exercicio. Em resumo: a servidão, no caso de condominio, é sem effeito quando não concedida por todos os proprietarios do fundo dominante e em proveito de todos os condominos do serviente. (Molitor, n. 28: Pardessus, n. 315: Demol. n. 1038: Solon, n. 519.) A cessação da indivisisão opera uma grande mudança n’este estado de cousas. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 37 Assim, em referencia ao predio dominante, a sua partilha faz reproduzir-se a servidão activa tantas vezes, quantas são as partes divisas; a rasão é que o onus da servidão gravou o predio serviente em sua totalidade e em cada uma das suas partes. (L. 6, § 1º D. quemadmod. servit, amitt. verb. si divisus est. &.) D’ahi deduzem os escriptores (Molitor, 23) a seguinte consequencia: A remissão concedida pelo senhor de uma das porções divisas do predio dominante, opera a extincção do direito da servidão em referencia a essa porção. O que decidir, porém, quando não é o predio dominante e sim o serviente que se divide em partes ou regiões? multiplicão-se as servidões passivas? A affirmativa è a opinião mais aceita, porquanto pela divisão e partilha a servidão multiplica-se activa e passivamente tantas vezes quantas forem os quinhões formados pela partilha (Molitor, n. 29)5 18. — Inalienabilidade. A impossibilidade da transferencia da servidão resulta da sua propria natureza. a) A servidão pessoal do usofructo é transferivel apenas quanto ao exercicio, isto porque ella fixa-se sempre no usofructuario, em 5 Com referencia à servidão de caminho ha distincções a fazer e a este caso especialmente se deve applicar o texto de Celso (L. 6 D. § 1° quemad serv. amit). Quando não é designado o logar da servidão e o senhor do predio resalva o direito do mudar da caminho quando lhe aprouver, é claro que dada uma das partes divisas do predio serviente fica sujeita ao onus de servidão. A remissão rege-se, n’esta hypothese, pelos principios acima expostos. Quando, não se tendo feito a designação do logar onde ha de fixar-se o caminho, não tiver todavia o senhor do predio dominante reservado o direito de variar de logar de passagem; si a partilha do predio ou territorio se fez longitudinalmente, de modo a cortar o caminho, subsistem tantas servidões quantas forem as porções do caminho cortados. Si a divisão se’ houver dado latitudinalmente, isto é, na direcção do caminho, subsiste uma só servidão, mas que affecta a todas as partes do predio. Consequencia: era ambas as hypotheses a remissão sómente aproveita sendo feita por todos os condominos do dominante, em favor de todos os do serviente. E’ a doutrina de Demolombe. O estudo da Lei 6ª D. quemad. servit. amittuntur, levou os romanista” a estas conclusões. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 40 por qualquer obra de arte, encaminhado as aguas éra entre os romanos considerada uma servidão legal. (L. 1.ª § 21. D. de aqua et aqua pluv. &.) Os factos regulados pelo codigo civil francez, nos artigos 644, 646, 647 e 648 não são verdadeiras servidões. A censura de Demolombe (n. 8), aliás infundada quando se refere a todas as servidões legaes reconhecidas pelo Codigo francez, é de incontestavel procedencia quando applicada á inclusão dáquellas obrigações que Pothier appellidava: o quasi contracto de visinhança; taes como a obrigação de receber as aguas, a de contribuir para a demarcação, estabelecendo a meiação dos muros, dos vallados & no numero das servidões. 21. — A divisão das servidões em legaes e convencionaes que, com alguns AA., seguio o Sr. Lafayette é imperfeita, pois, obriga á inclusão, entre os convencionaes, de algumas servidões, como as constituidas por disposição de ultima vontade e prescripção, que são sim oriundas do facto do homem, mas que não provem de convenção alguma. 22. — As principaes servidões reaes constitudas por força da lei são: A do escoamento natural das aguas que se regula pelas leis do Liv.39, Tit.3º do Dig. de aqua et aquae pluviae arcenda. (Cod. Uruguay, art. 520; Cod. Venezuelano, art. 537; Cod. Argentino, Liv. 3.°, tit. 13, art. 216 e seg.; Cod. Portuguez, art. 2282; Dir. das Cousas, § 121; Lobão, Aguas, § 158). A de aqueducto. (Alvará de 27 de Novembro de 1804, § 11; Cod. do Uruguay, art. 533; Cod. Argentino, Liv. 3.°, tit. 13, cap. 2, art. 15; Cod. Venezuelano, art. 556; Cod. do Chili, art. 861; Cod. Italiano, art. 598). A de escoamento das aguas estagnadas. (Alvará, de 27 de Novembro de 1804, § 11; Lei franceza de 29 de Abril de 1845; Mourlon, vol. 1.°, ns. 1696 a 1700: Cod. do Uruguay, art. 539; Cod. do Chili, art. 870). As servidões reaes: estudo de Direito Civil 41 A de aguas superfluas. (Resol. de 17 de Agosto de 1775, Dir. das Cousas, § 124 e notas). A de transito de predio encravado (L. 12, pr. D. de relig. et sumpt. funer.; Cod. Civ. fr. art. 682; Cod. Ital. art. 593; Cod. do Chili, arts. 847 e 848; Cod. do Uruguay, arts. 543 a 550; Cod,Port., arts. 2309 e segs.; Cod. Venezuelano, art. 549; Cod. Argentino, liv. 3.º tit. 13, cap. 1.° arts. 1 a 5). A servidão negativa de janellas e frestas. (Ord. do Liv. 1.° tit. 68 § 24; B. Carneiro, § 54, ns. 14, 15 e 16; C. da Rocha, § 589; Dir. das Cousas, § 126; Lobão, Casas, § 157 e segs.) A servidão de metter trave. (Ord. do Liv. 1.° tit. 68, § 35; Dir. das Cousas, § 127; B. Carneiro, § 50, ns. 6 a 14; Lobão, Casas, § 92). 23. — São legaes as seguintes servidões pessoaes: O usufruclo dos paes sobre os immoveis adventicios dos filhos. (Ord. do Liv.1.° tit. 88 § 6.°; Liv. 4.° tit. 97, § 19 e tit. 98 § 7.) O usofructo dos paes binubos sobre os immoveis das heranças havidas pelo filho do primeiro leito, do irmão pre-morto, sendo taes bens provenientes da successão paterna, ou avoenga. (Ord. do Liv. 4.° tit. 91 §§ 2 e 4). 24. — As convenções, os contractos são o modo mais usual da constituição das servidões: pela convenção fica estabelecida a servidão independente de qualquer outro facto; para produzir effeitos contra terceiros deve, porém, ser transcrito o titulo constituitivo de servidão no registro á cargo do official das hypothecas. (Art. 6.° §2.° e 8.° da Lei n. 1237 de 1864 e 270 do Decr. n. 3453 de 26 de Abril de 1865). Que a transcripção suppre a quasi-tradicção do direito civil é o que se deduz das citadas disposições do Regulamento hypothecario. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 42 De facto, si com o simples registro e independente de qualquer acto de exercicio, a servidão produz todos os seus effeitos contra terceiros é de rigorosa conclusão que entre as partes contractantes a servidão ficou perfeita pela convenção: o registro é o meio de publicidade que não influe na perfectibilidade do contracto, não lhe empresta vigor juridico, a sua missão é apenas a denunciação da existencia do contracto: si em virtude dessa publicidade os terceiros devem respeitar como legalmente constituido em favor do predio dominante o onus real, é que este já se achava constituido pelo contracto. Nem é outro o effeito produzido pelo registro em França por força da lei de 23 de Março de 1855. (Demol, n. 733). O registro não póde tornar subsistente e vigoroso contra terceiros o acto que de per si não fôr completo entre as partes contratantes. A servidão constitue-se, pois, no nosso direito independente da quasi-tradicção. Foi, no emtanto, ponto de grande controversia entre os interpretes do direito romano, o saber si no direito Justinianeo o mesmo se dava,7 e para o direito portuguez antigo passou, como ponto liquido, a 7 A doutrina do direito romano ora vacillante sobre a questão. Casos havia em que a servidão constituia-se por força da simples convenção; a quasi- traditio não era propriamente dispensada reputava-se como tendo se effectuado no acto da constituição da servidão. Assim: a) Quando o proprietario de dois predios vendia um e reservava outro, se constituia em favor do primeiro um direito de servidão sobre o segundo, reputava-se feita a quasi- traditio da servidão ao mesmo tempo que a do predio. Duorum praediorum dominus si alteram ea lege tibi dederit, ut id proedium, quod datur, serviat ei, quod ipse retinet, vel contra, jura imposita servitus intelligitur. (L. 3 D. Comm. proed). A rasão é que a reserva da servidão não era n’este caso outra cousa mais do que a deductio de um elemento do dominio do qual o proprietario já estava de posse. (Molitor, n. 88). b) Quando o proprietario, ao vender um predio, reservava sobre elle um direito do servidão, a quasi-traditio não era necessaria, o que já se observava no antigo direito, quer a transferencia se houvesse dado por meio de uma in jure cessio ou de uma simples traditio. São expressos os textos das leis §, D. Gomm. proed. supra cit. e 34 e 35 D. de servit. proed. urban. c) Segundo um fragmento de Pomponio (L. 8ª. D Com. proed). podia-se tambem operar a constituição da servidão independente da quasi traditio, quando no acto de alienar dois As servidões reaes: estudo de Direito Civil 45 nulla, caso em que far-se-hiã necessaria nova constituição. Accresce que o condomino, que constituio a servidão, não se póde oppôr ao exercicio d’ella, e mesmo se se houvesse compromettido a alcançar a annuencia dos demais condominos e não tivesse obtido podia ser accionado por perdas e damnos. (L. 11, D. de serv. proed. rust.; Molitor n. 25; Demol. n. 742 e 743; Solon, n. 348; Pardessus, n. 251 e 257; B. Carneiro, § 77, ns. 4 e 5; Dig. Port. art. 452; Dir. das Cousas, § 132; Maynz, § 140; Cod. Argentino, Liv. 3º, tit. 12, Cap. 1° art. 17). bb) O usofructuario, porque só tem o usofructo do predio o não o direito de alienal-o e, conseguintemente, falta-lhe tambem o direito de desmembrar o dominio. (B. Carneiro, §77, n. 11; Demol., n. 736; Pardessus, n. 247; Solon, n. 353; Molitor, n. 100. O Codigo Argentino permitte ao usofructuario a concessão da servidão durante a perduração do usofructo. — Liv.3°, tit. 12, Cap. 1º art. 11). bbb) O nú-proprietario, porque prejudicaria o emphyteuta. (B. Carneiro, § 77, n. 10; Demol, n. 739; Cod. do Uruguay. art. 585; Cod. Argentino, Liv. 3º tit. 12, art. 12). bbbb) O marido sem outorga da mulher. (Dir. das Cousas, § 132; Dig. Portug., art. 452). Não estão, porém, vedados de constituir servidão: a) O devedor hypothecario no predio hypothecado; salvo ao credor, perante a nossa lei de 24 de Setembro de 1864, o direito de pedir reforço e, na falta d’este, de excutir o predio hypothecado, si as servidões constituidas forem tão prejudiciaes que fação reduzir o valôr do predio ao ponto de tornal-o insufficiente para garantir a divida. (Lei cit., art. 4º, § 3º; Cod. Civ. Argent., Liv. 3º tit. 12, art. 21; Cod. do Uruguay, art. 588; Demol., n. 748 a 752). As servidões reaes: estudo de Direito Civil 46 A servidão neste caso não prejudica ao credor hypothecario, senão tendo o titulo constituitivo da servidão sido transcrito antes da hypotheca. (Lei n. 1237 de 1864, art. 6°, §2°). b) O que constituio diversas servidões sobre o seu predio, desde que umas não prejudiquem ás outras. (L. 14, IX, de serv. proed. rust.; L. 15, D. Comm, proed.; L. 8°, D. de aqua pluv. arc.) 26. — Podem adquirir as servidões, isto é, constituil-as activamente: a) Em regra são os proprietarios os que podem contractar servidões em favôr de seus predios. No direito moderno reconhece-se, todavia, como legalmente constituidas activamente as servidões que o forem: aa) Pelo usofructuario, pelo emphyteuta, ou pelo proprietario condicional, de dominio resoluvel, em vantagem do predio; se o forão, não pelo tempo do usofructo, mas com o intento de perpetuidade em favôr do immovel. (Demol., n. 759). Em qualquer destes casos póde o proprietario definitivo, aquelle que tem a plenitude dos direitos dominicaes, adquirir, ou antes, manter a servidão adquirida, desde que ella foi constituida in perpetuum. (Demol. loc. cit.; Molitor, n. 101). aaa) Pelo condomino, pro indiviso; porquanto elle tem o direito de melhorar a condição do predio commum, independente da annuencia dos outros condominos. Esta doutrina de Demolombe não é aceita, como orthodoxa por todos os escriptores. Era Molitor (n. 23 a 24), póde-se ver o fundamento do conceito descordante de Dumoulin, Duranton e outros. O sentir destes autores não é, porém, apadrinhado pela moderna theoria As servidões reaes: estudo de Direito Civil 47 sobre a constituição das servidões por contractos, e é repudiada pela maioria dos A. como eivada de romanismo. (Pardessus, n. 263). Uno de los condominos de um fundo indeviso puede estipular una servidumbre á beneficio del predio comun; mas los otros condominos pueden rehusar de ella. El que la ha concedido no puede sustraer-se á la obligacion contraida. (Cod. Arg., Liv. 3º, tit. 12, art. 46). aaaa) A servidão constituida pelo possuidor de má fé, póde ser mantida em favor do predio, quando este fôr revindicado pelo verdadeiro dono? Demolombe opina pela affirmativa, e funda-se em que a servidão foi constituida in perpetuum em favor do predio objecto da posse viciosa. O fundamento não procede. A servidão constituida para o predio, precisa ser adquirida por pessoa capaz; ja o demonstrámos anteriormente. A pessoa capaz de adquiril-a é a que tem o titulo dominical liquido, ou a que pela lei se reputa representar o proprietario, e tem jus in re, no sentido stricto (o usuario, o emphyteuta &c. &c.) O possuidor de má fé não tem senão detenção, a posse não tem nenhum dos effeitos regulares: uso de interdictos e prescripção. Comquanto, porém, não possa adquirir a servidão, todavia póde conserval-a contra a prescripção extractiva, como adiante veremos, se praticar os actos da servidão. (Mackeldey, § 325, n. 1). A rasão é que sendo a servidão real, é o predio dominante que a exercita. 27. — Póde ser a servidão constituida por uma convenção tacita? As servidões reaes: estudo de Direito Civil 50 Cod. Italiano, art. 633; Chileno, art. 881; Oriental, art. 597; Portug., art. 2274; Argentino, Liv. 3º, tit. 12, art. 26; Venezuela, art. 602). 30. — A constituição tacita da servidão, por dependencia, que se operava no D. R. é igualmente reconhecida no direito moderno, que aceitou o principio de que a concessão de uma servidão importa a de qualquer outra que necessaria seja, para o seu exercicio. (Molitor, n. 16, Cod. do Chile, art. 828; Cod. do Uruguay, art. 599; Cod. franc. art. 696; Demol, n. 830 a 833.) 31. — A servidão póde ser estabelecida por testamento. A constituiçào por disposição de ultima vontade tem de especial: a) Não necessitar da quasi tradicção para a acquisição do direito real. (Inst. de servit. proed. § 4º, Ortolan, Inst. n. 462; Accarias, n. 271; B. Carn. § 78, ns. 18 e 19; D. das Cousas, § 133, n. 2; Mackeldey, § 326, n. 2; Molitor, n. 29; Maynz, § 139, not. 4 e 5 e § 140, not. 17). b) Opera-se a transferencia da servidão independente da do predio. Assim póde o testador constituir por testamento em favor de um predio visinho, uma servidão sobre predio que legar a outrem. (Dir. das Cousas, § 133, n. 2, not. 4). c) Não precisa o onus real ser transcripto para produzir effeitos contra terceiros. (Lei n. 1237 de 24 de Setembro de 1864, art. 6°, § 5°; Decr. n. 3459 de 26 de Abril de 1865, art. 264). 32. — Por adjudicação, o que se dá quando em um juizo divisorio qualquer, o juiz, pela sentença que julga a divisão ou partilha, concede, em favor de um predio encravado, ou por qualquer outra razão carecedor de uma servidão, esse direito real sobre a porção de terreno dado em quinhão a outro herdeiro: As servidões reaes: estudo de Direito Civil 51 “Sed etiam, cum adjudicat, poterit imponere aliquam servitutem, ut alium alii servum faciat ex iis, quos adjudicat”, diz Ulpiano na L. 22, § 3º, D. fam. ercisc. (Veja-se: L. 7 § 1º e 18 D. Comm. divid.) 33. — Demolombe no seu Tratado das servidões (vol. 2º, n. 732) acha impropriedade na classificação das servidões constituidas por adjudicação. No conceito do eminente tratadista taes servidões não são constituidas, em ultima analyse, senão pelo contracto, por força do qual os interessados aceitão o julgado na parte em que decreta a servidão: esta é na realidade uma servidão convencional. Quer nos parecer que ha mais subtilesa do que Terdade juridica neste conceito; ou então, devemos dizer que o argumento prova de mais, porquanto os julgados não são fontes de direitos, senão como contractos judiciaes; (quasi-contracto é o que constitue o juizo depois de firmado pela contestação da lide), o que não é rigorosamente exacto. A sentença que adjudica a servidão, já existente em um predio, ao quinhoeiro do mesmo predio no acto de uma partilha, não constitue, por certo, o onus real, reconhece-o apenas e limita-se a accentuar judicialmente a sua inalienabilidade e impossibilidade de desagregação do immovel a que está adherente: mas o julgado que decide em um juizo divisorio (familiæ erciscumdœ, ou communi dividundo) decide se tem ou não servidão o predio que precisa de aque-ducto, de caminho, de tirada de agua em outro que se adjudicou á parte de outro quinhoeiro, certamente que crêa, como diz Pardessus (n. 273), servidão que ainda não existia: não se limita apenas a reconhecer a existencia de alguma creada por contracto, (Solon, n. 366, Ortol. Istit. n. 464), antes estabelece a servidão independente da vontade das partes. (Molitor n. 87, Mackeldey, § 386 n.3. Van-Wetter § 23º, C. da Rocha, § 597, Dig. Port. art. 448, Dir. das Cousas, § 133, n. 4, B. Carneiro, § 78, n. 23). 34. — Por deliberação do proprietario. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 52 A constituição da servidão opera-se, n’esta hypothese, quando o senhor aliena um dos dois predios: emquanto existem ambos sob o dominio do mesmo proprietario não ha servidão: rei proprix non est servtus; nemini res sua servire potest; antes, e como consequencia d’estes principios, a reunião dos dois predios dominante e serviente sob o mesmo dominio importa a extincção por confusão de qualquer servidão que por ventura existisse. A simples serventia de um predio a outro passa a ser uma verdadeira servidão desde que se dá a alienação do predio, salvo estipulação em contrario, na escriptura da alienação. (Silva, á Ord. do Liv. 4°, tit. 1º, ad rubr., art. 7, n. 28; Arouca, Alleg. Prat. á L. 2 § 1°, D. de serv. divis., n. 87, verb. medio; Corrêa Telles, Dig. Port. arts. 449 e 450; Lobão Aguas, § 103; Mourlon, Repét. Ecrit. n. 1828. A opinião em contrario de Borges Carneiro (78, n. 9) não teve a sancção do direito moderno. La destination du père de famille vaut titre à l’égard des servitutes continues et apparentes. Il n’y a destination du père de famille que lorsqu’il est prouvé que les deux fonds actuellement divises ont appartenu au même proprietaire, et que c’est par lui que les choses out été mises dans l’état duquei résulte la servitude (Cod. Civ. francez, arts. 692 e 693). Conferem: Cod. Civ. Argent., L. 3º, tit. 12, arts. 26 e 27; Port. art. 2274; Oriental, art. 594; Chileno, art. 881; Italiano, arts. 632 e 633, Venezuelano, art. 601. 35. — No direito moderno a servidão constitue-se por deliberação do proprietario, mediante as seguintes condicções: a) Que se trate de duas propriedades, de dois immoveis, em favor de um dos quaes se constitúa a servidão: si esta fôr estabelecida em As servidões reaes: estudo de Direito Civil 55 37. — O nosso direito apartou-se, como se vê, da theoria do Codigo Civil francez e outros e acompanhou de preferencia a doutrina do D. R. que mais se aproxima da realidade da vida juridica, não creando, como diz o Sr. Lafayette, restricções que a mutilão. (Dir. das Cousas, not. 9 ao § 133): Prohibir em absoluto a acquisição por prescripção das servidões discontinuas e não apparentes, bem longe de ser respeito ao principio geral da liberdade presumida de todos os predios, póde ser attaque iniquissimo ao direito de quem, em bem da utilidade de seu predio, esteja na posse indiscutida e sciente e pacientemente tolerada de uma servidão que lhe é necessaria. Já fizemos sentir anteriormente, tendo por nós a autoridade de Solon, que é erro gravissimo esse de emprestar á servidão um caracter odioso, que bem longe esta de sua natureza juridica, e que não provem de outra cousa mais do que de estudal-a pelo seu lado objectivo — o encargo — o onus — e deixar à ilharga o seu lado subjectivo o direito, que imprimelhe o cunho elevado de uma creação juridica de alto alcance, pelos proficuos resultados que tem sempre produzido. Impedir que prescreva aquelle que possue um justo titulo, isto é um titulo regular de acquisição de servidão não apparente e discontinua (o de passagem por ex., sem trilho ou estrada feita, propositalmente), a posse pelo lapso de tempo de prescripção, e a boa-fé, isto é, a crença de que é legal adquirente da servidão, por ignorar que o titulo lhe foi dado a non domino, que se achava, igualmente — bona fide, na crença de que era proprietario, é impor uma restricção odiosissima por ser absolutamente infundada. 38. — A prescripção da servidão depende: De feito. Si o serviente pratica o acto vedado desde essa data começa a correr em seu favor a prescripção extinctiva, menos, si o dominante resistir e restabelecer as cousas no antigo estado. (Lobão § 144 2° alinæ). As servidões reaes: estudo de Direito Civil 56 a) De que a servidão a adquirir recáia sobre immovel que possa ser adquirido ao dominio privado por meio da prescripção. (L. 12 i. f. Cod. de prescrip. longi temporis dec.; Mackeldey, § 326, nota 5). b) Que o prescribente tenha quasi-posse da servidão tantum præscriptum, quanlum possessum; argum. das Ordd. do Liv. 3º tit. 40, § 3º; Liv. 4º, tit. 3º, § 1º); não eivada de vicio: ut bono initio possessione tenetis (L. cit. do Cod.) e com animo de adquirir um direito, e não no intento de ceder á primeira opposição do proprietario (L. 7, D., de itin. actuque privato), nem accidentalmente (L. 1ª § 6º, eod.; Molitor, n. 95); se se tratar da posse de uma servidão negativa deve esta firmar-se em um titulo ou em contradicção victoriosa opposta ao proprietario que pretendesse exercitar o direito de propriedade em toda a amplitude. (Molitor, n. 101; Dir. das Cousas, § 133; C. da Rocha, § 599 e nota; B. Carneiro, § 78, n. 25, 26 e 36; L. 1°, § 23, D, de aqua et., aquæ pluviæ arcend; Lobão, Aguas, § 136, 2º alinea). c) De justo-titulo isto é, titulo translativo, ou constitutivo da servidão. Em falta do justo-titulo a sciencia e paciencia do dono do predio em supportar os actos da servidão, preenchido o mesmo fim tanto que aulorisavão a prescripção. (Lobão, Aguas, §§ 138 e 139); no caso de condominio exigia-se a sciencia e paciencia de todos os condominos. (Lobão, obr. citad., § 140), não bastando a dos colonos e arrendatarios. (Lobão, Obr. cit., § 141, B. Carneiro, not. a, ao n. 24 do § 78.) d) De boa-fé da parte do prescribente: o possuidor de má fé não prescreve em tempo algum. (Ord. Do Liv. 2º, tit. 53, § 5º, in fine; Liv. 4º, tit. 3º, § 1º in fine, e tit. 79, princ. A constituição da servidão por meio da prescripção deve constar de um acto judicial (sentença em juizo contencioso pelo qual a servidão é reconhecida como adquirida pelo lapso de tempo em favor do prescribente) As servidões reaes: estudo de Direito Civil 57 e este ser transcrito no registro geral, para produzir effeitos contra terceiros. (Lei n. 1237 de 1864, art. 6 § 5 e Decr. n. 3453 de 1865, art. 274). 39. — O acto judicial póde ser: Sentença passada em julgado proferida em acção confessoria intentada pelo prescribente contra o senhor do predio serviente. Confissão judicial, ainda produzida em juizo conciliatorio, pelo qual se faz obra. Sentença proferida em processo de justificação na qual se provassem os requisitos exigidos para a prescripção. (Dir. das Cousas, § 133). 40. — A prescripção que visa a constituição da servidão póde ser interrompida por qualquer dos seguintes actos: A quasi-posse das servidões affirmativas continuas por qualquer facto que modifique ou faça desapparecer o estado de cousas indispensavel ao exercicio da servidão. Assim na servidão de aqueducto a destruição dos regos da passagem da agua. (Lobão, Aguas, §§ 143 e 144). Na servidão negativa a interrupção da prescripção da-se sempre que o serviente pratica algum dos actos prohibidos. (Dir. das Cousas, § 133). Si a servidão é affirmativa discontinua a quasi-posse interrompe-se pelo obstaculo opposto á pratica do acto constitutivo da servidão. Assim na servidão de caminho a prohibição pelo serviente de passar pelo lugar onde vai Constituir a servidão interrompe a prescripção9 9 Ha duas notaveis excepções a estes principios. A servidão de luz e de janella (luminus—ne luminibus officiatur) constitue-se por prescripção com a quasi-posse pelo lapso de anno e dia. (Ord. do Liv. 1º, tit. 68, § 33; Consolid. das Leis Civis, arts. 637 e 638). A servidão de caminho, quando este constitue atravessadouro por terreno privado, não se póde adquirir por prescripção, se o atravessadouro não se dirigir a ponte ou fonte, com manifesta utilidade publica, ou a logares que não possão ter alguma outra serventia. (Lei de 9 de Julho de 1773 § 12 e Decr. do 17 do Julho de 1778). As servidões reaes: estudo de Direito Civil 60 Aquelle que se queria prevalecer da posse devia provar os seus requisitos. Esta foi a opinião que prevaleceu á vista dos termos expressos da Lei 10, D. si serv. vind. ibi: ut ostendat &. 42. — Tal era em substancia a doutrina do direito romano.10 O Cod. Civil francez iniciou no direito moderno novo systema em referencia ao assumpto. Attendendo ao caracter de precariedade que revestem as servidões discontinuas, cujo exercicio dificilmente se accentúa de modo a distinguir-se, quando são praticados os actos de servidão por força e com o animus de um direito, ou de uma simples tolerancia (Demol. n. 786; Pardessus, n. 282) os legisladores francezes, com o intuito de affastar o grande numero de questões que geraria a prescripção em taes casos, condemnárão em absoluto a acquisição prescriptiva das servidões discontinuas, quer apparentes, quer não, e das continuas não apparentes (Cod. 691) admittindo unicamente que por esse meio se adquirissem as servidões que são ao mesmo tempo continuas e apparentes. (Cod., art. 690; Demol. 771). 43. — As illações e as consequencias que os tratadistas e tribunaes francezes tem tirado desses preceitos, tornárão, si possivel é, ainda mais rigorosa a doutrina prohibitiva do Codigo. Fundados em que está em absoluto condemnada a prescripção das servidões discontinuas têm os commentadores entendido que a acquisição não póde se effectuar ainda quando desapparece o fundamento do preceito do Codigo, isto é, ainda nos casos em que a precariedade que acompanha em geral os actos discontinuos ou interpolados de taes servidões, acha-se concludentemente condemnado, por manifestação e revelação as mais expressas do intuito e do animus, por parte do 10 Podem ser consultados com proveito sobre esta importante materia: Maynz,§ 112 e notas; Molitor, n. 94 e seg.; Van-Wetter, § 232; Mackeldey,§ 326. n. 4; Orlolan, Inst. n. 463; Didier-Pailhé, n. 216 a 218. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 61 prescribente de praticar actos de servidão como exercicio ed um direito, e não como resultado de tolerancia, parentesco ou amiasde. E’ assim que condemnão a prescripção das servidões discontinuas: a) Quando existe um titulo a non domino, ou uma notificação judicial ao serviente, notificação que tira a precariedade ao acto praticado em exercicio da intentada servidão. (Demol. ns. 788 e 789; Pardessus, n. 276). b) Ainda no caso de existirem simultaneamente: um titulo regular de acquisição, mas proveniente de um proprietario putativo, e uma intimação judicial, para o serviente respeitar o direito que o titulado da servidão suppõe ter a esta. (Demol.,e Pardessus, loc. cit.); em contrario (Solon, n. 398). O principio, com o maximo rigor estabelecido e acceito é: as servidões discontinuas não se adquirem senão por titulo. A prescripção é impotente para levar a este resultado, ainda quando fundada em uma posse qualificada de accordo com o art. 2229; e mantida pelo tempo de trinta annos lapso do tempo que, segundo o preceito claro e altamente juridico do art. 2262, supre o titulo e a boa-fé! 44. — Ainda em referencia á propria prescripção das servidões continuas e apparentes, os commentadores do Codigo francez tem ostentado um rigor, aliás desusado no seu systema de exegese. Assim, comquanto sejão essas servidões prescriptiveis pelo lapso de trinta annos (que suppre o titulo e faz presumir a boa fé), todavia a maioria dos escriptores e os tribunaes acceitárão como corrente a opinião que condemna a prescripção decennaria e vintennaria dessas servidões, quando existia um titulo do servidão passado a non domino, confirmado pelo assentimento do serviente, que continúa a respeitar a As servidões reaes: estudo de Direito Civil 62 pratica da servidão, após uma notificação judicial. (Demol. ns. 781 e 782; Pardessus, n. 276; Comp. Emil. Accolas, vol. 1º, pag. 715 e 716). No emtanto o art. 2265 do Codigo dispõe: Celui qui acquiert de bonne foi et par juste titre un immeuble, en prescrit la proprieté par dix ans, si le veritable proprietaire habite dans le ressort de la cour d’appel dans l’etendue de laquelle l’immeuble est situé; et par vingt ans, s’il est situé hors du dit ressort. A disposição do:art. 2264, fórça ao absurdo de prescrever-se os immoveis pela disposição do art. 2265, e não se poder prescrever as servidões!11 45. — Quasi-posse das servidões. A noção da quasi-posse das servidões prende-se á do direito das servidões, pela mesma connexão intima que a noção da posse se prende á do domInio. (Molitor. Posses., n. 13, Dir. das Cousas, § 131). D’ahi a razão e fundamento do reconhecimento da posso dos direitos reaes (jura in re aliena), dos desmembramentos do dominio, por analogia ao da posse, pela conjunção ou reunião dos direitos dominicaes. Possue-se um dos direitos componentes do dominio, como se possuo a totalidade desses direitos; com a differença que no primeiro caso a posse limita-se essencialmente a um direito, no segundo ella comprehende a posse de toda a cousa. Assim como o exercicio do direito de proprielade constitue a verdadeira posse, do mesmo modo o exercicio de um jus in re produz essa analogia da posse. E assim como na posse 11 Seguirão as disposições do Codigo Civil francez; O CODIGO DO URUGUAY, nos arts. 594 e 595. O CODIOO DO CHILI, no art. 882: o praso para a prescripção das servidões continuas è segundo este codigo de dez annos, CODIGO ARGENTINO, Liv. 3° titulo 12, art. 48. CODIGO VENEZUELANO, arts. 598 e 599. CODIGO PORTUGUEZ, arts. 2272 e 2273. CODIGO ITALIANO, arts. 629 e 630. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 65 posse do fundo serviente (Savigny, Obr. cit., § 46, pag. 467) a quasi- posse consistirá na permanencia do estado de cousas creado pela sua constituição, isto é, na pratica ininterrompida dos actos da servidão. (Molitor, serv., n. 93; Maynz, § 135; C. da Rocha, § 441). 50. — As servidões negativas consistem em uma prohibição imposta ao serviente, por força da qual não lhe é dado exercitar um acto qualquer do seu direito dominical, acto que a não ser a servidão poderia ser praticado por elle. A servidão altius non tollendi é um frisante exemplo de servidão negativa. (Savigny, loc. Cit.; Molitor, serv., n. 3; Maynz, § 133). A quasi-posse das servidões desta especie não se póde firmar em actos positivos, pois que ella consiste em um estado de negação, d’ahi o terem estabelecido os legisladores romanos que ella se realisa quando ha a posse do titulo, ou uma contradicção victoriosa por parte do que pretende a servidão, contra o que a deve prestar. (L. 6ª, § 1°, D. si serv. vindic.; L. 18, D., Quemad. serv. amitt., L. 15 de Operis nov. nunt.) 51. — A noção do juris possessio das servidões completa-se, com as seguintes palavras de Molitor, que encerrão o delineamento da quasi-posse em relação aos direitos creditorios e os seus traços distinctivos da corporis possessio que teem o credor pignoratico, o emphyteuta, o precarista &c.: “Pour qu’on puisse attribuer a l’exercice d’un droit le caractere d’une juris possessio, il faut que cet exercicie soit contenu, ou puissè se répéter; il faut par conséquent qu’il néteigne pas le droit lui-même. De là suit d’abord qu’un droit de créance ne sauroit être susceptible d’une juris possessio. (Obr. cit. n. 14 e 19). 52. — Como se adquire a quasi-posse das servidões. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 66 Nas servidões positivas discontinuas a acquisição da posse opera-se pela pratica do acto da servidão, ainda que o facto se dê uma unica vez e violentamente, vencendo qualquer resistencia do senhor do predio. (Leis 25, D., quemad. serv. amitt.; 7ª de itin. actuqúe privat.; 20 de serv.; Savigny, Obr. cit. pag. 468 e not. 2; Molilor, Posse, n. 13, e Serv. n. 93; Maynz, § 135; C. da Rocha, § 441). Como já o fizemos sentir é, porém, indispensavel que o acto seja acompanhado do animus possidendi; não se faz necessaria a tolerancia (patientia) do serviente. As expressões de Javoleno na Lei 20, D. de servitutibus, não deixão duvida sobre isto: usum ejus juris pro traditione possessionis accipiendum esse; porquanto, como diz Savigny (nota 2ª ao § 46) o usus constitue verdadeira apprehensão. A posse destas servidões, depois de assim adquirida, conserva-se pela pratica do acto da servidão, ainda por terceira pessoa e sem ideia de representação; comtanto que se exercite a servidão fundi- nomine. (L. 56, princ., 20, 24, D., quemad. serv. amitt.; L. 1ª, § 7º,3º § 4, D., itin. act. priv.) 53. — Quando se trata de uma servidão a affirmativa continua a acquisição da sua quasi-posse dá-se desde que, na frase de Savigny: se fazem as obras apparentes cuja existencia constitue precisamente o exercicio da servidão. Assim quando se trata do jus tigui immittendi, a juris quasi possessio depende da questão de saber si a immissão teve realmente lugar ou não. (Savigny, Obr. cit., pag. 479; Molitor. servit. n. 93; Accarias, n. 218; Dir. das Cousas, § 131, B; Maynz, § 132 i. f.). 54. — A quasi-posse das servidões negativas adquire-se por dois modos: As servidões reaes: estudo de Direito Civil 67 a) Quando o senhor do predio serviente, tentando praticar o acto cuja prohibição constitue a servidão encontra a opposição do senhor dominante, que o empede de levar a effeito o intento. Esta opposição deve ser efficaz. No direito romano podia ella se manifestar, ou por meio de violencia do proprietario, ou por ordem do magistrado. Deduz-se isto do fragmento de Africano na L. 15 D. de operis novi nuntiatione. (Veja-se: L. 43, D. de damno infecto; L. 6 § 1º D. si servit. vindic.; L. 18, D. quemod. serv. amitt.). b) Quando o dominante adquire a servidão por titulo a non domino e exercita-a animo possidenti. (Savigny, Obr. cit. pag. 482). 55. — Alguns autores doutrinárão como possivel a acquisição da quasi-posse da servidão negativa de um modo tacito, quando o serviente abstinha-se de praticar o acto prohibido e deduzião essa doutrina das seguintes palavras de Ulpiano no § 1° da lei 6ª D. si servitus vindicetur: SCIENDUM TAMEN IN HIS SERVITIBUS POSSESSOREM ESSE EUM JURIS, ET PETITOREM, ET, SI FORTE NON HABEAM ÆDIFICATUM ALTIUS IN MEO, ADVERSARIUS MEUS POSSESSOR EST. Induzirão em erro as expressões: adversarius possessor est. Este sentir de Savigny (nota 1ª pag. 481) foi recusado como interpretação do texto. NAM (continúa o jurisconsulto) CUM NIHIL SIT INNOVATUM, ILLE POSSIDET, ET ÆDIFICANTEM ME PROHIBERE POTEST, ET CIVILI ACTIONE, ET INTERDICTO, QUOD VI, AUT CLAM. IDEM ET SI LAPILLI JACTU IMPEDIERIT. SED ET SI, PATIENTE EO, ÆDIFICAVERO, EGO POSSESSOR ERO EFFECTUS. Os termos parecem autorisar a opinião condemnada; a verdade, porém, é que a torrente dos interpretes affirma que só a As servidões reaes: estudo de Direito Civil 70 Em referencia á posse o principio de Savigny não tem applicação jurIdica a outros casos: a posse dos escravos fugidos não póde segundo elle ser conservada, ao passo que é mantida a da propriedade longinqua que eu não visito ha cincoenta annos?(Ihering. Protecç. Poss pag. 159). Tambem a theoria foi objecto de grandes criticas na Allemanha, e principalmente de uma censura rigorosissima da parte de Rodrigo Ihering. Em referencia á posse, diz Ihering, si o principio de Savigny prevalece é a força da inercia que conserva a posse; conseguintemente esta subsiste ainda que nenhum acto de exercicio, ainda que nenhum acto physico de relação possessoria se pratique; o grande ponto a averiguar é si perdura a possibilidade de exercer a faculdade de dispor da couza. (Ihering, Obr. cit. 10, pag. 159). Em referencia a quasi-posse: O facto de exercicio da servidão de caminho por 10, 20 ou 30 annos não faz perder a quasi-posse, porque durante este tempo subsistio a faculdade de renovar o acto de servidão, a passagem pelo caminho. (Ihering, loc. cit.) Isto é a condemnação da theoria de Savigny diz Ihering. Parece-nos que tem procedencia a censura de Ihering. Não na possibilidade da disposição da cousa, mas no exercicio dos actos da servidão existe a garantia da conservação da quasi-posse. A theoria de Savigny arrastou Puchta ao reconhecimento da perduração da quasi-posse, ainda depois de desapparecer a servidão pela prescripção extinctiva! E para que effeitos subsiste essa posse? Que resultados produz? Nenhum, diz Puchta; não leva á usucapião; não autorisa o uso dos interdictos! Ronda, de accordo com Savigny e Puchta, affirma que um só acto de exercicio da servidão durante trinta annos, salva a quasi-posse. Bruns lançou mais longe o seu dardo: O exercicio, diz elle, somente é necessario para a acquisição da quasi-posse: esta uma vez adquirida dura tanto tempo quanto a possibilidade de reproduzir esse exercicio! Não podemos alongar-nos mais: não terminaremos esta nota, sem completar a verdadeira noção da quasi-posse, com a transcripção de um trecho da notavel obra de lhering, no qual com rara felicidade se accentúa essa noção: La possession est l’extérioritê du droit. La theorie du pouvoir physique doit elle méme recourir à la notion de l’exercice de la proprieté, pour arriver de la possession des choses à celle des droits. Mais au lieu de se poser la question si voisine, de savoir si les notions du pouvoir physique sur la chose et de l’exercice de ta proprieté sont corrélatiens, et au lieu d’expliquer pourquoi dans la possession sur les choses l’exercice du droit est lié au pouvoir physique, tandis qu’il ne l’est indubitablément pendans la quasi-possession, elle passe rapidement sur ce point de vue si riche en consèquences, elle ne le met en scéne que pour le faire aussitòt disparaitre, aprês qu’il a rendu le service qu’on lui demandait. Bien plus, le préjugé que l’essence de la possession consiste dans le pouvoir physique va si loin, que Savigny con- teste méme á la quasi-possession son droit au nom de posses« sion, et dans cet eraploi du mème mot, dans cette preuve frappante de la reconnaissance de leur homogéintté interne, abtestee par l’abstraction juridique, il ne veut voir qu’une dura necessitas engendrée par la pauvreté de la langue comme s’il eút été difficile aux Romains d’adopter l’expression dont se servaient les interdita possessiores pour designer ce rapport à la quasi-possession, au moyen d’une ajoute queleonque, par exemple comme usus juris. L’expression juris possessio employée par la jurisprudence romaine pour designer l’extérioritè des servitudes est à mes yeux la meilleure preuve que ce qu’elle entendait par possessio, par rapport à la propriété, pouvoit parfaitement étre appliqué aux servitudes, en d’autres termes que c’était non le pouvoir physique sur la chose mais l’exteriorité de la proprieté. (lhering, Protccc, Poss. trad. de Meulenaér, n. XI, pag. 176) As servidões reaes: estudo de Direito Civil 71 57. — Protecção da quasi-posse das servidões. A applicação dos remedios possessorios á protecção da quasi- posse das servidões éra cheia de incertezas no D. R. e a pobreza dos textos, dando origem a grande vacillação na doutrina, ao ponto de haver quem pensasse que nenhuma applicação podia ter a defeza da quasi- posse das servidões, (Maynz, § 138, not. 1), fez nascer a necessidade de fixar uma theoria provavel que mais se aproximasse da natureza do facto que se pretendia proteger. (Maynz, loc. cit.). E’ a razão pela qual foi aceita a theoria que Savigny offereceo nos § § 45 e 46 do seu tratado de posse. 58. — Seja como fôr, o que ha de saliente na applicação dos interdictos á protecção da quasi-posse, é que, quer no D. R., quer no moderno, deslocou-se o facto e protegeo-se a quasi-posse da servidão na posse do predio dominante. E’ assim que, considerando-se que a servidão é um attributo do predio dominante, negão, de aceordo, os J. C. S. romanos e os modernos a applicação do interdicto unde vi (acção de força expoliativa do nosso direito) á quasi-posse das servidões reaes, e isto pela razão de que a expoliação da quasi-posse não acarreta neste caso a da posse do immovel dominante, o que aliás, se dava em referencia às servidões A difficuldade do assumpto autorisa as mais variadas theorias sobre a noção da posse; eis tudo. Com rasão diz Sumner Maine: En realité la possession, dans les termes ou en parlent los juristes romains, ne semble pas trés facile à comprendre. Le mot comme l’indique son etymologie, doit avoir designé a l’origine le contract physique ou la faculté de produire à volonté ce contact; mais dans l’usage ordinaire et saus á épithéte, il désigne non pas simplement la detention materielle, mais la détention jointe á l’intention de conserver comme propriotaire la chose detenue. (Sumner Maine, o Direito antigo, traducc. de Courcelle-Seneuil, pag. 271 a 275). Tratando-se de fixar a noção da quasi-posse para della se deduzir a da sua acquisição e extincção, nunca será demais fixar bem a da posse. Esta applicada aos direitos, e não restricta á dos bens corporaes, é a quasi-posse. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 72 pessoaes; ao usufructo, por exemplo. (Maynz, § 138, pag. 837; Mülhem- bruch, pag. 293). 59. — Em referencia ao usufructo a applicação dos interdictos fazia-se no direito romano por textos expressos: L. 4ª D. uti possidetis, L. 3, § 13, 14 de vi, L. 60, pr. de usufruct. &. Em relação ás servidões reaes os textos recusão o uso do interdicto unde vi, porque n’ellas não se dava a dejectio; (L. 4, § 27, D. de usurp.) ao passo que as acções especiaes substituirão, no caso de turbação, o emprego do interdicto uti-possidetis, e a essas acções é que denominavão os J. C. S. — INTERDICTA VELUTI POSSESSORIA. (L. 20, D., in f. de servit.) 60. — São estes os principios que se póde vêr desenvolvidos no magistral tractado de Savigny (§ § 45 e 46 e notas) e nos modernos tratadistas e commentadores do direito romano. (Vid. Mayng, § 138 e notas). Na sua applicação forão, sem duvida, de grande coherencia os jurisconsultos romanos. O uso das acções especiaes para a protecção da quasi-posse das servidões discontinuas, que merecêo a condemnação do direito moderno, que a todas as servidões protegeo com o interdicto uti- possidetis, Savigny justifica-o, com grande apparencia de razão, na nota 3ª á pag. 470, do seu tractado de Posse, fundando-se na indole do direito romano, e nos seus principios restrictivos em materia de direitos reaes. 61. — No estado actual do nosso direito e pratica do fôro a posse das servidões, de qualquer especie que estas sejão, é protegida pela acção da manutenção. ( Doutr. das Acções, Edicç. de Teix de Freitas, § 86, notas 413 e 414; Dir. das Cousas, § 136 e notas; B. Carn. § 82, n.1 a 6). Esta acção visa dois fins: As servidões reaes: estudo de Direito Civil 75 E’ assim que dellas decorram direitos e obrigações: a) Do senhor dominante. b) Do senhor serviente. Os direitos e obrigações do senhor dominante devem ser considerados em referencia ás servidões pessoaes14 e ás reaes. 14 Comquanto o estado das servidões pessoaes exceda do plano deste trabalho, quer, todavia, parecer-nos, que a intima connexão de materia, em referencia aos effeitos geraes das servidões torna necessaria a exposição dos principios capitaes reguladores dos effeitos das servidões pessoaes. Ahi, vão, muito pela rama, as mais importantes deduções da constituição das servidões do usufructo, uso e habitação, em referencia ás pessoas do dominante e do serviente, do agente e do paciente da servidão. No usofructo os direitos do usofructuario concentrão-se nos seguintes: Uso e fruição sem que estes se limitem ás suas necessidades, (B. Carn., § 43, n. 2; Dir. das Cousas, § 98, Van-Wetter, § 233; Instit. de usufr., princ, L. 7 D. de usufr., § init.; Accarias n. 275.) Este escriptor doutrina que o usufructo acarreta o exercicio das servidões necessarias para a sua realisação. Isto não é concessão especial ao usufructo; é o principio geral em referencia a todas as servidões, no numero das quaes conta-se o usufructo. O uso comprehende-se facilmente como se exercita. O goso ou direito aos fructos, que constitue o outro elemento do usufructo, alcança-se pela percepção dos fructos naturaes ou pelo vencimento dos fructos civis. (B. Carn. § 43, ns. 10 e 11; Dir. das Cousas, § 102; Van-Wetter, § 231; Accarias, n. 275, pag. 662 i. f., e pag. 663 a 664). O usufructo é transferivel quanto ao exercicio. (Instit. de usu et habit. § 1.° i. f.; Ortol., Comment. a este §, n. 499; Accarias, n. 275, pag. 664; B. Carn. § 43, n. 15 e seg.; Dir. das Cousas, § 101). Os deveres do usufructuario deduzem-se da natureza dos direitos que possue e por elles se limitão. Assim tem elle por obrigação: A conservação da cousa usufruida, não podendo applical-a a uso que importe a sua transformação ou modificação. Nesta obrigação contem-se a de fazer os reparos que necessitar a cousa usufruida, em virtude dos estragos que nella houver produzido o exercicio do direito de que e objecto. Os grandes reparos, os que são exigidos pelos damnos causados pela acção do tempo, não correm por conta do usufructuario. (L. 7.ª, D. de usufruct., § 2.°; Van-Wetter, § 233; Accarias, n. 276; B. Carn. § 43, n. 21 e seg.; Dir. das Cousas, § 105, n. 2.) A gerencia ou administração da cousa, dispensando-lhe todos os cuidados de um bom pae de familia. (Van-Wetter, loc. cit., Accarias, n. 276; B. Carn., § 43, n. 21; Dir. das Cousas, § 104). Restituição do objecto, findo o usufructo, ao proprietario, com in lemnisação de todas as damnificações, causadas por culpa, ainda leve. (B. Carn., § 43, n. 22; L. 13 § 4º, D. de usufr.) Causam proprietatis deteriorem facere non debet, diz Ulpiano, e L. 1ª, d. Usufr. quemod. caveat.: restituaum quod inde extabit. E’ corrente que o usufructuario deve usar dos meios para interromper a usucapião dirigida contra o predio, para evitar a prescripção extinctiva das servidões. (Accarias, n. 276). As servidões reaes: estudo de Direito Civil 76 Pagamento das imposições que pesarem sobre o objecto usufruido.—Usufructu relicto, si tributo ejus rei prœstantur, eo usufructuarium prœstare debere dubiumi non est, diz Modestino, Lei 52, D. de usufr. (Accarias, n. 276; Dir. das Cousas,§ 105, n. 1) As pensões alimenticias que não houverem sido impostas ao proprietario senão em attenção ao fundo usufruido devem ser pagos pelo usufructuario. (Accarias, loc. cit.; Dir. das Cousas, § 105, n. 1, nota 3): Caucionar para garantir a restituição da causa usofruida, em estado de conservação. A caução póde ser substituida por uma garantia real, a falta da caução inhibe o proprietario de entrar na posse da cousa resufruida, não o impede, porém, de receber das mãos do proprietario os fructos e reditos, deducção feita das despezas ou gastos legaes (B. Carn., § 45, ns. 1 e seg. ) No uso os direitos do usuario limitão-se aos de um uso amplo da cousa (L. 22 § 1.°, D., de usu et habit.; Accarias, n. 281; B. Carn. § 47, n. 1, Dir. das Cousas, § 112 e nota 3); mas sem a fruição salvo n’aquelles casos em que pela inutilidade do simples uso se deva entender que a servidão amplia-se ao gozo de alguns fructos. Assim o uso de um rebanho deve ser entendido como autorisando a utilisação do leito das ovelhas ou cabras, o uso de um terreno rural como a concessão para utilizar-se d’elle plantando e colhendo. (Instit. de uso et habit, § 1.°; Ortolan, Conmen á Instit. cit. n. 498; Van- Wetter, § 237; Accarias n. 281; B. Carneiro, § 48, n. 6; Dir. das cousas, § 112). O § 4.° da Instit. cit. véda em termos formaes o uso do rebanho a não ser para estrumar os campos e prohibe que o usuario se utilise do leite: neque lacte, neque agnis, negue lana utetur usuarius quia ea in fructu sunt etc. Como, porém, o faz sentir Ortolan, tal uso seria irrisorio e inutil, d’ahi a solução de Ulpiano acima referido. (Ortol, Comment., n. 502; Molitor, serv. O direito de uso é inalienavel, mesmo quanto ao exercicio. Nec ulli alii jus quão habet aut locare, aut’vendere, aut gratiis concedere potest (Instit. cit. § 1.° in fine; Accarias, n. 281; Molitor, n. 75; B. Carneiro, § 47, n. 7) menos si o legado de uso fór inutil no poder do usuario, caso em que poderá local-o. (idem n. 8). A Lei 4.ª D. de usu et habitatione parece, porém, autorisar a cessão do uso de parte de uma casa, permittindo-a em quanto o usuario continuar a habitar o predio: Secundum hœc et si pensionem percipiat, non erit ei invidendum etc. diz Ulpiano: no emtanto o § 2.° da Instit. de usu et habitatione veda essa faculdade. O J. C. S. porém, a tem mantido de accordo com a autorisada opinião do Ulpiano (Accarias, n. 281, pag. 685; Molitor, n. 74). Outra excepção aberta a esta prohibição é a que estabelece Ulpiano no fr. 12 § 4.°, D., de usu et habit., ibi: sed si testator sciens etc, onde autorisa a locação do uso por ser este concedido a uma pessoa cuja profissão é alugar objectos da especie do que foi dado em uso. Molitor, serv., n. 74, n. 8; Dir. dos cousas, § 112, n. 5 ). No uso as imposições são supportadas pelo proprietario e bem assim os reparos, pois, a elle cabe a fruição da cousa (Van-Wetter, § 237, n. 3). Póde, todavia, a responsabilidade desses onus ser dividida com o usuario, o que se dá quando assim houver sido estipulado. (Accarias, n. 281, pag. 685), e quando a cousa produz fructos e que o usuario os colhe todos tem este de pagar só todas as despezas e reparos (Molitor, serv., n. 76). O uso é indivisivel (Molitor. serv. n. 75 Mayns, § 129; B. Carneiro, § 47, n. 11, Dir. das Cousas, § 112, n. 5). Usus pars legari non potest: nam frui quidem pro parte possumus: uti pro parte non possumus; diz Paulo na L. 19 D. de usu et habit. O usuario deve caucionar como o usufructuario. ( L. 5, § 1° D. de usufr. quemad. caveat e Lei 11, h. t.; B. Carneiro, § 47, n. 13, Dir. das Cousas, § 112 n. 6). A habitação.—Esta servidão não era reconhecida no D. R. senão como um estado de facto, antes do que como um estado de direito; (Van-Wetter, § 238, Ortol., á Instit., n. 504; Accarias, n. 281); comquanto os textos attestem grande duvida e hesitação sobre a determinação da natureza deste direito real e sua extenção (veja-se: Leis 8.ª pr., 10, pr. e § 2.° D. de usu et habit, e L«i 12 Cod. eod). As servidões reaes: estudo de Direito Civil 77 As primeiras são estranhas ao nosso assumpto. 66. — Quanto ás servidões reaes, os effeitos destas, apenas legalmente constituidas, manifestão-se em certos direitos e obrigações, que se gerão na relação juridica creada em referencia ao dominante e ao serviente. No exercicio das servidões é, conseguintemente, que se manifestão os seus mais salientes effeitos. 67. — A pratica dos actos da servidão é facultada em inteira plenitude e extreme de obices, ao proprietario dominante: a) Dentro dos limites estabelecidos no titulo constitutivo da servidão, ou na posse e costumes do lugar, em falta de tal titulo. (Cod. franc. art. 686 a 702; Demol. n. 866; B. Carn. Dir. Civ., § 80, n. 14; C. da Rocha, § 601; Dir. das Cousas, § 118; Pardessus, n. 54; Solon, n. 468; Cod. Civ. Italiano, art. 646, Cod. do Uruguay, art. 600; Cod. Argentino, Liv. 3º tit. 12, art. 49; Cod. do Chili, art. 884, Cod. de Venezuela, art. 615.) Ella distingue-se do uso e assemelha-se ao uso-fructo em poder ser transferida; mas unicamente a titulo oneroso. ( Inst. de usu et habit. § 5.° i. f.; h. 13, Cod., de usufrut hab et.&). não a titulo gratuito: denique donare non potest, diz a Lei 10 Dig. de usu et habitat., frag. de Ulpiano (Maynz, § 130; Accarias, n. 281, pag. 636, Molitor, n. 77;. No direito moderno não se tem facultado ao habitator a transferencia gratuita da habitação, como o suppunha B. Carneiro § 47, n. 16; bem longe disso as tendencias dos Codigos modernos são para a mais rigorosa restricção de tal direito real ás necessidades do habitator o sua familia. (Cod. Civ. Arg., Liv. 3.°, tit. 11, art. 16, Cod. Oriental, art, 511; Cod. civ. Chileno, art. 810, Cod. civ. Italiano, art. 258). A extenção do direito de habittção á familia do habitator já era autorizada pelo D. R. A habitação entendia-se concedida por toda a vida do beneficiado, quando não havia tempo marcado. (Ortolan, n. 501; Accarias. n, 281; L. 10, § 3.°, D., de usu et habit.; B. Carn., § 47, n. 18; Dava-se porém, a seguinte restricção: quando doada inter-vivos, podia ser revogada pelos herdeiros do daodor, D. de alementis legatis). O habitator pode colher os fructos civis da cousa, por isso que pôde local-a:(Dir. das Cousas, § 113, not.; B. Carneiro, § 47 n. 16) seo direito é, pois, divisivel. No caso de concurso de mais de um habitator a falta de um delles estabelece para os outros um direito de acrescer como succede no usofructo. (Molitor. n. 80; Mayns, § 130; Dir. das Cousas, § 113 n. 1) O habitator responde pelas despezas de reparação e deve offerecer caução como o usufructuario (L. 5, § 3 D. usufructo quemod. coaviat.; Maynz, § 130; Molitor, n. 80). As servidões reaes: estudo de Direito Civil 80 (Demol. n. 840; L. 20, § 1º, D. de servit. prœd rust.: Pardessus n. 56); nenhuma aggravação imputavel ao dominante existe. As janellas collocadas de modo a devassar-se o interior do predio serviente. os caminhos que atravessarem em grande proximidade a frente ou os fundos da casa, que sejão por demais largos, que percorrão roças, terrenos plantados etc, aggravão as respectivas servidões. (Demol., n. 841, L. 3, § 15, D., de itin., actuque privato.) 72. — No caso de ser a servidão em lugar o mais prejudicial ao serviente, não se achando fixado o local no titulo constitutivo da servidão, só aos tribunaes compete a fixação de outro local. E’ a melhor doutrina. (Demol. n. 843.) 73. — O condominio superveniente no predio dominante importa aggravação da servidão? Si se reconhece como dominando o assumpto o principio do art. 700 do Cod. Civil francez, por força do qual no caso de condominio, cada um dos coproprietarios tem o direito de exercitar a servidão, o gravame parece saliente. Supponha-se que a servidão consiste em passar por um jardim: é facil de aquilatar a differença que existe entre o exercicio deste direito, por parte de um só proprietario do predio dominante, ou por grande numero de condominos, que mantenhão a posse indivisa do predio e que hajão de exercitar esse direito de passagem. A aggravação é, todavia, apenas apparente. Que a posição do serviente torna-se menos, commoda, nenhuma duvida ha. (Mourlon, Répét, Écrit. n. 1841); não assiste-lhe o direito de reclamar contra esse estado de cousas, e isto porque, como diz com grande justeza de conceitos, Mourlon, no citado n. 1841. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 81 La servitude ayant été constituée, non point pour l’utilité du maitre actuel du fonds dominant, sans limitation des personnes qui pourraient être appelés à l’exercer, ce nest pas l’aggraver que la faire exercer par plusieurs, dans la limite des besoins du fonds dominant. Quœcunque servitus fundas debetur, omnibus ejus partibus debetur. E’ a applicação desta regra de Paulo que Mourlon desenvolve e com elle amplamente Demolombe no n. 856 e seg. O incommodo que a divisão do dominante acarreta ao serviente é uma consequencia natural das cousas, consequencia que não devia ter escapado á previsão do serviente na época em que constituio a servidão; podia então prever as consequencias do fallecimento do dominante, que tinha mais de um herdeiro forçado. Não nos parece necessaria a destincção que faz Demolombe entre as servidões continuas e discontinuas, e a subdivisão entre servidões de exercicio divisivel e indivisivel. (Demol., n. 857, e segs); em nada aproveita ella á decisão da questão. 74. — E’ ociosa, igualmente, a distincção de Solon entre a divisão operada no predio dominante por força de um acto judicial, ou por acto do senhor dominante; por uma partilha, em inventario, ou por uma venda doação, permanente & (ns. 487 e 488). Os principios estabelecidos no n. 488 são muito arbitrarios. A reserva do direito de servidão para o senhor dominante, que aliena parte do predio que tem a servidão activa, deve ser expressa; no caso da omissão sobre tal reserva predomina o principio geral, que o Cod. Civ. francez consagrou no seu art. 700. 75. — O que levamos dito não importa a negação da possibilidade de aggravação no caso de condominio. Este estado presta- se, ao contrario, a facilitar a producção de um gravame ao serviente; os As servidões reaes: estudo de Direito Civil 82 condominos pódem querer exercitar a servidão de caminho por diversos lugares; tornando assim a servidão gravosa ao serviente. Pódem extrahir da fonte maior quantidade d’agua do que a precisa pare o consumo do dominante: são aggravações, é certo, mas que não proveem do condominio, e sim do abuso dos condominios. (Pardessus, n. 63 e 64). Em qualquer das hypotheses a aggravação não resulta do numero dos senhores activos da servidão e sim unicamente dos actos praticados no exercicio della. O excesso d’esse exercicio é o que constitue a aggravação, e tal excesso sómente póde ser evidenciado em face do titulo constitutivo da servidão; na falta d’este se regulará pela posse dos actos da servidão e o costume e usos da localidade a tal respeito observados commumente. 76. — Si a servidão houver sido constituida expressamente em favor apenas de uma parte do predio dominante, de um edificio que n’elle existe, uma casa encravada e sem sahida, por ex.: o que decidir? 77. — No caso de condominio é incontestavel o direito de todos os condominos ao exercicio da servidão. Si, porém, o predio dominante houver sido partilhado em lotes distinctos, cada um dos quaes formasse o quinhão de um dos herdeiros, ou adquirentes do predio dominante, o senhor do lote no qual estivesse firmada a servidão, ao qual houvesse cabido a casa encravada, para seguir o exemplo figurado, era o unico a poder exercital-a; os demais quinhoeiros nada tem com ella; a partilha, a divisão do predio dominante localisou n’aquelle quinhão, com exclusão dos demais, a servidão cujo exercicio estava generalisada em proveito de todo o predio dominante. (Demol., n. 862; L. 6, D. de servit.; contra: Mourlon, Répét. Ecrites, n. 184: Vid. Solon, n. 488). As servidões reaes: estudo de Direito Civil 85 dominante. Assim póde tirar agua da cisterna, passar no caminho, pascer o seu gado nos lugares da servidão. (Demol., n. 887; Lobão, Aguas, § 191; Solon, n. 496; Dir. das Cousas, § 118; Molitor, n. 16; Cod. Argentino, Liv. 3.°, tit. 12. art. 70). Este direito póde ser-lhe tirado no titulo constitutivo da servidão. (Demol. n. 889 e 890). Apezar do silencio de alguns autores sobre este ponto, não póde ser contestada o direito de convencionarem os interessados, essa limitação nos direitos do serviente. 86. — Póde igualmente o serviente fazer todas as obras que tendão a melhorar a sua posição em referencia á pratica ou exercicio de servidão por parte do dominante, sem peiorar a condicção deste (Demol., n. 893; C. da Rocha, § 601; Solon, n. 467; Cod. Argentino, Liv. 3.°, tit. 12, art. 71). 87. — E’ um corollario d’essa regra a faculdade que o direito moderno reconhece ao serviente de fazer mudança na locação da servidão, respeitando a commodidade do dominante, quando, ainda não sendo impraticavel o local designado da servidão, fôr, todavia, prejudicial ao serviente e tornar-lhe o exercicio da servidão mais gravoso. (Demol., n. 898; Cod. Italiano, art. 645; Lobão, Notas a Mello, Liv. 3º, tit. 13, § 10, n. 9; Zacharias, § 339 e Massè e Vergé, nota 3ª ao mesmo §). 88. — Os deveres do serviente não podem ser ampliados além dos que naturalmente resultão da sua posição especialissima. Assim não é elle obrigado a fazer as obras necessarias para o exercicio da servidão. O direito romano estabelecia excepção em referencia á servidão oneris ferendi. (L. 6ª. D. si serv. vindi. § 2º; L. 33, D. de serv. prœd. urban.); mas o direito moderno condemnou essa excepção, e só reconheceo a obrigação do serviente no caso de estipulação expressa no As servidões reaes: estudo de Direito Civil 86 contracto constitutivo da servidão. Tal podia, no emtanto, ser o gravame resultante, para o futuro, da posição do serviente, em virtude de tal obrigação, que os codigos de quasi todas as nações concederão ao serviente a faculdade de escapar a esse onus, abandonando ao dominante o predio serviente. (Cod. franc, art. 699; Cod. Port., art. 2277; Cod. Italiano, art. 643; Cod. do Uruguay, art. 601). Este abandono deve ser de todo o predio, ou sómente da parte em que se achar localisada a servidão, segundo a natureza desta. (Massé e Vergé, nota 8 ao § 339 de Zacharias; Solon, n. 476). A opinião em contrario de Pardessus, (n. 316) é condemnada por quasi todos os escriptores. A distincção que faz Demolombe, na segunda parte do n. 882, onde começa sustentando a boa doutrina, é repellida pela jurisprudencia franceza, e importa, com pequena differença, na doutrina severissima de Pardessus. (Vid. os cit. Massé e Vergé). 89. — Cheia de interesse no direito francez, e nos que adoptárão a prescripção do art. 699 d’aquelle codigo, esta questão é excusada e despida de valor pratico entre nós, onde a faculdade de abandono não é reconhecida. Si o dono do predio serviente transferir ao dominante o predio liberta-se de qualquer obrigação em referencia á servidão, porque esta extinguir-se-ha por confusão. Não tem elle, porém, a faculdade de abandonar a parte do predio onde se houver constituido a servidão do caminho, para libertar-se do onus de concertal-o, porque o dominante póde não aceitar o abandono, recusa que é impossivel no direito francez. (Demol. n. 884). 90. — A clausula que impõe ao serviente a obrigação de fazer as obras de conservação e exercicio da servidão, póde ser inserida em um contracto posterior á constituição da servidão. (Demol., n. 876). As servidões reaes: estudo de Direito Civil 87 Esta é a melhor opinião. (Pardessus, vol. 1º, n. 67, pag. 158). 91. — As obras a que fica obrigado o serviente, não havendo expressa estipulação, não comprehendem a reconstrucção do aqueducto, do caminho &; mas apenas a conservação. (Demol., n. 878; Solon, n. 571); nem as de reparações de estragos devidos á culpa ou á impericia do senhor dominante. (Pardessus, n. 69). 92. — Esta obrigação é considerada pela generalidade dos doutrinadores, como real e não pessoal: d’ahi o entenderem que o terceiro adquirente do serviente, ainda por titulo singular, é obrigado á clausula, como ligada á propria servidão. (Demol. n. 880, onde cita a jurisprudencia dos tribunaes francezes). Em contrario o Cod. Argentino, Liv. 3°, tit. 12, art. 73. 93. — Operada a divisão do predio serviente a qual das partes cabe prestar a servidão? O principio capital é que a divisão do predio serviente traz como consequencia a constituição de tantas servidões passivas, quantos forem os lotes divisos. Como veremos, esta noção é fertil de salutares consequencias sempre que se tratar de considerar os effeitos do não exercicio dos actos da servidão em referencia á prescripção extinctiva da servidão devida por qualquer dos lotes do predio serviente. A solução da duvida depende, porém, de uma distincção: Ou a servidão abrange todo o predio serviente, como a servidão de pastagem, a de tirar terra, areia, pedras & e n’este caso cada um dos lotes fica sujeito á servidão, applicando-se em sua maior amplitude o principio capital que acima mencionamos. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 90 as servidões oriundas do tacto humano, ás quaes os tratadistas denominarão impropriamente de convencionaes, denominação que não comprehendia todas as especies de servidões, que não se classificavão entre as naturaes e legaes. Adoptamos a classificação, a despeito da critica dos commentadores do Codigo francez por nos parecer: a) que ha distincção entre as servidões naturaes e as legaes, distincção que o proprio D. R. aceitou, reconhecendo a servidão natural do escoamento das aguas (L. 1ª, § 22, D., de acqua et acquæ pluviœ arcenœ) e que se funda na natureza das cousas: b) que as servidões naturaes e legaes, comquanto diversas no modo de constituição, visão, todavia, o mesmo fim que as servidões convencionaes ou de facto de homem, isto é, a pacifica coexistencia e exercicio dos direitos dominicaes entre predios visinhos, aperfeiçoando-se e completando-se esse exercicio pelos mutuos desmembramentos de uns direitos em favor de outros. Effectivamente; as servidões naturaes não se pódem confundir com as legaes ao ponto de constituirem com estas um só membro de classificação (como nos Cods. Italiano, art. 532, e Oriental, art. 517), pelo facto de deverem a existencia juridica á acção da lei; porquanto independente d’essa sancção tem ellas existencia natural, que torna imperioso o seu reconhecimento pela lei: esta não podia, sem violentar a ordem das cousas, libertar o predio inferior de receber as aguas de accumulação natural existentes no predio superior. A servidão legal, ao contrario, não tem sua origem, sua existencia, senão na disposição da lei: esta creou-a, podia deixar de creal- a, e se o houvesse feito a servidão não existia: fosse, porém, qual fosse a disposição da lei as aguas accumuladas pelas chuvas no predio superior despenhar-se-hião para o inferior em busca do escoamento natural. Carecem, pois, de procedencia as criticas de Zacharias, Toullier, Demante e outros, e, como diz Demolombe, a differença entre as As servidões reaes: estudo de Direito Civil 91 servidões naturaes e legaes deve ser reconhecida como fundada em uma exacta observação dos factos. (Demol. n. 17). O dizer-se que a realidade das servidões naturaes provêm do reconhecimento da lei, applica-se, por menos que se reflicta, ás servidões convencionaes. Supprima-se n’estas o reconhecimento da lei, que lhes imprime o caracter de onus real, e apenas por força da convenção que as houvesse creado, subsistiria um direito pessoal entre as partes contractantes. 99. — Quanto ao segundo ponto de duvida, não são aceitaveis sem critica as opiniões de Demolombe, Mourlon e outros que negão em absoluto a todas as limitações de propriedade que o Codigo francez comprehendeo na classe das servidões naturaes, o cunho de verdadeiras servidões. A classificação do Codigo francez é correcta. A noção das servidões, que faz comprehender nellas toda a desagregação de uma faculdade dominical, a qual tanto se póde operar pela natureza como pela lei como pela convenção, ou outro qualquer acto do homem é, no fundo, de uma procedencia incontestavel. E’ a noção defendida por Merlin e Toullier. Dizer que as servidões naturaes e legaes são os delineamentos do dominio legal, do direito de propriedade tal como o estabelece a lei, com as restricções, com as limitações que exigem o estado social e a coexistencia dos dominios, é affirmar uma verdade, que, porém, comprehende igualmente as servidões oriundas do facto do homem, que outro intuito não visão senão esse. 100. — Para dar á sua opinião o apoio da tradicção romana. Demolombe faz violencia ao § 22 da Lei 1.ª de Digesto de aqua et acquæ pluviœ arcendœ, pretendendo que Ulpiano não reconhece alli a servidão As servidões reaes: estudo de Direito Civil 92 natural de escoamento das aguas, apezar de usar elle das seguintes expressões: Sed et si vicinus opus tolleat, et subia to eo acqua naturaliter ad inferiorem agrum perveniens noceat: Labeo existimat aqæ pliviœ arcendœ agi non posse: SEMPER ENIM HANC ESSE SERVITUTEM INFERIOREM, UT NATURA PROFLUENTEM AQUAM EXCIPIANT. 101. — Não é mais feliz Demolombe na referencia á opinião de Vinnius, que não affiirma, no lugar citado pelo grande trasladista francez, que o D. R. desconhecesse as servidões naturaes. As expressões: contraria sunt quippe libertas et servitus, emprega-as elle a proposito da classificação da servidão: — altius non tollendi, ponto controvertido no D. R., como se vê das seguintes expressões, que aliás, em nada apadrinhão o sentir de Demolombe: Nam si cuivis liceat ædes suas extollere, idque naturaliter et jure libertatis rei suœ: ut nulla in eam rem opus sit constitutione servitutis prœdiorum numeretur etiam jus altvus tollendi? Hoc enim nullan videtur habere rationem: contraria quippe sunt libertas et servitus. Et si non licere altins tollere, servitutis est;licere altius tollere libertatis erit. Et tamen negari non potest, quin veteres non minus jus altius tolleudi quam non tollendi inter servitutes retulerint &. (Comment ás Instit. de serv. urban., n. 6). 102. — Não pretendemos, com o que levamos dito, assegurar que todos os factos que o Codigo francez comprehendeo nos arts. 640 a 648 na classificação de servidões que derivão da situação dos lugares sejão verdadeiras servidões. Estamos longe disso. De perfeito accordo, neste ponto com Demalombe (n. 8) e Laurent (Droit Civ. Intern., vol. 7, n. 305 e segs.) entendemos que muitos desses factos não são servidões. Neste numero estão os referidos nos arts. 641, 643, 644, 646 e 647. No art. 640 menciona-se, porém, uma servidão reconhecida, como tal, já no D. R. e consagrada em todos os codigos modernos. As servidões reaes: estudo de Direito Civil 95 Sarsfield, nas suas notas ao Cod. Argentino, diz na com que illustrou o art. 7.° do tit. 12 do Liv. 3.°: Los escritores de derecho, las leyes romanas y otros codigos, hacem otra division de lar servidumbres: en urbanas e rusticas, y eu affirmativas, o negativas, pero talles divisiones no presentau utilidad alguna, mi para lá legislacion, mi para la dotrina. Esta opinião do illustre J. C. S. Argentino não nos parece fundada, em referencia ás servidões affirmativas e negativas, pelos effeitos salientes que ellas produzem em o caso da prescripção. 110. — Servidões reaes e pessoaes.15 Firmada no D. R. L. 1.ª D. de servit., L. 15 eod.. & ) aceita no direito portuguez (B. Carneiro, vol. 4, § 74, n. 6; Lobão Not. a Mello, vol. 3.°, pag. 437) esta classificação foi repudiada pelos codigos modernos que não a mencionarão, antes restringirão a noção das servidões ás que o D. R. denominava reaes.16 Entre nós os E. E. que ultimamente tem tratado 15 As servidões pessoaes são alheias ao nosso plano de estudo. Fazemos d’ellas menção unicamente para não ficar incompleta a enumeração das classificações que se tem feito das servidões; tanto mais necessaria era, além disso a menção desta classificação, quanto é um dos seus membros a base e objecto do presente trabalho. Alongamo-nos, talvez um pouco, na justificação da inclusão dos direitos de usufructo, uso e habitação no numero das servidões: inclusão aceita pela doutrina dos J. C. S. antigos e modernos, mas repudiada pelos Codigos que empregando uma verdadeira logomachia, não muito aceitavel, alias, em assumptos scientificos, classificarão taes desmembramentos do dominio, sob a denominação de modificações da propriedade (Cod. Ital.) deixando de incluil-os entre as servidões. O Codigo Francez, que déo o exemplo d’esta exclusão, não teve, como na seguinte nota se verá, nenhuma rasão de ordem elevada, para assim proceder. Não quizerão os J. C. S., que o confeccionarão, usar das palavras servidões em referencia ás pessoas! 16 Segundo o Cod. franc. as unicas servidões são as reaes as que o D. R. denominava pessoaes constituem direitos reaes, desmembramentos do dominio, mas que não são servidões; falta-lhes o caracteristico: a utilidade prestada a um predio. Os Codigos posteriores eceitárão este modo de ver e no direito moderno entende-se a noção da servidão com a restriçção da do Codigo civil francez. O Codigo Civil Italiano no Liv. 2º, tit. 3°, Cap. 2°, trata das servidões prediaes e no Capitulo 1°, do usufructo, do uso e da habitação apenas sob o titulo geral das modificações da propriedade. Os Codigos ainda os mais recentes, como o Portuguez, (art. 2267) do Uruguay (art. 512), do Chili (art. 823), aceitárão esta noção. Faz apenas excepção o Codigo argentino As servidões reaes: estudo de Direito Civil 96 que nos artigos 31 e 42 reconhece expressamente a servidão pessoal, e aceita-a como uma modificação que não repugna á noção juridica da servidão. Máo grado, porém, essa repulsa dos Codigos modernos pela classificação das servidões em reaes e pessoaes, ella triumphou na doutrina o que é devido á impossibilidade de classificar de modo correcto os desmembramentos do dominio que constituem o usufructo, o uso e a habitação, desmembramentos que importão verdadeiras servidões; apenas o sujeito do direito é uma pessoa em vez de ser um predio. Este facto em nada pode alterar a noção do direito real, a menos que não se reconheça, como o D R a necessidade de uma causa perpetua para a existencia das servidões, o que aliás é repêllido pelos doutrinadores modernos. Os mais autorizados commentadores do Cod. Franc. aceitão a classificação das servidões em reaes e pessoaes, como a unica perfeita, pois comprehende os desmembramentos de dominio que se operão em favor de pessoas. São verdadeiras servidões, diz Demolombe, com a differença, que os direitos de fruição estabelecidos em proveito de pessoa determinada, são servidões pessoaes, ao passo que as serventias territoriaes, estabelecidas em proveito de um immovel, de uma cousa, são servidões reaes. (Trat. da distincç. dos bens, n. 211). O usufructo é uma servidão imposta a uma cousa, em proveito de uma pessoa diversa do proprietario; comquánto o Codigo não lhe tenha dado essa denominação, a definição que dá o art. 578 revela-nos, todos os caracteres cons titutivos d’essa especie de direito. ( Demol. Servit., vol. 2°, n. 584.) Conf: Mourlon, n. 1659; Zacarias, vol. 2°, tit. 3º, cap. 1° ( Massé et Vergé); Emilee Accolas, Manuel de D. Civ. vol. 1°, pag. 606. Os codificadores romanos tratarão, é verdade, dos direitos de usufructo, uso e habitação no titulo 7.° do Digesto e das servidões no titulo 8º. Este argumento em favor da exclusão d’aquelles direitos da classificação das servidões, não tem procedencia: Já porque, o titulo 8.° em que são tratadas as servidões inicia-o o celebre fragmento de Marciano: Servitutes aut personarum sunt & &; já porque, este facto bem longe de autorisar, como o supõe Molitor (Servit., n. 2), a crença de que os J. C. S. romanos ligavão ás servidões a noção da servidão real, leva a convicção de de que a separação dos titulos foi apenas realisada por motivo da methodosação, por não convir complicar com o estudo escabroso das servidões prediaes, as longas e pacientes minudencias que consagrarão ao estudo do usufructo, que por si so preenche sete titulos do livro 7º do Digesto. A razão que Mourlon e Demolombe apresentão de não ter o Codigo civil Francez incluido no titulo das servidões o usufructo, o uso e a habitação e aceito a classificação das servidões em reaes e pessoaes é esta: Ces expressions (servitu les personnelles) ont paru dangereuses. Quoique juridiquement exactes, elles auraint pu rappeler le souvenir des institutions féodales et blesser la susceptibilité des hommes peu è elairés, qui, se méprenant sur leur sens veritable, y auraient vu peut-étre, l’assujetissement d’une personne envers une autre. Les rédacteurs du Code, qui voulaint prevenir cette méprise, ont cru devoir e’carter les expressions qui auraient pu la faire naitre. (Mourlon, n. 1659; Demol., distinct. des biens, n. 211). Não foi, pois, uma rasão de direito que fez afastar no Cod. Francez, os direitos de usufructo, uso e habitação do titulo das servidões, onde um lugar lhes devia estar reservado sob a denominação de servidões pessoaes. “Le Code Napoléon, diz Laurent, ne prononce pas le mot de servitudes personnelles; il est cependant certain que l’usufruit, l’usage et l’habitation, sont des servitudes personnelles.” ( Droit. Civil Intern., vol. 7°, D. 332.) As servidões reaes: estudo de Direito Civil 97 do assumpto não a mencionão (Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 1º, §§ 119 e 120) e a classificação não conserva outra importancia alem da historica. Chamavão-se pessoaes as servidões que se constituião em favor de uma pessoa; reaes as que o erão em favor de um predio: Servitutes aut personarum sunt, ut usus, et usus fruuctos: aut rerum, ut servitutes rusticorum prœdiorum, et urbanorum. (L. 1.ª D, de servit.; Savigny, Posse. § 44, 45 e 40; De Keller, Proc-Civ. entre os Romanos, pag. 251). Sendo, segundo a noção moderna, a servidão o direito real constituida em favor de um predio, sobre outro predio pertencente a dono differente (Dir. das Cousas, § 414), achão-se afastados da cathegoria das servidões os direitos do usufructo, uso e habitação, que constituião no D. R., e formão ainda no direito que nos rege a classe das servidões pessoaes. 111. — Urbanas e Ruraes. São urbanas as servidões que se fixão na superficie; são ruraes as que se radicão no solo. Servitus prœdiorum aliæ in solo, aliæ in superficie consistunt. Esta á a noção romana das duas especies de servidões; (L. 3ª, D. de servit; L. 1ª, D. si serv. vind., L. 1ª pr. D. Comm. prœd.; L. 198 e 211, D., de verb. segnif.; Os Codigos que guiarão-se pelo francez. e adoptarão a sua defeituosa classificação, não poderão, sequer apresentar a rasão que produzem em defeza de seus legisladores os dois graves tratadistas francezes que citamos. Tem cabido aos seus commontadores emendar esse erro. Apezar de igual lacuna do Codigo Italiano os seus tratadistas e commetadores mantem a classificação condemnada. “Le servitú sono limitazioni del diritto di proprietà, introdotte o a vantagio di una data persona (servitú personali), o a vantaggio de un foudo, rustico od urbano, distinto da quello su cui gravita la servitú, e spettante a un differente proprietario (servitú prediali).” (Gabba, Retroativitá delle legi, vol. 3°, Cap. 5°, § 2º). A nossa insistencia sobre este ponto não leva o intuito de ver ampliado o numero das servidões, com mais este elemento das servidões pessoaes. Bem ao contrario, somos dos que entendem, que sómente uma durissima necessidade justifica essas retricções da propriedade: a coexistencia dos dominios privados. Aceitamos sobre este assumpto as idéas emittidas pelo J.C.S, Ihering, nas seguintes palavras: Permettre au possésseur do vendre son bien á son gré, ne cause aucun prejudic á l’Etat; le bien ne fait quo changer de maitre, il reste, lui. ce qu’il élait. Mais accorder, au proprietaire la faculté d’éluder une vente devenue necessaire en alienant des elements de valeur intellectuelle de son bien, en se procurant de l’argent par l’imposition de dimes, de rentes per petuelles, de churges, etc. sur sa chose, c’est lui donner le pouvoir d’enlever a la propriété ses effets bienfaisants pour la socièté, de l’enerver, de la tuer moralement. (Esprit du droit romain, trad. de Meulenare, vol 2°, cap, 3°, § 38, pag. 223.)
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