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Aspectos históricos da conservação e restauro, Notas de estudo de Urbanismo

Aspectos históricos da conservação e restauro

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 22/12/2010

abreu-abreu-5
abreu-abreu-5 🇧🇷

4.5

(4)

8 documentos

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Baixe Aspectos históricos da conservação e restauro e outras Notas de estudo em PDF para Urbanismo, somente na Docsity! Aspectos históricos da conservação e restauro de objetos de caráter cultural a partir do século XIX Falar da história da conservação e do restauro é bastante complexo. Sempre fez parte da história da humanidade tentar preservar os objetos que lhe são, de alguma forma, valiosos, seja por motivos funcionais, estéticos, religiosos ou políticos. Este ensaio visa pensar, de forma sucinta e com um recorte na cultura ocidental, o desenvolvimento dos conceitos teóricos que norteiam as intervenções realizadas a partir do século XIX, período em que surgem as primeiras reflexões das quais descendem as atuais linhas da conservação. Até então, a atuação profissional era norteada por critérios determinados normalmente por fatores religiosos e econômicos. O primeiro critério adotado, denominado de “devocional”, surge com o desenvolvimento do cristianismo no século III e tem como principal finalidade manter a iconografia para que o fiel pudesse facilmente identificá-la e compreendê-la. No século XV, também ligado à Igreja Católica, temos o “critério de decoro”, que se assemelha muito ao devocional, onde corpos nus são cobertos, expressões modificadas e itens acrescentados. A partir do século XVII, com a proliferação do colecionismo e das galerias de arte, aparece o “critério de galeria”, segundo o qual os restauradores se colocam a serviço, não da obra e do respeito a sua integridade física, mas da vontade do cliente. Foi somente quando a noção de monumento se consolidou, pelo reconhecimento de seu valor como documento histórico, que surgiram as primeiras reflexões críticas e foram traçadas a primeiras linhas de conduta ou escolas. As primeiras reflexões teóricas foram elaboradas pelos engenheiros e arquitetos, talvez por serem estes mais organizados que os artistas – responsáveis pela restauração de obras bidimensionais. Em meados do século XIX convivem simultaneamente duas linhas de conduta, ou pensamentos teóricos, totalmente divergentes. Na França o arquiteto-restaurador Eugène Viollet- le-Duc (1814-1879)1, defende a restauração de estilo, ou restauração estilística2, pela qual o profissional deveria refazer a edificação procurando a perfeição formal, respeitando as características estilísticas e desconsiderando os aspectos históricos. A busca pela perfeição permitia que as partes desaparecidas fossem reconstruídas a partir daquelas existentes. Defende a necessidade da restauração, interpretando a arquitetura a partir de uma postura racionalista e não sensitiva. Este conceito de restauração, baseado no princípio estético de completude formal e da unidade estilística da obra de arte, conforme define Maria Helena Pires Martins3, cresce não só na França, mas também na Itália, onde recebe o nome de ripristino. Contemporâneo a Viollet-le-Duc, mas com idéias totalmente antagônicas, encontramos o inglês John Ruskin (1819-1900) – escritor, poeta e crítico – representante da teoria romântica, ou da restauração romântica, que defende a intocabilidade do monumento degradado. Criado dentro de uma severa educação religiosa anglicana, Ruskin parte do princípio de que o homem ao nascer recebe bens em depósito que na realidade não lhe pertencem, por isso deve fazer uma utilização respeitosa destes. Para ele a restauração não é uma necessidade, mas uma conseqüência do descuido dos homens. Radical em suas definições, Ruskin defende a conservação preventiva em primeiro lugar, depois a consolidadora, mesmo que para isto se tenha que utilizar materiais diferentes e, por último, a morte digna da edificação quando chegar o momento. Sua postura influenciou as tendências modernas em matéria de reconstrução e reintegração, além de despertar o interesse para a conservação preventiva. Na década de 1880 surgem na Itália duas teorias baseadas nas de Viollet-le-Duc e Ruskin, a restauração científica, formulada e defendida por Camillo Boito, e a restauração histórica, representada por Luca Beltrami. Camilo Boito (1836-1914), por exemplo, tenta uma união entre a teoria de Ruskin e a necessidade do restauro. Para Maria José Martínez Justicia “Boito aceita a crítica radical do teórico inglês, mas evita participar de sua visão fatalista, quanto à condenação a que está submetida a obra de arte com o passar do tempo, não permitindo sua ruína mediante a aplicação de diferentes instrumentos técnicos”4. Defende, entre outros pontos, a consolidação das partes existentes e não sua reconstrução. Considera que as partes incorporadas em restaurações anteriores não devam ser removidas ou substituídas, mesmo quando estão em estilo diferente do original, por tratar da autenticidade histórica do monumento. Para Boito é necessário “consolidar antes que reparar, reparar antes que restaurar, evitando adições e renovações”5. Os princípios defendidos por Boito são amplamente utilizados, nos dias de hoje, nas intervenções de restauro, como quando diz “quando as adições são indispensáveis, por razões estéticas ou outros motivos de absoluta necessidade, devem ser realizadas sobre informações absolutamente certas e com características e materiais diferentes.” 6 Contemporaneamente temos a restauração histórica, formulada por Lucas Beltrami (1854-1933), que reivindica um papel positivo da restauração, ou seja, a diminuição dos danos provocados pelo tempo. Beltrami considera que a intervenção de restauro pode ser realizada de forma ampla, e até mesmo inovadora, desde que esteja sustentada por uma profunda e rigorosa pesquisa dos dados históricos do objeto em questão. A teoria histórica constitui um abandono dos métodos filológicos. Beltrami defende que deve prevalecer sempre os valores figurativos, ou seja, quando a unidade figurativa não foi totalmente perdida, o restaurador deve reintegrar as partes faltantes para restituir a unidade e a continuidade formal da obra, porém sem inventar nada. Diferente da restauração romântica, a restauração histórica descarta energicamente a idéia de que a degradação possa conter qualidades e valores que sejam um acúmulo de significados. Beltrami defende que, quando um dano foi tão grave que destruiu a imagem, é impossível refazê-la, e é esta a diferença entre ele e Viollet-le-Duc. Vale salientar que tanto a restauração científica quanto a restauração histórica se fundamentam na necessidade da pesquisa objetiva dos fatos. Conscientes de que estes fatos se modificam de acordo com a peculiaridade de cada obra, consideram arbitrária e falsificadora qualquer intervenção de caráter pessoal. A restauração científica ou filológica7 iniciada por Boito terá continuidade através de Gustavo Giovannoni (1873-1947). Para Giovannoni o restauro não pode ser decidido visando apenas sanar problemas estéticos, mas solucionar questões mais complexas e profundas. Para tanto, torna-se necessário um estudo documental e arquivístico que possibilite o conhecimento histórico das modificações às quais o monumento foi submetido ao longo de sua vida, criando-se assim um equilíbrio entre a verdade histórica e os problemas de natureza estética que a obra exige. As elaborações teóricas de Giovannoni tiveram seu reconhecimento e consagração após a publicação da Carta del Restauro, de 1932, emitida pelo Conselho Superior de Antiguidades e Belas Artes, cuja intenção era uniformizar a metodologia das diferentes superintendências italianas e oferecer um guia aos arquitetos que exerciam a profissão Entramos no século XXI com a polêmica: restaurar ou não. Embora as reflexões teóricas tenham produzido linhas de conduta que norteiam a atividade profissional, elas não são amplamente compreendidas e utilizadas. Vivemos em um momento em que todas as linhas, e até mesmo os “critérios”, de alguma forma coexistem e são utilizados. Enquanto conservadores e restauradores estamos diariamente tomando atitudes em relação ao bem cultural que escrevem uma nova página nesta e desta história. Devemos ter responsabilidade para escrevermos de forma consciente, responsável e respeitosa. Isis Baldini Elias Conservadora-restauradora, doutoranda na área de Ciência da Informação – ECA/USP – e diretora da Divisão de Acervo do Centro Cultural São Paulo. Observação: texto feito a partir da Dissertação de Mestrado “Conservação e Restauro de obras de Arte em Suporte de Papel” defendida na ECA/USP – Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo por Isis Baldini Elias, em 2002. Notas 1. Eugène Viollet-le-Duc, como restaurador, realizou as seguintes intervenções: Notre- Dame de Paris, Catedral de Amiens, Saint Sernin de Toulouse, as muralhas da cidade de Carcassone, o castelo de Pierrefonds, a Igreja de Madeleine de Vezèlay, entre outras. 2. Também denominada de restauração mimética, ou imitativa, ou analógica. 3. MARTINS, Maria Helena Pires. Políticas Culturais de Conservação do Patrimônio: Caso Mobiliário. Tese de Livre Docência. São Paulo: ECA/USP, 1997. p.27. 4. JUSTICIA, Maria José Martinez. Historia y Teoria de la Conservación Artística. Madri: Editora Tecnos, 1995. p. 259. 5. BOITO, Camilo. Princípios fundamentais da restauração, Item n. 2. 6. Ibid., Item n. 3. 7. Para Maria José M. Justicia é errônea a denominação de restauração científica para a teoria de Boito, o melhor seria denominá-la de “filológica”, uma vez que a linha que mais se sobressai é a da conservação. 8. JUSTICIA, Maria José Martínez. Historia y Teoria de la Conservación Artística. Madri: Editora Tecnos, 1995. p. 310. 9. Para a restauração crítica, estes têm um valor puramente arqueológico e não devem ser restaurados mesmo que seja possível sua reconstrução através de uma anastilose. 10. BONELLI, Renato. Principi e Metodi nel Restauro dei Monumenti, Bolletino dell’Instituto Storico Artístico, p. 1-9. 11. Cesare Brandi publica em 1963 a Teoria do Restauro. 12. BRANDI, Cesari. Teoria de la Restauración. Madri: Alianza Editorial, 1988. p. 14. 13. Ibid., p. 15. “La restauración constituye el momento metodológico del reconocimiento de la obra de arte, en su consistencia física y en su doble polaridad estética e histórica, en orden a su transmisión al futuro.” 14. O objetivo do Instituto será tentar unificar os critérios e temas de restauração, tanto do ponto de vista teórico como metodológico, visando a formação não apenas prática, mas intelectual dos profissionais. O ICR existe até hoje como centro de ensino, pesquisa, restauração e difusão. 15. BONELLI, Renato. Restauro anni ‘80: tra restauro critico y conservazione integrale. In: Quaderni dell’Istituto di Storia dell’Architettura. fasc. 1-10.
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