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Guias e Dicas
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Aspectos históricos da Educação Especial, Manuais, Projetos, Pesquisas de História

artigo sobre educação especial

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2012

Compartilhado em 22/05/2012

tamara-monteiro-7
tamara-monteiro-7 🇧🇷

3.8

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Baixe Aspectos históricos da Educação Especial e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para História, somente na Docsity! Revista Brasileira de Educação Especial Aspectos históricos da Educação Especial LUCÍDIO BIANCHETTI Professor do Centro de Educação da UFSC Acada um conforme suas necessidades. De cada um conforme suas possibilidades. (Desejo comunista/cristão de Marx e Engels, expresso no Mani- festo do Partido Comunista, publicado em 1848) Para abordar o tema proposto, vou partir de uma questão/probleima: De que tipo de corpo, cada classe (grupo, casta, estamento, etc,) dominante, nos diferentes momentos históricos, precisou, valorizou, estabeleceu como modelo/pa- drão? A partir desta questão/problema, vou levantar quatro teses: 1 No decorrer da história da humanidade, a forma como os homens foram e continuam tratando o corpo revestiu-se e reveste-se de uma quase total irracionalidade. Esta tese vai fazer com que nos defrontemos com visões de pessoa humana concebida de forma fragmentada, ora negando o corpo, ora supervalorizando-o em as- pectos parciais. Em qualquer das situações, o corpo se rebelou e continua se rebelando. “O corpo tem suas razões”, afirma Thérése Bertherat, a criadora da antiginástica; “O corpo fala”, afinma Pierre Weil; “o corpo fala e fala demais”, adverte Gaiarsa. 2, Essa irracionalidade revela-se na monstruosidade da padronização, estabele- cida por diferentes critérios em diferentes momentos históricos. Essa tese nos coloca diante da atualidade do mito do leito de Procasto. Confor- me a mitologia grega, Procusto possuía um leito de ferro na entrada da cidade e nele Revista Brasileira de Educação Especial estendia todos os viajantes que conseguia aprisionar. O Jeito era a medida. A partir des- se padrão pré-estabélecido, os corpos que não se adequavam à medida sofriam uma in- tervenção, isto é, os menores eram espichados, os maiores, amputados. O importante era salvaguardar a medida prévia, o padrão, 3. Só poderemos entender a história da humanidade se conseguirmos apreen- der como, nos diferentes momentos históricos, os homens foram atendendo suas ne- cessidades básicas, ! isto é, como foram construindo a sua existência. Esta tese nos coloca diante da essencial diferença entre os homes e os outros animais? Enquanto estes atendem suas necessidades-de forma repetitiva, instintiva, candidatando-se à extinção, os homens, dada a sua capacidade fmpar de preconceber o que vão fazer, potencialmente podem resolver o problema da alimentação, habita- ção, vestuário, transporte, educação, etc., de forma diferente, de acordo com as poten- cialidades e os empecilhos que as suas relações e o meio foram e continuam criando historicamente. 4. A questão da deficiência ou a emergência da educação especial, só será com- preendida se inserida no amplo espectro do processo histórico de como os homens fo- ram atendendo as suas necessidades básicas e, por decorrência, como foram construindo a sua existência. Esta tese vai nos defrontar com a forma como a deficiência foi vista nas socie- dades primitivas, escravista, feudal e especialmente capitalista e que meios, que méto- dos, que recursos, que concepções foram utilizadas para a integração ou exclusão/ segregação dos chamados anormais ou deficientes. PERSPECTIVA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL Como já falamos, é na procura do atendimento das necessidades básicas que os homens constroem a sua existência. Essa construção se dá a partir da interrelação entre os homens, mediatizados pelo mundo, num momento e local determinados. Nesse afã histórico, os homens, como afirma Marc, vão estabelecendo relações “determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção, que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais”, Uma das decorrências desta citação é a de que fica claro que não podemos fazer uma análise moralizadora”, procurar heróis ou vilões ou buscar entender o movimento da história a partir de voluntarismos ou subjetivismos. As questões têm que ser contextualizadas”. É por esta perspectiva que vamos entender a forma das sociedades primitivas, tanto as dos primórdios dos tempos quanto as mais próximas de nós, tratar aleijados, cegos, surdos, coxos, paralíticos, enfim, aqueles que nasciam ou eram acometidos de alguma deficiência. Como o atendimento das necessidades estava totalmente na de- pendência do que a natureza lhes proporcionava, como, por exemplo, a caça, pesca, as cavemas para abrigar-se, etc., uma das características básicas destes povos era o noma- ! A questão do atendiment das necessidades básicas é chav para entender a história da ht manidade como uma const. co. As citações a segui contribuirão para clarear mai esta idéia: “o primeiro pressu posto de toda a existência huma nae, portanto, detodaa históriz é que os homens devem esta em condições de viver para po der fazer história! Mas para vi ver, é preciso antes de tuk comer, beber, ter habitação vestir-se e algumas coisas mais O primeiro ato-histárico é, por tanto, a produção dos meios qui permitam a satisfação destas ne cessicades, a produção da pró pria vida material, e de fato este éumato histórico, uma condiçãe fundamental de toda a história que ainda hoje, como há milha res de anos, deve ser cumpride todos os dias e todas as horas simplesmente para manter os homens vivos”. CÍ. MARX, Kart ENGELS, F. A ideologia alemã. 6 ed. São Paulo: Hucitec, 1987, p 39. Engels, ao discursar diante de sepultura de Marx, em 1883 afirmava: “Marx descobriu a le do desenvolvimento da históriz humana: o fato tão simples, mae que até ele se mantinha ocultc pelo ervaçal ideológico, de que homem precisa, em primeiro ly ger, comer, beber, ter um teto vestir-se, antes de poder. fazer política, ciência, are, religião, etc, que, portanto, a produção dos meios de subsistência imedi- atos, materiais e, por conseguin- te, a correspondente fase econômica de desenvolvimente de um povo ou de uma época é a base...” (Engels, s. d., p. 351). ZA explicitação desta idéia é importante, na medida em que permite que se diferencie aquilo que é considerado natura! do socialmente construído, bem «como da atuação consciente, de- cidida, da instintiva: “Não se tra- ta aqui das formas instintivas, animais, do trabalho. (...) Pressu- pomas o trabalho sob a forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações seme- lhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da me- lhor abelha é que ele figura na mente sua construção ANTES (grifo nosso) de transformá-la em realidade” (Marx, 1987, p. 202). Duarte Jr (1991, p. 97), ex pressa esta questão da seguinte forma: *,..não sendo o homem cexerminado — biologicamente, ele inventa a sua maneira de vi- ver, CRIA (grifo nosso) a sua re- 3 ““Agidéias da classe dominan- te são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao imesmo tempo, sua força espiritual dorminante. À classe que tem à sua disposição as meios de produção material dispõe, ao mesmo ternpo, dos meios de produção espiritual (..). As idéias dorrinantes nada mais são do que a expressão ide- al clas relações materiais domi- + nantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias...” (Marx & Engels, 1987, 27%. Revista Brasileira de Educação Especial do, Se não fizermos isso, sucumbiremos a julgamentos morais e moralizadores, os quais não passam de miopia intelectual, Assim, uma análise mais abrangente deve nos ajudar a entender que a queima de um deficiente, de uma pessoa, supostamente pos- suída pelo demônio, não era, num primeiro momento, por maldade, sadismo, etc. O ra- ciocínio maniqueísta que presidia tais episódios era o de que o demônio havia se apos- sado do corpo da pessoa e que a melhor forma de o humilhar, de lhe impingir uma derrota era retirar-lhe a posse. É isso que nos ajuda a compreender porque nos autos da inquisição e nas justificativas da igreja, não se encontram afirmações de que a igreja queimou pessoas. A expressão que se usa é: “purificação pelas chamas”, Uma outra forma, embora menos enfática, de a Igreja ver e explicar a existência de cegos, mudos, paralíticos, loucos, leprosos, enfim, de pessoas portadoras de qual- quer deficiência, era a de que eles eram instrumentos de Deus para alertar os homens, para agraciar as pessoas com a possibilidade de fazerem caridade. Assim, a desgraça de uns proporcionava meios de salvação para os outros. Esta postura pode ser détecta- . da nas próprias palavras de Jesus, quando os discípulos lhe perguntaram quem tinha pecado para que o cego nascesse com aquela deficiência/pecado: Resposta: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi assim para que se mani- Jestem nele as obras de Deus (João, 9:3) Posteriormente esta concepção vai dar origem às Santas Casas de Misericórdia. A transição de feudalismo ao capitalismo vai trazer mudanças profundas que vão repercutir em todas as direções. Acontece que.o capitalismo, “aparece como um poderoso sistema, um processo civilizatório, impondo-se a todas as outras formas so- ciais de vida e trabalho”. (Tanni, 1992, p. 20). Nesta perspectiva, nenhuma classe e muito menos a burguesia, passa de domi- nante à hegemônica se ela não conseguir se apossar de todos os aparatos que compõem uma sociedade e lhe der a sua direção. É assim que, a partir do século 16, a burguesia, enquanto classe em processo de hegemonia, vai permeabilizar e impregnar a si e tudo o que a cerca com o seu ideário que vai ser batizado de liberalismo. Sem esse processo civilizatório, a hegemonia não seria possível, e nem teriam se estabelecidas as condi- ções materiais que possibilitaram a Marx e Engels a afirmação segundo a qual as idéias dominantes de uma época são as idéias da classe dominante, Vamos procurar entender um pouco o que foi essa transição e em que medida isso afetou a questão dos chamados deficientes.” Não há como negar que o século 16 é um divisor de águas na história da huma- nidade. O gradativo predomínio de uma produção voltada para o mercado, a possibili- dade de acumulação, o desenvolvimento de uma ciência e tecnologia que garantirão um gradativo domínio do homem sobre a natureza, diferencia-se radicalmente da si- tuação anterior em que os homens viviam diutuma e miseravelmente envolvidos com a produção para a subsistência. Este novo momento histórico gradativa e potencial- Revista Brasileira de Educação Especial mente vai colocando as condições para que os homens passem do reino da necessidade para o reino da liberdade. O expansionismo, a necessidade e a busca de novos mercados, as navegações, etc. desafiaram a ciência, impulsionaram descobertas. Paralelo a esses avanços, na base material, vão sendo forjadas, em nível teórico-ideológico, as explicações e posterior- mente as justificativas para a hegemonia burguesa. O que vai ficando claro na práxis dos homens é que o teocentrismo vai cedendo espaço ao antropocentrismo, Devemos lembrar, porém, que a igreja e a nobreza não saíram de cena gratuita e facilmente. E, neste aspecto, a burguesia foi revolucionária, Debateu-se contra a ordem feudal, im- pondo o seu projeto, sendo a Revolução Francesa o ponto de chegada da fase revolu- cionária da burguesia. O que é certo é que nesta nova fase o homem passa para o centro do palco, pro- curando escrever, encenar e dirigir a peça, não aceitando mais a posição de figurante, Com Copémico e Galileu, a teoria geocêntrica é questionada e derrubada. Com Francis Bacon, a forma própria greco-romana e medieval de pensar, o dedutivismo, re- cebe um golpe fatal. O experimentalismo, o indutivismo ganha espaço com a nova for- ma de produzir conhecimento. Na esteira dessa forma de pensar e fazer ciência é que Bacon vai sé debater para que a natureza seja pesquisada e ao ser conhecida e respei- tada (“Pois a natureza não se vence, se não quando se lhe obedece”, afirma no Aforis- mo II), possa ser dominada e colocada a serviço do homem. Outra contribuição de Bacon foi a de que os instrumentos, os aparelhos, igualam os homens. A lente de aumento, inventada por Galileu, foi colocada entre o observador e o objeto observado e, gradativamente, os homens foram percebendo que, além do ma- crocosmo, existe um fantástico mundo microscópico que precisava ser desvendado. Com. Newton impõe-se uma visão mecanicista do universo pouco a pouco utilizada como parâmetro para analisar o microcosmo também. É assim que entendemos, por exemplo; a nova linguagem, as metáforas utilizadas para definir partes do corpo huma- no, à luz do mecanicismo newtoniano: o coração passou a ser chamado de bomba, o rim de filtro, o pubmão de fole e, mais tarde, o cérebro como o protótipo do computador perfeito. Portanto, o corpo passou a ser definido e visto como uma máquina. Daqui vai emergir um resultado desastroso, como veremos posteriormente: se o corpo é uma má- quina, a excepcionalidade ou qualquer deficiência nada mais é do que a disfunção de uma peça. Se na Idade Média a deficiência está associada a pecado, agora está relacio- nada à disfuncionalidade. . Com John Locke emerge vigorosamente a luta contra a monarquia, enfim, con- tra os privilégios supostamente advindos de Deus. Mas, principalmente, sua luta é con- tra o inatismo, contra a idéia e a prática comum de privilégios hereditários. Para o que nos interessa, destaca-se em Locke a idéia da “tabula rasa”, que, no fundo, é a idéia de igualdade, um dos cinco pilares do liberalismo, consagrados pela Revolução Francesa, que são: individualismo, liberdade, propriedade e democracia, somados à igualdade. JO TOFFLER, Alvin. À terceira onda. São Paulo: Record, 1980, p.62 Revista Brasileira de Educação Especial Deste clássico do pensamento burguês, deve-se reter principalmente a sua luta pela igualdade de todos os homens, cujas repercussões serão interessantes na análise posterior da educação especial. Vitoriosa a Revolução Francesa, gradativamente passa a emergir o caráter rea- cionário da burguesia. Os mesmos direitos para cuja conquista ela se debateu heroica- mente, junto com os seus parés do terceiro estado, agora, enquanto classe hegemônica, passa a sonegar para os. outros. E os princípios da liberdade e principalmente da igual- dade, não passam de caricaturas, de um formalismo. Em termos de formas de produção, a humanidade passou do artesanato para a manufatura no século 16 e desta para a maguinofatura, a partir do século 18. Na forma artesanal, o ritmo de produção é acoplado às necessidades de consumo e às possibili- dades e limites do corpo. Na vigência da maquinaria, o ritmo passa a ser ditado pela máquina, já que a produção é em série, única forma de suprir um mercado que é omeio pelo qual a burguesia alcança o seu fim, que é o lucro, a acumulação. Com a produção em série vai se impor o especialismo. De cada pessoa exige- se apenas eficiência no desempenho de uma tarefa. No nível teóricofprático, isso vai fazer gmergir a contribuição de Taylor e H. Ford. Com Taylor surgiu a gerência cien- tífica, com destaque para os dois princípios que vão consagrar a divisão entre o trabalho manual e o intelectual. Suas duas regras básicas são: tudo o que se relaciona ao plane- Jamento é função do escritório; tudo o que se relaciona com a execução deve estar afeto à oficina. E o objetivo passou a ser a busca do homo sapiens para o escritório, para o planejamento, e o homo jaber para a oficina, sendo o protótipo deste o homem-boi, o homem-gorila. Músculos e não cérebro se buscava. Com Ford, a divisão do trabalho chega ao paroxismo. Da sua biografia foi reti- zada a seguinte citação, que acredito ser por si só reveladora: Pela época que Henry Ford começou a fabricar o Modelo T. em 1908, não eram necessárias 18 operações diferentes para com- pletar uma unidade, mas 7.882. Em sua autobiografia Ford re- gisirou que destas 7.882 tarefas especializadas, 949 exigiam “homens fortes, fisicamente hábeis e praticamente homens per- feitos"; 3.338 tarefas precisavam de homens de força física ape- nas “comum”, a maioria do resto podia ser realizada por “mulheres ou crianças crescidas' e, continuava friamente, veri- ficamos que 670 tarefas podiam ser preenchidas por homens sem pernas, 2.637 por homens com uma perna só, duas por ho- mens sem braços, 715 por homens com um braço só e 10 por homens cegos”. Em suma, a tarefa especializada não exigia um homem inteiro, mas apenas uma parte, Nunca foi apresentada uma prova mais vívida do quanto a superespecialização pode ser brutalizante 10 Revista Brasileira de Educação Especial Fénelon vai se preocupar com a educação das moças, assunto que até o séc. 19 não havia merecido nenhuma atenção, No século 20, temos um Piaget, Vygotsky, Emilia Ferreiro, cada um preocupa- do com questões relacionadas a como se dá a aprendizagem e ao desenvolvimento de métodos para facilitá-la. Temos um Freinet preocupando-se com as crianças do meio rural e com o sin- dicalismo. Apareceu um Paulo Freire dando uma atenção à alfabetização de adultos. Porém, dentro do grande leque de preocupações com as especificidades que de- ram corpo à pedagogia da existência, quero destacar a emergência da preocupação com os cegos, mudos, idiotas, cretinos, loucos, dementes, enfim, aquela parcela de cri- anças que não se encaixavam no padrão de normalidade e que acabavam estigmatiza- das, segregadas, excluídas. Acontece, porém, que a preocupação com a especificidade do deficiente vai percorrer um longo e tortuoso caminho. Gradativamente, a partir do século 16, a questão da deficiência vai passar da órbita de influência da igreja para tor- nar-se objeto da medicina? E quando falo igreja não me refiro apenas à igreja católica. Martinho Lutero, no séc. 16, sugeriu a um príncipe que afogasse uma criança portadora de deficiência, dado que seu comportamento em nada se enquadrava na normalidade estabelecida. Vejamos a manifestação de Lutero: Há oito anos vivia em Dessau um ser que eu, Martinho Lutero, vie contra o qual lutei: Há doze anos, possuía vista e todos os outros sentidos, de forma que se podia tomar por uma criança normal, Mas ele não fazia outra coisa senão comer, tanto como quatro camponeses na ceifa. Comia e defecava, babava-se, e quando se lhe tocava, gritava. Quando as coisas não corriam como queria, chorava. Então, eu disse ao príncipe de Anhalt: se eu fosse o príncipe, levaria essa criança ao Moldau que corre perto de Dessau e a afogaria. Mas o príncipe de Anhalt e o prín- cipe de Saxe, que se achava presente, recusaram seguir o meu conselho. Então eu disse; pois bem, os cristãos fario orações di- vinas na igreja, a fim de que Nosso Senhor expulse o demônio. Isso se fez diariamente em Dessau, e o ser sobrenatural morreu Hesse mesmo ano... BB Com Paracelso e Cardano, no século 16, enquanto médicos e alquimistas, a vi- são teológica de deficiência perde força, mas vai acabar colocando as bases para uma interpretação organicista. Nomes como os de Esquirol, Belhorame, Pinel, Fodéré, Mo- rele outros colaboraram para a afirmação de uma visão fatalista da deficiência e que o inatismo era a explicação aceitável e que pouco era possível fazer. Em síntese: o remé- dio era segregá-los, já que os excepcionais eram vistos como um perigo para si e para a sociedade, o 12 “De todo modo, diversas vantagens se oferecem para o deficiente ao passar das máôs do inquisidor às mãos do médico”, afirma PESSOTTI, Isaias. Defici- ência mental: da superstição à ci- ência São Paulo: Educ/TAO, 1984. 13 PESSOTT, Isaias, op. e p. f 14 C5 LAJONQUIERE, Leandro de. Olegado pedagógico de Jean ltard, Em: Educação e filosofia, Uberiêndia, v. 6, n. 12, p. 37-52, fender. 1992; PESSOT TF, Isaias, op. cit. 15 Esta afirmação poda ser con- ferida na seguinte citação: “cer- tamente eu não posso ensinar a feitura e a escrita aos idiotas sem iniciá-los nas noções que elas su- põem: é preciso que o conheci- do conduza logicamente ao desconhecido (..) é de Seguin a distinção entre operações con- cretas (que. ele chamava de “educação fisiológica”) e formais (chamadas de “método fistológi- co". PESSOTTI, Isaias, op. cit. p. [27-128, 16 PESSOTT Isaías, op. cit, p. 125. Revista Brasileira de Educação Especial Essas idéias ultrapassaram os séculos, chegando ao atual, trazendo uma pesada e onerosa herança, tendo no nazismo, na perseguida purificação da raça, na Alemanha (bem como na Bosnia hoje), na idéia do arianismo como raça superior, uma das suas derivações. Porém, este é um dos lados da moeda. O outro vai apresentar uma bela e edifi- cante história, tendo em Jean Karde E, Seguin os nomes mais representativos no século 19 e Maria Montessori, no nosso século. O ponto de partida vai ser a descoberta e ten- tativa de integração à sociedade francesa, do início do século 19, de Vitor, o selvagem de Aveyron. Enquanto para Pinel e outros, na perspectiva médica-organicista-fatalista, Vitor não passava de um idiota, para Itard, porém, na perspectiva pedagógica, ele pode ser educado. E Itard vai dedicar muito tempo de sua vida a esta tarefa/missão. O relato dos avanços e fracassos no processo de educação de Vitor, narrados por Itard, são as mais belas páginas da história da Educação Especial. !* E. Seguin vai mais a fundo nas pesquisas, experimentos e na proposição de um método para educar deficientes e, embora isso não seja citado, ele é o precursor . de Piaget na criação da teoria psicogenética!S, Conforme afirma Pessotti: “Itard é o precursor, mas Seguin é o criador da teoria psicogenética; (...) pretende chégar a um método aplicável não só aos idiotas, mas a qualquer deficiência mental”, 16 A sua grande conquista vai se manifestar em três direções. complementares, al- - tamente favoráveis aos deficientes: * À possibilidade e a necessidade da prevenção *"A educabilidade do deficiente * A integração do deficiente como meio e fim LIMITES E POSSIBILIDADES Limites * Em maior ou menor grau, os portadores de deficiência continuam sendo se- gregados/usados. Um exemplo ilustra esta afirmação. Na revista Isto é, n. 1228, há uma reportagem sobre uma nova metodologia para treinamento de executivos, visam- do habilitá-los a enfrentar os imprevistos do agitado mundo dos negócios. Um grupo de executivos foi isolado numa casa de campo, num fim de semana, e todos os funci- onários foram dispensados, desde o porteiro ao cozinheiro. Ao recepcionar o grupo, o diretor comunicou-lhe o seguinte: “Amanhã de manhã, vocês receberão aqui 30 crian- ças excepcionais surdas-mudas. Devem entretê-las e cuidar delas até a noite”. (Jardim, 1993). * A educação especial vista como um meio no que se refere a campo de traba- lho. * Alógica capitalista do lucro como fim que faz com que se invista naquilo que garante retorno imediato. Isso dificulta que se solucionem problemas para os quais já há tecnologia. Revista Brasileirá de Educação Especial * A valorização do corpo enquanto objeto de luxo para desfile/exposição. A re- portagem de capa da Revista Isto é, n. 1225, com o título “Marvada carne”, é indica- dora desta tendência, * Num país que comercializa a saúde, a doença, a deficiência é uma necessida- de... Possibilidades * A luta pela integração do deficiente, tanto na escola quanto na sociedade. * As possibilidades da tecnologia que praticamente indifereciam uma pessoa considerada normal e uma com qualquer deficiência. Confiram-se o que Bacon falava no século 17: “os instrumentos igualam os homens”. * A gradativa desativação de um sistema especial e paralelo de ensino. * A superação gradativa da linguagem estigmatizada e estigmatizadora dos de- ficientes Até pouco tempo sempre procurou-se remédio ou explicação para a doença instalada, dando ênfase ao curativo. Hoje atua-se mais no preventivo. A formação de equipes e o avanço em direção à interdisciplinaridade, com a clareza da necessária profundidade dos especialistas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACON, Francis. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. BERGER, PL, LUCKMANN, T, A construção social da realidade. & ed. Petrópolis: Vozes, 1990. BIANCHETTI, Lucídio. A fé como limite da razão. Indicações para compreender o poder da igreja na idade média. Em: Apontamentos. Maringá: UEM, 1992. BOTELHO, João B. Medicina e religião: conflito de competência. Manaus: Metro cú- bico, 1991. COMÊNIO, J. Amós. Didática magna. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1976. DUARTE JÚNIOR, João F. O que é realidade. & ed, São Paulo: Brasiliense, 1984. ENGELS, Friedrich. Anti-duhring. 2º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. GAIARSA, José A. O que é corpo. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, n. 170, 1986. (Col. Primeiros Passos) GUILHERMETTI, Paulo, Do corpo medieval ao corpo moderno. Em: Motrivivência, Aracaju, ano 2, n. 3, Jan. 1990, p. 16-18. LAJONQUIÊRE, Leandro de. O legado pedagógico de Jean Itard. Em: Educação e filosofia, Uberlândia, v. 6, n. 12, p. 37-52, jan /dez. 1992, MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 1977. MARX, Karl. O capital. 11º ed. São Paulo: Difel, 1987,1. 1,v. 1e 2.
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