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Guias e Dicas
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Astrocaracterologia (I) - Olavo de Carvalho, Transcrições de Filosofia

Astrocaracterologia (I) - Olavo de Carvalho

Tipologia: Transcrições

2022

Compartilhado em 13/02/2023

Pedroaugusto.ps
Pedroaugusto.ps 🇧🇷

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Astrocaracterologia (I) - Olavo de Carvalho e outras Transcrições em PDF para Filosofia, somente na Docsity! AULAS DO ANO DE 1991 Aulas de janeiro de 1991. AULAS DE JANEIRO DE 1991. ESTE BLOCO AINDA NÃO FOI REVISADO APÓS A DIGITAÇÃO FEITA PELA MÁRCIA. ASTROCARACTEROLOGIA AULA 37 SÃO PAULO, 10 JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO: HENRIETE AP. DA FONSECA FITAS I E II O texto que vamos estudar nesta aula é de importância central para a resolução de muitos enigmas relativos ao método da astrocaracterologia. Praticamente tudo aquilo que discutidos a respeito de método, buscando comparações no campo de algumas ciências para podermos elaborar um método próprio, será retomado agora à luz das idéias de Max. Talvez tenha sido Weber o maior metodólogo da ciência de maneira mais pura o que é quem vem a ser um cientista, um sábio. Um homem incorruptível do ponto de vista intelectual, cuja obra abarca praticamente toda a cultura mundial do seu tempo. Em relação ao método, podemos dizer que o trabalho de Weber é aceito até hoje como parâmetro no mundo científico. “Apesar de muitas realizações, Weber não deixou um escala. Talvez se possa atribuir isso, em parte, ao fato de que sua má saúde lhe impediu uma carreira normal de ensino em instituições do mais letivo e, em parte, ao fato de que a obra madura de Weber foi publicada (postumamente) em uma Alemanha encarada com suspeita, especialmente no campo das idéias sociais. A ausência de uma escola Weberiana também reflete o fato de que semelhante desdobramento não interessou ao próprio Weber. De acordo com as normas da ciência e do estudo, ele procurava a verdade, e não seguidores.” Não lidaremos aqui com o Weber sociólogo, mas, antes, com o filósofo, com o metodologista das ciências. Mesmo tratando de questões que julgaremos especializadas, restritas a certas áreas da ciência, o pensamento de Weber tem um alcance sobre toda a cultura ocidental moderna; somos weberianos sem saber, a forma mentis deste homem foi determinante para criar o nosso perfil atual. Assim se conhecer a si mesmas, é bom conhecermos as idéias que entraram tão profundamente no subsolo da nossa cultura. No que diz respeito ao estudo do fenômeno da influência astral, quanto à questão de que tipo de ciência caberia para resolvê-lo, vamos encontrar em Weber, a resolução de quase 80% do enigma. Karl Jasper dizia de Weber: “Este homem não tem uma filosofia”, tentaremos então absolver da melhor forma estas lições lembrando que nenhum estudo de metodologia, para qualquer fim, será sério sem tudo o que vermos adiante. 1. Método Naturalista e Método Histórico 1. “A reflexão epistemológica de Max Weber tem por base a disputa metodológica que dividiu os universitários alemãs no fim do século XIX. O objeto do litígio relaciona-se com o estatuto das ciências humanas: seria preciso reduzi-las às ciências da natureza, ou, ao contrário, afirmar sua autonomia? [ Dos partidários da autonomia, ] uns, e entre eles Dilthey, acharam que o fundamento da classificação [ das ciências em dois grupos ] seria a diferença de objeto, com base na distinção entre o reino da natureza e o do espírito, ou da história. Outros, entre os quais Windelband e Rickert, rejeitaram o fracionamento da realidade, e propuseram um fundamento lógico: a diversidade dos métodos constituiria o princípio da classificação: o sábio procura conhecer as relações gerias ou leis, ou então o fenômeno em sua singularidade. Haveria desta forma duas espécies de métodos principais: um que se pode chamar generalizante; e o outro, individualizante. Daí resultam duas categorias fundamentais de ciências, que Windelband chama nomotéticas e idiográficas, e Rickert, ciência da natureza e ciência da cultura”. Aqui entramos num tema que nos diz respeito, de maneira muito próxima, que é o fato de que se existe um grupo de ciências que busca leis, isto é, regularidades que se observa em todos os fenômenos de uma mesma espécie e outras ciências que se aprofundam na singularidade de um único fenômeno, parece evidente que uma caracterologia no sentido estrito do termo, deveria estar incluída neste último tipo de ciência. Vamos ver então as conseqüências que isso tem. Quando, no século passado, se formou com uma auto-consciência própria o grupo das ciências humanas, logo surgiu, como na formulação de qualquer ciência, o problema do método. Novas ciências não surgem pelo aparecimento de novos objetos de ciência, geralmente os objetos materiais são os mesmos e o que aparecer são novos objetos formais. Com o aparecimento das ciências o que surge é um no ângulo, ou um novo objeto formal, que se definiu aos olhos do sábio do século XIX à medida em que eles perceberam que este não podia, de maneira alguma, unilateralmente pelos métodos das ciências naturais, ou seja, que o homem comportava um algo ciências generalizantes ou ciências da natureza, poderiam chegar a catalogar os seus objetos e a reduzir a espécies, gêneros e, finalmente, às leis gerais, se não tivessem preliminarmente feito a descrição dos objetos um por um, à medida que os encontra? Como poderíamos ter uma ciência como a filosofia -- que é uma ciência que reduz o funcionamento do organismo, animal ou humano, a leis gerais --, se não tivéssemos tido, primeiramente, uma ciência totalmente descritiva como a anatomia? Numa ciência como a mineralogia o trabalho é fundamentalmente descritivo e, numa ciência como a geografia, como seria? É ciência humana ou natural? Hoje em dia se diz que é humana, mas não podemos esquecer as razões políticas em tal afirmativa, pois a geografia não é nem humana nem natural, é, sim, uma ciência mista como a ecologia. O estudo ecológico aborda a natureza como casa, morada -- do grupo oikos; ecologia é o estudo da casa. Se encararmos a natureza como nossa casa, estamos estudando a relação do cultural, do humano, isto é, da nossa ação, com as leis da natureza que nos circunda, vistos esses dois aspectos na unidade do seu resultado único. A ecologia não poderia caber no esquema de classificação de Dilthey. As ciências humanas não vivem sem gêneros e espécies, sem criar tipos e sem formular leis de algum modo e, as ciências da natureza também não vivem sem a apreensão do singular enquanto tal. Weber coloca a questão através da impossibilidade de generalização buscando a resolução de caso, ou seja, ciência por ciência. Em cada uma delas haverá uma mistura e, portanto, uma dosagem, um padrão de relacionamento entre os dois métodos, que constituirá, por sua vez, o próprio método de cada ciência. Essa é a primeira lição de Weber: para haver o geral é preciso haver o específico e para haver o específico é preciso haver o singular. Weber é o homem do caso e essa mensagem é imorredoura -- antes de formular leis e generalizações vamos estudar caso por caso e descrevê-los com a paciência. Talvez nosso resultado final não seja tão brilhante, mas será seguro. Considerações deste tipo estão na base de qualquer ciência que pretenda ser aceita como tal, mas nunca foram levadas em conta para uma questão enormemente complexa quanto a da relação entre os homens e os astros. Os astrólogos, há séculos, generalizam, estão aí criando leis. Qualquer livro de astrologia traz para cada posição planetária uma lei geral, ao mesmo tempo onde o astrólogo diz ser, cada mapa natal, único e intransferível! Se o astrólogo fornece uma interpretação para cada posição planetária isto vigora como uma lei porque se repetirá em cada posição planetária, e se os mapas individuais são descritos apenas por acúmulo de várias posições, o que há de individual nisto? Teremos apenas uma combinatória feita dentro de um padrão genérico de leis! Se se precede por aplicações de leis, de princípios gerais da interpretação que devem valer sempre que as mesmas posições planetárias se repitam, então não temos algo tão individualizante assim ... Se é, por sua vez, individualizante, então o método deveria ser puramente descritivo, ou seja, teria que descrever determinado mapa em particular, sem qualquer referência às leis genéricas da influência astral! Os astrólogos estão, parecem, inconscientes deste problema e, em astrologia, isto ainda não colocado. Aquele que está inconsciente de um problema corre grave risco de passar à margem da realidade. É certo que na vida prática procuramos contornar e até evitar problemas, tentando número possível, mas, em ciência, não pode ser assim. Em ciência uma consciência do problema, das contradições, das dificuldades é o requisito número 1 do processo, e se procedo evitando a consciência das dificuldades seguindo seguro como se tal problema não se colocasse de maneira nenhuma, então, das duas uma: ou estou cego ou sou um iluminado pela divina Providência e entendi toda a realidade! A prova, no entanto, de que esta última alternativa não é verdadeira, é que neste caso, os astrólogos seriam colocados dentro da categoria dos Profetas e, dentre os Profetas, seriam aquela espécie que acumulam o maior número de profecias falsas, não realizadas. É preciso dizer que uma espécie profecia não realizada bastaria para desmoralizar um profeta. Se estudarem as histórias de Moisés, de Maomé, etc, vocês verão que o prestígio que tinham perante o seu povo vinha do fato de que aquilo que eles diziam que aconteceria, acontecia, como se estes homens tivessem um misterioso acordo com a natureza das coisas e esse acordo permitisse que aquilo que rege a estrutura ontológica do mundo regresse, ao mesmo tempo, a consciência deles, de maneira que os Profetas vêem as coisas como elas são. Justamente, por causa desta capacidade extraordinária de captar o movimento real das coisas no tempo antes que esse movimento se manifeste é que dá ao Profeta o prestígio que ele tem e que o torna um chefe, um governante. Profeta vem de profero, grego, e não quer dizer profetizar no sentido do que vai acontecer, mas quer dizer mandar acontecer, mandar fazer. O profeta não só é alguém que anuncia mas alguém que manda fazer e que é obedecido, a história o obedece. Ou seja, quando anunciavam uma possibilidade mais remota e era justamente essa que dava possibilidade mais remota e era justamente essa que dava certo, é evidente que isso oferecia uma posição de prestígio e de comando. Não são apenas os profetas que fazem isso mas, praticamente, todos os grandes chefes e líderes pelo menos uma vez na vida leram corretamente o futuro. Por exemplo, quando, depois da França ter sido invadida pela Alemanha na 2a Guerra, o general De Gaulle percebeu que nem tudo estava perdido porque aquela Guerra iria se mundializar. Os EUA ainda não tinham entrado na Guerra e o envolvimento da URRS ainda era pequeno, de maneira que tudo ainda levava a crer que a II Guerra seria como a 1 a : uma guerra entre as potências européias e todos entendiam, porém, De Gaulle estava certo. Ele captou o movimento real das coisas. Um grande líder ou um profeta se errasse quatro, cinco, seis vezes, estaria completamente desmoralizado, isso, inclusive, se o seu povo não fosse completamente extinto nessa brincadeira! Dentro da categoria dos profetas os astrólogos não se agüentariam de pé. Não há a menor conveniência em nos colocarmos nesta categoria. Devemos mais modestamente nos colocar na categoria dos cientistas, ou seja, daqueles que nada profetizam, que vão com cuidado, fazem as contas, e que ao invés de agirem pela inspiração do espírito, agem pela prudência da razão e, talvez, no campo da ciência nós nos saíssemos melhor do que temos nos dado no campo da profecia. Há uma estória engraçada, a de Jonathan Swift. Ele tinha uma briga com um astrólogo chamada Partigde, que era um astrólogo muito famoso e cujos livros ainda são estudados pelos astrólogos de hoje. Jonathan resolveu que também iria profetizar. Distribui um folheto por toda cidade dizendo: “no dia tal, às tantas horas, o Sr. Partrigde morrerá”. Quando chegou no tal dia, às tantas horas, distribuiu um folheto pela cidade com os seguintes dizeres: “hoje, a partir das tantas horas, os senhores verão o Sr. Partridge andando para cá e para lá e conversando com as pessoas como se estivesse vivo, porém, ele está fazendo isso apenas por uma birra pessoal comigo”... Então, vejam que não é possível que toda a classe dos astrólogos -- que só em São Paulo são milhares de pessoas -- seja dotada do dom de profecia. Seria simplesmente uma loucura, uma inflação de profetas na praça! Seria a época mais brilhante de toda a história humana! Quantos anos os judeus esperaram para ter um Moisés? Agora, aqui não! Moisés está brotando do solo... Há algo de errado! Seria preciso que o astrólogo deixasse de ser conduzido, como Sócrates, pelo seu Daimon e falar tudo que lhe vem à cabeça, deveria se ater mais modestamente ao exame das dificuldades e, tendo feito isso, logo chegaria ao ponto que estamos discutindo: a astrologia parece estar numa posição indecisa entre os dois tipos de ciência, não se tratando, porém, de uma síntese como, por exemplo, no caso, a Ecologia, que é de fato uma síntese entre o individualizante e o generalizante, entre o natural e o cultural e, isto, porque leva em conta todas as diferenças entre os dois domínios e compara a ação da cultura sobre a natureza e a da natureza sobre a cultura. Na astrologia nós passamos rapidamente de um fato natural para um fato cultural, sem percebermos que pode haver alguma dificuldade nesta passagem. Por exemplo, nós dizemos que “Saturno está na Casa 4”. O que isto quer dizer? É uma realidade puramente astronômica, quer dizer que num certo momento Saturno está exatamente abaixo dos 2.2. “É erro acreditar que não haveria conhecimento científico válido e que não fosse de ordem quantitativa. A quantificação e a medida são e não são nada mais que processos metodológicos. Como tais, não poderiam constituir a finalidade da ciência, pois esta finalidade consiste na verdade para todos os que querem a verdade. Weber investe, de um lado, contra o prestígio de que desfrutam as matemáticas na teoria tradicional da ciência e, de outro, contra o simplismo de certos sábios e sociólogos que acreditam ter realizado uma obra científica pelo fato de haverem traduzido suas observações em números e equações. O fato de ter sido o conhecimento matemático cronologicamente o primeiro a alcançar o rigor científico não lhe confere nenhuma superioridade lógica. O processo matemático opera, como qualquer outro, uma seleção entre os aspectos da realidade infinita; só vale, pois, dentro dos limites dos postulados que lhe são próprios, sem jurisdição fora deles. Não é verdade que o rigor conceitual só pode ser obtido pela precisão numérica: pode também ser obra da crítica da racionalização lógica, da exatidão nas observações ou da acuidade da intuição. Pelo fato de se haverem moldado no cadinho matemático, muitas teorias da ciência acabaram por entrar em contradição com a experiência do infinito extensivo e intensivo, porque acreditaram que seria possível deduzir a realidade a partir de conceitos. O que se esquece é que o conceito é por essência seletivo e que a soma de conceitos, e por conseguinte de seleções, jamais equivalerá à totalidade do real. O infinito não é uma adição de coisas indefinidas. Que pode acrescentar o número a fenômenos que se compreendem por si sós? Tudo o que pode haver é o risco de confusões em problemas que são claros, e de aparência de ciência em trabalhos que são científicos. [Embora não seja inconveniente em tirar proveito da quantificação, quando cabível, e embora ele mesmo, como economista, se utilize dela. Weber crê que] O importante é fazer a distinção entre uma meditação numérica capaz de ajudar a compreensão e a moda pseudocientífica que acredita ter resolvido uma dificuldade pelo simples fato de havê-la vestido de cifras e gráficos.” Os preceitos metodológicos não têm validade metafísica. Uma coisa é você ter a consciência metodológica das limitações daquele conhecimento particular que você está buscando, outra coisa é fazer uma sentença de validade universal sobre as limitações inexoráveis do conhecimento. Entre a crença dogmática -- que a crença na veracidade total do conhecimento -- e a posição cética -- que duvida do valor do conhecimento --, nós aqui não estamos tomando partido nem a favor de uma e nem de outra; a ênfase de Weber na limitação do conhecimento é uma ênfase metodológica que não implica de maneira alguma tomada de posição entre essas duas posturas. Este seria um problema puramente metafísico. * * * ASTROCARACTEROLOGIA AULA 38 SÃO PAULO, 11 DE JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO: SÍLVIA GARCIA PINTO JOEL NUNES DOS SANTOS FITA I “[ Embora não seja inconveniente em tirar proveito da quantificação, quando é cabível, e embora ele mesmo, como economista, se utilize dela, Weber crê que ] o importante é fazer a distinção entre uma medição numérica capaz de ajudar a compreensão e a moda pseudocientífica que acredita ter resolvido uma dificuldade pelo simples fato de havê-la vestido de cifras e gráficos. 3. Outros teóricos acreditam poder dar como fundamento à sociologia e disciplinas afins a intuição, entendida ora como endopatia ( Einfuhlung), ora como revivescência (Nacherleben), ou seja, o conhecimento imediato de outrem por uma espécie de introjeção da sua experiência vivida.” Endopatia quer dizer “sentir por dentro”, seja num processo de imitação do sentimento, seja por imitação memorativa (ou revivescência). “A isso objeta Weber que a intuição pertence à esfera do sentimento e que como tal não é um conhecimento e que tal não é um conhecimento científico, pois este exige conceitos rigorosos. O vago do vivido é pessoal, incomunicável e refratário à comprovação. Constitui uma abordagem estética e não científica da realidade. Além disso, a intuição jamais coincide com a diversidade do real, [ como ingenuamente imaginam alguns ], pois ela realiza uma seleção.” Tanto quanto o raciocínio, a intuição também é seletiva. Não pode haver intuição de tudo, por definição. Este é um ponto que geralmente se esquece quando se fala de intuição. As pessoas ingenuamente imaginam que a intuição pega um todo, ao passo que a razão fraciona e divide. Tanto a intuição quanto a razão juntam e separam e neste sentido uma não pode ser privilegiada em relação à outra. O que podemos divergir de Weber é quanto à sua colocação de que a intuição pertence ao mundo do sentimento. A intuição nada tem a ver com o sentimento. No sentimento de endopatia, “sentir por dentro”, sem dúvida é sentimento. A discussão de nada pode haver conhecimento intuitivo de matérias racionais, podemos deixar para depois. Tratar-se-ia de intuição intelectual. Corremos -- ao enfocar intuição e razão -- depois riscos: se o indivíduo vai submeter toda sua inteligência ao critério da comunicação e da comprovação, está liquidado. Esta atitude, se tomada não como método científico, mas como atitude gera uma paralisia. excluída do método científico, pois que chega ao nosso conhecimento chega através da intuição. Diremos que ela nos dá a matéria do conhecimento; esta matéria adquirirá uma forma racional, científica, através de outros critérios. “Longe de reproduzir ou repetir um estado anterior, a consciência intuitiva constitui antes uma nova experiência vivida original.” Isso quer dizer que, entre uma experiência vivida por você e a intuição endopática que eu possa ter disso, na medida em que eu reviva interiormente a sua experiência a sua experiência, existe uma diferença, não só de tempo mas também uma diferença ontológica: a sua experiência é uma e a minha é uma nova experiência. A única relação que pode haver entre a experiência de um e a experiência revivida endopaticamente pelo outro é uma relação de analogia. Entre uma experiência e a sua revivescência, a relação é muito mais remota do que entre uma coisa e o seu conceito lógico. O conceito lógico não tem só analogia com a coisa -- tem uma correspondência estrutural efetiva e sempre igual. De maneira que quando tenho o conceito, estou na verdade mais próximo do ser do fenômeno do que quando tenho a sua intuição. Esta, a intuição, pode simbolizar aquele ente, pois tem uma relação analógica e simbólica com o ente; mas pode simbolizar outra coisa também. O uso da faculdade intuitiva deve, portanto, ser cercada de cuidados, mas não deve ser sufocada. Há um livro onde se afirma que a verdade trazida na obra de René Guénon não pode ser aceita aos pedaços, pedaço por pedaço, pois trata-se de uma verdade que tem que ser apreendida no seu todo. Porém, uma verdade vivida que só se pode ser aprendida no seu todo só pode ter valor analógico. Portanto, ela não é uma descrição do real, mas um esquema simbólico, que tem uma validade estética, analógica. Neste sentido, ela não pode ser dita nem verdadeira nem falsa. Ela apenas é adequada. Na medida em que tenha uma estrutura interna e abrangente, é uma grande obra de arte e parece que através dela é possível ver o universo, como é possível fazê-lo através da Divina Comédia, de Dante. Mas não se pode dizer que a Divina Comédia é verdadeira ou falsa, pois verdadeiro ou falso são categorias que aplicam a juízos explícitos. Se trata de uma verdade interna vivida, tem uma veracidade analógica. E o que é analógico é verdadeiro para uns e falsos para outros. Depende de se compartilhar aquela intuição. Se compartilho, se consigo sentir, revivenciá- la nos tempos mais ou menos análogos ao que o autor propõe, então passa a ser verdadeiro para mim. A expressão racional, lógica, dessa veracidade, seria outra. Se fôssemos dizer assim: “o que existe de verdade na obra de René Guénon? “Teríamos, para responder a tal questão, que escrever uma outra obra, onde a relação dela com o real não fosse simplesmente analógica, mas uma relação de conceitos. Isso não se aplica a toda a obra de R. Guémon, pois há algumas que escapam dessa relação analógica. Por exemplo, o que ele fala sobre as iniciações, sobre as sociedades secretas, tudo é um material histórico, portanto tem que ter uma veracidade histórica. E tem certas teses que são teses filosóficas, por exemplo, quando ele diz: “A lógica é uma ontologia do pensamento. “Isso é uma tese filosófica, que pode ser verdadeira ou falsa. Também é preciso ver que uma obra que, deliberadamente, afirma que uma parte dela tem que permanecer secreta, com isto ela escapa do juízo sobre sua veracidade ou falsidade. É como dizer a alguém: “vou lhe contar uma história mas não vou contá-la inteira, pois tem uma parte que é secreta. Como é possível saber se é verdadeira ou falsa a história. A intuição é, pois, o começo do conhecimento e não pode ser o seu fim. Ela pode ser o critério com que julgamos o raciocínio e vice-versa. Não existe uma precedência de um sobre o outro. O critério de veracidade de um longo raciocínio é, primeiro, a sua correção formal; segundo, a veracidade das suas premissas, a qual só poderá ser conferida ou racionalmente ou intuitivamente. Por outro lado, qual o critério de veracidade de um conteúdo intuído? Em primeiro lugar, esse conteúdo intuído em si mesmo não pode ser verdadeiro ou falso. É preciso que ele seja transformado num juízo, numa sentença a qual, sim será verdadeira ou falsa. O mundo da intuição é prévio à veracidade ou falsidade. O método científico é o método de alcançar a verdade e afastar a falsidade, portanto ele não lida com a intuição, sendo posterior a ela. A intuição verdadeira pode, outrossim, ser transposta num conceito falso. A intuição, por assim dizer, é sempre verdadeira. Se vejo um elefante, vi um elefante. Se pergunto se tal existe ou não, se é real ou não, isso constitui um outro problema que não pode ser resolvido intuitivamente. Isto depende de categorias e estas fazem parte da razão. A intuição mostra apenas as essências; pela intuição tomamos conhecimento de uma existência -- que a coisa existe -- mas não tomamos conhecimento de probabilidade, improbabilidade, anterioridade, posterioridade, se a coisa é princípio, meio ou fim, se é causa ou conseqüência. Isto é que vai dar as modalidades de existência e isso não tem como ser percebido pela intuição -- são conceitos que só a razão pode dar. Se toda esta operação da razão pode ser realizada intuitivamente, é um outro problema -- acredito até que sim. Não pode, porém, ser por qualquer um pois dá um grande trabalho. À medida em que o indivíduo desenvolve o pensamento racional, desenvolve a sua intuição de assuntos racionais também. Mas a intuição racional não é prova. A prova tem que ser extensiva. Não se pode considerar provado algo apenas porque se “sacou” que isto é assim. Isto basta para se ter um convicção pessoal, mas não para funcionar como prova junto a terceiros. Nunca se pode esquecer que ciência é o que tem validade intersubjetiva entre uma coletividade de pessoas preparadas, que estudaram o mesmo assunto. Não é possível forçar a própria intuição sobre toda essa gente. Ninguém é obrigado a intuir o que você intuição. Você pode ter uma intuição pessoal mas não validá-la como lei. Por outro lado, jamais pode abdicar da intuição, de abdicar de acreditar nela, pois se assim o fizer, sua cabeça pára. O difícil é a pessoa viver sabendo que ela sabe um monte de verdades, que essas verdades não são comunicáveis e que ninguém tem obrigação de acreditar nelas. Para escapar dessa situação incômoda, alguns que não querem mais ter intuição; outros, ao contrário, proclamam a validade universal da intuição, da sua intuição (como o faz René Guémon). Se vir algo e negar que vi, sou um covarde e sobretudo cortei o fio de continuidade da minha inteligência -- o que é um suicídio intelectual. Se eu proclamar a validade universal da minha intuição -- o fato de eu ter intuído bastar como prova para todos -- então inventei um princípio tirânico: as pessoas que não tiveram aquela intuição vão ter que se sentir seres inferiores. “A experiência vivida nunca é, como tal, um conhecimento científico. Pode vir a sê-lo, com a condição de se submeter aos imperativos comuns da transformação conceitual, da verificação e dos demais processos da prova.” A transformação conceitual é a transformação da intuição num conceito e num juízo, é o dizer o que a intuição afirma. Por exemplo, Dante viu o céu, Purgatório e Inferno. Este é o conteúdo da sua intuição. Tal conteúdo vale, quer tudo seja real, quer tudo seja imaginário. Deve-se a seguir transpor conceitualmente o conteúdo da intuição, condição em que tal conteúdo poderá ser aceito como verdadeiro -- caso provado -- ou rejeitado como falso -- caso refutado. Mas a intuição em si mesma não pode ser negada ou aceita como falsa ou verdadeira. Às vezes a transposição é extremamente difícil. Como quando digo: “vi um elefante! “ Se alguém pergunta o que eu quis com isso, se o elefante existe, verifico então que o conceito nunca está no mesmo plano da intuição. Esta pode servir de ponto de apoio, de ponto de partida para o conceito o qual, será verdadeiro ou falso. A intuição fornece dados, que sempre são verdadeiros mas nada significam em si mesmos. meios faltam ou falham. Como para nós também se dá o mesmo: faltam alguns meios, informações ... Em geral, o procedimento é racional, ainda que possa ter uma motivação irracional. Mas mesmo esta motivação irracional por sua vez pode ser estudada racionalmente de nada. Pode haver, sim, ações irracionais, coisas irracionais. “Entre a possibilidade de prever os fenômenos singulares da natureza e a expectativa das conseqüências de uma ação humana, não existe diferença de princípio. Também se compreende outra coisa pelo conceito de irracionalidade: identificamo-lo com o da liberdade da vontade.” O homem não seria sujeito a estudo racional pelo fato de que ele é livre, de que sua ação é imprevisível. Este é um raciocínio comum -- o homem tem liberdade, portanto não podemos reduzi-lo a leis de comportamento. Uma coisa não tem nada a ver com a outra: o fato de uma ação ser livre não quer dizer que não exista uma consecução perfeitamente racional dos fins através dos meios adequados. Uma vez decidido livremente, vai-se ter que agir em conseqüência e para isso se usa a razão. A escolha dos fins não foi operada pela razão. No entanto, ela se apoia na razão. Qualquer sujeito que escolha livremente um fim é capaz de argumentar em favor dele. Mesmo que diga: escolhi um fim arbitrário, não nega o precedente. O fato da escolha ser arbitrária não quer dizer que a coisa em si mesma seja absurda. Você naquele momento não teve nenhum motivo para decidir isto e não aquilo. Escolheu pelo acaso, então. Nesse caso, escolheu segundo uma regra de equivalência entre as opções opostas. E isso tem uma estrutura matemática bastante clara. Não escapamos da estrutura racional em hipótese alguma. A distinção entre o racional e irracional é uma distinção que vale só psicologicamente e não ontologicamente. Todo e qualquer conhecimento se baseia na hipótese de que as coisas têm alguma estrutura racional, todo e qualquer estudo de qualquer coisa. Os atos humanos podem ser em si mesmos racionais ou irracionais conforme a sua motivação. Mas podemos dizer que mesmo na demência a razão não está totalmente excluída. “Também se compreende outra coisa pelo conceito de irracionalidade: identificamo-lo com o da liberdade da vontade. Na opinião de Weber, esta tese é tão errônea quanto a anterior. A liberdade humana não é mais irracional do que o determinismo, pois são as ações que temos consciência de haver executado racionalmente aquelas que fazemos acompanhar do mais alto grau de sentimento empírico de liberdade.” Isso tem dois aspectos: por que um mundo rigidamente encadeado a leis de causa e efeito e que prossegue implacavelmente o desenrolar das conseqüências, seria em si mesmo mais racional do que o mundo onde haja uma certa liberdade de opção? Em que uma dessas coisas é mais racional do que outra? Quer na esfera das ações humanas, quer na esfera da natureza, a coisa ser determinada ou indeterminada nada tem a ver com ser racional ou irracional. Por exemplo, um jogo que tenha uma estrutura racional, mas cujo resultado seja imprevisível: qual o elemento imprevisível? É a capacidade dos jogadores e a contingência. Isso não torna esse jogo irracional: se fosse irracional não poderia ter regra nenhuma; se tivesse regra nenhuma não seria jogo. Não se pode, portanto, identificar determinismo com racional e indeterminismo com irracional. Tudo isso são coisas que já estavam escritas antes que a física o princípio da indeterminação se tornasse conhecido. Tal princípio, descoberto por Wener Heisenberg, diz: “Quando sabemos a posição de um elétron, não sabemos a sua velocidade; quando sabemos sua velocidade não sabemos sua posição.” Portanto, nunca podemos chegar a uma descrição suficiente do que está acontecendo. O que implica que os elétrons mudam de órbita sem nenhuma causa. Há um certo espaço para o jogo, para o acaso dentro da ordem física. Isto foi proclamado como uma destruição da racionalidade da natureza -- baseado no princípio de que só o determinístico é real. Mas o determinismo causal estrito é uma forma de racionalidade e a combinatória probabilística é outra forma da racionalidade. É tudo racional do mesmo jeito, caso contrário seria o mesmo que dizer que a estatística não é racional. Racional e irracional, determinismo e indeterminismo, são categorias completamente diferentes. Há uma crença atual de que existe um fundo irracional na física contemporânea, crença própria de iletrados, própria de quem pensou no que é um conceito, no que é um outro conceito e falta de cultura filosófica. O desconhecimento de metodologia leva o sujeito a confundir tais noções. É lógico que é uma coisa, sendo determinada, nos da mais sensações de segurança, tranqüilidade, quanto a seus desdobramentos, sendo indeterminado, probalístico, há uma certa insegurança. Num mundo determinístico talvez o indivíduo se sentisse mais seguro e num indeterminístico, se sentisse meio solto no espaço e portanto com um pouco de medo. Mas não deve deixar de ser vista como absurda tal reação, porque o mundo determinístico é o mundo regido pela fatalidade, onde não existisse a menor liberdade, não há possibilidade de ação. Em quê isso deve ser mais tranqüilizante do que a outra situação na qual se tem uma margem de ação? É como preferir entre a segurança e a liberdade -- segurança de que vai se dar mal ou a chance de se dar bem. É algo que depende do temperamento do indivíduo, preferir uma ou outra coisa. E isso nada tem a ver com o racional ou irracional. A única coisa que é irracional é o contrasenso, a contradição, a coisa ser e não ser ao mesmo tempo. Porém, ter uma lei natural que funcione não de modo determinístico mas de modo probabilístico, não há contradição nisso. Às vezes opera quando há condições para que opere; às vezes não opera quando as condições são suspensas: o que tem isso de irracional? “Entre o determinismo e a liberdade, pode haver tanta irracionalidade e imprevisibilidade, ou, ao contrário, racionalidade, numa esfera como na outra. O determinismo e a liberdade são, quando muito, dados que é preciso aceitar. O sábio pode levá-los em cota a título de hipóteses, sem contudo pronunciar-se quanto à sua validade metafísica.” Weber, nesse sentido, é radicalmente positivista: as hipóteses metafísicas pouco lhe interessam. O todo ser determinístico ou indeterminístico é assunto que não lhe interessa discutir. Apenas tenta descobrir verdades científica sobre alguma coisa. Podemos, em certas situações, adotar uma hipótese determinística: dadas certas, o efeito se seguirá necessariamente; em outros casos, podemos fazer um raciocínio probalístico, de causalidade em aberto, sobretuto quando existe uma simultaneidade, pois, uma perspectiva ou outra conforme a conveniência da pesquisa e não por convicção metafísica. “3. Causalidades, relação com os valores e interpretação. 1. Só há ciência do que existe. O problema vem a ser, portanto, explicar o que existe, pela pesquisa das causas. Infelizmente, a relação de causalidade deu margem a malentendidos. Uns identificam, por exemplo, causalidades e legalidade, no sentido de que só a condição capaz de ser subordinada a uma lei mereceria ser chamada causa. É um erro, diz Weber. Um efeito acidental depende tanto de causas, quanto um fenômeno dito necessário. Um acontecimento singular é também ele resultado de causas, entre as quais algumas podem ter sido apenas circunstâncias singulares. Tudo o que é produzido produz por sua vez uma ação.” Este ponto nos vai interessar muito, particularmente desde que estamos lidando com ações individuais. As ações de um indivíduo singular, ainda que não possam ser reduzidas a leis, no sentido em que “o indivíduo agiu assim, em obediência a um princípio filosófico que define que a + b = y”, ainda que não podendo ser reduzido a uma lei, as ações do indivíduo, singular têm alguma causa ou algumas causas, as quais também podem ser singulares e contigentes. Claro que tudo terá alguma relação sempre com algum princípio geral, mas relação que pode ser muito remota. Nos eventos singulares às vezes existe um concurso de uma multiplicidade de causas que convergiram ali mais ou menos acidentalmente. Compreender esse evento pelas suas causas consiste em fazer o repertório e o relacionamento de todas essas causas, ainda que não conseguindo formular uma leu geral. ASTROCARACTEROLOGIA AULA 38 SÃO PAULO, 11 DE JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO: JOEL NUNES DOS SANTOS FITA II Ou será que essas posições astrológicas são parte da causa real? Neste ponto, a astrologia esbarra nos limites do entendimento humano, suscitando questões que levarão muitos séculos para serem respondidas. “[ As causas consideradas sob o enfoque ‘geral’ ou ‘típico’] não são mais um elo na cadeia causal da evolução histórica e real [ ... ] mas somente um meio de conhecer.” A causalidade comporta duas idéias fundamentais: de um lado, a de uma ação relacional, de uma espécie de dinâmica entre dois fenômenos qualitativamente diferentes, e, de outro lado, a de uma subordinação a uma regra geral”. Toda relação causal pode ser estuda de dois modos: primeiro, enquanto encadeamento de fatos; segundo, enquanto tipo, enquanto manifestação de uma tipicidade. Ao ir ao consultório, o médico diagnostica: “dengue!” O médico tipificou, reduziu a espécie de um gênero. Concluiu: você tem uma sintomatologia típica e essa tipicidade permite que lhe dê um nome -- dengue. Ter o nome, porém, não esclarece a respeito de sua causa (ou de suas causas), permite apenas saber sua causa geral. As causas, porém, nunca podem ser gerais. As causas concretas têm sempre que ser particulares: neste caso, tem que ser um mosquito, dois ou três. Em qualquer caso, tem que ser um mosquito determinado, assim como tem que ter picado o sujeito há “x” tempo, pois não acontece de alguém ser picado pelo mosquito hoje e ter dengue daqui a cinqüenta anos. O hábito de, ao dar nome tipificar), acredita que se resolveu o problema, é algo consolador apenas para o profissional. Se se for raciocinar realmente, para agir -- entrar na ação terapêutica -- essa ação também tem que ser particular, concreta e determinada. O nível das generalidades elimina o comprometimento do profissional. Tipificar não é saber a causa. Saber a causa é conhecer a ratio essendi. No caso de furto, por exemplo -- o que o delegado tipifica: “furto de veículo automotor”-- para achá-lo terá que saber a causa segundo a ratio essendi. No caso de furto de carro, por exemplo -- que o delegado tipifica: “furto de veículo automotor”-- para achá-lo terá que saber a causa segundo a ratio nessendi: quem foi que roubou e onde o escondeu. “3. O método generalizante utiliza a relação de causalidade de modo diferente do método individualizante. O método generalizante tende a apagar a noção de ação e, por conseguinte, a de causa, para deixar aparecer apenas a de lei, no sentido de uma igualdade matemática. No método individualizante, ao contrário, ao contrário, é a noção de regra que tende a apagar-se para por em evidência a unicidade qualitativa do devir em geral ou a singularidade qualitativa de um de seus fragmentos.” O médico, ao trabalhar adequadamente, usa os dois métodos: o generalizante para remeter a sintomatologia a um tipo (é um caso de dengue, de tuberculose, não é nada, etc), que é a metade do trabalho. Ao partir para o tratamento, terá que individualizar: terá que ver qual é o encadeamento causal que está acontecendo realmente neste momento e em que ponto está. A partir daí, não interessa mais tipicidade ou regra geral. Interessa até o contrário: o que for atípico, pois pode haver interferência de elementos contigentes, casuais, que nem por serem causais devem ser desprezados no tratamento. Esses dois enfoques são absolutamente indispensáveis um ao outro e em todas as ciências. “4. O que aprendemos a conhecer pela causalidade não passa jamais de uma visão fragmentária e parcial. Desde a diversidade do real é infinita, a regressão causal é indefinida. Se quiséssemos esgotar o conhecimento causal de um fenômeno, seria preciso levar em conta a totalidade do devir.” Tudo tem uma causa, que tem outra causa, que tem outra causa e assim por diante. Se vamos enfocar um assunto qualquer, temos que fixar até onde vamos recusar nossa regressão causal. Por exemplo, no diagnóstico de dengue: como se sabe que a transmissão dessa doença se dá por determinado mosquito, a regressão causal do médico para aí. Se não se tratar de um médico, mas de um epidemiologista, esta informação -- doença causada por tal tipo de mosquito -- não lhe basta: terá de saber de onde veio o mosquito, por que veio parar aqui, quem trouxe (imigrantes, animal?) Se ao invés de epidemiologista, trata-se de um patologista: quererá estudar o processo mesmo da dengue. Não basta saber como o mosquito veio parar aqui, precisará saber qual o mecanismo, qual o processo interno que torna esse mosquito o transmissor da dengue, o que existe nele, em seu organismo, e assim por diante. Pode-se ficar procurando a causa da causa da causa ... num processo que não termina nunca. A interpretação da cadeia causal geralmente se faz pela divisão do trabalho: o médico clínico tratará do indivíduo independentemente de ser o único indivíduo que tem dengue no mundo ou de ser um entre milhares. Ele demarca sua área de interesse: o setor da realidade que o interessa é tal e ele estuada o assunto até esse limite. O que exceder a tal limite não lhe dará respeito. “Contentamo-nos, de cada vez, com o que se chama a razão suficiente, ou seja, realizamos uma seleção [conforme] o rumo da nossa curiosidade. Apesar da hipótese teórica causa aequat effectum, na prática a pesquisa causal sempre estabelece uma desigualdade entre os fenômenos.” Causa aequat effetum = a causa iguala-se ao efeito. Esse é um pressuposto lógico. Na verdade, isso não acontece. Se dissemos: o mosquito provocou dengue, isso é absurdo. Pois como o mosquito pode ter esse poder? Porém, não se trata do mosquito e sim da espécie de mosquito em questão, que provoca dengue há um outro processo em questão, que provoca dengue porque há um outro processo que envolve tal espécie; dentro desse processo, o mosquito (enquanto espécie) é um elo dentro de uma cadeia causal e assim por diante. Para equalizar, obter uma causa que seja proporcional ao efeito, só se pegar a causa inteira. Como nunca fazemos isso, nunca chegamos a ter uma explicação causal perfeitamente equilibrada e homogênea. Sempre temos um efeito que parece um pouco maior que a causa. Na verdade, não é que seja maior que a causa -- apenas omitimos aspectos da causa que para efeito daquele estudo não interessa. Se dissermos: “o atentado de Saravejo provocou a Primeira Guerra Mundial”, isso parece absurdo: porque um sujeito deu um tiro em outro, precisou um continente inteiro se matar? De fato, não é assim: aquela expressão referiu-se apenas à causa eficiente imediata, por trás da qual tinha tal problema, por trás do qual outro e assim indefinidamente. Não é necessário remontar tudo -- dá-se tal cadeia por pressuposta, ou por desconhecida e basta. O que importa não é achar a causa inteira mas a causa suficiente, a causa que sossegue a nossa mente. “5. Se o método naturalístico ignora a contingência, o acidental e, portanto, a classificação sob uma regra geral é o seu critério de seleção, qual é o do método histórico ou individualizante?” Acabamos de verificar que sempre na investigação das causas, temos que fixar um limite à regressão causal: atrás do ponto “x” não interessa remontar. Se estou usando o método naturalístico ou generalizante, tenho um critério que me permite dizer em que ponto parar a regressão causal: vou pará-la no ponto do típico. Quando o médico diagnostica “dengue”, ele pára sua regressão causal no mosquito, pois seu interesse é tipificar. Vamos supor o contrário: não estamos investigando o dengue, estamos investigando história. Esta não vai se contentar com o típico. Para a história, é necessário fazer o encadeamento real do que Esta é a questão mais difícil na área de ciências humanas. É uma espécie de sexto sentido que o investigador tem que desenvolver, mesmo porque isto não faz parte de pesquisa científica. É prévio a ela, é um primeiro passo e portanto não há um critério muito científico para fazer isso. É justamente, porém, após tê-lo feito -- delimitado o âmbito da pesquisa -- que se vai criar a criteriologia científica para aquilo. Se não houve delimitação, então vale tudo e então não tem critério. O que nos permite dizer que em toda investigação em ciências humanas existe um passo inicial que não é científico. A rigor, nas ciências naturais também existe isso. Apenas que elas são mais antigas -- as ciências naturais -- e a esfera de seus interesses está por assim dizer formalizada, existindo uma habilidade já definida. Em ciências humanas, ainda é cedo para ter isto. Há que haver relevância científica para o problema levantado, por trás da qual está presente a relevância social. Mesmo que não tenha conseqüência prática alguma o resultado da investigação, a qual pode ter uma importância objetiva (ou seja, ser socialmente), mesmo que reconhecia pela coletividade. Por exemplo, a resolução do problema astros/caráter vai colocar a astrologia num caminho científico. Acontecendo isso, todo o panorama das ciências humanas vai ter que mudar, pois ele passará a ser referido, no seu todo, ao plano cósmico. O fato de eu saber isso não quer dizer que a coletividade esteja informada disto. O propósito d investigação astrocaracterológica é: tentar equacionar de modo cientificamente relevante um determinado tópico. O quanto até onde isso deverá ser feito: até o ponto necessário para provar a possibilidade teórica disto e fim. Isto já delimita o campo, embora seja algo extremamente complicado, como já puderam ver. Ao se demonstrar que é possível, criou-se um instrumento científico, instrumento esse que pode nunca ser usado, mas que porém existirá e estará disponível. “O devir, em si mesmo, é indiferente ao significado: não é nele que encontra o critério que determina nossa curiosidade.” A coisa não pode ser importante em si mesma. Tudo que é importante é importante para alguém e não em si mesmo. Ser importante em si é apenas uma força de expressão -- define algo que é importante universalmente, para todos os homens. Mas de fato, a importância de um evento vem daqueles a quem ele afeta materialmente, intelectualmente, etc. Isso significa que o fato, o devir, o conjunto dos acontecimentos em si mesmo nada me diz sobre o que é mais importante ou menos importante: sou eu que tenho que tomar uma posição. [ “Quando, ao estudarmos um tema, selecionamos os documentos e uns nos parecem essenciais e outros desprezíveis,] em virtude de quê realizamos essa seleção, senão segundo uma relação com os [nossos] valores? Esta relação exprime, pois o momento arbitrário que se acha no ponto de partida de toda reflexão e de todo trabalho científico. É apenas nos limites dessa seleção que o sábio aplica os processos ordinários da investigação científica. É neste ponto que se torna indispensável afastar [daí por diante] toda apreciação valorizante.” Esta seleção inicial do tema precisa ser autoconsciente, pois não há motivo nenhum se escolher um tema a outro. Você aumenta ou diminui os limites do seu tema o quanto queira. Não há nenhuma razão para fazer isto ou aquilo, existe apenas a convergência certas investigações são convenientes e outras são inconvenientes, ou seja, não servem para nada. O que fixa essa conveniência são os valores nos quais você se apoia. É preciso estar consciente desses valores para saber por que você delimitou o âmbito “x” ou “y “. Pode ser que você faça uma investigação que não tenha importância para mais ninguém além de você mesmo. Neste caso, você sabe que está investigando uma coisa que não tem relevância científica nenhuma, só para você mesmo. Supomos que alguém investigasse “as causas da inflação brasileira”. Se quero saber o conjunto total e real das causas da inflação, preciso avançar minha explicação até um ponto “x” que satisfaça a esta pergunta, mais aquela pergunta, mais aquela outra, etc.; ou seja, se quero dar uma explicação abrangente para a inflação, tenho que encontrar respostas para todas as perguntas que vêm sendo feitas sobre inflação. Se a minha ambição não é tão grande -- quero apenas descrever um mecanismo causador da inflação -- quero descrever, por exemplo, o mecanismo psicológico que afeta os comerciantes da classe média de São Paulo. Então: a simples precisão de desvalorização da moeda faz com que eles aumentem o preço de tudo. É lógico que este estudo em si mesmo não precisa responder quais as outras causas. Sei onde parar a minha regressão causal -- ela termina na psique média do comerciante e fim. Por que o comerciante e fim. Por que o comerciante tem essa psique média não me interessa saber. A abrangência do estudo delimita o nível de exigência causal que você tem de atender. O poder astrológico está tão aquém de ter colocado este problema que eles oferecem explicações sobre o todo mas que não atendem a exigência causal alguma. Todas as perguntas que se fizer ficarão irrespondidas. É uma inconsciência metodológica total, abaixo da crítica. Por que é assim? Em parte, é porque s pessoas que vão estudar astrologia o fazem por motivos de complementação da própria psique que, estando aleijada, necessita de uma muleta cósmica que dê um simulacro de sentido de existência ao que não tem sentido algum. Este foi o motivo que me levou a estudar astrologia. Quando percebi era um simulacro, percebi que não dava sentido nenhum à minha vida, que era um enigma como qualquer outro, tive a honestidade de reconhecer que onde fui buscar o sentido da vida, só havia mais um problema. As outras pessoas que recusam o problema astrológico, que são qualificadas para estudá-lo, têm medo de serem rotuladas de místicas ou idiotas, irracionais, e largam o problema, deixando-o nas piores mãos. Quem se interessa pelo problema é louco e quem é são não se interessa pelo problema. O ideal é chegar a uma média entre esses dois extremos. “Os valores com os quais o sociólogo e o historiador relacionam a realidade são naturalmente variáveis. O especialista das ciências humanas pode-nos fornecer, graças à relação com os valores, uma visão nova sobre um problema, porque é levado a considerar como importantes elementos que outros tinham deixado à margem.” Cada vez que se formula um projeto de investigação, pode-se estar levantando temas, aspectos e problemas que passaram despercebidos mas que são importantes. Por exemplo: digamos que eu queira investigar a história da psicanálise -- em que valores estou me apoiando para fazê-lo? O que fundamenta meu interesse por tal tema? Digamos que meu interesse decorre do fato de eu ser psicanalista, conheci vários psicanalistas notáveis que apresentaram trabalhos importantes aqui e ali e tudo isso pode se perder com o tempo. É um material científico que pode ser esquecido e não quero que isso aconteça. Isso fixou o âmbito do meu trabalho: é um trabalho puramente documental, histórico, que vai oferecer documentos de certos eventos, de ordem intelectual e científico, que ocorreram em tais lugares em tais ocasiões. Suponhamos que não seja este o meu objetivo: estou interessado na psicanálise não como um cultor dessa disciplina que está interessado em preservar este patrimônio do conhecimento, mas que, ao contrário, acho que a psicanálise, não tendo uma estrutura científica suficiente, obteve uma repercussão científica e filosófica indevida. Ou seja, aumentaram o tamanho da psicanálise, tirando dela conclusões metafísicas, teológicas, etc. O âmbito da minha investigação, meu interesse, serão as repercussões da psicanálise. Interessa- me menos compreender profundamente o pensamento de Freud do que compreender as conclusões que outros tiraram dele. Interessa-me sobretudo mostrar em que as conclusões tiradas por filósofos teólogos, etc, divergem do seu -- de Freud -- texto original. Portanto, o meu material já não é o material escrito do investigador anterior. 1o A interpretação filológica. -- Consiste na apreensão do sentido literal de um texto, na crítica dos documentos, etc. É um trabalho preparatório. 2o A interpretação avaliativa ou axiológica. -- Faz sobre o objeto um julgamento de aprovação ou de desaprovação. Comporta vários graus, desde a avaliação puramente emocional por endopatia até a esfera mais apurada dos julgamentos estéticos e éticos. 3o A interpretação racional. -- Seu fim é fazer-nos compreender, pela causalidade ou pela compreensão, as relações significativas entre os fenômenos ou os elementos de um fenômeno.” Causalidades ou compreensão, que quer dizer, pelo método explicativo causal ou pelo método compreensivo (ao qual nos referimos anteriormente). “A segunda não é um procedimento científico, embora o sábio por vezes deva levá-la em conta. A interpretação racional é a detentora do sentido, quer tente o sábio determinar a significação que indivíduos dão a seus próprios atos, ligando-os a estes ou àqueles valores, quer se refira aos nossos valores para extrair a significação histórica ou sociológica de uma doutrina, de um acontecimento ou do desenvolvimento de uma situação. É uma análise que propõe a precisar quais os valores que estavam em jogo no curso de uma atividade.” Chegamos ao ponto central para nós -- não no miolo da metodologia de Weber mas no miolo que nos interessa. Porque todo estudo caracterológico vai procurar achar certos eixos do comportamento do indivíduo. Se quisermos achar esses eixos a partir da observação externa do indivíduo, teremos que ver os seus comportamentos e os seus atos mais ou menos tomados um a um. Vamos ter que compreender e explicar esses atos. Por um lado, vamos ter que captar de alguma maneira o sentido que uma determinada ação tinha para o indivíduo que a praticou, ou seja, qual o significado que ele atribuía àquele ato em particular e isto não pode ser por adivinhação. Na verdade, na vida diária o tempo todo atribuímos motivos aos outros; acreditamos saber o sentido das ações individuais, pelo menos das pessoas que nos são mais próximas. Por isso mesmo nunca questionamos. Se a pessoa age de uma maneira onde o sentido nos parece evidente, então estranhamos; se estranhamos é porque estamos acostumados a julgar que sabemos, de hábito, o sentido das ações dessas pessoas. Porém, uma coisa é esta intuição certa ou errada, intuição endopática do sentido que temos na vida diária e dela precisamos para viver; outra coisa é fazer um estudo científico disso. Naturalmente que esse estudo científico também afetará a longo prazo o nosso julgamento cotidiano, mas não de imediato. Se nos perguntamos então como ficamos sabendo do sentido que o indivíduo atribui a seu ato, vai haver um leque imenso de respostas. Podemos tentar por comparação -- embora na maior parte dos casos nem cheguemos a comparar os atos dos indivíduos com outros atos: explícita e conscientemente não fazemos uma comparação. Ao contrário, atribuímos um sentido, uma intenção. A investigação das intenções é uma parte do nosso problema. Em segundo lugar, é preciso ver se essa intenção consciente que o indivíduo tinha -- o que ele conscientemente visava -- coincide, de um lado, com as causas reais que o levaram a agir assim ou assado. Porque nem sempre a intenção é a causa. Por exemplo, o indivíduo pode visar conscientemente um certo objetivo mas estar sendo levado àquele procedimento por outras causas que lhe escapam. Por exemplo, suponhamos que fiquei o dia inteiro trabalhando num lugar onde havia muito ruído. Estava tão concentrado no meu trabalho que não prestei atenção no ruído. Ele me perturbou de alguma maneira, mas me perturbou fisicamente, não chegou a entrar na minha esfera de consciência e cortar o fluxo de meus pensamentos, mas deixou-me enervado. Chego em casa e resolvo, por exemplo, dar uma bronca na minha mulher porque o macarrão estava frio. Qual é a minha intenção? Não era melhorar a qualidade da comida doméstica? Mas qual foi a causa da minha ação? O macarrão estar frio foi apenas uma parte da causa. Houve uma outra causa que escapou da minha intenção. Claro que as duas causas convergem. Mas e o peso relativo de uma e de outra? As demais pessoas da mesa não acharam que o macarrão estava tão frio assim. Então, digo que o macarrão foi um pretexto. A explosão emocial deveu-se a alguma outra coisa, que podia estar totalmente ignorada, não ser inclusive uma causa profunda, estrutural; podia dever-se a uma mera coincidência, a algo que aconteceu naquele dia em particular. A investigação do sentido que a ação tinha para o indivíduo não se identifica com o estudo das causas, embora isso às vezes possa acontecer. E ocorre quando o indivíduo está perfeitamente consciente das causas e lhes confere o valor de motivos. Por exemplo, se devo um dinheiro e não tenho de onde tirar e peço emprestado. O sentido da minha ação é: preciso pagar e não tenho dinheiro. Portanto, peço emprestado. O motivo e a causa da minha ação é fato de eu não ter dinheiro. Não houve necessidade de intervir outro fator. Em cada caso a relação entre o motivo ou o sentido de causa é muito complexo. Não há lei geral. É preciso conhecer toda a história direitinho. É a isto que Weber chama interpretação, interpretação do ato humano. Pode haver uma ou várias causas, assim como um ou vários sentidos para uma determinada ação humana. Posso ter, subjetivamente para mim mesmo, vários motivos, várias intenções para praticar um único ato; pode haver toda uma constelação complexa de motivos. E em certos casos esses motivos podem coincidir perfeitamente com a causa e em outros casos, não. Inclusive o sentido pode se voltar contra a causa. Ou seja, as circunstâncias, as causas desencadeadas me induzem a agir assim ou assado. Porém, como o que eu quero é outra coisa, faço outra coisa. Além disso, isto basta para compreender a ação? Não, certamente, pois toda ação implica o emprego de meios. Os meios podem ser adequados ou não ao intuito desejado, o que se refletirá às vezes no fracasso, e às vezes no sucesso casual. Por exemplo, alguém me diz: “aposte no cavalo número 5 porque tenho informações seguras de que ele vai ganhar”. Esqueço o número do cavalo e aposto no número 6 e coincide deste cavalo ganhar. Houve uma inadequação entre meios e fim mas houve a interferência de uma outra linha de causas contingentes, acidentais. Só compreendo a ação quando sei tudo isso: sei a causa, sei o motivo, sei os meios e sei o processo causal que leva do meio ao fim. Sabendo tudo isso, compreendi inteiramente a ação. Podemos dizer que as ciências humanas em geral visam substancialmente entender as ações humanas. Este entendimento das ações humanas tem dois momentos: o primeiro momento é a compreensão dos motivos e o segundo, a explicação das causas. Entre o método compreensivo e método explicativo, Weber vê uma continuidade perfeita. Interpretação para Weber abrange, de um lado, compreensão e, de outro, explicação. Por isso mesmo a sociologia de Weber é chamada sociologia compreensiva. Quando se fala sociologia compreensiva pode parecer que se está querendo só a compreensão e não a explicação, o que não é verdade. A denominação não foi muito bem escolhida. Seria mais adequada a denominação sociologia interpretativa, sendo que por interpretação entende-se a operação que ocorre em dois momentos: compreensão dos motivos e exposição das causas. Trazer as causas do estado de latência ao estado de patência -- do estado de ocultamento ao estado de evidência. Tudo isso (conhecimento do motivo, da causa, do meio e do fim) ainda não esgota toda a questão. Precisaremos, para prosseguir, ler um trecho do prefácio do livro Economia e Sociedade (v. Apêndice): “Deve entender-se por sociologia (no sentido em que Weber usa tal palavra) uma ciência que pretende entender, interpretando-a, a ação social, para desta maneira explicá-la casualmente em seu desenrolar e efeitos. Por ‘ação’ deve entender-se uma conduta humana (quer consista num fazer interno ou externo, quer num omitir ou permitir), sempre que o sujeito ou os sujeitos da ação enlacem a ela um sentido subjetivo. A ‘ação social’, portanto, é uma ação na qual o sentido este é precisamente o método da caracterologia. Para fazer isso, vamos ter de apelar não só para os tipos de causas mas também vamos ter de construir alguns tipos ideais de individualidades. Porque não podemos estudar todos os tipos. E um estudo em média, pela média, não faria sentido. Poderemos então estudar alguns casos existentes de fato, o que farão com os seus biografados. E estudaremos outros tipos ideais de caráter, inventados por mim, para efeito de explicação em aula, para efeito pedagógico. O método dado por Weber refere-se exatamente ao que vamos fazer. Só que para o estudo astrológico isso tem que ser adaptado até um certo ponto, porque a astrologia está no limite entre a ação humana -- ação dotada de sentido -- e a ação reflexa, puramente causada por fatos exteriores. É assim porque neste estudo não chegaremos a discernir qual é o limite entre a ação causal do planeta e a intenção humana. Isto é um assunto de astrologia pura que não vamos poder resolver. Deixando -- como vamos deixar -- esta parte em branco, isto implicará na continuidade de existência de certos enigmas e certos problemas que não poderemos resolver e que deixaremos para vocês resolvê-los, para o que terão o resto de suas vidas. Só não dizemos que podemos aplicar o método de Weber inteiramente porque aqui a interferência de um elemento causal externo que provoca ações de maneira puramente reflexa e sem passar pela atribuição individual de sentido também pode ter lá a sua importância. Pode ser que o planeta, agindo eletroquimicamente, faça o sujeito agir assim ou assado sem que ele perceba. São Tomás de Aquino dizia que no caso do louco, demente, isso acontece. No caso do demente, o planeta é a causa da sua ação e o sentido que ele eventualmente atribua a suas ações não pesa em absolutamente nada. Por exemplo, o sujeito é louco e acha que é Napoleão Bonaparte: manda prender você por acreditar que você chefiou uma rebelião contra o imperador. Você sabe que não é nada disso que ele está fazendo, na verdade. A rigor, ele nada está fazendo. Do que se compreende que no caso do louco, o sentido não tem importância, tem importância só a causa. Este último dado é de grande ajuda para quem trabalha em psicoterapia, pois ajuda a discernir quando é que começa a demência -- esta começa quando a ação do sujeito só tem causa, não tem sentido. Não adianta querer compreendê-la, só dá para explicá-la. Neste caso -- como o do louco -- teríamos que admitir a possibilidade de um planeta ser diretamente, por algum processo desconhecido (de ordem eletroquímica ou qualquer outra), a causa de certas ações que não poderiam ser propriamente ditas humanas. Neste caso seriam necessários outros métodos que não têm nada a ver com as ciências humanas. A astrologia oferece a possibilidade dessa transição -- ciência humana / ciência natural. Ela está localizada nessa fronteira mais até do que a ecologia -- esta, por isso mesmo é uma ciência tão complicada: tem uma multiplicidade de métodos. O método em ecologia chama-se método sistêmico, que investiga a confluência de uma infinidade de causas. Em astrologia, é preciso ser mais sistêmico ainda. Inaugurar um estudo científico como um ramo não estudado é muito difícil, mas é um grande negócio. Se isso for feito, estaremos abrindo um campo de investigação tal que não é possível que vocês saibam onde isso pode parar. O mundo não precisa reconhecer que fizemos isso -- quando ele precisar disso, virá nos procurar. Pode ser que já estejamos mortos. Todo o nosso material estará aí e não estaremos trabalhando para a glória, porém estamos trabalhando para ter um resultado real, pelo menos um resultado cognitivo, para obter uma resposta e uma certeza e para abrir uma possibilidade humana. Não cabe à ciência resolver o problema humano, mas cabe a ela oferecer-lhes instrumentos para isso. Se vão usar o instrumento ou não isto não é nosso problema -- é problema para os profetas, governantes, líderes, etc. * * * ASTROCARACTEROLOGIA AULA 39 SÃO PAULO, 12 JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO: SORAIA MALAFAIA GOMES FITA I Comentário ao texto de Max Weber: “Os malentendidos se originam de que ‘interpretação’ é tomada em diversos sentidos, Weber distingue três: 1o A interpretação filológica -- Consiste na apreensão do sentido literal de um texto, na crítica dos documentos, etc. É um trabalho preparatório. 2o A interpretação avaliativa ou axiológica -- Faz sobre o objeto um julgamento de aprovação ou de desaprovação. Comporta vários graus, desde a avaliação puramente emocional por endopatia até a esfera mais apurada dos julgamentos estéticos e éticos. 3o A interpretação racional -- Seu fim é fazer-nos compreender, pela causalidade ou pela compreensão, as relações significativas entre os fenômenos ou os elementos de um fenômeno. A segunda não é um procedimento científico, embora o sábio por vezes deva levá-la em conta. A interpretação racional é a detentora do sentido, quer tente o sábio determinar a significação que indivíduos dão a seus próprios atos, ligando-os a estes ou àqueles valores, quer se refira aos nossos valores para extrair a significação histórica ou sociológica de uma doutrina, de um acontecimento ou do desenvolvimento de uma situação. É uma análise que se propõe a precisar quais os valores que estavam em jogo no curso de uma atividade. Weber insiste em que esta interpretação se submeta aos procedimentos ordinários do conhecimento científico e à administração da prova. Por isto chama-a também interpretação causal ou explicativa.” O que Weber denomina compreensão é um pouco diferente daquilo de falava Dilthey. Weber inclui neste conceito também a explicação causal. Dilthey denominava compreensão e apreensão interna de uma totalidade singular, como por exemplo a forma interna de uma obra de arte, fazendo abstração de suas causas. Compreender A Divina Comédia não é conhecer suas causas, mas propriamente aprendê-la naquilo que ela é, independentemente do que a tenha causado. As causas de uma obra de arte poderiam ser infinitas, mas elas não vêm ao caso. Assim, causas biográficas, psico-fisiológicas, etc, poderiam ter levado Dante a escrever A Divina Comédia; porém, elas não importam. A compreensão e a explicação, tal como entendidas por Dilthey, são processos opostos. 2. [ A relação com os valores, primeiro momento da seleção operada pela sábio, ] apenas orienta o trabalho. Não lhe confere ainda rigor conceitual. Este é o papel do tipo ideal.” A demarcação do âmbito do estudo -- demarcação feita pela importância que tal aspecto tem para nós, para a nossa cultura, para o meio científico, etc. -- é puramente negativa, por exclusão. Para começar a observação em medição positiva, temos que ter alguns conceitos iniciais, que serão dados pelo tipo ideal. O que é o tipo ideal? Consideremos o capitalismo. Capitalismo é um tipo de conduta na qual o indivíduo faz uso de determinada riqueza para com ela fazer funcionar um empreendimento comercial, industrial, bancário, etc., de forma que a quantia no início empregada lhe retorne, com lucro. Pouco importa no que investe o dinheiro: agricultura indústria, banco, etc. O fato de ser investimento agrícola, industrial ou bancário não impede que seja capitalismo. No capitalismo a força considerada ativa é o dinheiro propriamente dito. Visa ao lucro, o que não quer dizer que sempre dê lucro. Pode ao contrário dar um prejuízo enorme. Mas idealmente visa ao lucro. Excluímos os erros de cálculo que o capitalista possa cometer, excluímos que numa determinada sociedade pode haver elementos capitalistas misturados (como no Brasil). No capitalismo, os indivíduos arriscam seu dinheiro. O fato real -- seguros do capital, garantias de governo, etc -- não altera a estrutura do que idealmente concebemos. De forma a compreender as diversas combinações possíveis -- capitalismo/socialismo, capitalismo/feudalismo ... --, avaliá-las, construímos um tipo ideal chamado capitalismo, um tipo ideal chamado feudalismo, um tipo ideal chamado socialismo, vários tipos de conduta humanas. Se quisermos saber o que é um católico e o que é um protestante, procedemos do mesmo jeito. Mesmo que seja mais fácil definir um do outro (o católico é mais fácil que o protestante, pois sob essa denominação há um grupo imenso de possibilidades), não importa: o procedimento é o mesmo. O tipo ideal pode nem mesmo existir, mas será através dele que podemos fazer as comparações. A astrocaracterologia só lida com tipos ideais. Entender, portanto, o que seja tipo ideal, é a condição preliminar para saber que estamos falando. É possível descrever o caráter, independentemente da educação, do ambiente familiar? Sim, é possível. Porém, isso existe, assim, dessa forma? Claro que não. Porém, podemos conceber que se o indivíduo permanecesse inalterado após ter nascido, se seu caráter de nascimento encontrasse todos os canais livres de expressão, se nada o atrapalhasse, pelo contrário, se tudo o ajudasse, então ele se manifestaria cristalinamente. O fato é que ninguém é assim. Como é o sujeito realmente? Para responder isso, é preciso fazer o tipo ideal do caráter para depois comparar com que aconteceu de fato. Daí a distinção que fazemos entre caráter e personalidade. O caráter seria o tipo ideal e a personalidade o tipo real. Existe uma infinidade de tipos ideais, um para cada astrológico. Cada mapa astrológico é um tipo ideal e a ele chegaremos pelo método de Weber. Primeiro, acentuamos unilateralmente certos traços; segundo, apagamos outros traços dados no caráter são finalidades buscadas pelo indivíduo; quarto, supomos que essas finalidades são sempre atendidas através dos melhores meios, sem erro, e que não só o indivíduo lança mão dos melhores meios para seus fins como também ninguém o atrapalha. Claro que podem nascer duas ou três pessoas no mesmo lugar e na mesma hora, as quais terão o mesmo tipo ideal. “3. O tipo ideal é o modo de construção de conceitos peculiar ao método histórico ou individualizante. Como elaborar o conceito rigoroso de uma realidade singular se não se pode proceder por generalização, no sentido da tomada de consciência das analogias e das semelhanças com outras realidades, já que tal medida subordina os fenômenos a leis ou a conceitos genéricos que precisamente despojam o singular de seus caracteres distintivos e particulares? Mais brevemente: é possível formar conceitos individuais, embora admitindo-se corretamente que só existem conceitos gerais? Todo conceito é conceito de uma espécie. Portanto o indivíduo (que é singular) escaparia ao conhecimento racional. Neste sentido, não se pode ter conceito do individual, pois só pode haver conhecimento racional do genérico. Isto significa que ciências como História, a Sociologia, etc., estariam todas condenadas, nunca poderiam ter uma base racional. Weber tenta resolver isto através do conceito do tipo. Quando pensamos em tipo, lembramo-nos de protótipo, arquétipo, de um modelo passível de muitas cópias, o que por sua vez seria o conceito de espécie. Não é disto o de que Weber fala. “Acredita Weber achar a solução no conceito de tipo, entendido de uma certa maneira. Esta noção de tipo pode: (a) tomar o sentido de um conjunto de traços comuns, que constituem então o tipo médio; (b) mas também o de uma estilização que põe em evidência os elementos característicos, distintos ou ‘típicos’; [ este é o tipo ideal ].” A busca deste traço singularizante é a chave do tipo ideal. Para saber como se faz isto, é só ler os grandes romancistas -- porque o grande romancista vai pegar, da vida do personagem, momentos que singularizam, excluindo o restante. “Harpagão não é o avarento médio; graças a um processo de aumento, de exagero e de amplificação, Molière lhe deu a significação de uma individualidade características. Não resume os traços comuns dos avarentos, mas é um personagem estilizado.” Claro que dificilmente se achará um avarento que seja igual a Don Quixote, etc. Porque nestes personagens os traços estão muito amplificados, exagerados e por estarem exagerados é que você. Não fosse assim e os traços dos personagens se diluíram numa média, o personagem não pareceria estar fazendo (nem sendo) nada de singular. Nosso procedimento será portanto o de fazer vários tipos ideais, um para cada horóscopo. Alguém pode alegar que isto é algo impossível de se fazer, dado que Balzac, em sua obra (de uns 18 volumes) criou 30 tipos característicos. Porém, no nosso caso, não precisaremos dar uma expressão plena a este tipos ideais, a estes personagens. Vamos nos limitar a indicá-los numa linguagem técnica, o que fará com que a nossa caracterologia pareça, sob este aspecto, uma tipologia. Vamos aplicar quatro ou cinco conceitos descritivos que podem ser aplicados a todos os casos, de todos os horóscopos. Assim, o conceito das faculdades é o mesmo para todos os tipos e veremos a diferença, para cada indivíduo, apenas através de uma dosagem, de uma proporção mútua, de um relacionamento quantitativo entre estas faculdades. De modo que usaremos uma linguagem tipológica, mas não se iludam: não estaremos fazendo uma tipologia mas sim uma caracterologia, porque este processo de singularização em astrocaracterologia pode ser levado ad infinitum. Usando apenas os seis critérios que temos, isso gera 2.800.000 tipos; acrescentando um item astrológico, teremos aqueles 2.800.00, vezes doze; se incluíssemos Urano e Netuno, teríamos 2.800.000 vezes doze ao quadrado tipos. É uma cifra que escapa à nossa imaginação, uma combinatória de tipos humanos tal que chegamos a uma caracterologia. Uma tipologia é composta de tipos médios e uma caracterologia é composta de tipos ideais. Cada individualidade tem o seu tipo ideal a que chamamos caráter. A astrologia é um processo dedutivo, que parte de alguns elementos intuitivos. O procedimento por excelência da astrologia é do tipo ideal individual, o qual terá de ser contrastado com existência real na qual existem outras causas intervenientes. Todo bom astrólogo sabe perceber a diferença entre o horóscopo e a realidade e por isso dá um desconto em cada caso. Faz (ou deve indagar a si mesmo se o curso dos acontecimentos teria sido o mesmo ou diferente sem ela. Fazendo o historiador essa abstração, constrói um curso possível das coisas, para determinar as causas reais ou suficientes. ‘Para determinar as relações causais reais’, diz Weber, ‘construímos causas irreais’.” Investigação de causa é o mesmo que investigação de culpas. Quem foi que fez tal coisa? Como é que procede o delegado, investigador ou juiz inquérito? Comparando as várias possibilidades de ação, dos vários suspeitos envolvidos. Em História, em Psicologia, é a mesma coisa. “3. Em quê é objetiva essa possibilidade? A objetividade se fundamenta em nosso saber positivo das condições existentes e em nosso saber nomológico, apoiado nas regras gerais da experiência. Não é uma visão arbitrária do espírito, uma hipótese gratuita, mas sim uma suposição racional, que se deixa justificar por certo número de elementos conhecidos.” O tipo ideal é a descrição ideal de um estado, de um modo de ser de uma conduta. Possibilidade objetiva é um esquema causal ideal: dado certas causas, certos efeitos decorrerão necessariamente por um encadeamento evidente. “Como o tipo ideal, a possibilidade objetiva constrói um ‘quadro imaginário’, uma utopia, ou melhor, uma ucronia, exceto que, em vez de acentuar traços característicos, ela faz abstração, pelo pensamento, de um vários elementos da realidade, para indagar o que teria podido acontecer no caso considerado. A possibilidade não é a expressão de um não-saber, pois se refere ao que conhecemos por experiência.” Consideramos o seguinte: Saddam Hussein invadiu o Kuwait. Fazia um ano que a CIA estava avisando o Pentágono de que iria fazer isto. Por que o Pentágono não fez nada? Seria lógico que fizesse algo, tendo em vista o interesse nacional americano. Como sabemos que um determinado procedimento seria lógico, contrastamo-lo com o que aconteceu de fato. Daí levantamos hipóteses: os EUA não o fizeram por negligência, etc. Não é possível fazer isso sem um tipo ideal de conduta. “Erraríamos, no entanto, se concluíssemos que a condição assim modificada, ou suprimida, seria a única causa do acontecimento; ela toma somente a significação de uma condição importante entre outras, pois a História não conhece causa única. ‘Não temos necessidade de saber o que teria acontecido’, diz Raymond Aron;’ basta-nos saber que as coisas teriam sido diferentes.’ “ A atitude do Pentágono perante a crise evidentemente não pode ser tomada como única causa,. Porque os outros também agem. Precisaria encaixar uma linha de explicação com outras hipóteses. Tudo isso iria formar a constelação das causas. A descrição do que teria acontecido não precisaria ser completa. É só suprimir imaginariamente um fator e ver se ele teria mudado alguma coisa. “4. Assim fica precisada a natureza da causalidade nas ciências humanas: ela é de ordem probalística. E isto não somente por causa da imperfeição do nosso saber, mas também em virtude da multiplicidade dos antecedentes. Por mais completo que possa ser o nosso saber, o inevitável momento subjetivo da seleção bastaria para introduzir a probabilidade. O processo explicativo em ciências humanas, sendo de ordem probalística, significa que o tipo de explicação a que chegamos é do tipo: dadas tais ou quais condições, haverá uma tendência de x % de acontecer isto, x % de acontecer aquilo. Não dá para ir mais além. “5. O grau de probabilidade que resulta de uma construção objetivamente possível é variável. Embora o grau de possibilidade objetiva em favor de um curso de acontecimentos diferente do que teve lugar seja fraco, não se poderia, entretanto, dizer que sua significação tenha sido absolutamente nula. Inversamente, embora o grau de possibilidade objetiva de um desenvolvimento tivesse sido muito grande, não se pode dizer que essa evolução seria absolutamente inevitável. O papel da categoria da possibilidade objetiva não é, pois formar julgamentos de necessidade, mas sim pesar a significação das diversas causas. Quando a probabilidade, resultante de uma construção objetivamente possível, é muito grande, Weber sugere que se fale de um causalidade adequada; e quando ele é fraca, de causalidade acidental.” É este o ponto aonde devemos aspirar chegar, ou seja, descrever a causa adequada de um comportamento, de um ato, de uma situação e saber distingui-la das causas manifestadamente acidentais. Dada uma causa, construímos um comportamento decorrente de modelo lógico; suprimimo-la imaginativamente do desenrolar dos acontecimentos e observamos então que isso alteraria pouco o comportamento. Dizemos tratar-se então de uma causa acidental. Se isso fosse dotado como um princípio ético na convivência dos seres humanos, a vida seria bem melhor. Com a prática decorrente do estudo da história, astrologia, psicologia, sociologia, é quase impossível não acabar por adquirir-se um senso dos motivos das ações alheias. Isto permite fazer julgamentos que, com grande probabilidade, serão mais justos. “6. A recusa de Weber em aplicar a palavra ‘necessário’ em vez de ‘adequado’, se explica por sua preocupação de sustentar para o devir seu caráter irracional.” Podemos dizer que se encontramos uma causa com alto grau de probabilidade, encontramos a causa necessária, efetiva. Weber não completou a simetria contrapondo o acidental ao necessário, mas contrapôs o acidental ao adequado (ou provável). Porque * Weber * diz que o devir tomado na sua totalidade não pode ser dito racional nem irracional a priori, pois não sabemos e não cabe à ciência fazê-lo, por tratar-se de uma decisão de ordem metafísica. “A história não é racional em si mesma, mas o historiador consegue racionalizá-la relativamente: na medida em que ele consegue formular julgamentos objetivos de ordem probalística sob a forma de uma relação adequada entre a causa e o efeito, é possível um conhecimento científico da História. Não existe obstáculo lógico para uma ciência singular.” Não existe obstáculo lógico para uma ciência do singular e uma caracterologia na mesma base é possível, sendo que, ademais, contamos que os esquemas básicos em cima dos quais construiremos descritivamente os tipos ideais já estão dados pela infinidade dos horóscopos. determinado resultado. Este não é um novo conceito de ciência, é o velho método de Weber. E o que se vê portanto é apenas o oferecimento de novas idéias velhas, que estão aí desde São Tomás de Aquino. Como disse um cientista político, “meu livro tem algumas idéias novas e algumas idéias boas. Vocês podem objetivar que as boas não são novas e as novas não são boas.” Quando Weber fala das condições pessoais do professor, ele quer dizer que existe uma postura moral implícita no fato de um homem de ciência, enquanto atua no campo da pedagogia, não tomar posição quanto a temas religiosos ou morais. Não podemos escapar totalmente das avaliações morais, porém não devemos deixar de apresentá-las como aquilo que são. O professor deve esclarecer quando o que diz é opinião sua, é fruto de sua postura pessoal, etc. Ele tem o direito de fazer isso, mas não o de fazer passar como um fato confirmado em ciência uma postura pessoal sua. A astrologia, inclusive, na medida em que uma parte do público a aceita, adquire uma autoridade, pelo menos dentro desse círculo, e por conta desta autoridade o astrólogo passa todas as suas convicções morais, como por exemplo a moral: da sutilização energética -- que é um princípio indefensável mas que no entanto é vendido por conta da astrologia -- como se fosse impossível a compreensão de alguma coisa sem o endosso de uma moral energética, que faz da sutilização um bem, uma obrigação; cria o compromisso de passar de níveis mais grosseiros para níveis mais finos de matéria como se isto fizesse alguma diferença do ponto de vista ético. 2. “Não é o que acontece no campo da pesquisa. Essencialmente a ciência é refratária aos julgamentos de valor. Ela não quer agir por força de convicções pessoais, mas sim mostrar que suas proposições se impõem a todos os que querem a verdade.” Isto quer dizer que o homem de ciência não pode aceitar nem mesmo que seu público aceite as suas afirmações simplesmente por respeito a ele. Não pode se contestar com isso. A força do hábito de estar ouvindo um professor há algum tempo faz com que você aceite suas teses. Mas, se há um intuito científico, isso não pode acontecer, pois você pode estar ajudando o professor a se enganar a si mesmo. A autoridade pessoal não serve como garantia para tudo o que o homem de ciência faz. Há uma distinção necessária entre convencer e persuadir. Persuadir é tornar uma pessoa simpática ao que se está fazendo; convencer é dar a uma pessoa uma convicção intelectual, de maneira que ela mesma será capaz de fazer a demonstração para si mesma e sustentar perante si mesma aquela tese e defendê-la contra as críticas que ela mesma emite. Em qualquer estudo científico devemos tentar fazer com que o aluno alcance esta convicção pessoal, reduzindo ao mínimo o papel da persuasão psicológica. De forma que o que estou dizendo, vocês devem ouvir como se estivessem lendo um livro, vocês podem voltar atrás, podem ler de novo, podem pensar um pouco, examinar bem. Caso contrário não vamos adquirir a clareza necessária para que as nossas conclusões possam ser firmes. “É verdade e continua a sê-lo, que na esfera das ciências sociais uma demonstração científica, metodicamente correta, que pretende ter atingido seu fim, deve poder ser reconhecida como exata igualmente por um chinês, embora não seja talvez possível realizá-lo plenamente, em virtude de uma insuficiência de ordem material.” Nada proíbe ao sociólogo que tome por objeto de suas pesquisas as opiniões diversas dos indivíduos sobre uma determinada questão, porém não está mais fazendo ciência quando omite outra opinião sobre essas opiniões. Se o investigador topa com fatos que não pode explicar com os meios atuais da investigação científica, não lhe cabe negá-los em nome de uma concepção subjetiva, ignorá-los ou relegá-los à esfera da superstição.” Os fatos desagradáveis têm sido sempre, no debate astrológico, omitidos tanto pelos defensores quanto inimigos da astrologia. Todos escondem fatos, sem exceção. A comprovação do fenômemo astrológico não comprova a veracidade da ciência astrológica. Há confusão entre matéria e forma, entre o assunto e a ciência, entre o tema e o saber. O meio astrológico, embora tenha algumas pessoas de certa cultura, em geral é preenchido por uma mentalidade um pouco primitiva e mágica, quando se depara com o raciocínio lógico o teme, como se fosse uma terrível armadilha. O primitivo ao ouvir uma demonstração, teme ser enganado, pois o outro raciocina, fala mais claro do que ele, dialetiza. Faz-se necessário dominar esta dialética. Caso não se dispunha de lógica, dialética, etc, só resta acreditar nas impressões pessoais e estas certamente são enganadoras com muito mais freqüência do que qualquer lógica do mundo. A credibilidade em relação às próprias impressões é alta e a desconfiança na demonstração lógica, extrema. A demonstração lógica só é valida coletivamente, enquanto as impressões pessoais são válidas apenas para aquele indivíduo. Mas se houver muitos indivíduos com impressões pessoais análogas, embora não idênticas, pode-se criar uma inter-confirmação, mas sem exame crítico. Os encontros de astrólogos são deste tipo, de inter-confirmação. Um está lá para apoiar o outro. O problema não está em se conseguir a confirmação de outra pessoa, mas em você mesmo persuadir racionalmente, mediante um exame crítico. Se você reúne mil pessoas, todas fugindo do exame crítico e uma confirmando a outra, de que vale esta confirmação? É como um hospício: cada louco concorda com a loucura do outro porque cada um pensa que é Napoleão. É uma espécie de demência coletiva e isto é algo que existe em muitos lugares, não só no meio astrológico. Pode haver uma função psicológica, de reforço, para avaliara angústia, mas não estamos falando de psicoterapia. Para um astrônomo, por exemplo, que participa de outra atmosfera, que não participa deste sentimento, é normal que ele ache todos loucos. 3. “É verdade, observa Weber, que certos sábios e alguns espíritos simplórios que ocupam cátedras universitárias continuam animados de otimismo ingênuo, que lhes faz acreditar que poderão descobrir o caminho da felicidade individual e social. Pode-se sempre perguntar à ciência: Que devemos fazer? Como devemos viver? Ela não dará nenhuma resposta, porque ela é teoria. Essa resposta, cada deve procurar em si mesmo, de acordo com seu gênio ou sua fraqueza.” X X X RESUMO Alguns comentários que visam a esclarecer os conceitos usados. Método generalizante: Procura encontrar leis gerais que se apliquem a todos os seres de uma espécie. Tende a buscar uma perfeição matemática. Método individualizante: Ocupa-se de singularidade (como as propriedades particulares de um ente, por exemplo). Tende a apoiar-se na intuição. O método generalizante era atribuído às ciências da natureza e o individualizante, às ciências da cultura. O método quantitativo é uma qualidade do método generalizante e o intuito, do método individualizante. Não são, porém, a mesma coisa. Para se definir o método individualizante não basta dizer que ele é intuitivo, assim como para definir o método generalizante não basta dizer que ele é quantitativo. Weber: todas as ciências fazem uso dos dois métodos. Explicar e compreender: Explicar é buscar uma causa segundo uma lei geral. Compreender é o entendimento da coisa mesma, do seu significado. O intuicionismo é uma empatia que se tem. A empatia dá a conhecer algo, porém, sem qualidade universal. A não ser que o conteúdo seja transposto a uma forma conceitual e em seguida submetido à verificação. Os princípios gerais tanto podem ser estabelecidos pela quantidade (análise de inúmeros casos semelhantes) quanto por pura dedução. Em geral, é por método indutivo; dispondo uma série de eventos numa mesma seqüência, chega-se a conhecer esquematicamente qual deverá ser o encadeamento do próximo evento, porém de maneira genérica, não efetiva. Diferente noção de causa no método generalizante e no método individualizante. No caso do método generalizante a causa é remetida à lei e no método individualizante, à causa singular. O método generalizante enfatiza a ratio cognoscendi, embora sem descartar também a ratio essendi; o método individualizante enfatiza a ratio essendi sem descartar totalmente a ratio cognoscendi. A limitação de todo conhecimento causal é não só devido ao fator de haver causa desconhecida mas também por haver causa da causa, o que, prosseguindo, remeteria a uma causa indefinita. Todo conhecimento causal é limitado mais ou menos arbitrariamente, pois existe a causa da causa da causa. Com que autoridade é possível circunscrevê-la? Com a autoridade de quem só se interessa por conhecer até aquele ponto. No caso das ciências humanas este critério é dado pela relação com os valores. Esses valores seriam aqueles relativos ao interesse particular do indivíduo, da justificativa social do problema, da justificativa cultural, aos interesses de Estado, etc. Previamente à seleção do tema existe a indicação mais ou menos vaga, depois o levantamento do valor deste tema para i indivíduo pessoalmente, pois não se escolhe um tema pelo qual não haja interesse pessoal. O indivíduo é o que escolhe o tema e por isso é o primeiro critério, o que porém não basta. É necessário observar a sociedade onde ela está, como ela encara o tema. Caso não se saiba isso, será difícil limitar o tema. E se eu perguntar como a sociedade encara a Astrocaracterologia? Simplesmente não encara. Tenho que saber que é um tema ausente, mas não sem importância, porque há certos temas em discussão na sociedade que só poderiam ser resolvidos través deste estudo. Então, estou localizando o tema. * * * ASTROCARACTEROLOGIA AULA 40 SÃO PAULO, 13 JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO: JOEL NUNES DOS SANTOS FITAS II E III Se proponho um curso de astrocaracterologia, simplesmente a sociedade não encarará este tema, pois é um tema ausente. Ausente mas não sem importância, pois há certos temas em discussão na sociedade que poderiam ser resolvidos através deste estudo. Pode ser que este tema seja de interesse para um grupo, para determinado meio científico. No caso dos astrólogos, este tema poderia ser de interesse mas não é ainda). Dessa forma delimita-se a importância meramente potencial do tema, pois é um tema que poderia ter diversas conseqüências dentro deste campo de estudos. As conseqüências possíveis deste estudo, se viradas ao contrário, estão delimitando este âmbito de estudos. Isso é como espelhos que vamos colocando para enxergar melhor a coisa. No século XII, o papa Inocêncio III baixou um decreto dividindo dois tipos de conhecimentos: sagrados e profanos. Formalizou por decreto uma distinção que já existia informalmente na sociedade. Na época, isso não parecia ter grande importância. Olhando à luz de três ou quatro séculos de evolução histórica posterior, vê-se que isso teve enormes conseqüências. Se não sei que isto passou despercebido na época mas que hoje é perceptível, já não sei qual é o tema. Se quero estudar este decreto do papa e simplesmente não sei que na época ninguém reparou e que hoje tem importância, onde foi parar minha visão do tema? Como o objeto de estudo no caso não é material -- são relações entre ações humanas -- como é que se faz para delimitá-lo, para delimitar a ação humana? Não é à luz de outras ações humanas que circundam? Do mesmo modo os valores e significados. Para eu delimitar uma esfera de significados, preciso contrastá-la com outras esferas de significados. Assim, aos poucos aquilo vai adquirindo uma figura para mim. É isto que é a relação com os valores. Embora difícil, é uma operação meramente preliminar. 6. “Em resumo, este é o papel da relação com os valores: (a) Determina, a seleção do tema, destacando um objeto da realidade difusa. (b) Orienta, no tema escolhido, a triagem entre o essencial e o acessório, isto é, define a individualidade histórica ou a unidade do problema, vencendo a infinidade dos detalhes. (c) É a razão do relacionamento entre os diversos elementos e da significação que se lhes atribui. (d) Indica as relações de causalidade a estabelecer e até que ponto é preciso levar a regressão causal. (e) Por não ser valorativa e exigir um pensamento articulado, afasta o simplesmente “vivido” ou vagamente “sentido”. 7. Daí segue-se que toda ciência humana procede por interpretação. Esta consiste no método a nos fazer compreender o sentido de uma atividade ou de um fenômemo e a significação dos diversos elementos uns em relação aos outros. Sendo o devir, em si mesmo, humanamente indiferente, é a interpretação fundamentada na relação com os valores que lhe confere uma significação, colocando em evidência os motivos e os fins de uma atividade. A interpretação método das ciências humanas, abrange dois elementos: compreensão e explicação. Weber dá o nome de interpretação à síntese desses dois momentos. Compreender primeiro, explicar depois. Compreender é captar o sentido que aquela ação teve para aquele indivíduo que praticou, para os outros sobre quem ela foi praticada, para nós hoje. Exemplo deste caso pode ser eleição da diretoria da SBA. O sentido é a expectativa de que a SBA fique melhor estruturada, pois estava ficando definitiva a diretoria provisória. A sociedade não seria extinta se não houvesse eleição. Não havendo eleição de diretoria, isso implicaria numa desestruturação progressiva da entidade, pois uma diretoria provisória vai perdendo o gás. Este foi o sentido que deram à eleição da diretoria. Até aí, houve compreensão. E a explicação? O que se compreendeu foi o motivo ou foi a causa? Foi o motivo. O motivo já existia há meses -- a nova diretoria deveria ter sido eleita no terceiro mês de aula. Porém, isso não ocorreu. E uma causa deve ter determinado a eleição. E esta causa fui eu mesmo que determinei: ou elege nova diretoria ou fecho a sociedade. A causa é este ultimato. Um simples estado de coisas não é causa de nada. A constatação do estado de coisas é a constatação do motivo, do motivo subjetivo: as pessoas têm motivo, reconhecem a necessidade de alguma coisa. Porém, isso não é suficiente para que façam alguma coisa. Algo tem que determinar este fazer: ou eu ou alguém teria que desenvolver uma ação. Esta ação é causa. A partir disso, percebe-se a diferença entre buscar os motivos e buscar a causa. Caso apenas se saiba de algo e não o motivo, nada se entende. Conhecendo o motivo sem a causa, dá para saber que não foi uma ação insensata, que ela tem sentido embora não se saiba por que aconteceu. A investigação em Sociologia, em Psicologia, em todas as ciências humanas, enfim, visa a no mínimo saber o motivo e, se possível a saber também a causa. Significado nem sempre é intenção. Significado é intenção para quem faz. Para quem padece, é valor. Posso perguntar: que intenção eu tenho com a inflação? Nenhuma. Apenas dou-lhe valor negativo. Esse é o significado dela para nós, ninguém teve intenção nenhuma de fazê-la. O fenômeno não é razão de ser. Você o estuda sob o aspecto da razão de ser ou da razão de conhecer, que não são nomes de coisas, mas de posturas cognitivas que assumo, de forma que enfoco o dado sob tal ou qual aspecto. 8. “Os malentendidos se originam de que “interpretação” é tomada em diversos sentidos. Weber distingue três: 10. A interpretação filosófica. -- Consiste na apreensão do sentido literal de um texto, na crítica dos documentos, etc. É um trabalho preparatório. 20. A interpretação avaliativa ou axiológica. -- Faz sobre o objeto um julgamento de aprovação ou de desaprovação. Comporta vários graus, desde a avaliação puramente emocional por endopatia até a esfera mais apurada dos julgamentos estéticos e éticos. 30. A interpretação racional. -- Seu fim é fazernos compreender, pela causalidade ou pela compreensão, as relações significativas entre os fenômenos ou os elementos de um fenômeno. A segunda não é um procedimento científico, embora o sábio por vezes deva levá-la em conta. A interpretação racional é detentora do sentido, quer tente o sábio determinar a significação que indivíduos dão a seus próprios atos, ligando-os a estes ou `aqueles valores, quer se refira aos nossos valores para extrair a significação história ou sociológica de uma doutrina, de um acontecimento ou do desenvolvimento de uma situação. É uma análise que se propõe precisar quais os valores que estavam em jogo no curso de uma atividade. Weber insiste em que esta interpretação se submeta aos procedimentos ordinários do conhecimento científico e à administração da prova. Por isto chama-se também interpretação causal ou explicativa. O primeiro sentido -- fisiológico -- trata-se de exame dos documentos, da linguagem, etc. O segundo -- avaliativa ou axiológica -- remete à coerência da coisa com os valores, podendo ser uma avaliação mais endopática ou causalista. Não é válida, a interpretação axiológica, nas ciências que são teórico-explicativas, mas nas ciências que são de ordem prática, normativa ( lógica, ética, jurisprudência, etc). O terceiro -- racional -- junta os dois aspectos: razão de ser e de conhecer. 9. “Toda atividade vincula-se à relação de meios com um fim; compreendemos, com um alto grau de evidência, a atividade que se volta para um fim consciente, com pleno conhecimento dos meios com um fim; compreendemos, com um alto grau de evidência, a atividade que se volta para um fim consciente, com pleno conhecimento dos meios mais apropriados. Neste caso, os meios se tornam as causas do fim esperado. A interpretação racional se esforça por captar a relação significativa entre os meios utilizados e o fim desejado; é importante que ela permaneça no plano que lhe é dado empiricamente, sem se pronunciar sobre o valor ético do fim ou dos meios”. Refere-se portanto à interpretação racional com elucidação de fins e meios -- coerência dos meios em relação aos fins pretendidos. 4. O “tipo ideal” 1. “Obtém-se um tipo ideal acentuando unilateralmente um ou vários pontos de vista e encadeando uma multidão de fenômenos isolados, difusos e discretos, ... que se ordenam segundo os anteriores pontos de vista escolhidos unilateralmente, para formarem em quadro de pensamento homogêneo.” 2. [ A relação com os valores, primeiro momento da seleção operada pelo sábio,] apenas orienta o trabalho. Não lhe confere ainda rigor conceitual. Este é o papel do tipo ideal. 3. O tipo ideal é o modo de construção de conceitos peculiar ao método histórico ou individualizante. Como elaborar o conceito rigoroso de uma realidade singular se não se pode proceder por generalização, no sentido da tomada de consciência das analogias e das semelhanças com outras realidades, já que tal medida subordina os fenômenos a leis ou a conceitos genéricos que precisamente despojam o singular de seus caracteres distintivos e particulares? Mais brevemente: é possível formar conceitos individuais, embora admitindo-se corretamente que só existem conceitos gerais? Acredita Weber achar a solução no conceito de tipo, entendido de uma certa maneira. Esta noção de tipo pode: (a) tomar o sentido de um conjunto de traços comuns, que constituem então o tipo médio: (b) mas também de uma estilização que põe em evidência os elementos característicos, distintivos ou “típicos”; [este é o tipo ideal ]. Harpagão [personagem de “O Avarento”, de Molière] não é o avarento médio; graças a um processo de aumento, de exagero e de amplificação, Molière lhe deu a significação de uma individualidade característica. Não resume os traços comuns aos traços comuns aos avarentos, mas é um personagem estilizados.” O tipo ideal é portanto uma escala, que se constrói ressaltando exagerada e unilateralmente alguns aspectos. Funciona como elemento de medição e contraste, como um padrão-referência. A diferença entre tipo médio e tipo ideal é a seguinte: Tipo médio: traços comuns a vários eventos ou pessoas. Tipo ideal: traços incomuns. 4. “Weber fala, em sua definição, de uma acentuação ou amplificação unilateral dos pontos de vista. A idealidade desta construção é uma utopia, que nunca se encontra ou só raramente é encontrada em sua pureza na realidade empírica e concreta. O tipo ideal do “capitalismo” compreende os traços característicos que definem a sua originalidade, as tendências e os fins a que ele visa como objetivo, mesmo que não tenham sido realizados plenamente em parte alguma. O tipo ideal apresenta o seu “desenho” racional, isto é, a sua estrutura lógica, independentemente das frustrações do real. Ele consiste numa totalidade histórica singular, obtida por meio de racionalização utópica e de acentuação unilateral dos traços característicos e originais, para dar significação coerente e rigorosa ao que aparece como confusão e caótico em nossa experiência puramente existencial. 5. Weber faz aqui certas precisões negativas, para evitar confusões. Em primeiro lugar, ele opõe o conceito de tipo ideal ao de substância, que pretende captar a realidade das coisas no seio de uma hierarquia de espécies e de gêneros. O tipo ideal não precisa identificar-se com a realidade “autêntica”. A idéia que fazemos, por exemplo, de uma época ou de uma doutrina, sob a forma de tipo ideal, não corresponde forçosamente à idéia que os seus contemporâneos faziam dela. Em segundo lugar, a idealidade dessa construção nada tem em comum com o ideal ou com dever- ser no sentido ético. Sua única perfeição é de ordem lógica e não moral. [É preciso cuidado para não conferir indevidamente ao tipo ideal uma realidade empírica, o que poderia dar a ilusão de podermos] elaborar uma síntese definitiva da realidade. O sábio nunca deve perder de vista os limites dos seus conceitos. Quando ele acredita ter penetrado o sentido do devir, a humanidade pode bruscamente tomar outro rumo. Os tipos ideais, em si mesmos, não são verdadeiros nem falsos: são úteis ou inúteis. Como a ciência é uma pesquisa indefinida, os conceitos são sempre superados. Conforme a necessidade, o sábio poderá construir diferentes tipos ideais de um fenômeno, para compreedê-lo através de todos os pontos de vista possíveis. 3. “Em quê é objetivada essa possibilidade? A objetividade se fundamenta em nosso saber positivo das condições existentes e em nosso saber nomológico, apoiado nas regras gerais da experiência. Não é uma visão arbitrária do espírito, uma hipótese gratuita, mas sim uma suposição racional, que se deixa justificar por certo número de elementos conhecidos. Como o tipo ideal, a possibilidade objetiva constrói um “quadro imaginário”, uma utopia, ou melhor, uma ucronia, exceto que, em vez de acentuar traços característicos, ela faz abstração, pelo pensamento, de um ou vários elementos da realidade, para indagar o que teria podido acontecer no caso considerado. A possibilidade não é a expressão de um não-saber, pois se refere ao que conhecemos por experiência. Erraríamos, no entanto, se concluíssemos que a condição assim modificada, ou suprimida, seria a única causa do acontecimento; ela toma somente a significação de uma condição importante entre outras, pois a História não conhece causa única. “Não temos necessidade de saber o que teria acontecido”, diz Raymond Aron; “basta-nos saber que as coisas teriam sido diferentes.” 4. Assim fica precisada a natureza da causalidade nas ciências humanas: ela é de ordem probalística. E isto não somente por causa da imperfeição do nosso saber, mas também em virtude da multiplicidade dos antecedentes. Por mais completo que possa ser o nosso saber, o inevitável momento subjetivo da seleção bastaria para introduzir a probabilidade. 5. O grau de probabilidade que resulta de uma construção objetivamente possível é variável. Embora o grau de possibilidade objetiva em favor de um curso de acontecimentos diferente do que teve lugar seja fraco, não se poderia, entretanto, dizer que sua significação tenha sido absolutamente nula. Inversamente, embora o grau de possibilidade objetiva de um desenvolvimento tivesse sido muito grande, não se pode dizer que essa evolução seria absolutamente inevitável. O papel da categoria da possibilidade objetiva não é, pois formar julgamentos de necessidade, mas sim pesar a significação das diversas causas. Quando a probabilidade, resultante de uma construção objetivamente possível, é muito grande, Weber sugere que se fale de uma causalidade adequada; e quando ela é fraca, de causalidade acidental. 6. A recusa de Weber em aplicar a palavra “necessário” em vez de “adequado”, se explica por sua preocupação de sustentar para devir um caráter irracional. A História não é racional em si mesma, mas o historiador consegue racionalizá- la relativamente: na medida em que ele consegue formular julgamentos objetivos de ordem probalística sob a forma de uma relação adequada entre a causa e o efeito, é possível um conhecimento científico da história. Não existe obstáculo lógico para uma ciência do singular. 7. Conquanto a História se ocupa de atos singulares da vontade, ou decisões, e que a Sociologia se esforce para estabelecer regras gerais, seguem as duas, em certos pontos, um método comum, por tratarem ambas da atividade humana. Para Weber não há diferença de natureza entre uma atividade individual social. O sociólogo se vê, como historiador, diante de uma ação realizada e dada, cujas é preciso explicar a posteriori, compreendendo-se pelo fim e analisando os meios empregados para atingi-lo. Para saber se os meios eram apropriados, é preciso construir o tipo ideal da ação racional por finalidade. Desta maneira, pode-se medir o afastamento entre a atividade de tipo ideal objetivamente possível e a atividade empírica, e descobrir a parte do irracional ou do acaso, a intervenção de elementos acidentais, passionais ou outros. A relação teológica, de meio a fim, não é senão uma simples inversão da relação causal. Em outras palavras, como atividade humana, individual ou social, que implica uma relação causal, as categorias de possibilidade objetiva e de causalidade adequada lhe são aplicáveis. A atividade social se caracteriza pelo fato de se relacionar significativamente com o comportamento dos outros. Desde que o sociólogo indaga a si mesmo se o agente podia efetivamente contar com um comportamento determinado dos outros e, por conseguinte, se suas posições eram justas, não existe outra solução senão construir pela imaginação. É somente comparando a atividade real do agente com a atividade ideal que ele poderá saber se o agente tinha razão de contar com as expectativas que nortearam, quais os erros cometidos durante o empreendimento ou quais os elementos exteriores que desviaram a atividade do seu objetivo inicial.” Para saber se a causa tem fundamento, usa-se aquele método (5.1 e 5.2), porém contrastando várias causas e dosando cuidadosamente a importância das causas retiradas. Na melhor das hipóteses, chegaremos a um resultado estatisticamente significativo. Podem existir causas que, mesmo sendo importantes, não são unilateralmente determinantes, caso em que seria causa necessária. Por exemplo (de causa necessária), no corpo humano, se certos órgãos forem atingidos, a morte se segue como conseqüência necessária, não precisando haver interferência de nenhuma outra causa. Se perfuro o coração de alguém, isso é causa necessária, pois não há como evitar a morte. Weber é cuidadoso mesmo quando uma causa é extremamente importante. Tem um certo receio de dizer que é necessária -- diz que adequada. É uma preocupação que adota. Existe uma franja de irracionalidade que não podemos excluir a priori, embora às vezes possamos fazê-lo a posterior. Se obtém explicação suficiente, o fator irracional está excluído. Não se pode pressupor antes da investigação que tem que haver uma explicação inteiramente racional. Mesmo porque existem atos humanos cuja motivação é irracional, embora as suas conseqüências possam ser estudadas racionalmente. Quanto a causas irracionais, pode-se pensar no caso da interferência dos métodos e técnicas usadas pelas seitas. Observam-se nestes casos várias ações aparentemente imotivadas. Weber dizia que se a explicação racional não basta, recorre-se ao irracional: o sujeito ficou louco, agiu sob hipnose, era uma demência coletiva ou algo assim. Porém, deve-se antes tentar explicar o que quer que seja por alguma motivação racional do indivíduo. Com tudo isso que falamos estamos longe ainda de haver explicado o método de Weber a ponto de poder torná-lo operativo. Antes de poder usá-lo, ainda falta mais uma coisa, que é -- além de saber que ele existe, de conhecê-lo teoricamente -- ver uma aplicação prática. Transformado num instrumento para uso, será possível aplicá-lo até a conjuntos enormemente complexos de eventos e de causas. O intuito de Weber foi de transformar as ciências humanas em ciências no sentido rigoroso do termo, intuito que não teve tempo de levar a termo. Na verdade, a única aplicação extensiva que ele fez foi um estudo que visava a responder a seguinte pergunta: porque a formação que denominamos idealmente capitalismo só aconteceu no Ocidente? Por que não existiu um capitalismo na China, na Índia e assim por diante? Seria necessário prosseguir, respondendo as causas do capitalismo na civilização do Ocidente e sondar pelo menos mais duas outras civilizações. Weber fez essa pesquisa com relação à civilização da Europa ocidental, à civilização da Índia e ao judaísmo antigo. A pergunta é muito curiosa: por quê não existiu um capitalismo entre os judeus? Por que veio surgir aqui no mundo cristão? Por que só surgiu em tal época e não em outra? Em primeiro lugar, teria que demonstrar quais as épocas em que não houve capitalismo (já aplicando o método). Teria que distinguir primeiro o que é o capitalismo na sua forma mais aproximada do tipo ideal e, em seguida, quais as formas incipientes ou insuficientes, ou seja, o que seriam fenômenos capitalistas? Essa pesquisa, Weber nunca a terminou. Para cada caso, a fronteira do que é a ação com sentido e do que é a ação meramente reativa ou reflexa, tem que ser examinada com muito cuidado e caso a caso. O fato de se dar uma definição a priori -- ação com sentido é isso, ação reflexa é aquilo -- não quer dizer que na realidade essas coisas apareçam sempre distintas. Ao contrário, em geral se mesclam. Mesmo porque o conjunto das nossas habilidades reflexas funciona como base de operações de nossas ações intencionais. Se tenho uma intenção, não é preciso que todos os atos com que vou realizar essa intenção sejam refletidos. Muito deles podem ser automáticos. Toda ação intencional abarca um instrumento, um conjunto de ações reflexas. Por ação tradicional deve-se entender a ação que um indivíduo pratica porque a comunidade na qual está a pratica há muito tempo. Existe uma intenção nela escondida há muito séculos e o indivíduo, sem saber por que está fazendo aquilo, continua fazendo. Isso é uma ação com sentido ou uma ação puramente reativa? Diz Weber que este é o caso típico de mistura. Existe uma parte de toda ação que pode ser incompreensível, o que quer dizer que seja absurda. Esta parte incompreensível pode ser explicada casualmente, pois tem causa e tem uma racionalidade causal. Ela carece de sentido, de significado. Por exemplo, o caso da tosse: só tem causa, pode ser explicada, mas não pode ser compreendida. 3. “Toda interpretação, como toda ciência em geral, tende à ‘evidência’. A evidência da compreensão pode ser de caráter racional (e, então, quer lógica, quer matemática), ou de caráter endopático: afetiva, receptivo-artística.” Há dois tipos de compreensão: compreensão lógica e compreensão endopática. No caso desta última, o sujeito pratica uma ação que me parece irracional mas compreendo que naquela situação, o indivíduo poderia estar sentindo isto ou aquilo, o que levaria a agir desta ou daquela maneira. Chama-se compreensão endopática porque eu sinto mais ou menos a mesma coisa ou me imagino sentindo. Este tipo de compreensão também vale como método, contando que seja submetida a controle, contanto que possa ser verificada por outros meios. “No domínio da ação é racionalmente evidente, sobre tudo, aquilo que de sua ‘conexão de sentido’ se compreende intelectualmente de modo diáfano e exaustivo. E há evidência endopática da ação quando se revive plenamente a ‘conexão de sentimentos’ que nela se viveu.” Existem dois tipos de evidências: a evidência racional, quando eu, tentando explicar a ação de um outro, compreendo o enlace lógico que o sujeito faz entre fins e meios; e compreensão endopática, quando compreendo o encadeamento dos sentimentos que levaram a tal ou qual ação. Ainda que esse encadeamento não tenha validade lógica. “Racionalmente compreensíveis -- isto é, neste caso: captáveis intelectualmente em seu sentido de um modo imediato e unívoco --são sobretudo, e em grau máximo, as conexões significativas, reciprocamente referidas, contidas nas proposições lógicas e matemáticas.” Se o sujeito faz uma conta, um raciocínio matemático, é só reconstruir a mesma conta que fica auto-evidente por que o sujeito chegou àquele resultado. Se ele soma 2+2= 4, eu fazendo a mesma conta, vou chegar ao mesmo resultado. Entendi então com total evidência racional aquela ação. Compreendemos assim de um modo unívoco o que se dá a entender quando alguém, pensando ou argumentando, faz uso da proposição 2x2= 4, ou dos teoremas pitagóricos, ou extrai uma conclusão lógica de um modo -- segundo nossos hábitos mentais -- ‘correto’”. Por exemplo, por que o sujeito construiu esta casa assim? Por que ela tem este formato, este espaço onde nós estamos? Como você faria para compreender isso? Uma parte dos motivos que podem ser compreendidos por evidência intelectual: o construtor somou o peso da lage e viu que ia precisar parede e colunas de tal jeito e em tal lugar. Tudo isso posso compreender por uma evidência de tipo intelectual. Porém, tem uma outra parte que não posso fazê-lo, pois é uma parte na qual ele procedeu por motivos que não tinham fundamento racional para ele mesmo. Por que pintou dessa cor? Por que ele deu precisamente este formato quando não havia motivos técnicos suficientes para isso? Essa parte, não posso compreendê-la por evidência racional. Vejamos se a evidência endopática seria evidente para nós: consigo imaginativamente captar o que o sujeito imaginou, o encadeamento, por assim dizer, estético, que levou a fazer a casa com esta forma. Às vezes, consigo captar isso, às vezes não. Caso a coisa tenha uma referência estética em si mesma, eu capto; se não tem, tenho que admitir que foi decisão mais ou menos arbitrária. Posso captar a desatenção estética do sujeito. O que me permite ter a evidência endopática de que o sujeito num certo momento agiu arbitrariamente. A evidência racional e a compreensão endopática são formas de evidências completamente diferentes. Mas uma não é menos evidente do que a outra. “De igual modo, quando alguém, baseando-se nos dados oferecidos por ‘fatos’ da experiência que nos sejam conhecidos, e em finalidades dadas, deduz para sua ação as conseqüências claramente inferíveis (segundo a nossa experiência) acerca da classe de ‘meios’ a empregar.” Voltando um pouco à evidência endopática, nem de longe se imagine que a evidência intelectual é mais clara ou mais evidente. Pode ser, pode não ser. Um sujeito pode ter construído uma máquina de tal ou qual maneira porque ele fez um cálculo enormemente complicado e esse mesmo cálculo poderia ser feito de uma infinidade de maneiras mais simples. Há até o preceito alemão “para que simplificar se complicando também funciona. Às vezes fica difícil obter-se evidência intelectual de por que se procedeu assim ou assado. Por outro lado, há certas evidências endopáticas que são imediatas: o sujeito chegou em casa e encontrou a mulher na cama, com o vizinho e matou os dois. Nada há mais endopaticamente evidente de que isto. É meramente questão de hábito pensar que as coisas que são mais matematizáveis, que são lógicas, são mais evidentes que outras que não são tão matematizáveis. O que é evidente é evidente e não importa a causa dessa evidência. A evidência endopática de um motivo emocional óbvio é mais clara do que a evidência intelectual de um procedimento lógico complicado ou gratuito, imotivado. Podem acostumar-se com esta idéia: às vezes o sujeito agiu de uma maneira estritamente lógica. Mas essa maneira lógica é tão difícil de você reconstruir que fica obscura. Suponhamos: consideremos o procedimento de um indivíduo ambicioso que deseja conseguir o poder dentro de uma firma. A sua ação é inteiramente lógica. Cada palavra que ele fala é premeditada, com vistas a um fim. Porém, ao mesmo tempo, esta ação é despistada. Reconstruir aquele encadeamento lógico pode ser quase impossível. E às vezes a evidência endopática de um sentimento salta aos olhos. Cada caso é um caso. É hábito pensar que lógico quer dizer claro e sentimental, obscuro. Só quem nunca estudou matemática pensa que o que é lógico é claro. Pode ser extremamente obscuro o jeito de se fazer um cálculo. Como no caso de um sujeito que tenha um grande gênio matemático mas que nunca tenha estudado sistematicamente a matéria. Ele pode fazer contas de maneira enormemente complicada. “Toda interpretação de uma ação conforme a fins orientada racionalmente dessa maneira possui -- para a inteligência dos meios empregados -- o grau máximo de evidência. Com não idêntica evidência, porém suficiente para nossas exigências de explicação, compreendemos também aqueles ‘erros’ (inclusive confusões de problemas) em que somos capazes de incorrer ou de cujo surgimento poderíamos ter uma experiência própria. Ao contrário, muitos dos ‘valores’ e ‘fins’ de caráter último que parecem orientar a ação de um homem, com freqüência não os podemos compreender com plena evidência, mas apenas, em certas circunstâncias, captá-los intelectualmente ...” Isto é muito importante. Há fins de caráter ético, emocional, etc, que não se pode captar endopaticamente por não se participar daquilo nem imaginariamente, por ser capaz de imaginar-- Numa compreensão endopática, não é necessário recorrer à lógica. Toma-se aquilo como um dado. Em certos casos, é necessariamente preciso recorrer à lógica (o que não se trata de compreensão endopática). Estudando as coisas assim, vemos que a quase totalidade das ações humanas tem uma lógica absolutamente implacável. E que se está acostumado a achar que se a ação for lógica, vai dar certo. Não é necessário assim. Porque toda ação lógica vai partir de alguma premissa, de alguma coisa -- e a premissa pode estar errada. “A esta classe pertencem, por exemplo certas ações virtuosas religiosas e caritativas, para o insensível a elas; de igual modo, muitos fanatismos de racionalismo extremado (‘direitos do homem’), para quem os aborreça.” Por exemplo, no budismo existe a “máquina de rezar”. É assim: é preciso rezar para os quatro pontos cardeais. O sujeito o dia inteiro girando aquilo. Tem compreensão endopática que resista a um negócio desses? Pode-se até dizer: “no fundo, estão rezando”. Mas se ele está rezando, a reza interior está virada para o Norte, Sul, Leste ou Oeste? Não está virada para parte alguma, por certo. Trata-se de uma ação ritual da qual podemos participar endopáticamente. Pode-se dizer que tem uma explicação, uma razão teológica. Mas não é endopático. Porém, se você desde pequeno faz gesto e está acostumado a botar ali uma intenção piedosa, para você a coisa mais óbvia do mundo é a máquina de rezar. Nós não podemos participar endopaticamente disso. Precisamos reconstruir os motivos, intelectualmente. No caso, não existe uma evidência imediata -- existe uma evidência imediata. “Muitos afetos reais (medos, cólera, ambição, inveja, ciúmes, amor, entusiasmo, orgulho, vingança, piedade, devoção e apetências de todo tipo) e as reações irracionais (desde o ponto de vista da ação racional segundo fins) derivadas deles, podemos ‘revivê-los’ afetivamente de modo tanto mais evidente quanto mais sejamos suscetíveis desses mesmos afetos .. “ Quanto mais você é suscetível a -- a suscetível: não quer dizer que você tenha -- um determinado sentimento, mais fácil é você obter a endopatia. Não quer dizer que seja uma empatia, que você participe do sentimento, mas quer dizer que você o admite como possível em você, faz parte do repertório de sentimentos conhecidos. “... e, em todo caso, ainda que excedam em absoluto as nossas possibilidades, por sua intensidade, podemos comprende-los endopaticamente e calcular intelectualmente seus efeitos sobre a direção e os meios da ação. O método científico que consiste na construção de tipos investiga e expõe todas as conexões de sentido irracionais, afetivamente condicionadas, do comportamento, que influam na ação, como ‘desvios’ de um desenvolvimento da mesma ‘construído’ como puramente racional segundo fins.” Quando falamos da “máquina de rezar”, falamos consequentemente de um comportamento tradicional. Quer dizer que o indivíduo não precisa estar plenamente consciente das intenções daquilo. Se disséssemos assim: “a comunidade, de um modo geral, está ...” mas quem é a comunidade? Alguém na comunidade talvez esteja, ou pelo menos a comunidade teria obrigação de estar. A ação tradicional fica no limite compreensível e do incompreensível, porque em parte é ação reflexa. Como compreendê- la? Endopáticamente não dá. Tem que ser reconstruído. Mas reconstruído, você pode chegar num ponto onde você esbarra no ato reflexo. Pode-se perguntar por que aquele sujeito em particular está virando a máquina de rezar. É diferente você saber que no budismo em geral existe este princípio. Isso não explica por que ele está girando. Isto é ratio cognoscendi. Mas por que ele está girando? Ele talvez não saiba. Isso é uma ação tradicional, ele repete a comunidade, ele já criou este reflexo desde pequeno. Ele nunca pensou se aquilo deve ter ou não intenção. Há no caso uma mistura de elemento compreensível com elemento incompreensível; há um elemento intencional e um elemento reflexo. Você vê dois homens rezando: um é um teólogo budista que estudou todos os livros e escreveu uma teoria sobre a “máquina de rezar” e um outro que está fazendo a máquina desde que nasceu -- o ato é o mesmo. Só que num caso houve uma assimilação intencional de um simbolismo, pelo teólogo que está girando por motivos que lhe são plenamente conhecidos; o outro, está praticando um ato reflexo. Numa missa, temos todos os tipos de ações misturadas. Aparentemente, todos estão fazendo a mesma coisa. Estudando caso por caso, é possível ver que o significado da ação é diferente em cada caso. “Por exemplo, para a explicação de um ‘pânico na bolsa de valores” será conveniente fixar primeiro como se desenvolverá ação fora de todo influxo de afetos irracionais, para introduzir depois, como ‘pertubações’ aqueles componentes irracionais.” Trata-se aí de um tipo ideal. Supondo que houvesse, por exemplo, uma baixa repentina dos títulos na Bolsa de Valores, quais seriam as conseqüências lógicas? O que aconteceria se não houvesse nenhuma interferência irracional? Por exemplo, chego lá e espalho um boato, de que tais ou quais títulos vão descer formidavelmente. Daí espalha-se o pânico. No pânico evidentemente houve a interferência de um elemento irracional. Porém , qual é o peso, qual é o peso deste elemento? Só posso saber isso se primeiro descrever qual seria o encadeamento de causas a interferência do elemento irracional. Ou seja as conseqüências que adviriam logicamente da baixa de valores daqueles títulos. Daí eu posso saber qual foi o peso do elemento irracional na conduta dos indivíduos. Se não souber isso, nada relevante saberei. Senão que ficar em pânico? Para saber se tem sentido o pânico, só sabendo suas conseqüências lógicas. Tira-se então o pânico e descreve- se as conseqüências puramente lógicas. Fazer requer uma grande paciência, o que geralmente as pessoas não têm. Julgam que as coisas na esfera humana são malucas, nada dá para compreender ... Isso é tão maluco quanto a natureza mesma. “De igual modo procederíamos na explicação de uma ação política ou militar: teríamos de fixar, primeiro, como se haveria desenrolado a ação caso se houvesse conhecido todas as circunstancias e todas as intenções dos protagonistas e se houvesse orientado a escolha dos meios -- conforme os dados da experiência considerados por nós como existentes -- de um modo rigorosamente racional segundo fins.” Para sabermos exatamente, por exemplo, as causas do conflito no Oriente Médio, é preciso considerar a situação, com todos os dados possíveis e imagináveis, supor que todos os atores envolvidos no evento conhecem esses dados e como deveriam agir logicamente para atingir os fins a que cada qual visa neste caso. Somente aí ‘q que saberei onde houve interferência de um elemento irracional, de um elemento fortuito. O fortuito e o irracional têm que ficar para o fim. “Só assim seria possível a imputação dos desvios às irracionalidades que os condicionaram. A construção de uma ação rigorosamente racional segundo fins serve nestes casos à sociologia -- graças à sua evidente inteligibilidade e, enquanto racional, de sua univocidade -- como um tipo (tipo ideal), mediante o qual compreender a ação real, influída por irracionalidades de toda espécie (afetos, erros), como um desvio do desenvolvimento esperado da ação racional.” Você constrói um modelo que tenha um único sentido, que não tenha pluralidade de significados e daí você o compara com o que efetivamente aconteceu. Para você medir o desvio, só sabendo primeiro qual seria a rota correta. A rota correta seria aquela que, por um encadeamento lógico de meios, levasse ao fim desejado. “Deste modo, mas só em virtude desses fundamentos de conveniência metodológica, pode dizer- se que o método da sociologia ‘compreensiva’ é ‘racionalista’. “ Neste sentido é racionalista porque coloca um motivo racional em primeiro plano. Não quer dizer que ele predomine realmente. Por uma preocupação metológica, procuramos primeiro explicar a aquilo que sua “conexão de sentido” se compreende intelectualmente de um modo diáfano e exaustivo. E há evidência endopática da ação quando se revive plenamente a “conexão de sentimentos” que nela se viveu. Racionalmente compreensíveis -- isto é, neste caso: captáveis intelectualmente em seu sentido de um modo imediato e unívoco -- são sobretudo, e em grau máximo significativas, reciprocamente referidas, contidas nas proposições lógicas e matemáticas. Compreendemos assim de modo unívoco o que se dá a entender quando alguém, pensando ou argumentando, faz uso da proposição 2 x 2 = 4, ou dos teoremas pitagóricos, ou extrai uma conclusão lógica de um modo -- segundo nossos hábitos mentais -- “correto”. De igual modo, quando alguém, baseando-se nos dados oferecidos por “fatos” da experiência que nos sejam conhecidos, e em finalidades dadas, deduz para sua ação as conseqüências claramente inferíveis (segundo a nossa experiência) acerca da classe de “meios” a empregar. Toda interpretação de uma ação conforme a fins orienta racionalmente dessa maneira possui -- para a inteligência dos meios empregados -- o grau máximo de evidência. Com não idêntica evidência, porém suficiente para nossas exigências de explicação, compreendemos também aqueles “erros” (inclusive confusões de problemas) em que somos capazes de incorrer ou de cujo surgimento poderíamos ter uma experiência própria. Ao contrário, muitos dos “valores” e “fins” de caráter que parecem orientar a ação de um homem, com freqüência não os podemos compreender com plena evidência, mas apenas, em certas circunstâncias, captá-los intelectualmente, mas tropeçando com dificuldades crescentes em poder “revivê-los” por meio da fantasia endopática, à medida que se afastam mais radicalmente de nossas próprias valorações últimas. Temos então de contentar-nos, conforme o caso, com sua interpretação exclusivamente intelectual ou, em determinadas circunstâncias -- se bem que isto possa falhar -- , com aceitar aqueles fins e valores simplesmente como dados, para em seguida tratar de tornar-nos compreensível o desenvolvimento da ação por eles motivada, pela melhor interpretação intelectual possível ou revivendo seus pontos de orientação o mais de perto possível. A esta classe pertencem, por exemplo, certas ações virtuosas, religiosas e caritativas, para o insensível a elas; de igual modo, muitos fanatismos e racionalismo extremo (“direitos do homem”), para quem os aborreça. Muitos afetos reais (medo, cólera, ambição, inveja, ciúmes, amor, entusiasmo, orgulho, vingança, piedade, devoção e apetências de todo tipo) e as reações irracionais (desde o ponto de vista da ação racional segundo fins) derivadas deles, podemos “revivê-los” afetivamente de modo tanto evidente quanto mais sejamos suscetíveis desses afetos; e, em todo caso, ainda que excedam em absoluto as nossas possibilidades, por sua intensidade, podemos compreendê- los endopaticamente e calcular intelectualmente seus efeitos sobre a direção e os meios da ação. O método científico que consiste na construção de tipos investiga e expõe todas as conexões de sentido irracionais, efetivamente condicionadas, do comportamento, que influam na ação, como “desvios” de um desenvolvimento da mesma “construído” como puramente racional segundo fins. Por exemplo, para a explicação de um “pânico na bolsa de valores” será conveniente fixar primeiro como se desenvolveria a ação fora de todo influxo de afetos irracionais, para introduzir depois, como “pertubações”, aqueles componentes irracionais. De igual modo procederíamos na explicação de uma ação política ou militar: teríamos de fixar, primeiro, como se haveria desenrolado a ação caso se houvesse conhecido todas as circunstâncias e todas as intenções dos protagonistas e se houvesse orientado a escolha dos meios -- conforme os dados da experiência considerados por nós existentes -- de um modo rigorosamente racional segundo fins. Só assim seria possível a imputação dos desvios às irracionalidades que os condicionaram. A construção de uma ação rigorosamente racional segundo fins serve nestes casos à sociologia -- graças à sua evidente inteligibilidade e, enquanto racional, de sua univocidade -- como um tipo (tipo ideal), mediante o qual compreender a ação real, influída por irracionalidades de toda espécie (afetos, erros), como um desvio do desenvolvimento esperado da ação racional. Deste modo, mas só em virtude desses fundamentos de conveniência metodológica, pode dizer-se que o método da sociologia “compreensiva” é “racionalista”. Este procedimento não deve, pois, interpretar-se como um preconceito racionalista da sociologia, mas só um recurso metódico; e muito menos, portanto, como se implicasse a crença de um predomínio do racional na vida. Pois nada nos diz, no mais mínimo, até que ponto, na realidade, as ações reais estão ou não determinadas por considerações racionais de fins. (Não pode negar-se a existência do perigo de interpretações racionalistas em lugar inadequados. Toda a experiência confirma, por desgraça, esta assertiva). 4. Os processos e objetivos alheios ao sentido entram no âmbito das ciências da ação como ocasião, resultado, estímulo ou obstáculo da ação humana. Ser alheio ao sentido não significa “inanimado” ou “não humano”. Todo artefato, quer máquina, por exemplo, se compreende e se interpreta, no fim das contas, pelo sentido que a ação humana (com finalidades possivelmente muito diversas) empresta (ou desejaria emprestar) à sua produção e emprego; sem o recurso a este sentido, permanece completamente incompreensível. O compreensível é, pois, sua referência à ação humana, seja como “meio”, seja como “fim” imaginado pelo ator ou atores, e que orienta sua ação. Só mediante estas categorias cabe uma compreensão de semelhantes objetos. Ao contrário, permanecem alheios ao sentido todos os processos ou estados -- animados, inanimados, humanos e extra-humanos -- em que não se menta um sentido, enquanto não apareçam na ação a relação de “meio” ou de “fim”, e só sejam, para a mesma, ocasião, estímulo ou obstáculo. A formação do Dollart (1), no ano de 1277, tem (talvez ! ) significação histórica como provocadora de certos assentamentos populacionais de considerável alcance histórico. O ritmo da morte e o ciclo orgânico da vida, desde o desvalimento da criança ao desvalimento do ancião, têm naturalmente alcance sociológico de primeira força, pelos diversos modos em que a ação humana se orientou e se orienta por esses fatos. Outra classe de categorias está constituída por certos conhecimentos sobre o desenvolvimento de alguns fenômenos físicos ou psicofísicos (cansaço, hábito, memória, etc.; e também, por exemplo, euforias típicas em determinadas formas de debilitação, diferenças típicas dos modos de reação segundo ritmo, modo, claridade, etc.) que, se apoiam na experiência, não implicam compreensão. A situação é, sem embargo, a mesma que a existente em outros fatos opacos à compreensão: a “atitude compreensiva” aceita-os da forma que o faz qualquer atividade prática, como, “dados” com que é preciso contar. Cabe a possibilidade de que a investigação futura encontre regularidades não sujeitas à compreensão em determinadas condutas dotadas de sentido, por escassa que tenha sido até agora tal coisa. Diferenças na herança biológica (das “raças”, por exemplo) -- quando e na medida em que se fornecesse a prova estatística de sua influência nos modos de conduta de alcance sociológico; especialmente na ação social no que diz respeito à maneira de estar referida a seu sentido -- seriam aceitos pela sociologia como dados, nem mais nem menos do que os fatos fisiológicos do tipo da necessidade de alimentação ou dos efeitos da velhice sobre a ação humana. E o reconhecimento de seu significado causal não alteraria em nada a tarefa da sociologia (e das ciências da ação em geral): compreender, interpretando-as, as ações orientadas por um sentido. Não faria senão enxertar em determinados pontos de suas conexões de motivos, compreensíveis e interpretáveis, fatos não compreensíveis (assim: conexões típicas entre a freqüência de determinadas finalidades de ação ou o grau de sua racionalidade e o índice craniano, a cor da pele ou quaisquer outras modalidades fisiológicas hereditárias), como hoje em dia ocorre nessa matéria. 5. Pode entender-se por compreensão: 1, a compreensão atual do sentido mentado numa ação (inclusive: de uma manifestação). Compreendemos, por exemplo, de um modo atual o sentido d proposição 2 x 2 = 4, que ouvimos ou lemos (compreensão racional, atual, de pensamentos), ou uma explosão de cólera manifestada em expressões faciais, interjeições ou movimentos A chamada “lei de Gresham” (2), por exemplo, é uma interpretação racional evidente da conduta humana em determinadas condições e desde o pressuposto típico-ideal de uma ação estritamente racional segundo fins. Até que ponto a conduta real concorda com a construção é coisa que só nos pode ser ensinada por uma experiência (expressável, em princípio, em alguma forma estatística) que comprove, nas relações econômicas, a desaparição efetiva da moeda de mais valor; isto nos institui sobre a ampla validade da lei. Na realidade, a marcha do conhecimento é esta: primeiro existiram as observações da experiência e depois veio a fórmula interpretativa. Sem esta interpretação conseguida por nós, teria permanecido insatisfeita nossa necessidade causal. Mas sem a prova, por outro lado, de que o desenvolvimento idealmente construído dos modos de conduta se encarna, em alguma medida, também na realidade, uma lei semelhante, em si tão evidente quanto se queira, teria sido uma construção sem valor para o conhecimento da ação real. Neste exemplo é concludente a concordância entre adequação de sentido e prova empírica, e os casos são suficientemente numerosos para que se tenha a prova como suficientemente segura. A hipótese de Eduard Meyer sobre a significação causal das batalhas de Maratona, Salamina e Platéia com relação à peculiaridade do desenvolvimento da cultura helênica (e, com ela, da ocidental) -- hipótese inferida por adequação de sentido e apoiada engenhosamente em fatos sintomáticos (atitude dos oráculos e dos profetas helênicos para com os persas) -- só poderia fortalecer-se com a prova obtida dos exemplos da conduta seguida pelos persas nos casos de vitória (Jerusalém, Egito, Ásia Menor) e, portanto, em muitos aspectos, tem de permanecer incompleta. A evidência racional interpretativa da hipótese tem de permanecer incompleta. A evidência racional interpretativa da hipótese tem aqui de servir forçosamente como apoio. Em outros muitos casos de imputação histórica, de grande evidência ao que parece, nem sequer cabe a prova do caso citado. Por conseguinte, a imputação permanece definitivamente como uma simples hipótese. 7. Chamamos “motivo” a conexão de sentido que para o ator ou o observador aparece como o “fundamento” com sentido de uma conduta. Dizemos que a conduta que se desenvolve como um todo coerente é “adequada pelo sentido, na medida em que afirmamos que a relação entre seus elementos constitui uma “conexão de sentido” típica (ou, como costumamos dizer, “correta”) conforme os hábitos mentais e efetivos médios. Dizemos, ao contrário, que uma sucessão de fatos é “causalmente adequada”, na medida em que, segundo regras de experiência, exista esta probabilidade: de que sempre transcorra de igual maneira. (Adequada por seu sentido é, por exemplo, a solução correta de um problema aritmético, de acordo com as normas habituais do pensamento e do cálculo. É causalmente adequada -- no âmbito do acontecer estatístico -- a probabilidade existente, de acordo com regras comprovadas da existência, de uma solução “correta” ou “falsa” -- desde o ponto de vista de nossas normais habituais -- e também de um “erro de cálculo” típico ou de uma confusão de problemas também típica). A explicação causal significa, pois, esta afirmação: que, de acordo com uma determinada regra de probabilidade -- qualquer que seja o modo de calculá-la, e só em casos raros e ideais pode ser segundo dados mensuráveis -- , um determinado processo (interno ou externo) observado segue-se outro processo determinado (ou aparece juntamente com ele). Texto adaptado e resumido de Julien Freud, Sociologia de Max Weber, trad. Luís Cláudio de Castro e Costa, Rio, Forense, 2a ed. 1975, Cap. II, pp 32-66. Max Weber; Cap. XIV pg. 231 in: Teoria Sociológica -- Nicholas S. Timasheff; Zahar Editores; 1979. * Extraído de: Max Weber, Economía y Sociedad. Esbozo de Sociología Compreensiva, ed. Johannes Winckelmann, trad. José Medina Ecnavarría et al., México, Fondo de Cultura Económica, 2a ed., 1964, pp. 5 - 18. Aulas de fevereiro de 1991. AULAS DE FEVEREIRO DE 1991. ASTROCARACTEROLOGIA AULA 41 SÃO PAULO, 21 FEV. 1991 TRANSCRIÇÃO: VIVIAN HAMANN SMITH P: Alguém pode recordar o que vimos sobre Weber, na última rodada de aula? A: O cerne da questão é a metodologia. Antes, buscava-se caracterizar ciência humana e ciência exata. Weber procurou mostrar o engano que havia em se enfocar determinado ramo do saber, um como exato e outro como humano, dado que isso levava a uma aberração, fazendo crer que havia mais conhecimento científico do lado das ciências exatas e menos do lado das ciências humanas. A metodologia tinha que formulada. A idéia principal era mostrar que, não importando o assunto da ciência, era preciso adaptar a metodologia ao conteúdo dessa ciência, e que isso implicava numa especificação da metodologia científica; era preciso abandonar a preocupação em generalizar a metodologia, e se adaptar à especificidade de cada ramo do saber. P: Essa é a colocação geral do problema. O que Weber entende por ação social? A: É uma ação segundo fins, e portanto pode ser compreendida e também explicada. É uma ação que tem uma intenção. A ação social é aquela na qual a previsão de intenções alheias é um dos componentes. Por exemplo, tomar banho é uma ação social? Pode ser, pode não ser. Se estou tomando banho para que não sintam o fedor, é uma ação social. Mas, se estou tomando banho sem nenhuma intenção de sair, e sabendo que eu vou ficar em casa sozinho, o resto do dia, não se trata de ação de ação social, pois a intenção alheia, o julgamento alheio não foi um dos componentes da ação. P: O que é para Weber Sociologia? Na ação social, o que se visa por um lado é a compreensão das intenções do agente e, por outro, a explicação das causas da ação. As causas, por sua vez, podem ser sociais ou extra-sociais. No exemplo citado, do banho, o sujeito tomou banho porque suou. O suor em si não faz ninguém tomar banho, mas é um dos elementos que é levado em conta na intenção. É um fato natural, que entra como uma das causas. Neste fato simples - tomar banho -, há um grupo de causas presentes. O estar suado é elemento de causa, mas não causa total. Se somarmos todas as causas que podem interferir neste fato, ainda assim elas não chegam a esgotar o fato, pois sempre vai precisar entrar, como uma das causas, a intenção do sujeito. delimita a Sociologia, porque tudo que o homem faça, pense, aja, deseje, sonhe, tudo isso parte da Psicologia. Não podemos dizer que psicológico é somente o que é não-racional, pois também faz parte da Psicologia. Qualquer ação humana sempre é psicológica, e algumas vezes é sociológica. Sendo assim, teremos que tomar um pouco a parte pelo todo, quer dizer, ao usar o método de Weber nós já sabemos que vai chegar um momento em que ele vai se tornar insuficientemente para nós, quando os motivos racionais começarem a ser insuficientes. Ou seja, sempre vai existir um terreno para além do qual os motivos racionais já não podem explicar o comportamento, de maneira alguma. Pior ainda, eles não são sequer levados em consideração. Quando nós investigamos o sonho, é evidente que ele deve e de fato possui uma estrutura racional, pois ele é um fenômeno natural e tem causas e essas causas devem ser encadeadas de uma maneira racional. Hoje em dia, a tendência dominante no estudo dos sonhos é entendê-los como mecanismo de reequilibração do organismo. Freud já os via como expressão de desejos reprimidos, e hoje em dia se entende que a expressão de desejos reprimidos é só uma parte mais ou menos insignificante da utilidade dos sonhos. Porém, uma coisa é dizer que o sonho, enquanto fenômeno natural, tem uma estrutura racional ou compreensível racionalmente, e outra coisa é dizer que o sujeito sonha por motivos racionais. Evidentemente, ninguém sonha por motivos racionais; ninguém decide sonhar porque, consideradas as coisas racionalmente, será útil sonhar, para tal ou qual fim. Em princípio, todas as causas são racionalizáveis, todas as causas de tudo o que acontece. Porque a ciência não é outra coisa senão isto: o estudo racional das causas. Porém, os motivos racionais têm pouquíssima importância. Nem mesmo esses fenômenos admitiriam ser estudados sob este aspecto. Vai chegar o momento onde este método vai nos revelar sua insuficiência. Nesse momento, veremos que causas que transcedem infinitamente a consciência do indivíduo determinam o surgimento de motivos que nada têm a ver com as causas, e de fato nada têm a ver com a ação real. Todo comportamento inconsciente certamente tem causas, só que essas causas não coincidem, em nenhum momento, com os motivos alegados. Quer dizer que a ordem da elaboração dos motivos nada tem a ver com a ordem real das causas, ao passo que, numa ação racional, a própria finalidade é uma das causas. Quando o sujeito toma banho, por exemplo, o desejo de ficar limpo, que é fim visado pela ação, é uma das causas que estão presentes desde o início. Porém, quando há uma ação que dizemos que é movida por causas inconscientes, ou não existe nenhuma alegação de motivos, como no caso do sonho - pois ninguém tem motivos para sonhar -, ou então os motivos apresentados à consciência pouco ou nada têm a ver com as causas, e não agem como causas. Isto é uma conquista psicológica de primeira grandeza: nós podemos dizer que uma determinada ação foi inconsciente quando, radicalmente, os motivos alegados não agem como causas. Se um motivo qualquer de determinada ação, ainda que misturado a uma infinidade de outras causas, agir efetivamente como causa, então, pelo menos em parte, essa ação é consciente, voluntária. O que é uma ação voluntária? É a ação na qual um fim conscientemente desejado age como causa. Se eu suponho estar agindo por determinado motivo, e na realidade o que está me fazendo agir é uma coisa completamente diferente, então o motivo alegado não tem força causante. O tremo "racionalização", usado em Psicanálise, é quando um falso motivo é apresentado de maneira lógica. Mas, evidentemente, a racionalização é uma espécie do fenômeno no qual os motivos alegados não tem força causante. De qualquer modo, só podemos dizer que houve uma ação inconsciente quando radicalmente o motivo alegado é alheio a essa causa. O caso clássico é o sujeito sob hipnose e induzido, após o despertar do sono hipnótico, a fazer isto o aquilo. Ele, ao acordar, sente um impulso incoercível de fazer isso ou aquilo e, se perguntarem por que ele fez o que fez, imediatamente produzirá toda uma constatação de motivos que, no entanto, não estavam presentes no desencadear da causa, mas foram inventados posteriormente. Mas ele acredita nesses motivos. O motivo atua apenas como justificação a posterioridade de uma ação causada por uma coisa completamente diferente. Neste sentido, verão que o número de ações inconscientes é demasiado pequeno, porque na maior parte das nossas ações, ainda que o mecanismo causal permaneça inconsciente, ele não contradiz os motivos alegados conscientemente. Se eu fico com fome e vou comer: não participei conscientemente do desencadear da fome, ela se fez por si mesma; o organismo, agindo à minha revelia, sofreu tais ou quais transformações internas que resultaram numa sensação de fome. Estou alheio a isto. Quando ou almoçar, pode ser exemplo, porque apareceu uma pessoa no meu escritório em cuja companhia desejo almoçar. Este seria o motivo, embora concorra muito levemente para o desencadear da ação, embora ele venha mais ou menos a posteriori, ele não contradiz o processo causal real, ele simplesmente lhe é alheio. E, de fato, na maior parte das ações humanas, não é necessário haver um motivo consciente. Todas as nossas ações automáticas - respirar, andar, etc - não precisam de motivo consciente para atuarem. Basta que esse imenso conjunto de ações automatizadas inconscientes concorram em última análise para algum motivo consciente. Por exemplo, se desejo sair daqui para ir ao cinema, só quero ver o filme, não preciso coordenar conscientemente a totalidade das ações que vou empreender para este fim. O corpo agirá por si mesmo na maior parte do tempo, eu não estarei consciente de todos os mecanismos causais desencadeados, e o que importa é que esses mecanismos inconscientes concorram para uma finalidade consciente. Ações deste tipo podem ser ditas inconscientes, porque neste caso as causas inconscientes estão subordinadas a uma intenção consciente; embora continuem inconscientes, elas agem com vistas a um fim consciente. Isto quer dizer que todos os mecanismos reflexos, condicionados e incondicionados, não podem ser ditos causas inconscientes propriamente ditas operem inconscientemente. Porque não são eles de fato a causa da ação, eles são processos causais parciais que vão concorrer para uma ação total, determinada por motivo consciente. Isto quer dizer que as ações que são realmente inconscientes no homem, o são em número insignificante. A tendência hoje é dizer exatamente o contrário, que o homem é inconsciente a maior parte do tempo, porque não exerce consciente sobre a maior parte de seus atos. Alguns partem até para a negação de que exista a consciência. Muitas ações só são bem executadas quando se deixa o inconsciente funcionar direito, pois se você começar a interferir conscientemente, você não consegue mais. Se eu aqui, ao dar esta aula, começar, na mesma hora em que estou falando, a me interrogar sobre quais são os mecanismos que, no meu cérebro, produzem a recordação das palavras aprendidas da língua portuguesa, evidentemente que não conseguirei mais falar. A quase totalidade das nossas ações se pratica através de processos causais inconscientes, porém visa a um objetivo consciente, está subordinada a ele e não requer um controle consciente. As ações que não requerem controle consciente não podem ser ditas ações inconscientes, porque o processo inconsciente está subordinado a uma finalidade consciente. Só podemos dizer que existe uma ação inconsciente quando existe uma contradição. A idéia de que, como a consciência não interfere na maior parte das nossas ações, então o inconsciente é que predomina, é como você dizer o seguinte: como o governo de uma nação raramente interfere na vida dos cidadãos (só interferem na cobrança de impostos) e como na maior parte do tempo os cidadãos fazem que lhes dá na cabeça, sem a interferência da autoridade, então a autoridade não existe, o Estado não existe. Ora, se o Estado interfere pouco, é porque a maior parte das ações dos indivíduos humanos concorrem harmônica e automaticamente para as finalidades do Estado, e ele não precisa interferir diretamente.
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