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Como poder efectuar a paginação coerente e pontual, Esquemas de Informática

Como poder efectuar a paginação coerente e pontual para área de informática

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 10/02/2023

Brevian
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Baixe Como poder efectuar a paginação coerente e pontual e outras Esquemas em PDF para Informática, somente na Docsity! MANUAL DE FORMAÇÃO DE FORMADORES Capacitação nas áreas do Tráfico de Estupefacientes, da Corrupção e do Branqueamento de Capitais e com conhecimento dos instrumentos legais, administrativos e processuais em vigor nos países de língua oficial portuguesa. Aviso de responsabilidade: Esta publicação foi produzida no âmbito do Projeto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e Timor-Leste (PACED). Os seus conteúdos são da res- ponsabilidade exclusiva dos seus autores. Nem o Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., nem qualquer indivíduo agindo em nome do mesmo é responsável pela utilização que possa ser dada às informações que se seguem. As designações e a apresentação dos materiais e dados usados neste documento não implicam a expressão de qualquer opinião da parte do Camões, I.P., da Cooperação Portuguesa ou do Ministério dos Negócios Estrangeiros relativamente ao estatuto jurídico de qualquer país, território, cidade ou zona, ou suas autoridades, bem como a expressão de qualquer opinião rela- tivamente à delimitação das suas fronteiras ou limites. A referência a projetos, programas, produtos, ferramentas ou serviços específicos não implica que estes sejam apoiados ou recomendados pelo Ca- mões, I.P., concedendo-lhes preferência relativamente a outros de natureza semelhante, que não são mencionados ou publicitados. É permitido copiar, fazer download ou imprimir o conteúdo deste manual. Esta publicação deve ser ci- tada como: Manual de Formação de Formadores – Capacitação nas Áreas do Tráfico de Estupefacien- tes, da Corrupção e do Branqueamento de Capitais e com conhecimento dos instrumentos legais, ad- ministrativos e processuais em vigor nos países de língua oficial portuguesa, Albano Pinto, Fernando Sousa Silva, Helena Susano, Rui Cardoso, Centro de Estudos Judiciários/ Camões, I.P. – Projeto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito (Lisboa, 2021). Contacto: Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. | Ministério dos Negócios Estrangeiros | Avenida da Liberdade, 270, 1250-149 Lisboa, Portugal |Tel. +351 213 109 100 | geral@camoes.mne.pt Website Camões, I.P.: www.instituto-camoes.pt Website PACED: https://www.paced-paloptl.com/ Declaração de exoneração de responsabilidade: Este documento foi elaborado com a participação fi- nanceira da União Europeia. As opiniões nele expressas não refletem necessariamente a posição oficial da União Europeia. Website União Europeia: https://ec.europa.eu/international-partnerships/ SOBRE O PACED O PACED é um projeto que nasce da parceria da União Europeia com os PALOP e Timor-Leste e que tem como objetivos a afirmação e consolidação do Estado de direito nestes países, assim como a prevenção e luta contra a corrupção, o branqueamento de capitais e a criminalidade organizada, em particular, o tráfico de estupefacientes. Com um orçamento de 8,4 milhões de euros, dos quais 8,05 administra- dos diretamente pelo Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., o PACED desenvolve, junto das autoridades competentes ao nível legislativo, executivo e judiciário dos PALOP e Timor-Leste, um conjunto de atividades destinadas à melhoria do ambiente legal, ao fortalecimento das capacidades institucionais, através da atualização/modernização dos procedimentos operacionais e aumento dos conhecimentos e competências dos seus recursos humanos; bem como ao reforço da cooperação regio- nal e da colaboração entre instituições homólogas. SOBRE A UNIÃO EUROPEIA Os Estados-Membros da União Europeia decidiram unir os seus conhecimentos práticos, os seus recur- sos e os seus destinos. Juntos, construíram uma zona de estabilidade, democracia e desenvolvimento sustentável preservando simultaneamente a diversidade cultural, a tolerância e as liberdades indivi- duais. A União Europeia assume o compromisso de partilhar os seus êxitos e os seus valores com os países e povos que se encontram para além das suas fronteiras. A União Europeia é o maior doador mundial de ajuda ao desenvolvimento. Mais da metade dos recursos disponibilizados a nível global para apoiar os países em desenvolvimento provém da União Europeia e dos seus Estados-Membros. O principal objetivo da União Europeia é a erradicação global da pobreza, no contexto do desenvolvimento sustentável. Existem dois canais de financiamento para as políticas de desenvolvimento da UE: Fundos do Orçamento Geral da UE (cerca de 50% dos recursos destinados ao desenvolvimento são provenientes deste orçamento); e Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED, para as políticas relativas aos países ACP, cobrindo os 50% restantes. SOBRE O CAMÕES, Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. O Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, I. P. é o organismo responsável pela supervisão, coor- denação e reporte da política de cooperação para o desenvolvimento de Portugal, promovendo, finan- ciando e executando dezenas de projetos em vários países parceiros, em particular nos PALOP e Ti- mor-Leste. O Instituto trabalha em estreita parceria com a UE na prossecução dos seus compromissos internacionais em matéria de cooperação. Entre outras modalidades desta parceria, o Camões, I.P., está acreditado para administrar fundos em nome da Comissão Europeia, no quadro da chamada “coope- ração delegada”, mecanismo privilegiado para a gestão de projetos regionais nos PALOP e Timor-Leste, como o é o caso do PACED. Projeto financiado pela União Europeia e cofinanciado e gerido pelo Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. 5 PREFÁCIO 2.2.1. Três dígitos. E três pontos que os separam e os unem dando-lhe uma coerência estruturante. Três dígitos e três pontos que representam um projeto de subatividade, compreendendo uma ideia, um plano e a sua consagração prática: a execução. Objetivo primeiro do projeto a capacitação de formandos nas áreas da corrupção, branqueamento de capitais e tráfico de estupefacientes com conhecimento dos instrumentos legais, administrativos e pro- cessuais. A expressão numérica inicial encerra em si os termos de referência do projeto no âmbito do qual se produziu o Manual de Formação de Formadores que agora se apresenta. 1. Integrado no programa do 10.º FED (Fundo Europeu de Desenvolvimento) para a área da justiça foi lançado em outubro de 2010 o Projeto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito (PACED) nos Paí- ses Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Timor-Leste (TL), para cooperar na afirmação e na consolidação do Estado de Direito nos PALOP e Timor-Leste, em especial em eixos essenciais da justiça e do funcionamento do Estado de direito como a prevenção e a luta contra a corrupção, o branquea- mento de capitais, e o crime organizado, com destaque para o tráfico de estupefacientes, no âmbito de uma parceria com a União Europeia. Dispondo de um pacote financeiro de quase 8 milhões e meio de euros, gerido, na quase totalidade pelo Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P, dirigido a um público-alvo centrado nos Ministérios da Justiça, Tribunais, Procuradores-gerais da República e Ministério Público, Polícias de Investigação Criminal, Bancos Centrais e Unidades de Informação Financeira dos Estados, os termos de referência do projeto previam a realização e concretização de três resultados fundamentais: «O quadro jurídico e regulamentar e a organização administrativa dos PALOP e de Timor-Leste em ma- térias de prevenção e luta contra a corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado, especialmente de estupefacientes, são reforçados e modernizados em conformidade com as melhores práticas inter- nacionais; As capacidades institucionais e humanas das instituições relevantes dos PALOP e de Timor-Leste são fortalecidas e os seus procedimentos operacionais são atualizados e modernizados; e A cooperação e a colaboração entre instituições homólogas dos PALOP e de Timor-Leste, bem como entre si e das organizações externas e internacionais relevantes, são reforçadas com base em diretrizes comuns, nos temas do projeto.» Para a prossecução destes resultados identificavam-se «um conjunto de 16 atividades, formuladas de forma suficientemente elástica a fim de assegurar a sua relevância e adequação às dinâmicas do con- texto de cada um dos países parceiros, através da identificação futura e mais detalhada de cada uma das atividades pré-definidas». Especificamente quanto à capacitação nas áreas da corrupção, branqueamento de capitais e tráfico de estupefacientes com conhecimento dos instrumentos legais, administrativos e processuais, além do reforço da eficácia da coordenação interinstitucional, previa-se a capacitação das autoridades policiais dos países parceiros para exercerem as suas funções de prevenção, fiscalização e investigação, a capa- citação do Ministério Público para exercer as suas funções de investigação e acusação, e as autoridades judiciais para exercerem as suas funções de controlo judicial e julgamento, nos três casos assinalados de branqueamento de capitais, corrupção e tráfico de estupefacientes, perspetivando-se, até ao final 9 ÍNDICE I ENQUADRAMENTO PEDAGÓGICO: Fernando Sousa Silva 17 1.1 PRESSUPOSTOS DA AÇÃO FORMATIVA 17 1.2 O FORMADOR – PERFIL E COMPETÊNCIAS 17 1.3 FATORES E PROCESSOS DE APRENDIZAGEM 19 1.3.1 CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM 21 1.3.2 ETAPAS DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM 22 1.3.3 FATORES PSICOLÓGICOS DA APRENDIZAGEM 22 1.3.4 FACILITADORES DA APRENDIZAGEM 23 1.4 RELAÇÃO PEDAGÓGICA E ANIMAÇÃO DE GRUPOS EM FORMAÇÃO 24 1.4.1 A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NA RELAÇÃO PEDAGÓGICA 24 1.4.1.1 COMUNICAR BEM EM CONTEXTO DE FORMAÇÃO 25 1.4.1.2 A UTILIZAÇÃO DE SOFTWARES DE APRESENTAÇÃO 27 1.4.1.3 A GESTÃO DO ESPAÇO FÍSICO 28 1.4.1.4 O FORMADOR COMO ANIMADOR OU GESTOR DE COMUNICAÇÃO 28 1.4.1.5 AS ATITUDES DE COMUNICAÇÃO 28 1.4.1.6 A COMUNICAÇÃO PEDAGÓGICA – PRINCÍPIOS DE EFICÁCIA 29 1.4.2 INTERAÇÃO COM OS PARTICIPANTES 30 1.4.2.1 GRUPOS DE FORMAÇÃO E ESTILOS DE ATUAÇÃO DO FORMADOR 30 1.4.2.2 APRESENTAÇÃO E ACOLHIMENTO 31 1.4.2.3 DESENVOLVIMENTO DA SESSÃO DE FORMAÇÃO – O PAPEL DO FORMADOR 32 1.4.2.4 A COMPOSIÇÃO DO GRUPO DE FORMANDOS 33 1.4.2.5 ATUAÇÕES DO FORMADOR FACE A SITUAÇÕES INDIVIDUAIS, GRUPAIS E DE CONFLITO 35 1.5 MÉTODOS E TÉCNICAS PEDAGÓGICAS 37 1.5.1 MÉTODOS PEDAGÓGICOS 37 1.5.1.1 MÉTODOS AFIRMATIVOS – O MÉTODO EXPOSITIVO 37 1.5.1.2 MÉTODOS AFIRMATIVOS – O MÉTODO DEMONSTRATIVO 38 1.5.1.3 O MÉTODO INTERROGATIVO 39 1.5.1.4 O MÉTODO ATIVO 41 1.5.1.5 AS TÉCNICAS ATIVAS 42 1.5.2 A ANDRAGOGIA 44 1.6 OBJETIVOS PEDAGÓGICOS 46 1.6.1 A IMPORTÂNCIA DE DEFINIR OBJETIVOS PEDAGÓGICOS 46 1.6.2 A DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS PEDAGÓGICOS 47 1.7 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM 49 1.7.1 CONCEITO E FINALIDADES DA AVALIAÇÃO 49 1.7.2 OS TIPOS DE AVALIAÇÃO 50 1.7.3 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO 51 1.7.4 ESCALAS DE AVALIAÇÃO 53 1.7.5 A SUBJETIVIDADE NA AVALIAÇÃO 53 10 1.8 RECURSOS DIDÁTICOS 54 1.8.1 DEFINIÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E CRITÉRIOS DE ESCOLHA DE RECURSOS DIDÁTICOS 54 1.8.2 ESPECIFICIDADES DOS DIFERENTES RECURSOS DIDÁTICOS 55 1.8.2.1 DOCUMENTOS ESCRITOS 55 1.8.2.2 QUADRO BRANCO 55 1.8.2.3 QUADRO DE PAPEL OU FLIPCHART 56 1.8.2.4 RETROPROJETOR 57 1.8.2.5 VÍDEOS E FILMES 58 1.8.2.6 SOFTWARES DE APRESENTAÇÃO 58 1.9 PLANIFICAÇÃO DA FORMAÇÃO E O PLANO DE SESSÃO 59 1.9.1 A PLANIFICAÇÃO – CONCEITO E FATORES 59 1.9.2 AS FASES DA PLANIFICAÇÃO 60 1.9.2.1 PLANEAMENTO DA SESSÃO 60 1.9.2.2 PREPARAÇÃO DA SESSÃO 60 1.9.2.3 PREPARAÇÃO DO GRUPO 60 1.9.2.4 DESENVOLVIMENTO DA SESSÃO 61 1.9.2.5 CONCLUSÃO 62 1.9.3 O PLANO DE UMA SESSÃO DE FORMAÇÃO 62 1.9.4 A ESTRUTURA DE UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA 63 1.10 AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO 64 1.10.1 EFICÁCIA E AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO 64 1.10.2 O MODELO DOS QUATRO NÍVEIS DA AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO DE KIRKPATRICK 64 II A INFLUÊNCIA DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS INTERNACIONAIS NO COMBATE AO TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES, CORRUPÇÃO E BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS: Helena Susano 67 III ENQUADRAMENTO JURÍDICO – CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES: Rui Cardoso 72 3.1 PANORAMA ATUAL SOBRE O TRÁFICO E O USO DE DROGAS 72 3.2 AS FONTES LEGAIS 73 3.2.1 CONVENÇÕES DA ONU 73 3.2.2 PORTUGAL, ANGOLA, CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MOÇAMBIQUE, SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE E TIMOR-LESTE 74 3.2.3 CONVENÇÃO DE 1988 75 3.3 OS CRIMES DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES EM PORTUGAL, ANGOLA, CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MOÇAMBIQUE, SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE E TIMOR-LESTE 76 3.3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS 76 3.3.2 O BEM JURÍDICO PROTEGIDO 77 3.3.3 A NATUREZA DO CRIME 78 3.3.3.1 CRIME DE PERIGO ABSTRATO 78 3.3.3.2 CRIME DE PERIGO ABSTRATO-CONCRETO? 80 13 3.6.2.3 CABO VERDE 124 3.6.2.4 GUINÉ-BISSAU 124 3.6.2.5 MOÇAMBIQUE 125 3.6.2.6 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 125 3.6.2.7 TIMOR-LESTE 125 3.6.3 AS BUSCAS E REVISTAS 126 3.6.3.1 PORTUGAL 126 3.6.3.2 ANGOLA 126 3.6.3.3 CABO VERDE 127 3.6.3.4 GUINÉ-BISSAU 127 3.6.3.5 MOÇAMBIQUE 127 3.6.3.6 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 127 3.6.3.7 TIMOR-LESTE 128 3.6.4 A DETENÇÃO E AS MEDIDAS DE COAÇÃO 128 3.6.4.1 PORTUGAL 128 3.6.4.2 ANGOLA 129 3.6.4.3 CABO VERDE 129 3.6.4.4 GUINÉ-BISSAU 129 3.6.4.5 MOÇAMBIQUE 129 3.6.4.6 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 130 3.6.4.7 TIMOR-LESTE 130 3.6.5 A PROTEÇÃO DE TESTEMUNHAS 131 3.6.5.1 PORTUGAL 131 3.6.5.2 ANGOLA 131 3.6.5.3 CABO VERDE 132 3.6.5.4 GUINÉ-BISSAU 132 3.6.5.5 MOÇAMBIQUE 132 3.6.5.6 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 132 3.6.5.7 TIMOR-LESTE 132 3.7 O REGIME NORMATIVO DA PERDA DE INSTRUMENTOS, PRODUTOS E VANTAGENS DO CRIME E A PERDA AMPLIADA DE BENS 133 3.7.1 PORTUGAL 133 3.7.2 ANGOLA 135 3.7.3 CABO VERDE 136 3.7.4 GUINÉ-BISSAU 136 3.7.5 MOÇAMBIQUE 136 3.7.6 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 137 3.7.7 TIMOR-LESTE 137 IV ENQUADRAMENTO JURÍDICO – CRIME DE CORRUPÇÃO: Albano Pinto 139 § 1.º CONSIDERAÇÕES GERAIS 139 1. DEFINIÇÃO 139 2. CLASSIFICAÇÕES 142 3. A CORRUPÇÃO E A ÉTICA 143 4. CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS 146 14 §2.º INSTRUMENTOS LEGAIS 148 1. TRATADOS OU CONVENÇÕES 148 2. LEGISLAÇÃO NACIONAL 156 §3. DOS FUNCIONÁRIOS E SEUS DEVERES EM GERAL 156 1. NOÇÃO DE FUNCIONÁRIO 156 2. PRINCÍPIOS QUE REGEM A ATUAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS 157 § 4.º MODALIDADES DA CORRUPÇÃO E SUAS DESCRIÇÕES TÍPICAS 160 1. MODALIDADES 160 2. DESCRIÇÕES TÍPICAS 162 § 5.º CORRUPÇÃO PASSIVA 167 1. TIPO OBJETIVO 167 2. TIPO SUBJETIVO 186 3. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA 186 4. SUJEITO ATIVO 189 5. SUJEITO PASSIVO 191 6. UNIDADE E PLURALIDADE DE INFRAÇÕES 191 7. PROVA 192 § 6.º CORRUPÇÃO ATIVA 193 1. TIPO OBJETIVO 193 2. TIPO SUBJETIVO 196 3. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA 196 4. SUJEITO ATIVO 198 5. SUJEITO PASSIVO 198 6. PROVA 198 V ENQUADRAMENTO JURÍDICO – CRIME DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS: Albano Pinto 199 §1.º INTRODUÇÃO: ALGUMAS NOÇÕES PRÉVIAS 199 1. DEFINIÇÃO DE BRANQUEAMENTO 199 2. RELAÇÃO COM OUTROS CRIMES 199 3. PROCESSO: AS FASES DO BRANQUEAMENTO 200 4. PARAÍSOS FISCAIS 200 § 2.º ORGANISMOS INTERNACIONAIS 201 1. GRUPO DE AÇÃO FINANCEIRA (GAFI) 202 2. O GRUPO EGMONT (E AS UNIDADES DE INFORMAÇÃO FINANCEIRA) 204 3. O COMITÉ DE SUPERVISÃO BANCÁRIA DE BASILEIA 207 § 3.º INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS 207 1. RECOMENDAÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA, N.º R (80) 10, DE 27 DE JUNHO DE 1980 207 2. DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS DE BASILEIA SOBRE A PREVENÇÃO DA UTILIZAÇÃO DO SISTEMA BANCÁRIO PARA O BRANQUEAMENTO DE FUNDOS DE ORIGEM CRIMINAL 208 15 3. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1988, CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ESTUPEFACIENTES E DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS 208 4. DECLARAÇÃO DE PROPÓSITOS DO GRUPO EGMONT 210 5. DECLARAÇÃO POLÍTICA E PLANO DE AÇÃO CONTRA A LAVAGEM DE ATIVOS DA ONU, DE 10 DE JUNHO DE 1988 210 6. AS RECOMENDAÇÕES DO GAFI 210 7. CONVENÇÃO RELATIVA AO BRANQUEAMENTO, DETEÇÃO, APREENSÃO E PERDA DOS PRODUTOS DO CRIME, DO CONSELHO DA EUROPA (CONVÉNIO DE ESTRASBURGO DE 1990) 212 8. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CRIMINALIDADE ORGANIZADA TRANSNACIONAL (CONVENÇÃO DE PALERMO) 213 § 4.º CRIME DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS 216 1. TIPO OBJETIVO 216 2. TIPO SUBJETIVO 245 3. CONSUMAÇÃO 249 4. SUJEITO ATIVO 249 5. UNIDADE E PLURALIDADE DE INFRAÇÕES 250 6. PROVA 251 VI CASOS DE ESTUDO 253 VII PLANOS DE SESSÕES 260 7.1. SESSÃO 1 (ENQUADRAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL) 260 7.2. SESSÃO 2 (TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES) 263 7.3. SESSÃO 3 (CORRUPÇÃO) 265 7.4. SESSÃO 4 (BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS) 366 7.5. SESSÃO 5 (AVALIAÇÃO E CONCLUSÃO) 367 VIII MATERIAIS PARA AS AÇÕES DE FORMAÇÃO 268 8.1 ENQUADRAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL (APRESENTAÇÃO) 268 8.2 TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES (APRESENTAÇÕES E CASOS) 281 8.2.1 O CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES NA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA 281 8.2.2 ESPECIFICIDADES PROCESSUAIS, ESTRATÉGIA E MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO E A PERDA DE BENS 297 8.2.3 CASOS DE ESTUDO 313 8.3 CORRUPÇÃO (APRESENTAÇÃO) 320 8.4 BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS (APRESENTAÇÃO) 326 8.5 CORRUPÇÃO E BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS (CASOS DE ESTUDO) 333 BIBLIOGRAFIA 339 18 Assim, o formador é quem, numa ação de formação, estabelece uma relação pedagógica com os formandos, relação essa que deve orientar-se por determinados princípios de diferenciação, dinamismo e eficácia e que, usando ferramentas próprias (estratégias, métodos, técnicas e instrumentos não só de formação, mas também de avaliação), deverá orientar-se para a prossecução de objetivos específicos que passam pela aquisição e desen- volvimento por parte dos formandos de conhecimentos, competências, atitudes e comportamentos orientados para o contexto profissional. Neste momento, na legislação portuguesa não está previsto o estatuto do formador, mas podemos encontrar no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª série, n.º 31, de 22 de agosto de 2000, um “Perfil Profissional de Forma- dor/a – Competência Pedagógica” bastante completo. Segundo este documento, as atividades a desenvolver pelo formador são as seguintes: 1 – Planear/preparar a formação: 1.1 – Caracterizar o projeto da ação de formação em que irá intervir, analisando, nomeadamente, objetivos, perfis de entrada e de saída, programa e condições de realização; 1.2 – Constituir o dossier da ação de formação; 1.3 – Conceber e planificar o desenvolvimento da formação, definindo, nomeadamente, objetivos, conteú- dos, atividades, tempos, métodos, avaliação, recursos didáticos e documentação de apoio; 1.4 – Elaborar os planos das sessões de formação. 2 – Desenvolver/animar a formação: 2.1 – Conduzir/mediar o processo de formação/aprendizagem, desenvolvendo os conteúdos, estabelecendo e mantendo a comunicação e a motivação dos formandos, gerindo os tempos e os meios materiais necessá- rios, utilizando auxiliares didáticos; 2.2 – Gerir a progressão na aprendizagem realizada pelos formandos, utilizando meios de avaliação forma- tiva e implementando os ajustamentos necessários. 3 – Avaliar a formação: 3.1 – Proceder à avaliação final da aprendizagem realizada pelos formandos; 3.2 – Avaliar o processo formativo; 3.3 – Reestruturar o plano de desenvolvimento da formação. As várias competências a deter por um formador, para além do natural saber-saber (ou seja, o domínio técnico e os conhecimentos atualizados das matérias objeto da ação de formação a ministrar conhecimentos), são tam- bém alvo de atenção no mesmo perfil desenhado no BTE. Este elenca várias competências ao nível do saber-fa- zer e do saber-ser, conforme podemos verificar nas tabelas seguintes: Saber-fazer 1. Ser capaz de compreender e integrar-se no contexto técnico em que exerce a sua atividade: a população ativa, o mundo do trabalho e os sistemas de formação, o domínio técnico-científico e ou tecnológico, objeto de formação; a família profissional da formação, o papel e o perfil do formador; os processos de aprendiza- gem e a relação pedagógica; a conceção e organização de cursos ou ações de formação. 2. Ser capaz de adaptar-se a diferentes contextos organizacionais e a diferentes grupos de formandos. 3. Ser capaz de planificar e preparar as sessões de formação, o que envolve: - Ser capaz de analisar o contexto específico das sessões: objetivos, programa, perfis de entrada e saída, condições de realização da ação; - Ser capaz de conceber planos das sessões; - Ser capaz de definir objetivos pedagógicos; - Ser capaz de analisar e estruturar os conteúdos de formação; - Ser capaz de selecionar os métodos e as técnicas pedagógicas; - Ser capaz de conceber e elaborar os suportes didáticos; - Ser capaz de conceber e elaborar os instrumentos de avaliação. 19 4. Ser capaz de conduzir/mediar o processo de formação/aprendizagem em grupo de formação, o que en- volve: - Ser capaz de desenvolver os conteúdos de formação; - Ser capaz de desenvolver a comunicação no grupo; - Ser capaz de motivar os formandos; - Ser capaz de gerir os fenómenos de relacionamento interpessoal e de dinâmica do grupo; - Ser capaz de gerir os tempos e os meios materiais necessários à formação; - Ser capaz de utilizar os métodos, técnicas, instrumentos e auxiliares didáticos. 5. Ser capaz de gerir a progressão na aprendizagem dos formandos, o que envolve: - Ser capaz de efetuar a avaliação formativa informal; - Ser capaz de efetuar a avaliação formativa formal; - Ser capaz de efetuar a avaliação final ou sumativa. 6. Ser capaz de avaliar a eficiência e eficácia da formação, o que envolve: - Ser capaz de avaliar o processo formativo; - Ser capaz de participar na avaliação do impacte - Da formação nos desempenhos profissionais. Saber-ser 1. Saber estar em situação profissional no posto de trabalho, na empresa/organização, no mercado de tra- balho, implicando, nomeadamente, assiduidade, pontualidade, postura pessoal e profissional, aplicação ao trabalho, corresponsabilidade e autonomia, boas relações de trabalho, capacidade de negociação, espírito de equipa e autodesenvolvimento pessoal e profissional. 2. Ser capaz de se relacionar com os outros e consigo próprio, implicando, nomeadamente, comunicação in- terpessoal, liderança, estabilidade emocional, tolerância, resistência à frustração, autoconfiança, autocrítica e sentido ético pessoal e profissional. 3. Ser capaz de se relacionar com o objeto de trabalho, implicando, nomeadamente, criatividade, flexibilida- de, espírito de iniciativa e abertura à mudança, capacidade de análise e de síntese, de planificação e organi- zação, de resolução de problemas e de tomada de decisão. Sintetizando, o formador deve: - Comunicar com clareza e objetividade; - Estar à vontade com os objetivos da formação; - Saber selecionar os métodos e técnicas pedagógicas, atendendo às especificidades do público-alvo; - Estar atualizado tanto ao nível pedagógico como ao nível técnico e teórico; - Saber motivar os formandos; - Preparar, desenvolver e avaliar sessões de formação. 1.3. Fatores e processos de aprendizagem A palavra aprender vem o latim apprehendere, que significa agarrar, tomar posse. Em sentido figurado, quer dizer agarrar o conhecimento com a mente. Em contextos específicos, este termo latino tem ainda um terceiro signifi- cado, o de adquirir o conhecimento de uma arte ou ofício através do estudo ou da experiência. A aprendizagem é um processo contínuo ao longo de toda a vida do indivíduo, iniciando-se logo no momento em que nasce. É esta aprendizagem contínua que permite ao ser humano reagir a estímulos do meio ambiente e adaptar-se às circunstâncias com que se depara, com novas respostas que normalmente são observáveis por via da mudança de comportamentos e/ou de atitudes. 20 Em contexto formativo, podemos definir a aprendizagem como o processo pelo qual se altera uma atividade (por aquisição de novos comportamentos ou a mudança de comportamentos preexistentes), usando mecanis- mos psicofisiológicos de reação a estímulos do meio ambiente e mobilizando saberes pré-adquiridos, alteração essa que é relativamente estável e que ocorre pela experiência, treino, exercício ou estudo. Neste processo dinâmico que tem como atores o formador e o formando, cabe àquele o papel de proporcionar estímulos com vista a provocar uma mudança e controlar essa mesma mudança. O formador deve, assim, assu- mir o papel de facilitador e motivador da aprendizagem (o indivíduo só aprende se quiser, se se sentir motivado), mas terá também que atender à diversidade e complexidade dos formandos como seres humanos, portadores de experiências e conhecimentos anteriores e herdeiros de fatores socioculturais, biológicos e psicofisiológicos. Contudo, e independentemente de toda esta diversidade e complexidade, identificam-se três ordens de necessi- dades comuns a todos os formandos e que o formador deverá ter em conta2: - Necessidade de Ser (a dignidade do formando deverá ser mantida); - Necessidade de Saber (os formandos têm necessidade de obter informação para um determinado objetivo e, por isso, frequentam cursos de formação); - Necessidade de Ter (as pessoas têm necessidades que devem ser supridas por bens ou serviços e, por isso, procuram a formação). Sob outra perspetiva, há que ter sempre presente que, sendo a aprendizagem o processo central na ação forma- tiva, é inevitável associar fortemente a formação à ideia de mudança. Pode até afirmar-se que só faz formação quem sente a vontade ou a necessidade de mudar. A formação afirma-se, assim, como agente de mudança. Aliás, sendo o sucesso da aprendizagem num contexto de formação profissional medido a partir dos objetivos defi- nidos, comparando o perfil de entrada do formando com o perfil de saída, verificando se ocorreram mudanças individuais a nível dos diversos domínios: cognitivo (o saber-saber), afetivo (o saber-ser/estar) e/ou psicomotor (o saber-fazer). 2 LÓIO, Pedro Dinis. T. O. R. (2007). Manual do Formador. INA – Instituto Nacional de Administração. Oeiras. p. 16. Estímulo Mudança APRENDIZAGEM FORMADOR Agente de mudança / Facilitador da aprendizagem Perfil de entrada Perfil de saída OBJETIVOS DA FORMAÇÃO Saber-saber Saber ser/estar Saber fazer 23 1.3.4. Facilitadores da aprendizagem A aprendizagem por parte do formando será mais fácil se o formador fizer uso de fatores que a facilitam. Esses fatores são os seguintes: - Motivação – Aqui entendida não na sua dimensão individual, mas como um conjunto de fatores comuns a todos os indivíduos de um grupo que permitem estreitar a ligação entre o formador e o grupo. O formador deverá ser um permanente agente motivador do grupo, no sentido de o fazer agir para alcançar resultados. Para tal é essencial definir bem os objetivos, dominar e usar os métodos participativos e ser organizado. As motivações mais comuns são a curiosidade, o sucesso, a realização e/ou o desenvolvimento pessoal, a compe- tição, a presença no grupo, a utilidade, a perceção das finalidades e a acessibilidade. Se o formador as souber usar, melhor e mais produtiva será a sua relação com o grupo; - Atividade – O processo de aprendizagem será tanto mais fácil se o formador criar e explorar uma situação em que o formando recolhe informações, exercita ou estrutura novos conhecimentos, aplicando-os a novas situações. O formador tem aqui um papel crucial, não apenas por ser o detentor de conhecimentos, mas tam- bém no apoio, controlo, animação, regulação e síntese dos trabalhos individuais e grupais; - Conhecimento dos objetivos – Este facilitador é mais importante quando a formação é dirigida a adultos, pois estes sentem a necessidade de saber com rigor a clareza quais os objetivos pretendidos pelo formador. Quando o formando é mais consciente do que lhe vai ser exigido, ele próprio tenderá a marcar pontos de referência que lhe permitem calcular, avaliar e ajustar os seus progressos, aumentando as possibilidades de sucesso. Permitir-lhe-á, igualmente, distinguir os elementos essenciais dos periféricos. Os objetivos devem ter uma componente operacional, podendo ser concretizados em comportamentos esperados; - Conhecimento dos resultados – O formador deverá garantir que os formandos conheçam de forma rigorosa os resultados e o grau de cumprimentos dos objetivos que alcançarem, tanto a nível quantitativo como com- portamental. Os formandos têm, muitas vezes, dificuldades em medir a sua progressão, o que pode gerar situações de angústia. Esta atitude do formador funcionará, inclusive, como reforço positivo das respostas adequadas, o que tende a aumentar o seu número; - Reforço – Na sua relação com o formando, o formador pode utilizar três tipos diferentes de reforço: posi- tivo (aprovação), negativo (reprovação) e ausente (indiferença). Usando com critério estes diferentes tipos de reforço, o formador estará a fortalecer a continuidade ou o abandono de comportamentos por parte do formando. O reforço que deve ser usado mais frequentemente pelo formador é o positivo, mas deverá haver algum cuidado na sua gestão. Este tipo de reforço tem a vantagem de, normalmente, melhorar a coesão in- terna do grupo. O reforço negativo deve ser usado raramente e com muita sensibilidade, pois normalmente desperta reações efetivas negativas por parte do formando ou do grupo, podendo ter efeitos duradouros, até na estabilidade do próprio grupo. O reforço ausente deve ser evitado, pois cria no formando sentimentos negativos de abandono e pode levar a comportamentos desviantes relativamente aos objetivos; - Domínio dos pré-requisitos – Para que a ação formativa seja eficaz, o formador deverá garantir que os for- mandos dominam os pré-requisitos necessários para a continuidade da aprendizagem. Os pré-requisitos são as capacidades ou os conhecimentos prévios indispensáveis aos exercícios e atividades supostas para uma dada aprendizagem; - Estruturação – Se os conteúdos formativos estiverem estruturados, será mais fácil aos formandos fazer a ligação da formação com a sua vivência profissional. Estruturar uma formação consiste em ordenar sequen- cialmente e conferir coerência interna ao tema da formação. Isto implica: Antes da formação: > Relacionar o tema com os pré-requisitos; > Tornar percetíveis as metas e finalidades da aprendizagem; 24 > Partir do global (conceitos latos). Durante a formação: > Organizar o tema em categorias lógicas; > Interligar os diversos subtemas; > Apoiar as atitudes exploratórias. Depois da formação: > Apelar à reestruturação dos conhecimentos. - Progressividade – A matéria será mais facilmente apreendida se for apresentada numa sequência crescente de dificuldade, quantidade, estruturação, atividade e expectativa. O formador deve iniciar a formação em quantidades inicialmente pequenas e de reduzida dificuldade, com estruturas lógicas simples e doseando a quantidade de exercícios a realizar. Quanto a estes, o formador deverá apoiar inicialmente os formandos e não deixar criar grandes expectativas relativamente aos produtos finais desses trabalhos; - Redundância – A repetição de um conceito ou de um comportamento facilita a sua memorização e reprodu- ção diminuindo o tempo de execução. Esta repetição, para ser eficaz, deve ser realizada sob formas diferentes ou em contextos novos como forma de familiarizar o formando com o aprendido, permitindo-lhe enriquecer os significados e facilitar a transferência para situações novas. A redundância realizada com recurso a exercí- cios e a trabalhos de grupo leva a que seja o próprio formando a reestruturar os conceitos aprendidos. 1.4. Relação pedagógica e animação de grupos em formação 1.4.1. A importância da comunicação na relação pedagógica Antes de mais, importa definir comunicação como um comportamento que é intencionalmente produzido com vista a partilhar uma determinada finalidade (mais ou menos explícita), expresso em forma de mensagens (ver- bais e não verbais) que são transmitidas entre um emissor e um recetor, levando este a modificar o seu padrão de respostas (comportamentos). O ato de comunicar tem várias funções: - Informar e estar informado; - Formar e influenciar atitudes, crenças e comportamentos; - Por prazer; - Para realizar tarefas em grupo; - Criar e manter organizações; - Para inovar; - Para transmitir conhecimento. O ser humano está sempre a comunicar, nem sempre de forma apenas verbal. Tal é também aplicável em contex- to formativo. Aliás, como já foi dito atrás, formar é, acima de tudo, comunicar. No mesmo sentido, afirma Pedro Lóio3: «A formação profissional não é mais do que um processo de troca simultânea de mensagens geridas por uma pessoa (o formador – ou emissor), por alguém que recebe essa mensagem (formando – ou receptor), através de um código (conjunto de regras que permite que a mensagem seja entendida pelo receptor), e de um meio (suporte da mensagem) num determinado contexto (conjunto de variáveis que influenciam o processo de comu- nicação). Mas, nesta situação estaríamos somente a falar de uma comunicação unilateral. No entanto, o processo de formação é uma comunicação bilateral, onde surge o conceito de feedback». 3 LÓIO, Pedro Dinis. T. O. R. (2007). Ob. cit. p. 24. 25 O formador deve ter em mente que, no processo de comunicação, existem dois tipos de linguagem: - A linguagem verbal, que utiliza as palavras como forma de comunicação e que reflete o lado racional; - A linguagem não-verbal, que não usa palavras, mas assenta em gestos, expressões faciais, atitudes, postu- ras. É mais simbólica e reflete o lado emocional. No processo comunicacional em contexto de formação há três aspetos que merecem especial atenção. O primeiro diz respeito à codificação/descodificação da mensagem. O emissor (formador) e os recetores (for- mandos) têm de usar não apenas o mesmo código, mas também usá-lo a níveis equivalentes, pois só assim a mensagem será totalmente descodificada e, por conseguinte, passível de ser percebida e aprendida. Se tal acon- tecer, estar-se-á a motivar o formando para manter o processo comunicacional; caso contrário, haverá da parte do formando uma atitude de distanciamento e alheamento relacional que afetará decisiva e negativamente a aprendizagem. É, assim, essencial para o formador assegurar-se de que a sua mensagem está a ser devidamente descodificada. O segundo aspeto está relacionado com o ruído que pode perturbar a comunicação formador/formandos. Estes ruídos podem dever-se a: - Impulsividade e falta de objetividade do pensamento; - Dificuldade na expressão verbal; - Paradoxo entre o pensamento e as palavras; - Comunicação desinteressante (apática, mecânica, etc.); - Invasão do espaço vital; - Diferenciação intelectual, social e cultural; - Desapego relacional ou autocentramento. O terceiro aspeto tem a ver com a necessidade de o formador dar feedback às mensagens que recebe por parte dos formandos. Deve, porém, fazê-lo apenas quando solicitado e com alguns cuidados: deve ser meramente descri- tivo e específico, deve fazê-lo no momento apropriado, centrando-se nos pormenores passíveis de melhoria ou aperfeiçoamento (evitando incorrer em juízos de valor) e de forma adequada ao feedback recebido bem como às necessidades dos formandos. 1.4.1.1 Comunicar bem em contexto de formação Para quem não está habituado, desempenhar as funções de formador, com a inerente exigência de falar para um público, implica uma exposição ao juízo crítico dos outros que pode não ser facilmente suportável, o que, aliás, é perfeitamente natural. Contudo, mesmo havendo metodologias e técnicas que podem auxiliar, há dois fatores críticos de sucesso para um formador pouco experiente e pouco à vontade com a comunicação em público. São eles a preparação e o treino. A preparação tem a ver com a acumulação, compreensão e sistematização de conhecimentos relativos aos con- teúdos formativos e concretiza-se através da investigação. Uma boa preparação reflete-se sempre no público formando, que sente que o formador percebe e domina o assunto. Emissor Recetor/ Emissor Contexto Código Meio Mensagem Feedback 28 - Um slide não é um relatório – é um complemento à informação emitida pelo formador; - Devem evitar-se efeitos visuais e sonoros que podem ser distratores e desviar a atenção dos formandos para o conteúdo. Além disso, não é fiável a sua utilização em computadores diferentes, podendo, caso não funcio- nem, originar uma situação constrangedora para o formador. Simplificando enormemente a utilização eficaz deste tipo de softwares, mais particularmente para contextos não formativos, o especialista em tecnologia e marketing Guy Kawasaki definiu a chamada Regra dos 10/20/30: nenhuma apresentação efetiva deve ter mais de 10 slides, durar mais de 20 minutos ou ter alguma fonte de ta- manho menor do que 30. 1.4.1.3 A gestão do espaço físico A gestão do espaço físico é um fator muito importante para o de- senrolar do processo comunicacional e, por conseguinte, da relação pedagógica. Por ser a configuração que mais facilita a comunicação entre formador e formandos e entre estes, a disposição em “U” é a recomendada em formação, pois permite, por um lado, que todos os intervenientes se encontrem face a face e, por outro lado, faz con- vergir naturalmente os olhares para a posição centro-frontal que é ocupada pelo formador. Estima-se que com esta configuração a pro- babilidade de retenção da informação difundida é de 70%, a mais alta de entre as várias disposições espaciais. O formador deverá circular moderadamente pelo centro do U, marcando o ritmo da formação, aproximando-se e recuando face aos formandos, acompanhando as pausas, entoações e exclamações destes com o movimento e postura corporal. Por outro lado, o formador deve evitar “barricar-se” atrás da sua mesa, numa atitude defensiva que criará distanciamento relativamente aos formandos. Por seu turno, os lugares ocupados pelos formandos também dizem muito sobre o grupo: - As posições centrais são normalmente ocupadas pelos elementos mais dominantes, extrovertidos e auto- confiantes; - As zonas intermédias e a extremidades são habitualmente ocupadas pelos elementos mais tímidos e intro- vertidos, sentindo-se resguardados do olhar do formador e dos colegas. 1.4.1.4 O formador como animador ou gestor de comunicação Numa sala configurada em U, cabe ao formador um papel central da animação e gestão da comunicação no grupo, pois: - Os papéis de emissor e de recetor alternam, cabendo ao formador orientar e regular esta alternância; - Dado haver comunicação em todos os sentidos, haverá saturações das redes de comunicação, que o forma- dor deve gerir; - Mesmo obedecendo ao planeado, os conteúdos estão mais expostos ao improviso, tendo em conta as expe- riências pessoais, os interesses e a disponibilidade de cada um. 1.4.1.5 As atitudes de comunicação Estão identificados quatro estilos comunicacionais – agressivo, passivo, assertivo e manipulador – que diferem em função de duas variáveis: a transparência da linguagem e o respeito pelo outro. 29 O estilo agressivo é pouco eficaz na abordagem interpessoal devido à imposição de um indivíduo sobre o outro, exigindo submissão e, em extremos, humilhação. Os comportamentos de um comunicador agressivo passam por falar alto, interromper sistematicamente o outro e usar gestos tensos e altivos. O comunicador passivo, por seu turno, adota comportamentos que indiciam nervosismo, com gestos constantes e repetitivos, voz sumida e evitando olhar de frente, reveladores de uma auto desvalorização e de uma vontade de evitar a interação social e de submissão a acontecimentos e pessoas. É um estilo também pouco eficaz devido à negação do indivíduo por si próprio. O comunicador manipulador é um ator que usa uma linguagem pouco direta e insinuante como meio para atin- gir os seus fins manipulatórios, usando chantagens emocionais. É igualmente pouco eficaz devido à falta de comprometimento e investimento sincero nas relações sociais. O formador deverá ser, sempre que possível, assertivo. O comportamento de um comunicador assertivo caracte- riza-se pela capacidade de afirmação das opiniões, vontades e sentimentos próprios, respeitando e promovendo os dos outros. Isto traduzir-se-á na autoafirmação da pessoa, visando, simultaneamente, a afirmação do interlo- cutor e a sua aceitação, tudo isto assente numa linguagem simples, direta e expressiva. Para conseguir comunicar assertivamente, o formador deverá adotar um conjunto de atitudes como: - Autoestima – o formador deve aprender a aceitar-se tal como é, melhorando o seu autoconceito e a sua au- toestima, sem negativismo, indulgência ou presunção; - Determinação – o formador deverá ter a força de vontade e a energia com vista à prossecução dos objetivos; - Empatia – o formador deve fazer o esforço de colocar-se no lugar do outro; - Adaptabilidade – o formador deve atuar conforme as características dos seus interlocutores; - Autocontrolo – o formador deve dominar os seus sentimentos e emoções negativas que possam interferir na relação com os outros; - Tolerância à frustração – o formador deve desenvolver a capacidade de resistência a aspetos negativos e saber gerir tensões e conflitos; - Sociabilidade – o formador deve ter prazer em comunicar e relacionar-se com os outros. 1.4.1.6 A comunicação pedagógica – princípios de eficácia Respeitando os pressupostos da comunicação assertiva e visando potenciar a sua ação em contexto formativo, o formador deverá orientar a sua ação segundo os seguintes princípios: - Esclarecer-se a si próprio sobre a mensagem antes de a transmitir a outras pessoas; - Pensar com clareza; - Falar de forma simples e concisa, verificando se todos os termos são compreendidos pelos formandos; - Ser simpático com os formandos. Sorrir é importante; - Tratar os participantes pelo nome; - Adaptar a mensagem a quem se destina, tendo em conta a sua formação, idade, nível socioprofissional, cultural e académico; - Escutar e suscitar a participação de todos os formandos, sem os interromper; - Mostrar interesse pelos formandos, disponibilidade, atenção e tolerância; RESPEITO PELO OUTRO TRANSPARÊNCIA DE LINGUAGEM ALTO BAIXO ALTA BAIXA Assertividade Agressividade Passividade Manipulação 30 - Ter em conta o lugar onde vai comunicar para eliminar as fontes de interferência que possam prejudicar a fidelidade da comunicação; - Não discutir e evitar apontar os erros dos outros; - Fazer sugestões aos formandos ao invés de dar ordens; - Não humilhar, sob pretexto algum, os formandos; - Dar reforços positivos com frequência; - Fazer perguntas sugestivas, mantendo os interessados e participativos interagindo entre si; - Usar os meios audiovisuais sempre que possível, pois favorece a aprendizagem, dado que retemos: • 20% do que ouvimos; • 30% do que vemos; • 50% do que vemos e ouvimos. - Utilizar a informação de retorno, dado que permite avaliar de que modo a mensagem está a ser recebida; - Reformular o que foi dito por outras palavras, fazendo sínteses para não perder a informação e reforçando o essencial; - Atender a pontos de vista novos e diferentes; - Dominar o tema; - Cumprir os horários e controlar o tempo; - Não fazer juízos de valor. 1.4.2. Interação com os participantes 1.4.2.1 Grupos de formação e estilos de atuação do formador Um grupo de formação é constituído por pessoas diferentes, mas que partilham os mesmos objetivos e necessi- dades de formação. Para atingir tais fins, desenvolvem-se nos grupos três funções internas, cabendo ao forma- dor competências específicas em cada uma. São elas: - A função de produção, que assegura a prossecução dos objetivos através da realização de tarefas e ativida- des, competindo ao formador garantir a compreensão e aceitação dos objetivos pelos membros do grupo e dirigir este no esforço para os atingir; - A função de facilitação, que estabelece as normas de funcionamento e regras de comportamento que orientam os desempenhos individuais com vista a atingir os objetivos do grupo. Cabe ao formador auxiliar os formandos no desempenho dos papéis individuais, gerindo os meios necessários para tal; - A função de regulação, que visa regular as relações interpessoais, bem como os conflitos. Ao formador in- cumbe gerir a vida e a comunicação interna para assegurar a união e a cooperação no seio do grupo. Por seu lado, o estilo de atuação adotado pelo formador irá, naturalmente, repercutir-se no ambiente do grupo de formandos. Estão identificados três estilos diferentes: - Estilo autoritário ou autocrático Estilo em que, sumariamente, o formador: • Concentra o poder de decisão em relação aos objetivos, conteúdos e métodos de trabalho; • Explica por etapas, não dando uma visão global das tarefas; • Autoexclui-se do grupo, não se envolvendo nas tarefas, mantendo o distanciamento máximo necessário à imposição do seu estatuto de líder; • É sancionatório relativamente a distrações e interações; • Mantém a comunicação centrada nos conteúdos programáticos e impede a expressão individual; • É o polo emissor e recetor das mensagens, controlando as redes de comunicação; • Controla resultados por feedback individual; aponta erros e não reforça os sucessos; • Avalia individualmente. 33 Para tal, o formador deverá: - Ter uma atitude de confiança face ao grupo; - Utilizar uma linguagem simples e adequada aos formandos; - Saber analisar e perceber a dinâmica do grupo em formação (as interações, as atitudes e os papéis dos for- mandos); - Ter sentido de oportunidade nas intervenções, ou seja, perceber a altura indicada para sintetizar ideias, re- formular questões. 1.4.2.4 A composição do grupo de formandos Estão tipificados os perfis de formandos que normalmente se encontram nos grupos de formandos. Incumbe ao formador fazer o diagnóstico dos papéis individuais de cada um dos formandos na dinâmica grupal e adotar, para cada um destes perfis-tipo, uma abordagem específica. Essa tipologia é a seguinte: - O Sr. Sabichão: • Tenta impor aos outros as suas ideias com grande convicção; • Pode estar bem informado ou simplesmente gostar de mobilizar a comunicação; • Não é recetivo a ouvir os outros e raramente abdica das suas opiniões; • Por vezes, transforma-se em “Perguntador”, tentando atrapalhar o formador ou levá-lo a apoiar o seu ponto de vista. Como deve o formador lidar? • Reforçar a confiança do grupo, dirigindo-lhe perguntas de resposta não imediata; • Concordar que aquela é uma perspetiva possível, mas pedir ao grupo que manifeste a sua opinião. - O Sr. Mudo: • Apático e silencioso; • Não participa, considera-se superior ou inferior ao assunto em discussão; • Só está fisicamente, não se interessa por nada. Como deve o formador lidar? • Solicitar, com tato, a sua opinião sobre algo que seja possível relacionar com os seus interesses, realçando a importância da experiência de todos os elementos; • Fazer com que o grupo perceba a intenção do formador de levar o Sr. Mudo a falar. - O Tímido: • Extremamente preocupado em não errar; • Receia o julgamento dos outros, tem muita dificuldade em expor-se ou ser alvo da atenção do grupo en- quanto fala. No entanto, tem ideias e interessa-se pela vida do grupo. Muitas vezes é um observador atento. Como deve o formador lidar? • Dirigir-lhe perguntas fáceis, de modo pouco diretivo; • Reforçar as suas intervenções, chamando a atenção dos outros participantes para elas. - O Démodé: • Tem ideias muito próprias e antiquadas. É rígido e conservador; • Dirige-se ao grupo com atitudes de superioridade, marcando um certo distanciamento. Tem aversão ao trabalho em grupo. Como deve o formador lidar? • Respeitar a sua suscetibilidade; • Não o criticar diretamente, mas apresentar correções como sugestões ou na forma dubitativa (“sim, mas...”). 34 - O Bocas: • Está noutra onda. É distraído e distrai os outros; • Os seus interesses são essencialmente lúdicos, daí que as suas colaborações sejam esporádicas e sem gran- de investimento de esforço. Como deve o formador lidar? • Colocar-lhe perguntas diretas e fáceis, tratando-o pelo seu nome, para o “ligar à terra”; • Perguntar-lhe a opinião sobre o que acaba de ser dito. - O Zé Marreta: • É de ideias fixas. Gosta de discutir e está sempre do contra. Critica os trabalhos e as performances dos ou- tros; • Muito na defensiva, tenta impor-se pela agressividade, ferindo os outros; • Ninguém gosta de trabalhar com ele e, no entanto, parece ter orgulho em ser assim. Como deve o formador lidar? • Não se deixar envolver nos conflitos; • Reformular as comunicações no sentido de serem apropriadas pelo grupo; • Aproveitar as ideias interessantes que possa emitir, fazendo-o sentir-se membro de uma equipa. - O Fala-Barato: • Fala, fala, fala! • Tem grande necessidade de atenção e cansa o grupo com facilidade, fugindo aos temas. Como deve o formador lidar? • Esperar o momento oportuno e cortar-lhe a comunicação agradecendo a sua contribuição, mas alertando para o facto de que está interessado em ouvir as opiniões dos colegas. - O Trabalhador: • Seguro de si, tem muitas ideias, colabora e empenha-se animadamente; • Sempre pronto a colaborar com o formador. Como deve o formador lidar? • Procurar obter a sua contribuição; • Reforçar a sua conduta, agradecendo-lhe. - O Extrovertido: • É alegre, amigo do grupo e muito bom companheiro; • Partilha as suas experiências, conta piadas interessantes, anima o grupo. Como deve o formador lidar? • Tê-lo como aliado, já que é um elemento querido do grupo. - O Atualizado: • Tem ideias inovadoras, procura informação dentro e fora do grupo; • Faz e aceita críticas construtivas; • Deseja crescer com o grupo e gosta de progressos no trabalho; • Tem uma atitude analítica. Como deve o formador lidar? • Reforçar as suas contribuições; • Enquadrar as suas perspetivas nos métodos de trabalho adotados. - O Criançola: • Preguiçoso, gosta de tudo bem mastigado; • Não se empenha com o resto do grupo, mas gosta de obter ganhos, mesmo sem fazer nada por isso. Como deve o formador lidar? • Intervir, no sentido de o responsabilizar e interessar pelas atividades, salientado os benefícios. 35 - O Líder: • Pode ser nomeado em função da sua competência ou estatuto social ou pode emergir na sequência das necessidades e desenvolvimento do grupo; • Existem dois tipos de líder: . Orientado para a tarefa – preocupado com os aspetos estruturais de resolução das atividades do grupo; . Orientado para a relação – preocupado em manter a comunicação e o clima socio afetivo positivo. • Características: . Tem ideias; . É seguido pelos outros; . Tem poder de persuasão; . Consegue-se fazer ouvir; . Obtém a adesão do grupo às suas ideias; . É carismático; . Está perfeitamente integrado no grupo. 1.4.2.5 Atuações do formador face a situações individuais, grupais e de conflito Podem ocorrer durante as sessões de formação situações anómalas que apelam à capacidade do formador de selecionar as estratégias adequadas para lidar com elas. Entre as mais comuns, temos: - O formando fala demasiado Pará-lo, resumindo o que disse e fazer uma pergunta a outro. Se coloca dificuldades, pôr o grupo do seu lado para se afastar. - O formando brilha demasiado Pará-lo com tato, fazendo uma pergunta a outro participante. Fazê-lo compreender que aprecia a sua ajuda. Recolher a opinião dos outros e utilizá-la para resumir. - O formando divaga Quando parar para respirar, agradecer-lhe, repetir uma das suas declarações e, remetendo-se ao fundo da discussão, perguntar-lhe de que tema fala. - O formando obstina-se Trata-se muitas vezes de alguém que não entende o tema. Tratar de o fazer compreender utilizando os outros participantes. Prosseguir normalmente a discussão e falar-lhe depois da reunião. - O formando critica continuamente Pedir-lhe que seja construtivo e dar-lhe resposta, se for possível, através de outro participante com o qual se possa contar. - O formando inicia uma conversa com um companheiro Fazer uma pausa e deixar que o grupo escute, chamando a atenção sobre a conversa e incluir o que fala na discussão, perguntando-lhe a sua opinião. - O formando possui um vocabulário limitado ou uma voz débil Normalmente as suas ideias podem ser boas. Ajudá-lo. Repetir as suas ideias com palavras próprias. Evitar que pareça ridículo. - O formando menciona pessoas Pedir-lhe francamente que deixe de lado as questões pessoais e prosseguir. 38 Porém, tem também grandes desvantagens: - Induz o formador em erro, pensando que está tudo bem e a aprendizagem está a ocorrer quando se pode passar exatamente o contrário; - Estabelece uma relação do tipo professor-aluno, pouco eficaz com adultos; - A comunicação é mínima e hierarquicamente marcada, o que é, também, pouco compatível com a formação de adultos; - Não tem em conta o ritmo de aprendizagem dos formandos que têm um papel passivo; - Dificulta a avaliação da progressão dos formandos; - Dificulta o debate de outros pontos de vista e alternativas; - Provoca cansaço nos formandos se se prolongar durante muito tempo. A utilização deste método obriga a que o formador tenha alguns cuidados: - Em comunicar e enfatizar os objetivos da formação e a delimitar bem o tema; - Em procurar motivar os participantes, desde logo, na comunicação dos objetivos; - Na adaptação da linguagem aos formandos, bem como ao ritmo destes; - A exposição deve obedecer à estrutura introdução-explanação-conclusão; - Em repetir e sintetizar os tópicos mais importantes; - Em usar metáforas e utilizar exemplos; - Em apoiar a exposição em recursos didáticos que aumentem a motivação; - Em suscitar feedback por parte dos formandos; - Em fazer um resumo global da formação no final da formação. 1.5.1.2 Métodos afirmativos – o método demonstrativo O método demonstrativo é particularmente indicado para a aprendizagem do saber-fazer e consiste na trans- missão de conhecimentos por parte do formador que, simultaneamente, explicita e demonstra aos formandos os comportamentos a fazer e que, seguidamente, eles tentarão repetir, com controlo por parte do formador. Este método é aplicado em quatro fases: - Explicitar O formador apresenta oralmente a tarefa no seu conjunto, fazendo uma primeira abordagem teórica do pro- blema. - Demonstrar O formador executa a tarefa perante os formandos e durante a demonstração, põe em evidência as diversas fases da operação, esclarecendo eventuais dúvidas dos formandos. - Executar O formador pede a cada um dos formandos que execute a tarefa, corrigindo os eventuais erros que forem surgindo. O formador pede ao formando que, simultaneamente, vá explicando aquilo que faz. - Controlar O formador vai libertando, progressivamente, o formando, à medida que ele vai desempenhando correta- mente as tarefas, dando-lhe autonomia e passando a outro formando. FORMADOR - Mostra - Explica - Executa MATÉRIA FORMANDOS - Escutam - Prestam atenção - Mostram que sabem fazer 39 Este método apresenta como vantagens: - Envolve uma grande participação dos formandos que podem discutir, dialogar, observar e realizar; - É bom para a realização de trabalhos em grupo, o que favorece a aprendizagem; - Permite que ambas as partes dediquem mais atenção uma à outra; - É muito motivador para os formandos; - Permite a individualização da aprendizagem; - Possibilita a transmissão de conhecimentos teóricos e práticos de uma forma intensa; - Facilita a avaliação por parte do formador; - A capacidade de retenção por parte do formando é muito maior. Como desvantagens, pode referir-se: - Implica que os formandos tenham conhecimentos teóricos prévios dos problemas que a sua aplicação prá- tica envolve; - Os grupos de formandos têm de ser pequenos; - É muito exigente em termos de disponibilidade de tempo e o seu controlo por parte do formador é muito difícil; - Exigente a nível do material pedagógico, nomeadamente nas suas especificidades; - Exige uma cuidada preparação pedagógica do formador e um domínio claro do tema. A aplicação deste método deverá ser feita com observância de alguns cuidados, particularmente quando a ope- ração a ser demonstrada é longa e complexa: - O todo deve ser decomposto nas suas componentes; - As componentes devem ser apresentadas uma a uma; - Manter sempre o fio condutor entre as componentes; - A complexidade deve ser crescente, do mais simples para o mais complicado; - O formador deve estimular a formulação de questões; - O formador deve observar atentamente o comportamento do formando. 1.5.1.3 O método interrogativo O método interrogativo consiste na formulação de um conjunto de questões através das quais os formandos dão respostas que se enquadrem em conhecimentos previamente adquiridos. Este método explora os saberes dos formandos, levando-os a procurar respostas, sendo excelente para a estimulação do processo de pensamento ativo. Implica uma grande participação por parte do formando e é um método de descoberta, em que se parte do global para a especificidade da situação, sem impor um caminho ou uma resposta. O formando progride ao seu ritmo, orientado pelo formador ao encontro de uma resposta. As suas principais vantagens são: - Favorece um bom arranque do grupo e, posteriormente, respeita o ritmo de aprendizagem deste; - A procura de respostas mobiliza a atenção e motivação dos formandos (uma vez que são trabalhados temas previamente conhecidos) e fá-los refletir; - Transmite aos formandos uma sensação de participação e atividade, pois sentem que são eles que organi- zam a formação; - Facilita a compreensão dos conteúdos formativos; - O feedback e o controlo são imediatos; - Confere maior dinamismo à formação; - Reduz a atividade do formador em sala. Como desvantagens, tem: - Exige do formador grandes conhecimentos e um trabalho de preparação muito cuidado; - Exige mais tempo do que o método expositivo e dificulta a gestão do tempo da sessão, uma vez que é impre- visível sobre a duração das respostas e o nível de participação do grupo; - Pode traduzir-se em poucos resultados quando não há respostas às perguntas colocadas; 40 - Alguns formandos podem não querer participar, refugiando-se na participação dos outros; - É um método muito diretivo que pode não agradar a alguns formandos; - As estruturas do raciocínio correspondem à lógica do formador, podendo não coincidir com a dos forman- dos. A utilização do método interrogativo deve respeitar alguns cuidados como: - O ritmo das perguntas deve ser equilibrado; - O formador deve ter o cuidado de aproveitar as respostas parcialmente corretas e tirar partido das respostas erradas; - O formador não pode permitir que um formando líder influencie ou domine o processo de formação; - Nunca se deve abandonar um formando que não responde; - Deve-se evitar perguntas dicotómicas (sim ou não) ou desencorajar respostas em coro; - A interação formador/formando deve ser desencadeada interligando perguntas e respostas, estimulando os formandos a analisarem as respostas dos colegas e encorajando os formandos a lançarem questões entre eles e o formador. Consoante a situação, a matéria e as características dos formandos, o formador tem à sua disposição diferentes tipos de respostas: - Perguntas fechadas – solicitam uma resposta Sim/Não ou monossilábica. Utilizam-se para guiar e contro- lar, mas têm a desvantagem de bloquear a discussão; - Perguntas abertas – solicitam mais do que monossílabos. Estimulam a reflexão, criam envolvimento e fo- mentam a discussão. Podem dificultar a gestão do tempo. O método interrogativo pode ser usado em circunstâncias específicas, por exemplo, quando se pretende chamar a atenção, despertar o interesse, a reflexão ou a participação, verificar a compreensão, distribuir a discussão pelo grupo ou chegar a conclusões. Ao dirigir perguntas, o formador terá também de escolher entre lançar a questão ao grupo ou a um indivíduo específico, consoante os objetivos pretendidos. Uma pergunta dirigida ao grupo adequa-se quando se quer es- timular a reflexão grupal com debate; a pergunta dirigida especificamente a um indivíduo é apropriada para estimular um participante menos motivado ou para aproveitar recursos conhecidos de um formando que seja mais experiente ou especializado nas matérias abordadas. As respostas dadas pelos formandos também exigem atenção e uma reação adequada por parte do formador. Assim: - Se as respostas forem corretas, o formador deve dar um reforço positivo; - Se as respostas forem parcialmente corretas o formador deverá reforçar a parte da resposta que está correta e orientar o formando na parte que está incorreta; - Se as respostas forem incorretas o formador deverá reconhecer o esforço e reorientar a resposta para outros ou reformular a pergunta numa forma mais simples podendo, eventualmente, voltar um pouco atrás nos conteúdos. Corretas - Reforçar positivamente Parcialmente corretas - Reforçar a parte correta - Reorientar a parte incorreta Incorretas - Reconhecer o esforço - Remeter a resposta a outros ou responder 43 Consiste na apresentação de uma situação real ou fictícia, sujeita a discussão em grupo. O caso pode ser apresentado oralmente, por escrito ou através de dramatiza- ção ou ainda com recurso a meios multimédia. Adequado quando os objetivos são: • Motivar os formandos; • Suscitar a reflexão crítica; • Desenvolver a capacidade de tomada de decisão e procura de soluções coletivas; • Aplicar os conhecimentos e experiências em situações diversas; • Muito aplicável na formação ju- diciária. • Pouco adequado aos domínios puros do saber ou aos domínios psicomotores da aprendizagem Pode ser usado sob a forma de estu- do de caso. Consiste em representar um papel, simulando ou imaginando, o que cada formando interioriza, cons- ciencializando a situação relacio- nal em causa e o contexto em que ela decorre, ao mesmo tempo que adquire e aplica conhecimentos e reflete sobre atitudes e valores. Pode ser muito motivadora, re- força a autoconfiança, exercita a memória e a imaginação, ajuda a adquirir técnicas de comunicação adequadas à interação, reforça a relação entre os intervenientes e permite a concretização simulada de uma aprendizagem. • Exige uma forte orientação, com estímulo da reflexão e preparação para a representação de um papel; • Pode provocar competitividade e insatisfação pelo desempenho de um papel menos central. Consiste na simulação de uma si- tuação muito próxima da realida- de, onde os indivíduos assumem papéis semelhantes aos que de- sempenham ou pretende-se que venham a desempenhar. A simu- lação deverá ser filmada, para ser visionada posteriormente e ser analisada pelo formador, pelos outros formandos e pelo próprio. • Possibilidade dos formandos se reverem e tomarem consciência dos seus aspetos positivos e dos que têm a melhorar; • Permite desenvolver a capacida- de de autoavaliação e/ou autocrí- tica; • Contribui para alteração de atitudes (por via do autoconheci- mento). • A sua realização depende da adesão do próprio indivíduo; • Para ter êxito pressupõe um pro- cesso individual de autorreflexão; • Algo exigente em equipamentos e recursos técnico-pedagógicos. A aplicação de jogos pedagógicos é bastante exigente e obedece a uma metodologia própria: 1. Definição clara de objetivos; 2. Organização dos recursos necessários; 3. Organização do espaço disponível; 4. Definição da mecânica lúdica; 5. Criação do ambiente adequado; 6. Apresentação do cenário aos formandos; 7. Explicação das regras do jogo; 8. Definição do tempo; 9. Desenvolvimento do jogo; 10. Conclusão e síntese. Estudo de caso Descrição Vantagens Desvantagens e limitações Role-playing Descrição Vantagens Desvantagens e limitações Autoscopia Descrição Vantagens Desvantagens e limitações 44 A utilização da autoscopia exige atenção a alguns detalhes como as características dos participantes, o clima do grupo no início da formação, a duração da sessão, o local da ação e os materiais técnicos e pedagógicos disponí- veis. A sua preparação deve obedecer a três fases distintas: 1. Preparação. 2. Desenvolvimento. 3. Análise e síntese. Ice-breakers Descrição Consiste em técnicas de apresentação que visam promover o conhecimento entre todos os participantes, incluindo o formador, e criar um ambiente favorável e empático. Exemplos de ice-breakers: - Apresentação direta É a forma mais simples de apresentação. Cada formando, à vez, partilha com o grupo informações sobre si próprio. A apresentação pode ser feita no lugar ou por outro qualquer critério que o formador estabeleça ou à escolha do formando. - Entrevista recíproca O formador define algumas questões que farão parte da entrevista (por exemplo: nome, idade, hobbies, ex- pectativas face ao curso). Os formandos, em pares, entrevistam-se mutuamente e no final cada um partilha com o grupo o colega que acabou de conhecer e entrevistar. - Nome adjetivado Cada formando apresenta-se através de adjetivos que melhor o descrevem, utilizando as letras que com- põem o nome por que gosta de ser tratado. Por exemplo, Maria: Moderada; Alegre; Rebelde; Inteligente; Ami- ga. É uma forma de desenvolver a criatividade dos formandos. - Imagens/Fotografias O formador apresenta aos formandos um conjunto de imagens ou fotografias e permite ao grupo escolhê- -las. Cada formando escolhe aquela com que mais se identifica e através dela vai descrever-se e, deste modo, apresentar-se ao grupo. 1.5.2. A andragogia É comum em contextos formativos a utilização do termo “pedagogia”. Contudo – e curiosamente –, a etimologia desta palavra, que mergulha no grego, aponta para a educação de crianças: Porém, logo no século XIX e ao longo do século XX, vários especialistas começaram a preocupar-se com as es- pecificidades da educação para adultos. Malcolm Knowles, um educador de adultos norte-americano, pegou no termo “Andragogia”, criado no século XIX pelo professor alemão Alexander Kapp, e escreveu, em 1970, a obra que se tornaria na referência para a educação de adultos: The modern practice of adult education: From pedagogy to andragogy. gr. Paido (criança) gr. Agogus (o que conduz / lidera) Pedagogia 45 A própria etimologia do termo “Andragogia” marca a diferença relativamente ao termo “Pedagogia”, uma vez que o prefixo andros também vem do grego, significando homem. A Andragogia – definida como a ciência destinada a auxiliar os adultos a aprender e a compreender o processo de aprendizagem de adultos – distingue-se claramente distinta da pedagogia até pelas características claramen- te diferenciadas dos processos de aprendizagem de adultos e crianças. Ao ministrar formação a adultos, convém, de facto, ter presente os seguintes princípios: 1. Necessidade de saber o porquê da aprendizagem Os adultos precisam de saber o porquê da necessidade de aprender, bem como que ganharão no seu trabalho com essa aprendizagem de novas competências, nomeadamente, em como estas os ajudarão a lidar com as dificuldades; 2. Autoconceito do formando Os adultos respondem pelas suas vidas e decisões. Precisam, portanto, de ser encarados e tratados como in- divíduos livres e perfeitamente capazes de fazer as suas próprias escolhas. 3. Papel das experiências Os adultos viveram experiências anteriores e é por via dessas experiências que se constrói a aprendizagem. Assim, o formador deve tirar todo o proveito possível das experiências dos formandos durante a formação. 4. Prontidão para aprender Os adultos ficam mais dispostos a aprender quando o conteúdo da aprendizagem parece ser aplicável e útil no seu dia-a-dia, ou seja, quando o conhecimento visa ajudá-los a enfrentar os desafios quotidianos e a re- solver problemas. 5. Orientação para aprendizagem Os adultos aprendem melhor e valorizam a aprendizagem quando esta é imediatamente aplicável e orienta- da para tarefas, factos e resultados concretos e reais. 6. Motivação Os adultos respondem bem quando fatores motivacionais internos (necessidade individual) entram em cena, como por exemplo, a satisfação, a qualidade de vida, a autoestima, desenvolvimento pessoal ou afins, fazendo da aprendizagem um processo ativo de reflexão e discussão. Num processo de educação de adultos (andragógico), o formador é, sobretudo, um facilitador. Isto consiste em: - Aproveitar a experiência acumulada pelos formandos, usando métodos experienciais (relatos de situações, discussões em grupo, simulações). Estes métodos reforçam a autoestima e evitam o isolamento que possa existir de elementos do grupo; - Propor problemas relacionados com o contexto de vida dos formandos, nomeadamente no campo profis- sional, avaliando as necessidades e expectativas existentes; - Envolver os formandos no planeamento e nas estratégias de ação, responsabilizando-os pelas suas próprias aprendizagens; - Facilitar o acesso, os meios, o tempo e as oportunidades de utilização de determinados recursos facilitadores das aprendizagens; gr. Andros (homem) gr. Agogus (o que conduz / lidera) Pedagogia 48 Domínio cognitivo/ tipo de aprendizagem SABER-SABER Aprendizagem de teoria ou estudo que faz apelo à capacidade intelectual ou mental. Associado ao conhecimento e ao pensamento SABER-FAZER Aprendizagem operacional, de atividades motoras ou manipulativas; Associado à motricidade e à ação SABER-SER Aprendizagem de atitudes e comportamentos, fazendo apelo aos interesses, sentimentos e valores; Associado ao sentimento e à emoção Categorias no domínio • Conhecimento • Memória • Aplicação • Análise • Síntese • Avaliação • Imitação • Manipulação • Precisão • Estruturação da ação • Aquisição de segunda natureza • Acolhimento • Resposta • Valorização • Organização • Caracterização Verbos adequados (exemplos) • Comparar • Identificar • Nomear • Reconhecer • Relatar • Reproduzir • Definir • Diferenciar • Enumerar • Relatar • Listar • Citar • Associar • Classificar • Descrever • Explicar • Fazer • Construir • Copiar • Desenvolver • Operar • Manipular • Falar • Provar • Processar • Preparar • Escrever • Contar • Desenhar • Reparar • Transportar • Observar • Usar • Montar • Ajustar • Introduzir • Decidir • Analisar • Aceder • Criticar • Escolher • Selecionar • Avaliar • Adequar • Aconselhar • Mediar • Rejeitar • Obedecer • Aderir 49 Quanto à segunda premissa – a das condições – tem a ver com as circunstâncias associadas à performance que se espera do formando após a aprendizagem. Estas circunstâncias têm a ver com: - As tecnologias disponíveis e a utilizar; - Os materiais e equipamentos a utilizar; - Os procedimentos e normas associados ao desenvolvimento de uma atividade ou ao contexto em que a mesma decorrerá; - As condições ambientais; - As exigências físicas ou psicológicas. Esta informação permite que tanto os formandos como os formadores possam avaliar o realismo da ação dese- jada, a forma de execução desta, e identificar, com rigor, normas e standards procedimentais para um desempe- nho ideal. Estes dados revelar-se-ão utilíssimos para, por exemplo, planear e organizar os recursos pedagógicos ou elaborar exercícios e instrumentos de avaliação da aprendizagem. Por seu turno, o critério de êxito permitirá aferir do (in)cumprimento do objetivo. Para poder “medir” isto, a des- crição do critério de êxito deverá ser o mais objetiva possível, recorrendo a um vocabulário simples e muito apro- ximado da realidade laboral. Como medidas para critérios de êxito podemos ter a velocidade, o grau de qualidade, a complexidade, o tempo ou a quantidade. Estes critérios podem ser definidos em singelo ou combinados, e mesmo o seu grau de precisão deve também ser ponderado em função do comportamento esperado. Tipos de Exemplos de critérios de êxito Exemplos de critérios de êxito critério corretamente definidos incorretamente definidos 1.7. Avaliação da Aprendizagem 1.7.1. Conceito e finalidades da avaliação Um processo de formação só faz sentido se incluir um momento avaliativo, que permita aferir o cumprimento dos objetivos da formação e que suporte a própria validade da ação formativa. Isto equivale a encarar a avaliação como mais do que um mero controlo dos resultados da aprendizagem, deven- do alargar-se a todos os intervenientes e componentes no processo formativo. Não há outra forma para se poder medir a eficácia deste. Visto desta forma, podemos pegar na afirmação de Fermin, citado por Pedro Lóio, e definir a avaliação como «um processo sistemático, contínuo e integral, destinado a determinar até que ponto os objetivos formativos foram atingidos»6. 6 LÓIO, Pedro Dinis. T. O. R. (2007). Ob. cit. p. 48. • Grau de qualidade • Tempo (em unidades temporais) • Conformidade (com normas, procedimentos ou standards previamente estabelecidos) • […] 80 palavras por minuto • […] em 10 minutos • […] usando os procedimentos indicados na legislação em vigor • […] fazer bem • […] com rapidez • […] com qualidade • […] em pouco tempo • […] de forma eficiente • […] normalmente 50 Este processo tem várias finalidades como, por exemplo: - Fazer a seleção dos candidatos mais aptos a uma formação ou profissão; - Testar os conhecimentos e competências prévios e necessários para obter sucesso na formação; - Situar os formandos a nível adequado em função do desempenho demonstrado; - Controlar e verificar as aquisições, aprendizagens e novas competências dos formandos nos vários domínios do saber; - Informar os formandos dos seus progressos, situando-os em relação aos colegas, bem como para os orientar, aconselhar ou corrigir durante a formação; - Verificar se, no final da formação, as competências adquiridas pelos formandos correspondem ao perfil de- sejado; - Avaliar o cumprimento dos objetivos da formação; - Avaliar as metodologias, a própria avaliação, o desempenho dos formadores e coordenadores, bem como dos recursos utilizados; - Diagnosticar os pontos fracos ou a melhorar da formação; - Recolher e processar dados com vista à melhoria da formação. Em suma, num processo avaliativo, tudo deve ser avaliado: o programa, a metodologia, os intervenientes (forma- dores, formandos e gestores da formação), bem como a própria instituição ou estrutura que organiza e suporta a formação. A avaliação é, inequivocamente, um fator crítico de sucesso da própria ação, mas ela só será válida se for objetiva, transparente, uniforme, justa e adequada aos objetivos da formação. 1.7.2. Os tipos de avaliação Há dois tipos de avaliação, podendo esta ser feita: - Quanto ao processo; e - Quanto ao momento. Cada um destes tipos pode ainda ser subdivido em subtipos. Abordemos cada um deles. A avaliação quanto ao processo compreende dois subtipos: - Avaliação normativa – esta avaliação visa obter informação sobre a situação dos formandos relativamente ao grupo. É uma avaliação comparativa dos vários formandos, classificando-os numa ordem, sendo por este motivo muito utilizada em processos de seleção; - Avaliação criterial – subtipo de avaliação que é ideal para apurar a eficácia da ação de formação e que visa validar a aprendizagem, sendo o formando avaliado em função dos objetivos atingidos. O formador conse- gue, deste modo, controlar os avanços dos seus formandos e delinear estratégias de recuperação em caso de desvios. A avaliação quanto ao momento compreende três subtipos: - Avaliação inicial – esta avaliação, também chamada de avaliação de diagnóstico, permite selecionar os candidatos mais aptos, orientá-los para outro tipo de formações ou colocar o formando diretamente em de- terminada fase da formação (aproveitando conhecimentos prévios que este já possua). Serve também para tomar decisões sobre o próprio processo formativo; - Avaliação formativa – é realizada ao longo da ação de formação e pretende criar ou preservar as condições ideais de aprendizagem, verificando o desenvolvimento formativo do formando, se a aprendizagem está a ocorrer e se os objetivos estão a ser alcançados. Permite ao formador diagnosticar dificuldades de aprendiza- gem e apurar a necessidade de elaborar mecanismos de recuperação; - Avaliação sumativa – é feita no final do processo de formação, visando testar o resultado final da aprendiza- gem, o nível de competências alcançadas pelos formandos e se estes atingiram os objetivos, nomeadamente, se se enquadram no perfil de saída pretendido. É este tipo de avaliação que suporta a eventual certificação dos formandos. Só tem efeitos corretivos em futuras edições da mesma formação. 53 1.7.4. Escalas de avaliação No processo de avaliação (nomeadamente a sumativa), o formador/avaliador deverá, previamente, fixar os cri- térios pelos quais irá pautar e concretizar essa mesma avaliação. Em particular, deverá fixar escalas que deverão ter em conta as especificidades da ação de formação e os objetivos da aprendizagem. Estas escalas permitirão classificar o formando em função dos objetivos propostos e alcançados. São vários os tipos de escala que o formador tem ao seu dispor: - Escalas quantitativas ou numéricas, que podem ser: . Ordinais (por exemplo, de 0 a 5; de 0 a 10; de 0 a 20); . Percentuais (de 0% a 100%); - Escalas qualitativas: . Literais (por letras, por exemplo – A, B, C, D, E) . Descritivas (por exemplo, Muito Mau, Mau, Suficiente, Bom, Muito Bom) 1.7.5. A subjetividade na avaliação A natureza do ser humano é sempre subjetiva e isso refletir-se-á, incontornavelmente, nos processos de avalia- ção. Porém, vimos atrás que um dos requisitos para que um processo de avaliação contribua efetivamente para o sucesso de uma ação de formação é a objetividade. A subjetividade surge, assim, como uma condicionante que, não sendo totalmente anulável, pode ser mitigada, nomeadamente através da redação de objetivos em termos operacionais (usando verbos operatórios) e reconhe- cendo, visando atenuá-las, as causas da subjetividade da avaliação, como: - Ausência de critérios comuns aos diferentes avaliadores, o que poderá levar a que diferentes avaliadores avaliem de formas completamente diferentes o mesmo formando; - Efeitos de informação prévia, que acontece quando o formador/avaliador já possui informações sobre o for- mando antes de iniciar a formação que podem influenciar a sua avaliação (sobre a sua capacidade intelectual ou de trabalho, por exemplo); - Efeito halo – quando o formador/avaliador forma um preconceito sobre o formando baseado num deter- minado fator (por exemplo, na sua apresentação, presença ou comportamento), preconceito esse que irá influenciar a sua avaliação. Tende a ter mais influência em testes orais, mas também acontece em testes es- critos; - Estereotipia – dá-se quando o formador encaixa o formando numa determinada categoria e fica indiferente à individualidade do formando ou ao seu progresso ou evolução; - Classificação de provas relativamente a outras – quando o avaliador tende a classificar as provas umas rela- tivamente às outras quando a avaliação se deve centrar na prova per si; - Efeito da ordem de avaliação – também chamado de efeito de contraste e ocorre quando, por exemplo, a seguir à prova de um formando brilhante avaliamos a prova de um aluno regular e há penalização deste que terá, assim, uma dificuldade acrescida em deixar uma boa impressão; - Infidelidade do mesmo avaliador – o mesmo avaliador nunca avalia da mesma maneira pois está exposto e condicionado por fatores como o estado de saúde física e/ou psicológica, o estado de humor, o cansaço ou até quando a avaliação é feita em diferentes momentos. 54 1.8. Recursos didáticos 1.8.1. Definição, classificação e critérios de escolha de recursos didáticos Já foi referido atrás que a formação é, essencialmente, um processo de comunicação. Para garantia de maior eficácia do processo de comunicação em contexto formativo surgiram toda uma série de recursos didáticos que, deste modo, podemos descrever como todos os meios (aparelhos, documentos e outros) passíveis de serem uti- lizados pelo formador e que facilitam o processo de aprendizagem, através da estimulação sensorial (sonora e/ ou visual). Aqui incluem-se todos os materiais auditivos, visuais e audiovisuais a que o formador recorre para facilitar e potenciar a comunicação das informações e dados que suportam a aprendizagem pretendida. A importância dos recursos didáticos não pode ser subestimada, mas terão de ser sempre encarados como com- plementos e auxiliares à comunicação verbal do próprio formador, ele, sim, elemento-chave do sucesso de uma ação de formação. A nossa memória apenas consegue reter 10% do que lemos e 20% do que ouvimos, mas se adicionarmos estímulos de outra ordem, o aumento da capacidade retenção da memória é exponencial, pois conseguimos reter: - 30% do que vemos; - 50% do que vemos e ouvimos; - 80% do que dizemos; - 90% do que dizemos e fazemos. Esta é a grande vantagem do recurso aos meios audiovisuais – a melhoria da capacidade de retenção da informa- ção pelos formandos. Mas tem ainda outras vantagens: - Aumentam o interesse e a atenção dos formandos; - Melhoram a compreensão dos conteúdos; - Tendem a diminuir o tempo de formação; - Aumentam a interatividade formador/formandos; - Potenciam a troca de ideias; - São facilitadores da ação do formador. Há uma variedade grande de recursos didáticos, que podem ser classificados de acordo com a seguinte classifi- cação: Ao escolher os recursos a utilizar para uma ação de formação, o formador deve atender a uma série de aspetos que deverão servir de critério de seleção como: - Os temas e conteúdos a abordar e transmitir; - Os objetivos da ação de formação; - O objetivo que se pretende atingir com o recurso didático; - A eficácia do recurso didático como suporte à informação a transmitir; - O público-alvo a que se destina a formação (idade, sexo, formação, necessidades, formação); - A dimensão do grupo de formandos; - A dimensão e condições da sala de formação; - A duração da sessão; - Os recursos disponíveis; - O tempo disponível que o formador tem para a preparação dos seus materiais; - A capacidade e o domínio que o formador tem da utilização dos diversos recursos didáticos. Visuais não projetáveis • Documentos escritos • Quadro magnético • Quadro preto • Quadro branco • Quadro de papel • Quadro com copiador Visuais projetáveis • Retroprojetor • Projetor de diapositivos Audiovisuais • TV • Vídeo • CD-ROM 55 O formador deverá, contudo, ter presente que a formação deve ser organizada em função dos objetivos e con- teúdos e não em função dos recursos que pretende utilizar. Outra precaução que o formador deve ter passa por nunca usar um recurso apenas para fazer a vontade aos formandos ou porque está na moda. Deve, igualmente, evitar o uso de apenas um único recurso pedagógico. 1.8.2. Especificidades dos diferentes recursos didáticos 1.8.2.1 Documentos escritos A utilização de documentos escritos (manuais, guias de sessão, encadernações, listas de verificação, fichas de trabalho) que são distribuídos aos formandos como recurso didático é adequada para matérias de carácter mais teórico. É um recurso barato que é concebido previamente e que pode ser usado em grupos de grande dimensão. O formador, ao elaborar, o documento deve ter alguns cuidados: - Dar um título ao documento; - Identificar o objetivo, bem como quando e onde deve ser utilizado; - Destacar a informação mais importante; - Utilizar frases curtas, simples e diretas; - Evitar informação desnecessária; - Ser organizado, permitindo uma leitura fácil. Tem, ainda, as seguintes vantagens: - Permite a reutilização posterior da informação, o que aumenta a possibilidade de retenção desta; - Dá autonomia ao formando no que respeita ao seu próprio ritmo de aquisição e síntese da informação; - Diminui a necessidade de os formandos tirarem notas, podendo focar-se mais no que o formador transmite. Tem, todavia, algumas desvantagens que passam, por exemplo, por não ser um recurso particularmente intera- tivo tiram ao formador algum controlo sobre o ritmo de aquisição de informação por parte do formando e não permitem uma grande personalização ou adaptação específica a todos os formandos. 1.8.2.2 Quadro branco A utilização do quadro branco é indicada para esquematizar ideias, ilustrar conceitos, registar informação gera- da pela dinâmica do próprio processo formativo, tudo isto escrito diretamente e no momento no quadro. Requer que, para além do quadro branco, sejam disponibilizados ao formador canetas/marcadores adequados, de vá- rias cores e um apagador. O custo é reduzido, não exige grande preparação prévia, pode ser utilizado com grupo de tamanho médio e pro- porciona alguma interatividade entre formador e formandos. O formador deve ter alguns cuidados quando utiliza o quadro branco: - Usar letra legível, de imprensa maiúscula, com um tamanho adequado às dimensões da sala (sala maior – letra maior); - Devem usar-se cores vivas para realçar os pontos-chave da matéria; - Deve ser dado tempos para que os formandos copiem o que está escrito no quadro; - Não falar enquanto se escreve porque não haverá, deste modo, contacto visual; - Escrever sempre de forma organizada, de cima para baixo e da esquerda para a direita para facilitar a apreensão dos conteúdos; - Deve-se apagar a informação quando já não é útil. 58 1.8.2.5 Vídeos e filmes A utilização de filmes e vídeos, com imagens animadas, sonoras e coloridas, pode ser uma opção muito interes- sante para introduzir um novo tema ou ilustrar comportamentos, sendo adequada para grupos de dimensão média. Os equipamentos podem ser dispendiosos, bem como os próprios suportes dos conteúdos. Exigem ainda que a sala seja escura e tenha um ecrã de dimensões apreciáveis. O formador, antes de fazer uso destes recursos deve: - Comunicar aos participantes o que vão ver e porquê, alertando para o tema; - Informar sobre o que deve ser feito durante o visionamento, como tirar notas ou observar com atenção al- guns pontos; - Comunicar o que será feito após o visionamento (debate ou completar um exercício, por exemplo); - Colocar previamente o vídeo na posição correta, de onde pretende começar o visionamento; - Permitir alguma luz para registos dos formandos; - Adequar o volume de som; - Interromper o visionamento de dez em dez minutos, a não ser que seja um filme; - Fazer pausas para discussão, envolvendo a audiência de forma ativa, para esclarecer pontos mal compreen- didos ou sumarizar os principais pontos da aprendizagem. As vantagens deste recurso são diversas: - Muito bom para ilustração de uma mensagem; - Mostra informação que é dificilmente transmissível de outra forma; - Demonstra situações reais ou aproximadas à realidade; - É dinâmico, mostrando processos e mudanças ao longo do tempo e movimento; - É ótimo para exemplificar situações de “como não fazer”; - Estimula o interesse, pois apela a vários sentidos. 1.8.2.6 Softwares de apresentação Este recurso didático é, talvez, o mais comummente utilizado nos dias de hoje. É já rara a ação de formação que não se suporta numa apresentação feita em PowerPoint, Prezi ou qualquer outra aplicação informática similar. É, todavia, exigente em termos de recursos – é necessário um computador e um videoprojector, equipamentos que podem ser caros – e também em termos de preparação prévia, mas compensa por ser utilizável com grupos de formandos grandes. Devido à enorme riqueza e variedade de recursos que estes programas oferecem à criatividade do formador, este nunca deve esquecer que os slides que está a elaborar não são a apresentação e muito menos substituem o formador. São, como todos os outros recursos didáticos, meros auxiliares da insubstituível ação humana desem- penhada pelo formador. Mas há, ainda, outros cuidados a ter quando se constroem apresentações: - Os slides devem ser ordenados em sequência lógica; - Devem, também, ser legíveis, evitando letras com tamanho inferior a 20; - Não fazer do slide um relatório – é apenas um complemento ou ilustração à informação emitida pelo forma- dor; - Não complicar com efeitos visuais e sonoros – há uma enorme probabilidade de não funcionarem e são distratores de atenção; - Os conteúdos mais importantes devem ser colocados logo no início, respeitando uma sequência lógica; - Usar os tipos de letra mais comuns (Times, Arial, Garamond, Century Schoolbook, Verdana, Tahoma) para evitar surpresas com caracteres estranhos quando se quer projetar a partir de um outro computador que não aque- le onde a apresentação foi originalmente construída; - Evitar a profusão de cores e de tipos de letra; - Os fundos devem ser simples e a cor deve contrastar com a das letras; - Alternar letras serifadas com não serifadas. 59 As vantagens na utilização deste tipo de recursos são inúmeras: - A possibilidade de preparação prévia que dá segurança ao formador; - Permite um grande contacto visual com um número considerável de formandos; - Permite uma apresentação com um aspeto bastante profissional; - Não obriga a que se perca o contacto visual com a audiência; - É um excelente auxiliar de memória para o formador; - É reutilizável e adaptável. Também tem algumas desvantagens: - Os custos de aquisição e manutenção dos equipamentos (computador, videoprojector e lâmpadas para este); - Exigem conhecimentos informáticos já relativamente avançados por parte do formador; - Dependem totalmente do fornecimento de energia elétrica. 1.9. Planificação da formação e o plano de sessão 1.9.1. A planificação – conceito e fatores Como em qualquer outra atividade humana complexa – exigente em termos de recursos materiais, humanos e de tempo, sujeita a inúmeros fatores e contingências que podem influenciar ou determinar o seu resultado, efi- cácia ou eficiência – organizar, gerir e ministrar uma ação de formação exige uma reflexão e preparação prévias sobre o que se pretende fazer e como. Ou seja, planificar. A correta planificação da formação e, no âmbito desta, o plano de sessão, afiguram-se, assim, como instrumentos essenciais para o sucesso. Planificar permite ao formador: - Antes da ação de formação – refletir, analisar, prever e antecipar cenários, bem como estruturar e selecionar ideias; - Durante a ação de formação – ter um instrumento de suporte, de orientação e referência sobre o andamento e progresso da ação de formação; - No final da ação de formação – tirar conclusões, fazer avaliação, ajustes e melhorias. A planificação, refletindo a dinâmica pretendida, os resultados esperados e contendo toda a informação teórica e prática, é essencial para que o formador possa de alguma forma garantir que os formandos alcançarão os obje- tivos pré-definidos. A criatividade, a inspiração, bem como o rigor devem igualmente ser tidos em conta. Ao planificar, o formador deve procurar respostas às seguintes questões: - Quem são os formandos? - Quais as competências que os formandos deverão ter adquirido no final da formação? - Quais os saberes que os formandos já dominam previamente à ação de formação? - Quais são as expectativas e motivações dos formandos? - Que meios e recursos didáticos serão necessários? - Que recursos didáticos já existem na organização? - Como serão avaliados os formandos? - Qual será a duração da ação de formação? 60 1.9.2. As fases da planificação A planificação de uma sessão de formação é um processo de reflexão do formador, implica reunir factos e ideias, fazer o filtro destas e a sua ordenação e sistematização, e é feita em cinco fases: Vejamos, detalhadamente, cada uma destas fases. 1.9.2.1 Planeamento da sessão Nesta fase, o formador deverá considerar dois aspetos: - Os aspetos logísticos: sala de formação (localização, tamanho, configuração, condições de higiene, seguran- ça, conforto térmico, luminosidade, energia elétrica, redes informáticas), equipamentos (cadeiras, mesas), recursos didáticos e documentação pedagógica; - Os aspetos humanos: características do grupo de formandos (população-alvo), de forma a preparar conteú- dos e adequar a linguagem e os pré-requisitos de conhecimentos. 1.9.2.2 Preparação da sessão É neste momento que se elabora o plano de sessão, documento no qual: - Se definem os objetivos; - Se caracterizam os destinatários (população-alvo); - Se define a duração da sessão; - Se fixa a organização dos conteúdos a transmitir e, dentro destes, os pontos-chave; - Determinam-se os recursos didáticos; - Se define a metodologia de avaliação. 1.9.2.3 Preparação do grupo Nesta fase, o formador deverá refletir sobre a forma como vai interessar o grupo pelos conteúdos formativos. Seguidamente, logo na abertura da sessão de formação, o formador deverá, depois de se apresentar, fomentar a apresentação mútua dos formandos (incluindo a perceção da experiência anterior, motivações e interesse rela- tivamente ao tema da formação), devendo, em seguida e de forma sumária, dar conhecimento ao grupo do que vai ser a formação, comunicando os objetivos, definir o seu papel e esclarecer sobre como pretende conduzir a sessão. O formador deverá fazer um esforço para se adaptar ao grupo de formandos, ser metódico na exposição dos conteúdos, salientar os pontos-chave da matéria, motivar os formandos para descobrir e evitar expressões associadas ao ambiente escolar (como aula, professor ou aluno). Deve igualmente criar uma atmosfera colabora- tiva e inclusiva de todos os formandos e, paralelamente, estimular o trabalho de grupo. Planeamento da Sessão Preparação da Sessão Preparação do Grupo Desenvolvimento Conclusão 63 1.9.4. A estrutura de uma proposta de intervenção pedagógica Caso seja solicitada a conceção global de uma ação de formação ao formador, este deverá elaborar uma propos- ta de intervenção pedagógica, que deverá seguir a seguinte estrutura: 1. Capa (nome do projeto, data, identificação do autor e da entidade promotora) 2. Enquadramento 3. Objetivos gerais 4. Objetivos específicos 5. Caracterização dos formandos (perfil de entrada) 6. Duração total do curso 7. Organização - Local - Datas de realização - Horários - Cronogramas Plano de Sessão Esquemático Tema: Qualidade na Gestão da Formação Destinatários: Técnicos, gestores ou responsáveis pela área dos recursos humanos ou da formação, formadores e gestores de qualidade Objetivo geral: Conhecer, descrevendo em termos gerais, a etapa da avaliação dos resultados da formação Duração da sessão: 15 minutos Data: 25 de Outubro de 2006 Conteúdo Tempo Métodos Auxiliares Métodos Tempo programático e técnicas pedagógicos e instrumentos pedagógicas de avaliação Introdução • Ponte com o módulo anterior Expositivo ou • Computador com Software - 3’ interrogativo • Videoprojetor/Datashow • Tela de projeção • Apresentação do tema Expositivo • Bloco de folhas A4 e comunicação dos objetivos • Canetas Desenvolvimento • Conceito de avaliação da formação • Identificação da necessidade de avaliar a formação • Esclarecimento dos objetivos da avaliação dos resultados da formação segundo a NP ISO 10015:2002 • Objetivação dos pressupostos de uma avaliação eficaz de acordo • Computador com com a NP ISO 10015:2002 Software PowerPoint Formativa: 11’ • Identificação das entradas (inputs) Expositivo ou • Videoprojetor/Datashow • Observação e saídas (outputs) interrogativo • Tela de projeção • Lista de da etapa da avaliação dos resultados • Bloco de folhas A4 ocorrências da formação conforme • Canetas a NP ISO 10015:2002 • Objetivação das condições de validação dos resultados da formação como estabelece a NP ISO 10015:2002 • Apresentação da estrutura de um relatório de avaliação • Esclarecimento da função e utilidade das saídas (outputs) no processo formativo Conclusão Síntese Expositivo • Computador com Formativa: 1’ Software PowerPoint • Observação • Videoprojetor/Datashow • Lista • Tela de projeção de ocorrências • Bloco de folhas A4 • Canetas 64 8. Estrutura modular/programática 9. Recursos e logística 10. Descrição das metodologias 11. Avaliação 12. Anexos: planos de sessão (descritivo e esquemático), todo o tipo de impressos, fichas de registo e questio- nários) 1.10. Avaliação da formação 1.10.1. Eficácia e avaliação da formação A avaliação da formação é uma prática que tem vindo a ganhar peso e importância e há, de facto, razões que o justificam. Em primeiro lugar, porque a formação é, cada vez mais, encarada pelas organizações como um vetor estratégico de desenvolvimento de recursos humanos e de inovação. Em segundo lugar, porque os decisores das organi- zações exigem saber qual o impacto e o resultado dos investimentos em formação e se estes se justificam. Em terceiro lugar, porque o elevado dinamismo socioeconómico implica uma crescente necessidade de formação contínua, acarretando que, no final de cada ciclo formativo, se avalie o que foi feito, projetando as necessidades formativas futuras. Fala-se aqui, sobretudo, de eficácia da ação formativa, ou seja, averiguar até que ponto os resultados obtidos com o investimento em formação atingiram ou cumpriram os objetivos definidos. Esta eficácia é verificável atra- vés de dois indicadores: - Comportamento e desempenho dos trabalhadores em contexto laboral – mudanças de comportamento, capacidade de resolução de problemas e necessidades, melhoria de indicadores profissionais (produtividade, eficácia, eficiência, qualidade, comunicação, integração na organização); - Efeitos da ação formativa no contexto socio-organizacional – melhorias de índices de produtividade, quali- dade, satisfação, dos procedimentos e processos de comunicação, aumento da motivação e do conhecimento. Avaliar a formação é um processo de recolha e processamento de informação feito junto dos vários intervenien- tes no processo formativo (desde logo, os formandos), centrado nas competências adquiridas pelos formandos e que visa: - Selecionar os candidatos mais aptos a prosseguirem uma formação; - Testar os conhecimentos e competências necessárias para abordar a formação com sucesso; - Situar os formandos no nível adequado em função do seu desempenho; - Verificar as aquisições dos formandos nos vários domínios do saber; - Informar aos formandos sobre os seus progressos; - Classificar os formandos relativamente ao resto do grupo; - Orientar, aconselhar ou corrigir os formandos durante a ação de formação; - Verificar se, no final da formação, as competências adquiridas pelos formandos correspondem ao perfil de- sejado; - Avaliar o cumprimento dos objetivos da formação; - Diagnosticar os pontos fracos ou a melhorar da formação, através dos resultados obtidos. 1.10.2. O modelo dos quatro níveis da avaliação da formação de Kirkpatrick Avaliar nunca é fácil e no complexo contexto formativo não o é menos. Naturalmente, as respostas a esta pro- blemática também não são fáceis, mas a adoção de um modelo de avaliação pode facilitar o caminho ao agente avaliador. 65 O modelo de Kirkpatrick – que é o mais comummente referido e aplicado – concebe a avaliação em quatro níveis: - Nível 1 – Reação (avaliação da satisfação dos participantes); - Nível 2 – Aprendizagem (avaliação da ocorrência e medida de aprendizagens); - Nível 3 – Comportamento (avaliação da transferência das aprendizagens para os contextos de trabalho); - Nível 4 – Resultados (avaliação do impacto da aplicação dos novos conhecimentos no desempenho da or- ganização). Posteriormente, J. Phillips acrescentaria a este modelo um quinto nível: - Nível 5 – Resultados (Abordagem ROI – return of investment – retorno do investimento, ou seja, uma análise custo/benefício). Vejamos com mais detalhe, cada um destes níveis. No Nível 1 (reação) procura avaliar-se o grau de satisfação dos formandos relativamente às seguintes variáveis: - Expectativas iniciais; - Objetivos da aprendizagem; - Conteúdos da formação; - Recursos pedagógicos; - Formadores; - Atividades pedagógicas; - Condições físicas de apoio; - Apoio logístico. Os instrumentos de recolha de dados utilizados neste nível são: - Inquéritos por questionário; - Inquéritos por entrevista; - Realização de Focus Groups; - Registo de comentários dos participantes na formação, por exemplo, em fóruns de discussão fora do espaço de aprendizagem, onde os formandos são convidados a pronunciarem-se sobre a intervenção; - Registo de comentários mais ou menos estruturados dos elementos da equipa de formação; - Realização de observações de comportamentos dos participantes na formação. No Nível 2 (Aprendizagem) visa-se apurar junto dos formandos em que medida os objetivos da aprendizagem foram, ou não, alcançados. Mais concretamente, pretende-se saber: - Se os conhecimentos (domínio do saber-saber) foram adquiridos ou desenvolvidos pelos formandos? - Que capacidades (domínio do saber-fazer) foram adquiridas ou melhoradas? - Que atitudes (domínio do saber-ser/estar) foram adquiridas ou melhoradas? As técnicas de recolha ao dispor do avaliador são várias: - Testes escritos e/ou orais; - Role play; - Elaboração de projetos; - Jogos pedagógicos com resolução de situações/problemas reais associados a parte ou ao todo organizacio- nal (business games); - Estudos de caso; - Aplicação de instrumentos de autoavaliação; - Realização de observações (participantes e não participantes), o que exige construção de grelhas de avalia- ção; - Elaboração de portfólios de competências; - Elaboração de mapas conceptuais; - Registo e análise de incidentes críticos (aplicação de grelhas de observação). No Nível 3 (comportamento) pretende-se apurar até que ponto se verificou a transferência das aprendizagens para os respetivos contextos de aplicação. 68 A nível europeu surgiram, de igual jaez, várias Convenções, de entre as quais se destacam, sem se pretender ser exaustivo, a Convenção Europeia de Extradição, assinada em Paris a 13 de dezembro do ano de 1957, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, e ratificada pelo Decreto da Presidência da República n.º 51/89, de 21.08; novos instrumentos de cooperação judiciária, com destaque para o art.º 53.º da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen de 14.06.1985, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/93 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 55/93, de 25.11; a Convenção Europeia de Auxílio Mútuo em Matéria Penal, assinada em Estrasburgo em 1959, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/94 e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 56/94 de 14.07, à qual se seguiram vários Protocolos Adicionais; as Convenções de Extradição de 1995 e 1996, aprovadas pela Resolução da Assembleia da República 41/97 e ratificadas pelo Decreto do Presidente da República 41/97, de 18.06; a Convenção de Auxílio Judiciário Mútuo de 20.5.2000, estabelecida no art.º 34.º do Tratado da U.E., aprovada pela Resolução da Assembleia da República 63/2001 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 53/2001 de 16.10; Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13.6, transposta para a Lei 63/2003, de 23.08; e o Plano de Ação de Combate ao Crime Organizado, do Conselho, de 28.4.2007 e a Resolução do Conselho de 21 de dezembro de 1998, que contém as principais linhas de ação estratégica no combate à criminalidade organizada7. A nível dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), concede-se especial relevo a dois diplomas fundamentais: Convenção da União Africana sobre a Prevenção e o Combate à Corrupção, assinada em Maputo em 15 de dezembro de 2003 e a Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa entre Estados de Língua Oficial Portuguesa em Matéria de Luta contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, concluída em 26.09.1986, sendo Estados parte Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, em vigor desde o ano de 2008. A Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional (Convenção de Palermo)8 constitui um marco importante nesta matéria porque veio consagrar o conteúdo do conceito de criminalidade organizada, e a 28 de setembro de 2001, na sequência dos atentados em Nova Iorque desse mesmo mês, foi pu- blicada a Resolução n.º 1373 da ONU. Art.º 2.º: Definições Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) “Grupo criminoso organizado” – um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existindo durante um período de tempo e atuando concertadamente com a finalidade de cometer um ou mais crimes graves ou infrações estabelecidas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício económico ou outro benefício material; b) “Crime grave” – um ato que constitua uma infração punível com uma pena privativa de liberdade não inferior a quatro anos ou com pena superior; 7 Ainda outros instrumentos de cooperação Judiciária Internacional: Programa de Estocolmo, Plano de Ação do Programa de Estocolmo, Programa de Haia: dez prioridades para os próximos cinco anos, Tribunais europeus e Tribunais internacionais; Serviço Europeu de Polícia – Europol; Programa específico: Prevenir e combater a criminalidade (2007-2013); Luta contra a criminalidade automóvel com repercus- sões transfronteiriças; Protocolo contra o tráfico ilícito de migrantes por via terrestre, marítima e aérea; Quadro de orientação comum em matéria de agentes de ligação, Luta contra o crime organizado: participação numa organização criminosa; Mecanismos de avaliação em matéria de luta contra o crime organizado; Colaboração dos indivíduos na ação da justiça, Estratégia de segurança interna da EU, Uma abordagem global em matéria de transferência de dados PNR, Luta contra a criminalidade organizada e o terrorismo: papel da Eurojust e da Rede Judiciária Europeia, Conceito estratégico para combater a criminalidade organizada, Estratégia Europeia de Segurança, Antigo programa de intercâmbio, de formação e de cooperação dirigido aos responsáveis pela ação contra a criminalidade organizada: Programa Falcone. 8 in http://www.ministeriopublico.pt/instrumento/convencao-das-nacoes-unidas-contra-criminalidade-organizada-transnacional-0 69 Também na Decisão de março 2008/841/JAI do Conselho, de 24.10, relativa à luta contra a criminalidade orga- nizada, se consagra que, para os respetivos efeitos, se entende por “Organização criminosa a associação estruturada de mais de duas pessoas, que se mantém ao longo do tempo e atua de forma concertada, tendo em vista a prática de infra- ções passíveis de pena privativa de liberdade ou medida de segurança privativa de liberdade cuja duração máxima seja, pelo menos, igual ou superior a quatro anos, ou de pena mais grave, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, benefícios financeiros ou outro benefício material; e por Associação estruturada uma associação que não foi constituída de forma for- tuita para a prática imediata de uma infração e que não tem necessariamente atribuições formalmente definidas para os seus membros, continuidade na sua composição ou uma estrutura sofisticada.” Como veremos, estes conceitos vieram a influenciar e integrar o Direito interno nos vários ordenamentos jurídi- cos, quer a nível constitucional quer processual-penal. Façamos um périplo pelo sistema português por consti- tuir uma referência para outros países de expressão oficial portuguesa. A Constituição da República Portuguesa possui três referências ao conceito de criminalidade organizada: a cons- tante do art.º 33.º, n.º 3, relativa à extradição de nacionais portugueses, permitida em condições de reciprocidade e casos de terrorismo e criminalidade internacional organizada; a do art.º 34.º, n.º 3, permitindo a derrogação da inviolabilidade do domicílio e correspondência durante a noite em situações de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previsto na lei; e a do art.º 207, n.º 1, que consagra a não admissibilidade de intervenção de tribunal de júri em casos de terrorismo e de criminalidade altamente organizada. No domínio da legislação penal, consagraram-se novos tipos, a saber: o branqueamento de capitais, embrioná- rio nos artigos 36.º e 38.º do DL 15/93 de 22.01, e introduzido no Código Penal através da Lei 11/2004 de 27.03; e a criminalização de pessoas coletivas, introduzida pela Lei 59/2007 de 4.09. Já no art.º 287.º do Código Penal de 1982, bem como no art.º 28.º do DL 15/93, de 22.01, este no que reporta ao crime de tráfico de produtos estupefacientes, se previa o crime de associação criminosa. O atual art.º 299.º do Código Penal, que alterou o aludido art.º 287.º, transpôs para o ordenamento jurídico português, quanto à tipi- ficação deste ilícito, os elementos que compunham a definição constante do art.º 2.º da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, como facilmente se conclui cotejando-a com o n.º 5 deste normativo legal. No que respeita ao direito processual penal, a redação introduzida na al. m) do art.º 1.º pela Lei 26/2010 de 30.08, que alterou a versão constante da Lei 48/2007 de 29.08, passou a definir o conceito legal de criminalidade alta- mente organizada da seguinte forma: as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de in- fluência, participação económica em negócio ou branqueamento. O combate a novas formas de criminalidade conduziu, no direito adjetivo, à criação de um regime excecional quanto à perseguição da criminalidade violenta, no que tange, designadamente, às interceções telefónicas, re- gisto ambiental de som, gravação de imagem, quebra de sigilo profissional ou de sigilo fiscal (cf. Lei 5/01, de 11.01), ou à figura do “agente infiltrado” nas ações encobertas (cf. Lei 101/01 de 25.08). Disso são exemplos, ainda, os artigos 89.º, n.º 6 (prorrogação do prazo de segredo de justiça), 139.º, n.º 2 (proteção de testemunhas), 143.º, n.º 4 (primeiro interrogatório não judicial de arguido detido), 174.º, n.º 5, al. a) (buscas e revistas), 177.º, n.º 2, al. a) (buscas domiciliárias), 187.º, n.º 2, al. a) (escutas telefónicas), 202.º, n.º 1, al. b) e c) (prisão preventiva) e 215.º, n.º 2 (prazo de prisão preventiva) todos do Código de Processo Penal (CPP). 70 Em particular, a Lei 5/2002 de 11.1 (alterada sucessivamente pela Lei 19/2008 de 21.04, DL 317/2009 de 30.10, DL 242/2012 de 7.11, Lei 60/2013 de 23.08, Lei 55/2015 de 23.06 e Lei 30/2017 de 30.05) veio estabelecer um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relativa aos cri- mes de: a) Tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21.º a 23.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro; b) Terrorismo, organizações terroristas, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo; c) Tráfico de armas; d) Tráfico de influência; e) Recebimento indevido de vantagem; f) Corrupção ativa e passiva, incluindo a praticada nos setores público e privado e no comércio internacional, bem como na atividade despor- tiva; g) Peculato; h) Participação económica em negócio; i) Branqueamento de capitais; j) Associação criminosa; l) Pornografia infantil e lenocínio de menores; m) Dano relativo a programas ou outros dados informáticos e a sabotagem informática, nos termos dos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, e ainda o acesso ilegítimo a sistema informático, se tiver produzido um dos resultados previstos no n.º 4 do artigo 6.º daquela lei, for realizado com recurso a um dos instrumentos referidos ou integrar uma das condutas tipificadas no n.º 2 do mesmo artigo; n) Tráfico de pessoas; o) Contrafação de moeda e de títulos equiparados a moeda; p) Lenocínio; q) Contrabando; r) Tráfico e viciação de veículos furtados. No que respeita aos crimes previstos em p) a r) a aplicação deste regime fica condicionada à prática sob a forma organizada, nos termos do n.º 2. Acresce que o disposto nos capítulos II e III da referida Lei 5/2002 é ainda aplicável aos demais crimes referidos no n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 36/94 de 29.9, que aprova medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira (administra- ção danosa em unidade económica do sector público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, infrações económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática, e infrações económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional). Refira-se, ademais, que nos ter- mos do n.º 4, o disposto na secção II do capítulo IV é ainda aplicável aos crimes previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), quando não abrangidos pela alínea m) do n.º 1 do citado artigo 1.º. Questões relacionadas com a criminalidade organizada não têm sido objeto de abundante jurisprudência cons- titucional. Em 2008, o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da norma extraída dos n.ºs 1 e 2 do art.º 13.º do CPP (na redação anterior à Lei 48/2007, de 29.8), conjugada com o art.º 51.º do DL n.º 15/93, de 2.01, quando interpretada no sentido de que o tribunal de júri é competente para julgar o crime de tráfico de estupefacientes enquanto criminalidade altamente organizada, tal como é definida no art.º 1.º - 2 do CPP (na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 29.08) e no aresto prolatado9, a Conselheira Ana Guerra Martins exarou que «o conceito de criminalidade altamente organizada aditado ao então art.º 210.º da CRP (atual art.º 207.º) assentou no conceito jus-penal decorrente do Direito Internacional e do conceito então fixado pela lei processual penal (...) ainda que não haja uma identidade absoluta entre este último e o conceito constitucional. Este pressupõe: i) um elevado grau de organização do processo criminoso; ii) uma especial lesivi- dade e perigosidade das condutas criminosas». Fazendo refletir o conceito na análise de situações concretas, traz-se à colação um Acórdão bastante anterior, o n.º 192/2001, relatado pelo Conselheiro Artur Maurício, que teve como objeto a apreciação da constitucionalida- de relativa à interpretação das normas conjugadas dos artigos 251.º, 174.º, n.º 5 e 122.º do CPP no sentido de que, em caso de buscas efetuadas nos termos do art.º 174.º, n.º 4 do CPP e imediatamente comunicadas ao juiz de instrução criminal, a apreciação ulterior em ordem à respetiva validação viola as garantias de defesa consagra- das nos art.º 32.º, n.º 1 e 8 da Lei Fundamental. Nesse aresto decidiu-se que, estando em causa a criminalidade altamente organizada que se impõe combater de forma eficaz, a sanção a posteriori da nulidade não se configura como uma solução arbitrária e desrazoável, como um meio legal restritivo e desproporcionado ou excessivo em relação aos fins prosseguidos – obtenção de prova de criminalidade altamente organizada em risco de se perder. Mostra-se adequada, necessária e proporcionada para sustentar a legitimidade e eficácia do poder punitivo do estado, assegurando a paz social num domínio sensível como é o da criminalidade organizada e tratando-se de buscas não domiciliárias. A breve abordagem que acabámos de expor, respaldada na jurisprudência que a pesquisa efetuada nos permitiu colher, apesar de não ser abundante, permite concluir aquilo que se já afigurava ser evidente: o Direito Interna- cional conforma os sistemas constitucionais e penais, que a ele se vão adaptando com alterações normativas e novas criminalizações. No caso português, é emblemática a 4.ª revisão constitucional no sentido da comprovação da influência do Di- reito Internacional na ordem constitucional deste país. 9 Ac. N.º 450/2008. 73 O mesmo relatório afirma ainda que a luta contra a droga pode influenciar positivamente o desenvolvimen- to dos países. Os esforços para eliminar o cultivo de culturas ilícitas podem criar fontes de rendimento e opor- tunidades de emprego para os agricultores e os trabalhadores agrícolas; podem ainda ter resultados positivos em termos de desenvolvimento nas comunidades, se incluírem medidas de desenvolvimento que assegurarem meios de subsistência alternativos e restaurem a segurança e o Estado de Direito. As intervenções de aplicação da lei que visem restabelecer o Estado de Direito – pedra angular da governação e do desenvolvimento sustentá- vel – podem ainda influenciar a disponibilidade de drogas nos mercados ilícitos, não só reduzindo a oferta atra- vés de interdição, mas também aumentando o risco para os traficantes, elevando o preço das drogas nos merca- dos de consumo. Contudo, há risco de que tais atividades possam gerar mais violência. Medidas de prevenção, intervenção precoce, cuidados, recuperação, reabilitação e integração social e todo o continuum de assistência às pessoas que usam drogas, quando cientificamente baseados, reduzem o uso de drogas e, portanto, seu impacto na saúde pública. Quanto à aplicação da lei, se for feita por instituições imparciais, transparentes e eficientes, em conformidade com os princípios dos direitos humanos, ela promove o Estado de Direito e a justiça; mas, se for feita contra es- ses princípios, pode levar à repressão indiscriminada e à violação dos direitos dos cidadãos. Do mesmo organismo, o relatório “Transnational Organized Crime in West Africa: A Threat Assessment” contém dados igualmente relevantes. Com o declínio do consumo nos Estados Unidos da América e o seu aumento na Europa, onde o preço para o consumidor é maior, juntamente com o facto do aumento da dificuldade de entrada dire- tamente da América do Sul, a África Ocidental passou a ser importante ponto de passagem da cocaína para a Europa, quer por via marítima quer por via aérea. O combate ao tráfico de estupefacientes é condição de desenvolvimento económico e de reforço do Estado de Direito, nisso tendo primacial importância a aplicação da lei penal. 3.2. As fontes legais 3.2.1. Convenções da ONU Como vimos já, há muito que a comunidade internacional está atenta ao crime organizado transnacional, no- meadamente ao tráfico de estupefacientes. É nesse contexto que surge, em 1961, a Convenção Única sobre os Estupefacientes12, concluída em 31.03.1961, emendada pelo Protocolo de 25.03.197213 (doravante “Convenção de 1961”), e, em 1971, a Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas14, concluída em 21.02.1971 (doravante “Con- venção de 1971”), bem como, finalmente, em 1988, a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, concluída a 02.12.1988, com entrada em vigor em 11.11.1990 (doravante “Convenção de 1988”). Estas três convenções complementam-se. As duas primeiras tiveram como objetivo principal codificar as medi- das de controlo aplicáveis a nível internacional, a fim de assegurar a disponibilidade de estupefacientes e subs- tâncias psicotrópicas para fins médicos e científicos, bem como de impedir o seu desvio para circuitos ilícitos. Incluem disposições gerais sobre o tráfico ilícito e o consumo de estupefacientes; a terceira alargou o regime de controlo aos precursores e centrou-se no estabelecimento de medidas para combater o tráfico ilícito de estu- pefacientes e o branqueamento de capitais, bem como no reforço do quadro da cooperação internacional em matéria penal, incluindo extradição e assistência judicial mútua. 12 http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-mpenal/onu/dl-435-1970.html 13 http://www.gddc.pt/siii/docs/dec161-1978.pdf 14 http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-mpenal/onu/dec-10-1979.html 74 3.2.2. Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste A nível da cooperação entre administrações aduaneiras, cabe ainda referir a Convenção sobre Assistência Mú- tua Administrativa entre Estados de Língua Oficial Portuguesa em Matéria de Luta contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas15, concluída em 26.09.1986, em vigor desde 26.07.2008, de que são Estados-parte Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste são Estados- -parte da Convenção de 198816, tendo sido Timor-Leste o último Estado a aderir (em 03.06.2014), por razões co- nhecidas. É essa Convenção a principal fonte da legislação em vigor sobre o tráfico e consumo de estupefacientes e subs- tâncias psicotrópicas em cada um dos países ora em apreço. Em Portugal, esse regime é hoje definido pelo Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I, que já sofreu vinte e uma alterações, sendo a última através da Lei n.º 77/2014, de 11.XI, a maior parte apenas para introdução de substâncias nas tabe- las anexas. Também a regulação do mercado lícito de estupefacientes é feita por este diploma. Em Angola, tal regime está previsto na Lei n.º 3/99, de 6.VIII (definiu o regime jurídico aplicável ao tráfico e con- sumo de estupefacientes, substâncias psicotrópicas, precursores e outros produtos químicos suscetíveis de uti- lização no fabrico de droga). É ainda relevante a Lei n.º 4/99, de 06.VIII, que rege sobre o controlo do mercado lícito de estupefacientes. Em Cabo Verde, o regime dos crimes de consumo e tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas está previsto na Lei n.º 78/IV/93, de 12.VII. É o Decreto-Lei n.º 92/92, de 20.VII, que regula o Mercado Lícito dos Estupe- facientes, Substâncias Psicotrópicas e Precursores. A Lei n.º 30/VII/2008 prevê vários “mecanismos especiais de investigação criminal” admissíveis no âmbito da prevenção e repressão dos crimes elencados no seu artigo 12.º, onde se incluem os relativos ao tráfico de estupefacientes (alínea j). Na Guiné-Bissau, é o Decreto-Lei n.º 2-B/93, de 28.X, que define o regime do tráfico e consumo de estupefa- cientes e substâncias psicotrópicas. O mercado lícito de estupefacientes é regulado pelo Decreto n.º 62-A/92, de 30.XII. Em Moçambique, o regime do tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como o do mercado lícito, é definido pela Lei n.º 3/97, de 13.III. Em São Tomé e Príncipe, a situação legislativa sobre a matéria em apreço não é clara. De facto, em 18.10.2011, a Assembleia Nacional aprovou a lei que regula o tráfico, o consumo e a detenção de drogas, revogando regime do Decreto-Lei n.º 420/70, de 30.IX, até então vigente. Porém, tal lei só foi promulgada quase um ano depois, em 02.10.2012, cabendo-lhe então o n.º 11/2012. Entretanto, em 27.04.2012, a Assembleia Nacional aprovou a lei com o novo Código Penal, que foi promulgado em 05.07.2012, cabendo-lhe o n.º 6/2012. O Código Penal contém um capítulo – o IV do Título IV da Parte Especial, sobre os crimes contra a saúde pública – que contém diversos tipos de crimes de tráfico e consumo de estupefacientes, bem como os crimes conexos, crimes esses também previstos, embora nem sempre de forma exatamente idêntica, na Lei n.º 11/2012; o Código Penal contém em anexo tabelas das plantas, substâncias e preparações, de I a VI. O artigo 3.º da Lei n.º 6/2012 estabelece que, salvo o disposto no artigo anterior [sobre maus tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados e violência doméstica, branqueamento de capital e crimes económicos] são revogadas as disposições legais que contrariem as normas penais previstas nesse Código. Nestes termos, parece claro que a intenção do legislador foi que o re- gime penal sobre o tráfico e consumo de estupefacientes ficasse a constar do Código Penal; porém, devido ao tempo que decorreu até à promulgação, uma lei que deveria ser anterior e por isso revogada nessa parte penal, acabou por ser lei posterior. Não obstante, afigura-se-nos que o regime penal vigente sobre o tráfico e consumo de estupefacientes, bem como sobre matérias conexas, é o do Código Penal, mantendo-se em vigor a Lei n.º 11/2012 quanto ao demais nela prescrito, designadamente especificidades processuais. 15 http://www.gddc.pt/siii/docs/dec12-1988.pdf 16 https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=VI-19&chapter=6&clang=_en 75 Finalmente, em Timor-Leste o regime hoje em vigor é já o da Lei n.º 2/2017, de 25.I (Lei de Combate ao Tráfico Ilícito de Drogas). A Lei n.º 17/2011, de 28.XII, contém um regime especial de recolha de prova, quebra do segre- do profissional e perda de bens aplicável a um catálogo de crimes previsto no artigo 32.ºA, onde se incluem os crimes de tráfico de estupefacientes, pelo que é de grande relevância na análise das especificidades processuais. Naturalmente, em todos os países são ainda relevantes o Código Penal e o Código de Processo Penal. 3.2.3. Convenção de 1988 A Convenção de 1988 merece uma particular referência, pois, por força da mesma, (artigo 3.º, n.º 1), todos os Estados-parte devem tipificar como infrações penais no respetivo direito interno, quando cometidas inten- cionalmente: a) i) A produção, o fabrico, a extração, a preparação, a oferta, a comercialização, a distribuição, a venda, a entrega em quaisquer condições, a corretagem, a expedição, a expedição em trânsito, o transporte, a importação ou a exportação de quaisquer estupefacientes e substâncias psicotrópicas em violação das disposições da Con- venção de 1961, da Convenção de 1961 alterada ou da Convenção de 1971; ii) A cultura de dormideiras, de arbustos de coca ou da planta de cannabis para fins de produção de estupefa- cientes em violação das disposições da Convenção de 1961 e da Convenção de 1961 modificada; iii) A detenção ou a aquisição de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas para qualquer das ativida- des enumeradas na alínea i); iv) O fabrico, o transporte ou a distribuição de equipamentos, materiais ou substâncias das Tabelas I e II, com o conhecimento de que os mesmos vão ser utilizados no ou para o cultivo, produção ou fabrico ilícitos de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas; v) A organização, direção ou financiamento de qualquer das infrações enumeradas nas alíneas i), ii), iii) ou iv); b) i) A conversão ou a transferência de bens, com o conhecimento de que os mesmos provêm de qualquer das infrações estabelecidas de acordo com a alínea a) do n.º 1 deste artigo, ou da participação nessa ou nessas in- frações, com o objetivo de ocultar ou dissimular a origem ilícita desses bens ou de auxiliar a pessoa implicada na prática dessa ou dessas infrações a eximir-se às consequências jurídicas dos seus atos; ii) A ocultação ou a dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação, propriedade ou outros direitos respeitantes aos bens, com o conhecimento de que eles provêm de uma das infrações estabelecidas de acordo com a alínea a) do n.º 1 deste artigo ou de atos de participação nessa ou nessas infrações; c) Sob reserva dos princípios constitucionais e dos conceitos fundamentais dos respetivos sistemas jurídicos: i) A aquisição, detenção ou uso de bens, com o conhecimento, no momento da sua receção, de que provêm de qualquer das infrações estabelecidas de acordo com a alínea a) do n.º 1 deste artigo ou da participação nessa ou nessas infrações; ii) A detenção de equipamentos, materiais ou substâncias compreendidas nas Tabelas I e II, com o conhe- cimento de que são ou vão ser utilizados no ou para o cultivo, produção ou fabrico de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas; iii) O incitamento ou a indução de outrem em público, por qualquer meio, a cometer qualquer das infrações estabelecidas de acordo com o presente artigo ou a utilizar ilicitamente estupefacientes ou substâncias psi- cotrópicas; iv) A participação na prática de uma das infrações estabelecidas de acordo com o presente artigo, ou a asso- ciação ou conspiração, a tentativa e a prestação de auxílio, a facilitação ou o aconselhamento relativamente à prática dessas infrações. 78 Para MORAES ROCHA18, “é possível distinguir diversos bens jurídicos protegidos com a incriminação do tráfi- co de estupefacientes: a vida, integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores de estupe- facientes… No entanto, todos eles podem ser englobados num bem abrangente: a saúde pública em geral” (negrito nosso). LOURENÇO MARTINS19 indica como bens jurídicos protegidos a saúde e integridade física dos cidadãos viven- do em sociedade (saúde pública), a liberdade do cidadão (face à dependência que a droga gera) e ainda a pro- teção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras. PEDRO PATTO20 conclui que “pode ser algo redutor afirmar, sem mais, que o bem jurídico protegido através da criminalização do tráfico de estupefacientes é a saúde pública”, recordando que “o fenómeno do tráfico e consumo de estupefacientes não pode ser encarado com abstração das dimensões que assume nas sociedades hodiernas e que o tornam – como muitas vezes se afirma – um grave flagelo” e que “o tráfico de estupefacientes está associado a uma criminalidade organizada transnacional que chega a desafiar o poder dos Estados” (ne- grito nosso). Note-se que, como geralmente tem sido considerado pela jurisprudência portuguesa, o bem jurídico saúde pú- blica é atingido mesmo quando se cede ou vende a pessoas determinadas. A saúde pública inclui a saúde de pessoas individuais: é composta pela sua soma21. Em qualquer dos casos essenciais, impõe-se a antecipação da tutela para estádios bem anteriores à concretiza- ção do perigo, não existindo aí qualquer violação do princípio da necessidade das penas, como veremos adiante. Desde já antecipamos que as normas dos artigos 21.º, 22.º, 25.º, 26.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I prote- gem os mesmos bens jurídicos, graduando de forma diferente as penas consoante o diverso nível de ofensivida- de da conduta para com esses bens jurídicos e também a diferente perigosidade real das drogas (nomeadamen- te no artigo 25.º e no 40.º). 3.3.3. A natureza do crime 3.3.3.1 Crime de perigo abstrato O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato. Sobre os crimes de perigo, recordemos a lição de FIGUEIREDO DIAS22: «Nos crimes de perigo a realização do tipo não pressupõe a lesão, mas antes se basta com a mera colocação em perigo do bem jurídico. Aqui distingue-se entre crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato. Nos crimes de perigo concreto o perigo faz parte do tipo, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha efetivamente sido posto em perigo. […] Nos crimes de perigo abstrato o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição. Quer di- zer, neste tipo de crimes são tipificados certos comportamentos em nome da sua perigosidade típica para um bem jurídico, mas sem que ela necessite de ser comprovada no caso concreto: há como que uma presunção inelidível de perigo e, por isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efetivo para o bem jurídico. Diz-se também — sendo esta, malgrado as críticas que lhe possam ser dirigidas, uma razoável forma de expressão — que nesta espécie de crimes o perigo é presumido iuris et de iure pela lei.”» (negritos nossos). 18 Droga – Regime Jurídico, 1994, p. 61. 19 Droga e Direito, 1994, p. 122. 20 Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. II, 2011, p. 483. 21 Sobre o assunto, cfr. PEDRO PATTO, ob. cit., p. 484-5. 22 Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, p. 291. 79 Não se exigindo que o perigo para o bem jurídico tenha efetivamente ocorrido, poderia colocar-se em dúvida a necessidade da proteção penal e, assim, a sua conformidade à Constituição. Por diversas vezes foi já o Tribunal Constitucional chamado a conhecer de tal questão, algumas deles ligadas precisamente ao tráfico de estupefa- cientes, concluindo pela não inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato quando visarem a proteção de bens jurídicos de relevo, quando for identificável o bem jurídico protegido e a conduta típica for descrita de forma precisa e pormenorizada. No já referido acórdão 426/91 (SOUSA E BRITO), o tribunal considerou que não existe violação do princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança, pois «a gravidade, a propagação e a tendência para o alastramento dos danos causados pelo tráfico dos estupefacientes justificam suficientemente, do ponto de vis- ta constitucional, uma política criminal tão restritiva da liberdade (sem prejuízo de uma política criminal mais liberal na matéria poder ser também constitucional)», sendo que «No que respeita ao tráfico de estupefacientes, é hoje evidente a necessidade da incriminação de perigo, para promover a tutela de bens jurídicos essenciais.». As atividades de tráfico de estupefacientes «possuem uma ressonância ética só comparável, em intensidade, às ‘incriminações clássicas’ às quais está associado, historicamente, o próprio conceito de crime, como o homicídio e o roubo. A condenação do tráfico de estupefacientes está indelevelmente inscrita na consciência ética das so- ciedades contemporâneas.» No igualmente citado acórdão 441/94 (MONTEIRO DINIZ) foi conhecida especificamente a questão da consti- tucionalidade da mera detenção de estupefacientes determinar, sem mais, o preenchimento do crime de tráfi- co. Nesse acórdão, perfilharam-se as razões expostas no Acórdão 426/91, quer quanto à natureza do crime quer quanto aos bens jurídicos tutelados; igualmente se considerou não existir violação do princípio da culpa ou da presunção de inocência. No mesmo sentido, também quanto à questão do consumo de estupefacientes, foi ain- da o acórdão 604/97 (NUNES DE ALMEIDA). No acórdão 262/01 (FERNANDA PALMA) abordou-se especificamente a problemática da antecipação da tutela a estágios da conduta onde o perigo de lesão do bem jurídico está ainda muito longe e se seria ou não inconstitu- cional considerar que nesses casos o crime está já consumado e não meramente tentado. Aí escreveu o tribunal que «A intervenção penal não tem, porém, de acontecer apenas nas situações em que o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora é efetivamente lesado pela conduta proibida. Em várias situações o legislador proce- de a uma antecipação da tutela penal, punindo comportamentos que ainda não lesaram efetivamente esse bem jurídico. Tal acontece, quando o comportamento em questão apresenta uma especial perigosidade para bens jurídicos essenciais à subsistência da própria sociedade, sendo, por essa via, legitimada aquela antecipação. No caso em apreciação, o preceito impugnado define o tráfico de substâncias proibidas por uma série de condutas conducentes à efetiva transmissão da substância. Assim, qualquer um dos comportamentos previstos implica a consumação do crime. Ora, a esta conceção subjaz o cariz particularmente perigoso das atividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não tanto como resultado de um processo. Na verdade, o tráfico de droga assume consequências pessoais e sociais devastadoras (cuja relevância afigura-se agora ocioso realçar), que jus- tificam plenamente uma intervenção penal preventiva sobre o processo que conduz a tais consequências, abran- gendo várias atividades relacionadas com a atuação no mercado onde a droga se transaciona. Aliás, mesmo em situações onde se verifica uma particular perigosidade das condutas anteriores à consumação material do crime, “o que justifica a ilicitude (sem dúvida, também típica) é ainda a típica conexão com a atividade lesiva do bem jurídico, prosseguida pela ‘preparação’ do crime”» (negritos nossos). Conclui depois que «a dimensão normativa impugnada encontra assim o seu fundamento na particular perigosidade das condutas que justifica uma conceção ampla de tráfico, desligada da obtenção do resultado transação. Porque se trata de condutas que concretizam de modo particularmente intenso o perigo inerente à atividade relacionada com o fornecimento de estupefacientes, o legislador antecipa a tutela penal relativamente ao momento da transação.» No mesmo sentido vai maioritariamente a doutrina23. 23 Por todos, cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, p. 292 e 293, e FARIA COSTA, A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos, RPCC 2, 1992, p. 646 e ss. 80 3.3.3.2 Crime de perigo abstrato-concreto? Alguns autores, como CARLOS ALMEIDA24 e TOLDA PINTO25, defendem que se trata antes de um crime de perigo abstrato-concreto. Neste tipo de crimes, «o perigo abstrato não é só critério interpretativo e de aplicação, mas deve também ser momento referencial da culpa» e, por isso, «só devem relevar tipicamente as condutas apro- priadas ou aptas a desencadear o perigo proibido no caso em espécie»26. Os citados autores defendem que se a conduta for inidónea para causar perigo à saúde pública, não há crime (v.g., se o detentor do produto estupefacientes logo o destrói ou se de imediato o entrega a entidade policial). 3.3.3.3 Crime de perigo comum Uma vez que, como ora vimos, os tipos de crime em causa protegem uma multiplicidade de bens jurídicos, desig- nadamente de carácter pessoal, também podem ser classificados como crimes de perigo comum. 3.3.3.4 Crime duradouro/de execução permanente Sendo crimes em que a consumação ocorre logo que se cria o estado antijurídico, mas em que este se pode pro- longar no tempo, por vontade do agente (v. g., a manutenção da detenção do estupefaciente), podem ainda clas- sificar-se de crimes duradouros ou de execução permanente. 3.3.3.5 Crime de trato sucessivo/exaurido/excutido/de empreendimento Nestes crimes, o resultado típico e assim a consumação consegue-se logo no primeiro ato de execução, pois logo aí, antes de ser verificar lesão, há já perigo de lesão. Diversos atos que constituiriam infrações independentes e normalmente autónomas são tratados como um único crime, onde estão incluídos e absorvido todos esses atos27. O crime de tráfico de estupefacientes tem assim também «a natureza de crime de trato sucessivo, mas é mais comummente denominado de crime exaurido e, na terminologia alemã, por delito de empreendimento, que fica perfeito com a comissão de um só ato, se execute só com ele, preenchendo-se com esse ato gerador o resul- tado típico; o conjunto das múltiplas ações unifica-se e é tratado como tal pela lei e jurisprudência. O crime exaurido é uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros atos de execução, independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto e em que a imputação dos atos múltiplos e sequentes é atribuída a uma realização única» – Acórdão STJ 19.04.2006, Proc. n.º 773/06 (ARMINDO MONTEIRO). Isto é de extrema relevância para efeitos de delimitação do objeto do processo e dos seus efeitos, v. g., ne bis in idem: uma condenação relativa a uma atividade de tráfico prolongado durante determinando período de tempo obsta ao conhecimento de atos isolados de tráfico praticados durante esse período (mas já não relativamente a atos praticados fora desse período ou do âmbito descrito). 24 “Legislação penal sobre droga: problemas de aplicação”, RMP n.º 44, p. 88. 25 Tráfico e consumo ilícitos de estupefacientes: o regime penal e respetiva tramitação processual penal, 1995, p. 57. 26 FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 294-5. 27 PEDRO PATTO, ob. cit., p. 487. 83 A.4) Consumação e tentativa Mais uma vez, devido ao lato âmbito compreensivo do tipo e à sua estrutura progressiva, aquilo que noutros tipos de crime seria tentativa, no tráfico de estupefacientes é já ato de execução e, por isso, de consumação do crime. Quaisquer atos dos previstos no artigo 21.º, n.º 1, são já de verdadeira consumação do crime. A incrimi- nação do agente ocorre logo com o primeiro ato de execução, sendo os demais relevantes para a determinação do tipo de crime preenchido (se o base, o agravado ou o de menor gravidade) e, depois, para a medida da pena. Assim, por exemplo, já há consumação se o agente comprou estupefaciente que viria da Colômbia pelo correio, mas não chegou a recebê-lo porque foi apreendido na estação de correios, pois a mera compra ou importação são já condutas típicas – cfr. TRL 02.11.2000, P. 0029099 (ALMEIDA SEMEDO). Não obstante, continua a ser possível a existência de situações de mera tentativa. Assim, por exemplo, se o agente, a quem cabia a função de transportar a droga, se preparava para o fazer dentro de um veículo à porta de um armazém, mas não chegou a fazê-lo, nem a ter a disponibilidade fáctica sobre a mesma – cfr. STJ 15.04.2008, processo 08P1787 (SOUTO DE MOURA). Assim, pode ser relevante a desistência da execução, por exemplo, se o agente concordou em transportar droga no corpo, mas depois disso desistiu por não ter chegado a acordo com os proprietários da mesma quanto ao montante do pagamento por esse seu serviço – cfr. STJ 03.09.2008, processo 08P2502 (SANTOS CABRAL). A.5) Tentativa impossível? Na expressão feliz de CAVALEIRO DE FERREIRA28, a tentativa impossível ou inidónea, é um “cabo das Tormentas” do Código Penal. Recorde-se que o artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal, determina que a tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à con- sumação do crime. FIGUEIREDO DIAS diz que «em matéria de punibilidade da tentativa impossível, ponto de partida será assim o de que, no caso concreto, a tentativa, apesar de na realidade das coisas estar impossibili- tada de produzir o resultado típico, é suficiente para abalar a confiança comunitária na vigência e na validade da norma de comportamento»29. No mesmo sentido, também se pronunciou FARIA COSTA30. O fundamento da punibilidade está na perigosidade em relação ao bem jurídico. Na lição de FERNANDA PALMA31, «a punibilidade da tentativa impossível só se justifica, em sede de ilicitude, quando se desencadear uma situação de vitimação ou insegurança para bens jurídicos, embora não reúna, por circunstâncias imprevisíveis, condições de consu- mação. Atentará contra o Direito Penal do facto, no entanto, punir a tentativa impossível em razão de fatores de prevenção geral ou especial, exteriores aos que podem fundamentar o ilícito do facto, como pretende a teoria da impressão.». Esta autora exemplifica como sendo situação em que há já desproteção de bens jurídicos aquela em que o traficante de estupefacientes, solicitado pelo consumidor, não possui naquele dia droga para vender32. Só casuisticamente será possível determinar se é ou não punível a conduta daquele que pratica qualquer das ações previstas no n.º 1 do artigo 21.º convencido de que se trata de estupefacientes, mas em que na realidade tal não sucede. Afigura-se-nos incorreto afirmar, sem mais, que será punível a tentativa se não for manifesto que o produto não é estupefaciente. Haverá sempre que determinar se houve ou não alguma possibilidade de afeta- ção do bem jurídico protegido. Assim sucederá, por exemplo, com quem, colocando-se em contacto com indiví- duo no norte de África que, erradamente, pensa ser produtor de cannabis, lhe faz encomenda de 100 kg de resina dessa substância. Mas já não sucederá no caso em que alguém encontra um pacote de açúcar em pó e o guarda pensando tratar-se de cocaína ou quando alguém engana outrem vendendo-lhe uma pequena quantidade de uma substância pastosa (feita com ingredientes alimentares) para seu consumo, dizendo tratar-se de resina de cannabis. Nestes casos, não há qualquer perigo para o bem jurídico. 28 Lições de Direito Penal, Parte Geral I, Verbo, 1992, p. 436. 29 Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, p. 715. 30 Formas do Crime, in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, p. 165. 31 Da “tentativa possível” em direito penal, Almedina, 2006, p. 58. 32 Ob. cit., p. 57. 84 No acórdão do STJ de 06.11.2008, processo 08P2501 (ARMÉNIO SOTTOMAYOR) considerou-se tratar-se de ten- tativa punível aquela em que um arguido, recluso em Estabelecimento Prisional, recolheu um saco que pensava conter estupefaciente, dissimulou-o no meio de um balde de adubo, entregou o balde ao outro arguido, que, quando se viu descoberto pelo guarda prisional encarregado da respetiva vigilância, o lançou para fora do muro, sendo que, o estupefaciente havia sido previamente retirado do saco pelos guardas prisionais. B) Angola O crime-base de tráfico de estupefacientes está previsto no artigo 4.º da Lei n.º 3/99. A redação do artigo é praticamente igual à do artigo 21.ºdo diploma português. Há, contudo, uma relevante diferença: sem que se perceba o motivo, não consta das modalidades de ação do tráfico aquela que é uma das mais relevantes – a venda. Consta do tipo o “colocar à venda”, mas não o vender. De qualquer forma, dificilmente não integrará este tipo de crime a conduta daquele que vende: normalmente, será detentor das substâncias (ainda que nelas não toque, por ter quem o faça por si, tê-las-á na sua disponibilidade fáctica). Outra diferença está nas penas, que são mais elevadas: de prisão maior de 8 a 12 anos no caso do n.º 1, de prisão maior de 12 a 16 anos para os n.ºs 2 e 3, e, finalmente, de prisão maior de 2 a 8 anos para o n.º 4. C) Cabo Verde A lei distingue entre drogas de alto risco (as plantas e substâncias constantes das tabelas I e II) e as drogas de risco (as plantas e substâncias constantes da tabela III) – artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.º 78/IV/93. O crime-base de tráfico de estupefacientes está previsto no artigo 3.º, aplicando-se às drogas de alto risco. O n.º 1 é materialmente idêntico ao n.º 1 do artigo 21.º da lei portuguesa, o mesmo sucedendo correspondentemente com os n.ºs 2 e 3. As penas são iguais. Sendo a droga “apenas” de risco, a previsão é a do artigo 4.º. É similar ao n.º 4 do artigo 21.º da lei portuguesa, sendo igual a pena. Porém, esta última norma aplica-se também aos casos dos n.ºs 2 e 3 (de abuso de autorização concedida), o que não sucede com a norma de Cabo Verde, que se aplica apenas aos casos do n.º 1 (de inexistência de autorização). Deste modo, embora para tal não se encontre fundamento de política criminal, parece ser for- çoso entender que o “abuso de autorização” para as drogas de risco não é criminalmente punido. D) Guiné-Bissau A lei da Guiné-Bissau é muito similar à de Cabo Verde. Efetivamente, distingue entre drogas de alto risco (as plantas e substâncias constantes das tabelas I e II) e as dro- gas de risco (as plantas e substâncias constantes da tabela III) – artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.º 2-B/93. O crime-base de tráfico de estupefacientes está previsto no artigo 3.º, aplicando-se às drogas de alto risco. O n.º1 é materialmente idêntico ao n.º 1 do artigo 21.º da lei portuguesa. Embora se afigure como manifesta gralha, a pena está estabelecida como sendo «de a 12 anos». Não terá sido intenção do legislador que o limite mínimo da pena fosse o geral, estabelecido no Código Penal, pois tal seria incongruente com o facto de para crimes menos graves, como o do artigo 4.º, se prever um limite mínimo de 2 anos. Desconhecemos a existência de retificação da lei. Os n.ºs 2 e 3 também são materialmente idênticos aos n.ºs 2 e 3 do artigo 21.º da lei portuguesa. 85 Sendo a droga “apenas” de risco, a previsão é a do artigo 4.º. É similar ao n.º 4 do artigo 21.º da lei portuguesa, sendo a pena de 2 a 8 anos. Porém, tal como sucede com o artigo 4.º da lei cabo-verdiana, aplica-se apenas aos casos do n.º 1 do artigo 3.º (de inexistência de autorização), e não aos casos dos n.ºs 2 e 3 (abuso de autorização concedida). Deste modo, embora para tal não se encontre fundamento de política criminal, parece ser forçoso entender que o “abuso de autorização” para as drogas de risco não é criminalmente punido. E) Moçambique O crime-base de tráfico de estupefacientes está previsto no artigo 33.º, que é materialmente idêntico ao artigo 21.º da lei portuguesa, sendo as penas, porém, bem mais elevadas. O tipo base é delimitado negativamente pela detenção para consumo, prevista no artigo 55.º. Entre este artigo 33.º e o 34.º verifica-se uma situação de concurso aparente. De facto, embora o n.º 1 do artigo 33.º preveja também o cultivo de plantas em geral incluídas nas tabelas I a III, punido com pena de prisão maior de 16 a 20 anos, o artigo prevê uma pena de 3 dias a 1 ano de prisão para quem, sem se encontrar autorizado, cultivar a planta Cannabis Sativa, vulgarmente conhecida por suruma, que está incluída na tabela I-C. Deste modo, parece existir uma relação de especialidade entre estas duas normas, prevalecendo a do artigo 34.º. A significativa redução da pena assenta certamente em razões histórico-culturais. Porém, afigura-se incom- preensível que não se estabeleça quaisquer limites ao volume de cultivo da planta, que, assim, poderá ir de um pé a milhões. De qualquer forma, sublinhe-se que a única previsão do artigo 34.º é a do cultivo: outras condutas, como a venda ou a cedência, já integrarão a previsão do n.º 1 do artigo 33.º. F) São Tomé e Príncipe O crime-base de tráfico de estupefacientes está previsto no artigo 279.º do Código Penal. É materialmente idêntico ao artigo 21.º da lei portuguesa, estando nas penas as únicas diferenças. G) Timor-Leste O crime-base de tráfico de estupefacientes está previsto no artigo 7.º da Lei n.º 2/2017. É muito similar ao artigo 21.º da lei portuguesa, embora com algumas diferenças relevantes. O n.º 1 é materialmente igual ao n.º 1 do artigo 21.º da lei portuguesa, sendo a pena mais elevada. O n.º 2 apresenta algumas diferenças face ao n.º 2 do artigo 21.º, pois neste as condutas previstas são apenas as de ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no comércio, enquanto no primeiro são todas as previstas no n.º 1 (ou seja, mais amplo). Não tem previsão equivalente ao n.º 3 do artigo 21.º (para aquele que cultivar plantas, produzir ou fabricar subs- tâncias ou preparações diversas das que constam do título de autorização). Afigura-se assim que tais condutas integrarão a previsão do n.º 1. O n.º 3 tem previsão similar ao n.º 4 do artigo 21.º português, embora faça uma distinção na pena, consoante se trate das condutas do n.º 1 (prisão de 1 a 5 anos) ou do n.º 2 (prisão de 2 a 8 anos). Na lei portuguesa, a pena é sempre de 1 a 5 anos. 88 Naturalmente, a prova de tal facto pode ser indireta. Para isso serão indícios relevantes a quantidade e qua- lidade dos estupefacientes (quanto mais caro o estupefaciente, maior poderá ser a margem de lucro; quanto maior o seu grau de pureza, maior a percentagem de “corte” que permite, etc.), o volume de vendas, o período da atividade, o número de condutas, a posição na organização, etc. O conceito de “avultada compensação remuneratória” não é igual ao de “valor consideravelmente elevado” previsto no artigo 202.º, alínea b), do Código Penal (200 unidades de conta, ou seja, hoje 20.400€)38. Se assim fosse, o legislador tê-lo-ia dito. No entanto, é critério que, com outros, deve ser considerado. Na jurisprudência, há muitos exemplos de avultada compensação remuneratória: • 270 kg cocaína – STJ 13.03.2008, P. 07P4086 (RODRIGUES DA COSTA)39; • Venda regulares de 0,5 kg de cocaína – STJ 15.01.2004, p. 03P4020 (PEREIRA MADEIRA); • 344 kg de cocaína – STJ 24.04.2002, p. 02P2930 (LOURENÇO MARTINS)40; • Venda em pouco tempo de 3,5 kg de heroína, 1 kg de cocaína e 3,5 kg de haxixe – STJ 02.09.2002, P. 02P2935 (PEREIRA MADEIRA)41; • Cerca de 6 toneladas de cocaína – STJ 04.12.2008, P. 08P3456 (MAIA COSTA); • 18 kg de haxixe – TRP 03.03.2004, P. 0346306 . Outros há em que tal agravativa foi recusada: • 5000€ – STJ 17.05.2000, CJ-STJ VIII, 2, 193; • 343 g de cocaína – STJ 06.12.2006, P. 06P3651 (OLIVEIRA MENDES)42; • 25.000€ – STJ 26.09.2007, P. 07P1890 (SANTOS CABRAL); • 44 kg de haxixe que dariam lucro de cerca de 8.500€– STJ 08.02.2006, P. 05P2988 (SOUSA FONTE); • 15.000€ – STJ 09.06.2004, P. 04P1128 (HENRIQUES GASPAR)43. 38 Assim, TRP 03.03.2004, P. 0346306 (BRÍZIDA MARTINS). 39 Do sumário: 1 – «É de concluir pela avultada compensação remuneratória, mesmo que não se apure qual a efetiva remuneração do traficante, sempre que, pela qualidade da droga, pela sua quantidade e pela posição que o agente ocupa no negócio (não sendo mero “correio” ou “vendedor de rua “) este iria obter uma larguíssima vantagem económica caso concluísse a transação. 2 – A avultadíssima quantidade de cocaína – cerca de 270 kg – um produto de aquisição muito onerosa, que os arguidos fizeram importar para o país, implicando complexas operações para o efeito, desde viagens de prospeção, contactos com o fornecedor no Brasil, montagens de empresas para encobrimento, contratos com empresas de transporte por mar e de transporte por terra à chegada, contratos para o desalfandegamento, contratos para o descarregamento envolvendo um empilhador, aluguer de um contentor para o transporte de um armazém para acondicionamento da droga, até ser levada para outro local a fim de ser comercia- lizada, evidenciam que os recorrentes pretendiam obter avultada compensação remuneratória, mesmo que não se tenham apurado os custos do produto e os diversos gastos implicados na operação, bem como os rendimentos que iriam obter todos e cada um deles, não relevando igualmente para o efeito se a droga se destinava só ao país ou se era para ser exportada para outro país.» 40 Do sumário: «A participação na operação de importação de 344 quilogramas de cocaína, droga de reconhecida danosidade e de preço elevado no mercado ilícito, próximo do da heroína, deslocando-se o recorrente de avião da Holanda para Portugal, com vista à sua receção e transporte, a es- tadia no país por quatro dias em hotel nas imediações do local da entrega, são elementos que segundo as regras da experiência comum, apoiam a interpretação feita de que se visava obter avultado proveito compensatório da participação na operação criminosa. O propósito de obter avultados lucros pecuniários é um juízo de valor sobre factos e não um conceito ou questão de direito.» 41 Do acórdão: «Se é certo que a quantidade não pode ser, só por si, um elemento decisivo no sentido de se indagar do propósito do traficante alcan- çar «avultada compensação remuneratória» não o é menos, todavia, que essa grandeza aliada à natureza da droga e às demais circunstâncias do caso – nomeadamente o período de tempo em que a atividade teve lugar – nos deixam indicação segura desse objetivo, já que é facto notório ser o tráfico de droga tarefa altamente compensadora em termos monetários, a ponto de, sendo o «dealer» de rua o elemento ínfimo de toda a cadeia traficante, e, assim, o que menos receberá, ainda assim, o negócio até para ele é, em regra, muito lucrativo, consoante naturalmente o volume das vendas. (…) Sendo assim, tendo em conta que num curtíssimo espaço de tempo o recorrente armazenou e traficou nada menos de cerca de 3,5 kg de heroína, cerca de 1 kg de cocaína e quase 3,5 kg de haxixe, tendo em conta ainda a organização e meios de que dispunha, sem esquecer o “armazém”, a balança de precisão, o moinho, as quantidades enormes de bicarbonato de sódio e demais ingredientes iniludivelmente destinados à manipulação, embalagem e venda de droga, tendo em conta, enfim, que uma singela “operação” de venda lhe rendeu o preço bruto de 2.750.000 escudos, outra não pode ser a conclusão que não a de que o recorrente obteve ou, pelo menos, se preparava para obter “avultada compensação remuneratória”». 42 Do acórdão: «embora se reconheça estarmos perante traficante com dimensão acima da média, o que resulta especialmente dos lucros que o arguido CM se propunha obter com a heroína apreendida (total de 343,345 g), a verdade é que tais lucros não correspondem aos obtidos usualmen- te pelo grande tráfico, antes se enquadrando em patamar consentâneo com o grau de ilicitude pressuposto na previsão do art.º 21º do DL 15/93.» 43 Do sumário: «Assim, a “elevada compensação remuneratória” tem de apresentar uma projeção de especial saliência, avaliada por elementos ob- jetivos que revertem, necessariamente, à intensidade (mais que à duração) da atividade, conjugada com as quantidades de produto e montantes envolvidos nos “negócios” – o que aponta para operações ou “negócios” de grande tráfico, longe, por regra, das configurações da escala de base típi- cas e próprias do “dealer de rua” urbano e suburbano ou do seu sucedâneo no espaço rural. Têm de estar em causa ordens de valoração económica próprias dos grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição, ou alguma intervenção que, mesmo ocasional, mas directamente conformadora ou decisivamente relevante, seja determinada a obter ou produza uma compensação muito relevante, mas em que, pela ocasionalidade da intervenção, os riscos de detecção são menores, com a consequente maior saliência da ilicitude.» 89 d) O agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão dessas infrações O agente terá de ser funcionário incumbido da prevenção ou repressão do tráfico de estupefacientes ou de precursores: as infrações a que se refere a alínea são as dos artigos 21.º e 22.º, referidas no corpo do artigo. Não é necessário que o agente atue no exercício de funções, bastando que tenha essa qualidade44. Quando o legislador quis exigir que o facto fosse praticado no exercício de determinadas funções, deixou-o expresso – cfr. alínea e). Sobre o conceito de funcionário, há que recorrer ao artigo 386.º do Código Penal. A fonte desta alínea é o artigo 3.º, n.º 5, alínea e), da Convenção de 1988, estando aí claro que o agente terá de ter cargo público e a atuação estar relacionada com essa sua função. e) O agente for médico, farmacêutico ou qualquer outro técnico de saúde, funcionário dos serviços prisionais ou dos serviços de reinserção social, trabalhador dos correios, telégrafos, telefones ou telecomunicações, do- cente, educador ou trabalhador de estabelecimento de educação ou de trabalhador de serviços ou institui- ções de ação social e o facto for praticado no exercício da sua profissão Aqui já se exige que o agente atue no exercício da profissão. Como refere PEDRO PATTO45, a agravação justifica- -se pela especificidade da profissão: relevo social da função, exigência de comportamento exemplar, garantias de confiança, maior facilidade de acesso aos produtos e de ocultação da prática do crime. f) O agente participar em outras atividades criminosas organizadas de âmbito internacional Terá de ser no mesmo período do tráfico de estupefacientes ou de precursores. Terá de haver condenação por essas outras atividades (v. g., por tráfico de armas ou de pessoas), o que pode acontecer no mesmo processo ou em processos distintos. g) O agente participar em outras atividades ilegais facilitadas pela prática da infração Terá de ser no mesmo período do tráfico de estupefacientes ou de precursores Terá de haver condenação por essas outras atividades (v. g., por lenocínio), o que pode acontecer no mesmo processo ou em processos distintos. h) A infração tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de ação social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de atividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações A fonte desta alínea é o artigo 3.º, n.º 5, alínea g), da Convenção de 1988. Está aí claro, como aliás na letra desta alínea, que o fundamento da agravação não está na qualidade do agente (v. g., recluso, guarda prisional, mili- tar, professor, etc.), mas sim no local onde ocorre a conduta (características funcionais desses estabelecimentos e objetivos que lhes presidem) e os efeitos que essa conduta pode ter na comunidade que partilha esse lo- cal (perigo de disseminação do consumo pelas pessoas que os frequentam). Como referido no acórdão do TRC 31.05.2006, P. 1063/06 (GABRIEL CATARINO), «As especiais condições em que se encontram os usuários de um espaço confinado e restritivo, como é o espaço prisional, exige que aqueles que neles se inerem adquiram e assu- mam comportamentos de contenção e arrimados às regras e regulamentos que, de ordinário, vigoram neste tipo de espaços, pelo fim, a que se destinam, por um lado, e pela disciplina e controlo a que devem estar submetidos. A simples ameaça de introdução de produtos estupefacientes em ambientes fechados e propensos à dissemi- nação de estereótipos constitui-se como fator de perturbação das regras e da necessidade de observância de condutas isentas de tonalidades transgressoras e colidentes com os ditames de reeducação que devem presidir numa instituição que deve procurar reabilitar e ressocializar aqueles que se apartaram das normas socialmente estabelecidas.». 44 Assim, MORAES ROCHA, ob. cit., p. 82, e LOURENÇO MARTINS, ob. cit., p. 143. 45 Ob. cit., p. 504. 90 Assim, não se verifica esta agravante se o tráfico ocorrer fora do Estabelecimento Prisional, ainda que seja um recluso a comandá-lo – assim, STJ 21.10.2004, CJ-STJ XII, 3, 202; STJ 15.02.2007, P. 06P4092 (RODRIGUES DA COS- TA). Não é a qualidade do agente que confere gravidade à conduta; é o facto de a infração ser praticada nos referidos espaços, com desprezo por aquelas características, objetivos e acentuação do perigo de disseminação. Como as demais circunstâncias, esta não opera automaticamente – assim, o referido Acórdão do TRC 31.05.2006, P. 1063/06 (GABRIEL CATARINO) e o Acórdão do STJ 16.01.2008, P. 07p4638 (PIRES DA GRAÇA), o onde se escre- ve que «É preciso que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento. Trata-se de um crime de perigo abstrato em que a conduta legalmente configurada é suscetível de criar perigo para o bem jurídico protegido e, que apenas em concreto, na avaliação global do facto, se pode determinar a identificação do ilícito típico (como, por exemplo, se a detenção de droga era destinada a ser comercializada ou disseminada pela população prisional)». Questão muito debatida na jurisprudência é a de saber se pode haver tráfico de estupefacientes de menor gra- vidade no interior das prisões. Algumas decisões são no sentido afirmativo (assim, STJ 28.06.2006, P. 06P1796 (JOÃO BERNARDO) (Perante uma situação em que há ausência de disseminação ou de intenção de dissemina- ção pela demais população prisional e a quantidade detida é diminuta (0,213 g), e tendo em conta o princípio da proporcionalidade subjacente ao DL 15/93, de 22-01, é de entender que não se atingiu a razão de ser da referida agravante qualificativa. Ficando afastada a agravante, nada obsta a que se considere a figura do tráfico de menor gravidade prevista no art.º 25.º do mesmo diploma, que, dada a pequeníssima quantidade de droga em causa, é mesmo de acolher), STJ 08.02.2006, P. 05P3790 (JOÃO BERNARDO) e STJ 30.05.2005, CJ-STJ XIII, 1, 224; outras no sentido negativo (se não for agravado, será sempre o crime-base do artigo 21.º. Assim, STJ 11.04.2002, P. 02P376 (SIMAS SANTOS), STJ 17.04.2002, P. 02P2359 (PEREIRA MADEIRA)46, e TRP 03.07.2002, P. 0210427 (ESTEVES MARQUES). Acompanhamos aqueles que consideram possível considerar o tráfico como de menor gravidade. A integração no artigo 21.º da cedência de uma pequena quantidade a um único recluso levaria a uma significa- tiva desproporcionalidade entre a gravidade da conduta (ilicitude e culpa) e a dimensão da pena47. i) O agente utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores ou de diminuídos psíquicos Nesta alínea, o que está em causa não é, como na alínea a), a entrega da droga a menores ou diminuídos psí- quicos, mas sim a utilização destes na prática em qualquer das ações típicas de tráfico de estupefacientes ou de precursores. A participação destes pode ser a nível da autoria material imediata ou da cumplicidade (auxílio material). Sobre os “menores ou diminuídos psíquicos”, cfr. anotações à alínea a). j) O agente atuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando Esta alínea tem fonte no artigo 3.º, n.º 5, alínea a), da Convenção de 1988 («A participação na infração de uma organização criminosa à qual o agente pertença»). Bando não se confunde com associação criminosa, para cuja criação ou participação rege o artigo 28.º. Os re- quisitos para que se considere existente um bando são, pois, muito menos exigentes do que os da associação criminosa. Porém, terão de ser mais do que uma mera comparticipação criminosa. «A noção de “bando” tem tradição nas designações comuns relativas à identificação de elementos de um certo modo de atuar por parte de indivíduos que se dedicam a determinadas atividades criminosas, especialmente contra a propriedade. Tais elementos, dir-se-ia essenciais, mas típicos, são a pluralidade, a organização, a atua- ção em conjunto, a definição de tarefas, e o conhecimento aceite por todos os membros da atividade de cada um. A noção de “bando”, figura de pluralidade, de concertação e também de organização, situa-se, pois, no plano da construção, entre as dimensões da comparticipação em relação à qual se apresenta como um plus diferencia- dor, e a organização de nível e relevo que integre já o conceito, tipicamente relevante, de associação criminosa. 46 Afirmando apenas ser «duvidoso que a presença de uma das agravantes previstas no artigo 24.º se possa compatibilizar com uma “ilici- tude consideravelmente diminuída” do artigo 25.º». 47 PEDRO PATTO, ob. cit., p. 505. 93 G) Timor-Leste A agravação das penas está prevista no artigo 9.º, cujo campo de aplicação, tal como sucede com a lei portuguesa, é apenas o do tráfico de estupefacientes e o de precursores. A agravação é de um terço nos limites mínimo e máximo das penas. As circunstâncias agravativas não são exatamente idênticas às da lei portuguesa. Vejamos as diferenças. a. Distribuir ou tentar distribuir as plantas, substâncias ou os preparados por um grande número de pes- soas; • Similar à alínea b); b. Entregar ou tentar entregar as substâncias ou preparados a menores ou a doentes mentais; • Utiliza-se a expressão “doentes mentais” e não “diminuídos psíquicos”, mas o seu significado é o mesmo; c. Utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores, pessoas com doença mental ou ainda de pes- soas que se encontrem ao seu cuidado para tratamento, educação, instrução, vigilância ou guarda; • Para além da utilização da expressão “pessoa com doença mental” e não “diminuídos psíquicos”, alarga- -se o campo da agravação pela utilização de pessoas que se encontrem ao cuidado do agente para trata- mento, educação, instrução, vigilância ou guarda; d. Estiver incumbido da prevenção ou repressão dos crimes de produção, de tráfico ou de consumo de estu- pefacientes e substâncias psicotrópicas; • Similar à alínea d), mas mais amplo, pois para além dos casos em que o agente é funcionário incumbido da prevenção ou repressão do tráfico de estupefacientes ou de precursores, inclui ainda os casos em que o agente é funcionário incumbido da prevenção ou repressão do consumo de estupefacientes; e. For funcionário da justiça ou dos postos de fronteira, dos serviços alfandegários, dos serviços prisionais e de reinserção social, dos serviços de correios, dos estabelecimentos de ensino e educação, dos serviços de ação social, sendo o facto praticado no exercício da sua profissão; • Similar à alínea e), mas com significativas diferenças. Por um lado, adiciona os funcionários da justiça ou dos postos de fronteira, dos serviços alfandegários (que, em determinadas situações, poderiam já estar abrangidos pela alínea d), mas noutras não); por outro, exclui os médicos, farmacêuticos ou quaisquer outros técnicos de saúde, bem como os trabalhadores dos serviços de telecomunicações; f. Praticar os factos em instalações de serviços ou instituições de tratamento de consumidores, de rein- serção social ou de ação social, em estabelecimento prisional, unidade militar, instalação policial ou de segurança pública, estabelecimento de educação ou em outros locais especialmente destinados à prática de atividades educativas, desportivas, recreativas ou sociais; • Similar à alínea b), mas exclui as imediações das instalações referidas; g. Corromper, alterar ou adulterar, por manipulação ou mistura, plantas, substâncias ou preparados, au- mentando o perigo para a vida ou para a integridade física de outrem; • Similar à alínea l); h. Fizer da prática do crime modo de vida; • Inovador; i. Obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória; • Similar à alínea c); j. Detiver, ameaçar com ou fizer uso de arma ou utilizar máscara ou disfarce; • Inovador; k. Praticar os factos por intermédio de associação criminosa; • Inovador (a lei portuguesa exige apenas o bando); l. Participar em outras atividades ilegais facilitadas pela prática da infração; • Similar à alínea g); m. Participar em outras atividades criminosas organizadas de âmbito internacional. • Similar à alínea f). 94 3.3.4.3 A atenuação especial ou dispensa de pena A) Portugal Artigo 31.º Atenuação ou dispensa de pena Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua ativi- dade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se es- forçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena. Prevê este artigo a possibilidade de o agente dos crimes previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º beneficiar de uma atenuação especial de pena ou até da sua dispensa. Isso poderá acontecer se o agente tiver uma ou várias das seguintes condutas: • abandonar voluntariamente a sua atividade; • afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta; • impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique; • auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de ou- tros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações. É exigível ao agente uma atitude ativa e decidida, espontânea e voluntária no sentido de abandonar a ativida- de ou minimizar os seus efeitos, ou auxiliar na recolha de provas decisivas, para a identificação e captura de ou- tros responsáveis – STJ 17.11.2005, P. 05/2861 (PEREIRA MADEIRA) e STJ 14.06.2007, P. 07P1895 (SIMAS SANTOS). Como referido nestes acórdãos, uma mera confissão, ainda que de algum relevo, embora não decisivo, prestada a reboque dos acontecimentos, terá o seu lugar próprio de valoração no âmbito do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, mas não mais do que isso, já que a norma especial do artigo 31.º premeia um comportamento também ele especial, não apenas de abandono ativo da atividade em causa, como de colaboração ativa e relevante, através de atos que inequivocamente revelem que o agente transpôs a barricada do crime para se assumir como um seu combatente ativo. Haverá que apreciar o grau de contributo ativo do agente para o combate ao crime e para a prova, o grau de ar- rependimento, mas também o grau de ilicitude do crime que cometeu e da sua culpa. Do confronto entre uns e outros sairá o juízo de aplicação ou não das possibilidades previstas neste artigo 31.º. Os termos da atenuação especial estão previstos no artigo 73.º do Código Penal: o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço, o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior, e o limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal. A dispensa de pena está prevista no artigo 74.º do Código Penal. O n.º 1 prescreve que quando o crime for punível com pena de prisão não superior a 6 meses, ou só com multa não superior a 120 dias, pode o tribunal declarar o réu culpado, mas não aplicar qualquer pena se: a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas; b) O dano tiver sido reparado; e c) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção. O n.º 3 acrescenta que quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do n.º 1. 95 Assim, a dispensa de pena prevista no artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 15/93 só poderá ocorrer quando, para além dos requisitos específicos nele previstos, estiverem também preenchidos os requisitos gerais do n.º 1 do artigo 74.º do Código Penal: a ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas e à dispensa de pena se não opuse- rem razões de prevenção (sendo este um tipo de crime de perigo abstrato, não poderá haver reparação do dano). O Código de Processo Penal, no artigo 280.º, prevê ainda a possibilidade de, se o processo for por crime relativa- mente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, poder decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verifica- rem os pressupostos daquela dispensa; se a acusação tiver sido já deduzida, pode o juiz de instrução, enquanto esta decorrer, arquivar o processo com a concordância do Ministério Público e do arguido, se se verificarem os pressupostos da dispensa da pena. Nestes termos, apesar de haver indícios suficientes da responsabilidade do arguido pela prática de crime, poderá até nem haver julgamento, sendo o processo arquivado no inquérito ou na instrução. O campo expresso de aplicação deste artigo 31.º é apenas o dos artigos 21.º (tráfico de estupefacientes), 22.º (trá- fico de precursores), 23.º (branqueamento) e 28.º (associação criminosa). Quanto a este aspeto, a primeira questão que se coloca é saber se quanto ao crime de branqueamento continua a ser possível aplicável este artigo 31.º. Isto porque o artigo 23.º foi revogado pela Lei n.º 11/2004, de 27.III, sendo que as condutas que nele estavam previstas estão hoje previstas e punidas pelo artigo 368.º-A do Código Penal. A resposta afigura-se-nos ser negativa. O artigo 368.º-A aplica-se a todos os tipos de branqueamento, sejam quais forem os crimes antecedentes. Os n.ºs 7 a 9 do artigo 368.º-A do Código Penal preveem apenas a possibilidade de atenuação especial, tendo sido intenção do legislador excluir a dispensa de pena. Careceria de fundamento permitir a dispensa de pena apenas para os casos de vantagens do tráfico de estupefacientes, não permitindo para os demais. Note-se ainda que o Código Penal prevê a dispensa de pena para o crime de corrupção, mas não para o branqueamento das vantagens provenientes da corrupção. Outra questão relevante é a de saber se o disposto no artigo 31.º pode também ser aplicado aos crimes pre- vistos nos artigos 25.º (tráfico de estupefacientes de menor gravidade) e 26.º (traficante-consumidor). Ora, afigura-se que, embora não previsto na sua letra, não há qualquer razão de política criminal para o impedir. Estes tipos de crime não são tipos distintos do tipo do artigo 21.º, mas formas especiais menos graves deste. Seria incompreensível permitir a atenuação e a dispensa de pena para o crime-base, mais grave, e não as permitir para os crimes menos graves. Impõe-se, pois, uma interpretação extensiva do artigo 31.º A mesma questão se coloca também relativamente ao crime agravado (artigo 24.º), pois também este é forma especial do crime de tráfico de estupefacientes. Porém, se, como vimos, terá de haver uma excecional gravidade face ao crime-base, nunca se poderá considerar que a ilicitude é diminuta. B) Angola O artigo 14.º prevê a possibilidade de atenuação extraordinária da pena, mas não a sua dispensa, para os crimes de tráfico (artigo 4.º), tráfico de precursores (artigo 5.º), branqueamento (artigo 6.º) e de associação criminosa (artigo 11.º). Os requisitos são iguais aos da lei portuguesa. C) Cabo Verde O artigo 15.º prevê a possibilidade de atenuação extraordinária da pena e da sua dispensa, para os crimes de tráfico (artigos 3.º e 4.º), tráfico de precursores (artigo 5.º), tráfico de estupefacientes de menor gravidade (arti- go 6.º), de branqueamento (artigo 7.º) e de associação criminosa (artigo 11.º). Os requisitos são iguais aos da lei portuguesa.
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