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Da prevenção primordial à prevenção quaternária, Exercícios de Medicina

Este quinto nível de prevenção visa detectar indi- víduos em risco de sobretratamento (overmedicalisation), por forma a protegê-los do intervencionismo médico ...

Tipologia: Exercícios

2023

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Leila_89
Leila_89 🇵🇹

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Baixe Da prevenção primordial à prevenção quaternária e outras Exercícios em PDF para Medicina, somente na Docsity! 91VOL. 23, N.o 1 — JANEIRO/JUNHO 2005 Prevenção em saúde Lúcio Meneses de Almeida é assistente eventual de saúde pública no Centro de Saúde de Mira (SRS de Coimbra) e no Centro Regio- nal de Saúde Pública do Centro. Submetido à apreciação: 24 de Março de 2004. Aceite para publicação: 1 de Setembro de 2004. Da prevenção primordial à prevenção quaternária LÚCIO MENESES DE ALMEIDA O autor descreve sucintamente os vários níveis de preven- ção em saúde, incluindo o mais recente: a prevenção qua- ternária. Este quinto nível de prevenção visa detectar indi- víduos em risco de sobretratamento (overmedicalisation), por forma a protegê-los do intervencionismo médico ina- propriado, além de visar capacitar os utentes enquanto consumidores de cuidados de saúde. A pertinência da prevenção quaternária resulta dos custos crescentes em saúde nos últimos quarenta anos, decorren- tes quer do envelhecimento da população, quer da inova- ção tecnológica hospitalar. O autor aborda ainda o «marketing do medo» (marketing of fear), que consiste na sobrestimação de situações patológi- cas na população em geral, bem como na «medicalização» de factores de risco, visando alargar o mercado dos consu- midores de saúde e, consequentemente, o mercado farma- cêutico. É salientada a importância da análise das decisões clínicas como forma de aumentar a qualidade do acto médico e a utilização eficiente dos métodos diagnósticos e terapêuticos. Palavras-chave: prevenção primordial; prevenção quater- nária. Introdução A medicina é tão antiga como a própria humanidade, já que desde sempre a doença e os acidentes acom- panharam o homem: de facto, e segundo o autor clás- sico Plínio, «houve povos sem médicos, mas nunca houve povos sem medicina» (Sousa, 1981). Na Grécia antiga, berço da civilização ocidental, a prática da medicina assentava, primariamente, na promoção de estilos de vida saudáveis — nomeada- mente através da «dietética» (Nutton, 1996). Consi- derava-se que os estados patológicos resultavam do desequilíbrio entre as causas da doença e as forças curativas da natureza: assim, a função do médico na Grécia antiga era auxiliar estas forças curativas a restabelecerem o estado fisiológico (saúde), promo- vendo as condições favoráveis para tal e abstendo-se de realizar acções intempestivas ou inadequadas (Sousa, 1981). Com o advento do cristianismo foram criados os primeiros hospitais — instituições devotadas ao cui- dado dos enfermos mais desfavorecidos —, estando frequentemente associados a mosteiros e igrejas (Porter, 1996). Muitas vezes, a capacidade dos hospi- tais medievais não excedia a dúzia de camas e o seu corpo «clínico» era composto por um par de religio- sos (Porter, 1996). Desde a Idade Média até à actualidade, os hospitais passaram de instituições caritativas dedicadas aos pobres e indigentes para instituições prestadoras de cuidados de saúde de ponta da globalidade da popu- 92 REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA Prevenção em saúde lação, assumindo-se, igualmente, como centros de investigação médica (Porter, 1996). Nos últimos quarenta anos temos vindo a assistir nos países industrializados a uma «explosão de custos» (cost explosion) no sector da saúde (Zweifel e Dreyer, 1997) atribuível não só ao envelhecimento da popu- lação, mas também à inovação tecnológica hospitalar, à alteração da estrutura familiar (institucionalização dos idosos) e às maiores expectativas das populações face à saúde — traduzidas pela exigência de mais e melhores cuidados de saúde (Clewer e Perkins, 1998). Mas, se a medicina curativa terá existido desde sem- pre, considera-se que a emergência da medicina pre- ventiva ocorreu no século XVIII (Pita, 1996) com a vacinação jenneriana. Neste século surgem, igual- mente, várias obras destinadas a educar a generali- dade da população sobre saúde (Pita, 1996). Se a finalidade da medicina preventiva é melhorar a saúde dos indivíduos assintomáticos (Getz, Sigurds- son e Hetlevik, 2003), também é um facto que o número de situações ou doenças rastreáveis tem vindo a aumentar, ao ponto de se falar numa «epide- mia de riscos» (risk epidemic) (Skolbekken, 1995, citado por Getz, Sigurdsson e Hetlevik, 2003); desta forma, muitos autores referem a «medicalização» da sociedade como «efeito adverso» da medicina pre- ventiva (Verweij, 1999). Segundo a Conferência Internacional sobre a Promo- ção da Saúde, realizada em Otava (Canadá) em 1986 sob os auspícios da OMS, a saúde, mais do que um objectivo de vida, é um recurso do dia a dia. A res- ponsabilidade da promoção da saúde é comum a todos os sectores da sociedade, através da capacita- ção (empowerment) dos indivíduos e das comunida- des, da criação de ambientes favoráveis à saúde e do desenvolvimento de aptidões pessoais (pela educação para a saúde). Os progressos no conhecimento do genoma humano e os avanços da engenharia genética abriram, em finais do século XX, uma nova perspectiva à medicina humana: a medicina preditiva. Esta permite conhecer, para cada indivíduo e muito precocemente, os facto- res de risco (genómicos) que poderão ameaçar a sua vida (Sournia e Ruffie, 1986). Enquanto a medicina preventiva terá tido como con- sequência negativa a «medicalização» da sociedade, a medicina preditiva poderá resultar na estratificação da sociedade em «geneticamente aptos» e «genetica- mente inaptos». Desta forma, os desafios éticos e morais da medicina preditiva — mas também os seus ganhos potenciais — superam em muito os da medi- cina preventiva. Neste artigo são descritos sumariamente os vários níveis de prevenção em saúde, bem como as suas implicações em saúde pública. É dada especial rele- vância a um nível de prevenção recentemente des- crito e que é, simultaneamente, o nível mais elevado de prevenção em saúde: a prevenção quaternária. Pretende-se divulgar este nível de prevenção (no que diz respeito às suas definições e conceitos), acen- tuando a sua pertinência em termos de consumo de cuidados de saúde, e reflectir sobre um fenómeno já evidente na nossa sociedade que é a sua «medicaliza- ção». Níveis de prevenção em saúde Até há pouco tempo considerava-se que existiam quatro níveis de prevenção em saúde: a prevenção primordial e as «clássicas» prevenção primária, secundária e terciária. A prevenção primordial, estreitamente associada às doenças crónico-degenerativas (noncommunicable diseases — NCD), visa evitar a emergência e o esta- belecimento de estilos de vida que se sabem contri- buir para um risco acrescido de doença (Alwan, 1997). Deverá incluir políticas e programas de pro- moção de determinantes «positivos» de saúde, como a abstinência tabágica, a nutrição adequada e a prá- tica regular do exercício físico (Alwan, 1997). Assim, os conceitos de prevenção primordial e de promoção da saúde confundem-se, sendo — no entanto — complementares. Segundo Czeresnia, enquanto a prevenção visa diminuir a probabilidade da ocorrência de uma doença ou enfermidade especí- fica, a promoção da saúde visa aumentar, através de esforços intersectoriais, a saúde e o bem-estar geral (Czeresnia, 1999). Há autores que consideram que a promoção da saúde está incluída no nível primário de prevenção (Jekel, Elmore e Katz., 1999; Jamoulle, 2000; Jamoulle et al., 2002), correspondendo a um seu «subtipo» ines- pecífico (Jekel, Elmore e Katz, 1999). O nível primordial de prevenção tem um impacto notável em saúde pública. Assim, e por exemplo, no que diz respeito à prática regular do exercício físico, esta é, isoladamente, uma das actividades promotoras de saúde mais importantes (Barker, 1998), à seme- lhança da dieta — dois terços das mortes anuais nos EUA correspondem a doenças relacionadas com a alimentação (Nestle, 1998). A prevenção primária inclui o conjunto das activida- des que visam evitar ou remover a exposição de um indivíduo ou de uma população a um factor de risco ou causal antes que se desenvolva um mecanismo patológico (Jamoulle, 2000; Jamoulle et al., 2002). Inclui a imunização, que visa aumentar a resistência do hospedeiro a um determinado microorganismo. 95VOL. 23, N.o 1 — JANEIRO/JUNHO 2005 Prevenção em saúde ticos pelos clínicos, mas também a capacitação dos utentes/consumidores de cuidados de saúde, visando a procura apropriada dos cuidados de saúde e o conhecimento das vantagens e inconvenientes dos métodos diagnósticos e terapêuticos. A análise das decisões clínicas, a epidemiologia clí- nica e a medicina baseada na prova (ou na «evidên- cia») são alguns dos instrumentos que poderão auxi- liar os clínicos na tomada de decisões — quer em termos diagnósticos e terapêuticos, quer em termos de racionalidade económica. O nível quaternário de prevenção assenta em dois princípios fundamentais: o princípio da precaução (primum non nocere) e o princípio da proporcionali- dade. Através da aplicação destes princípios na prá- tica clínica pretende-se curar (to heal) sem causar dano (to harm), além da promoção de uma utilização mais criteriosa dos recursos em saúde. A prevenção quaternária implica o respeito pela autonomia do utente, o que pressupõe a possibilidade de este aceitar ou rejeitar opções terapêuticas ou pre- ventivas (uma vez devidamente informado), bem como o direito de não ser confrontado com «rastreios» oportunistas, não relacionados com o motivo que o levou a consultar o seu clínico (Getz, Sigurdsson e Hetlevik, 2003). Este nível de prevenção é particularmente pertinente no grupo etário dos idosos, atendendo à redução fisiológica da sua reserva funcional («homeoste- nose») e consequente risco acrescido de iatroge- nia — nomeadamente farmacológica (Almeida, 2004). De salientar que, muitas vezes, o excesso de «inter- vencionismo» médico resulta da pressão exercida pelos utentes sobre os clínicos e que se traduz na chamada «medicina defensiva». Ao promover a capacitação dos consumidores de saúde, a prevenção quaternária «toca» a outra extre- midade da prevenção em saúde — a prevenção pri- mordial —, parecendo, pois, encerrar o «ciclo» da prevenção. Referências bibliográficas ALMEIDA, L. M. — Envelhecimento e saúde pública : a promo- ção do «envelhecer activo». Anamnesis. 13 : 126 (2004) 34-37. ALWAN, A. — Noncommunicable diseases : a major challenge for public health in the region. Eastern Mediterranean Health Journal. 3 : 1 (1997) 6-16. BARKER, W. H. — Prevention of disability in older persons. In WALLACE, R. B., ed.lit. — Public health and preventive medicine. Stamford (Connecticut) : Appleton & Lange, 1998. 1059-1068. BYOCK, I. — Completing the continuum of cancer care : integrating life-prolongation and palliation. CA : A Cancer Journal for Clinicians. 50 : 2 (2000) 123-132. CATHEBRAS, P. — Le docteur Knock habite à Wall Street : les nouvelles cibles de l’industrie pharmaceutique. 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The author describes the so-called «marketing of fear», which consists on the over-estimation of disease and medicalisation of risk factors in order to expand markets for new products. The importance of clinical decision analysis is emphasised, as a way to improve medical practice and to promote an efficient use of diagnostic and therapeutic tools. Keywords: primordial prevention; quaternary prevention.
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