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Destino Manifesto: Nacionalismo e Expansão nos EUA no Século XIX, Notas de aula de História

História dos Estados UnidosNacionalismoMulticulturalismoExpansão Territorial

Este artigo reflete sobre a doutrina do destino manifesto nos estados unidos no século xix, justificando sua denominação como um movimento nacionalista que impulsiona o desejo de expansão territorial e sua relação com o contexto político do surgimento desta doutrina. Além disso, analisa o paradoxo do desejo nacionalista de expansionismo, que intensifica a heterogeneidade dos povos presentes no território dos estados unidos, dificultando a consolidação de um todo nacional. Palavras-chave: destino manifesto, estados unidos, nacionalismo, expansionismo, multiculturalismo.

O que você vai aprender

  • Qual é a relação entre o contexto político e social dos Estados Unidos no século XIX e a doutrina do Destino Manifesto?
  • Como a doutrina do Destino Manifesto justifica o desejo nacionalista de expansionismo?
  • Como a doutrina do Destino Manifesto influencia a percepção de diferentes grupos étnicos e culturais nos Estados Unidos?
  • Qual é a origem e o significado da doutrina do Destino Manifesto nos Estados Unidos?
  • Como a expansão territorial dos Estados Unidos afeta a consolidação de uma nação homogênea?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

VictorCosta
VictorCosta 🇧🇷

4.7

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Baixe Destino Manifesto: Nacionalismo e Expansão nos EUA no Século XIX e outras Notas de aula em PDF para História, somente na Docsity! Revista Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 4, n. 2, p. 102-116, ago/dez 2018 102 Destino Manifesto: impulso ou obstáculo para a formação da nação? Manifest Destiny: impulse or obstacle to the formation of the nation? Laís Pessanha Simão1 Caroline Capdeville Mota2 Resumo Busca-se no presente artigo refletir sobre a doutrina do Destino Manifesto presente nos Estados Unidos no século XIX, justificando sua denominação como um movimento de caráter nacionalista que impulsiona o desejo de expansão das fronteiras territoriais e suas relações com o contexto político do surgimento desta doutrina. Além disso, objetiva-se analisar o paradoxo do desejo nacionalista de expansionismo, uma vez que este último proporciona uma intensificação da heterogeneidade dos povos presentes no território dos Estados Unidos que, por sua vez, dificulta a consolidação de um todo nacional como fora idealizado. Para isso, temos como base os conceitos de multiculturalismo e fronteira cultural na sua relação com a heterogeneidade dos grupos e com o fortalecimento do racismo. Palavras-chave: Destino Manifesto; Estados Unidos; nacionalismo; expansionismo; multiculturalismo. Abstract This article intents to reflect about the concept of Manifest Destiny present in the United States in the nineteenth century, justifying its characterization as a nationalist movement that drives the will to expand territorial borders and its relation with the political context in which this this doctrine emerges. In addition, it aims to analyze the paradox of the nationalist desire for expansionism, since the latter provides an intensification of the heterogeneity of the population present in the territory of the United States, which, in turn, makes it difficult to consolidate the unification of a nation setting. To reach these points, we used the concepts of multiculturalism and cultural border as basis and elaborated its relation with the heterogeneity of groups and the intensification of racism. Key-words: Manifest Destiny; United States; nationalism; expansionism; multiculturalism. 1 Discente de História da Universidade Federal Fluminense, Polo de Campos dos Goytacazes. 2 Discente de História da Universidade Federal Fluminense, Polo de Campos dos Goytacazes. Revista Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 4, n. 2, p. 102-116, ago/dez 2018 103 1. Introdução Nos processos de apropriação de novos territórios é possível observar aspectos nacionalistas, hierarquizantes e religiosos. Sejam na expansão de territórios já dominados ou na conquista de outros, estes aspectos surgem muitas vezes como justificativas ao próprio processo. Movimentos expansionistas geralmente apresentam aspectos nacionalistas por serem movidos “em nome da nação”, esta que afirmaria, por sua vez, a legitimidade dos movimentos através de uma hierarquização dos povos, o que permitiria tornar uns submissos a outros. O caráter religioso aparece não só como mais um ponto a se considerar na hierarquia que se propõe, mas também para validar certas atitudes, pois estas seriam da vontade de Deus, tendo certos povos missões divinas com as expansões e conquistas. Tomando as colonizações da África e América como exemplo, e tendo em vista a crueldade dispensada aos povos nativos, era necessário justificar as conquistas para que não surgissem movimentos contrários a estas. Então, além de expor os proveitos que os países conquistadores poderiam obter com as colônias, defendia-se a ideia de que os povos europeus eram superiores culturalmente e, logo, tinham o dever de levar a civilização às outras partes do globo, bem como a verdadeira palavra de Deus para as livrar de uma condenação futura. Dessa forma, houve uma longa manutenção do pensamento de que mesmo a escravidão destes povos seria melhor do que a barbárie em que viviam, pois, assim, eles estariam mais próximos de sua salvação divina. No século XIX, podemos observar as justificativas utilizadas para a colonização sendo reaproveitadas para embasar a expansão dos Estados Unidos. Crendo que sua organização político-social é a mais adequada, defende-se a expansão afirmando que esta seria benéfica inclusive para os povos dos territórios anexados, e que, por isso também, Deus estaria a favor desta empreitada estadunidense. É nesse sentido que surge a doutrina do Destino Manifesto, objeto de análise deste trabalho, que defende a ideia de que a Divina Providência fez dos estadunidenses um povo abençoado e que lhes entregou a missão de contribuir com o desenvolvimento de outros grupos. Revista Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 4, n. 2, p. 102-116, ago/dez 2018 106 Criado por uma figura influente, o editor John L. O’Sullivan, o termo “Destino Manifesto” foi politizado pelo até então vice-presidente John Tyler, que assumiu após a morte de William Henry Harrinson em 1841, com apenas um mês de mandato, e tinha como objetivo justificar o expansionismo, principalmente em vista da tentativa de anexação do Texas. Foi lançado como uma propaganda de repúdio aos esforços estrangeiros de apoio à independência texana. O Destino Manifesto se constituía como elemento ideológico que, mesmo tendo sido estruturado já durante o movimento expansionista, garantia a retórica deste último ao defender a superioridade do povo estadunidense, gerando um sentimento de identidade entre estes, e afirmar seu dever em levar seu modelo ideal de vida a outros países. Em suma, essa “predestinação geográfica”, como denomina Mary Anne Junqueira (2018, p. 69), terminaria com todo o norte da América sendo ocupada pelos EUA. Esse fenômeno mobilizou grande parte da população dos Estados Unidos, principalmente grandes comerciantes e donos de fazendas, o que fez com que os mesmos migrassem ao oeste em busca desenfreada por terras férteis e mão de obra barata para produção. A crença do Destino Manifesto tomou proporções extremas que foram incentivadas pelo Estado por meio de uma propaganda nacionalista, fazendo com que este impulsionasse o expansionismo da maneira como desejavam os grandes produtores. Para O’Sullivan, Deus estava do lado do expansionismo americano, caracterizando-o, deste modo, como missão e destino divino estadunidense. A expansão das fronteiras dos Estados Unidos significaria, por sua vez, a expansão da democracia. Portanto, os Estados Unidos acreditavam levar a democracia e a civilidade a outras nações, como se lhes fizessem um favor (DIVINE, 1992, p.289). Junto com o fortalecimento da doutrina do Destino Manifesto, surgia o movimento denominado América Jovem que, inspirado em movimentos reformistas europeus do século XVII, buscava uma nova organização social. Os adeptos ao movimento defendiam, além de outras coisas – como a necessidade de modernização, que acabou por impulsionar ainda mais as imigrações para os Estados Unidos no século XIX –, a democracia e a expansão territorial, sendo um deles o próprio John O’Sullivan que, em defesa do objetivo de reforma social proposta pelo movimento, afirma para a Democratic Review que: [...] toda a história deve ser reescrita; a ciência política e todo o alcance de toda a verdade moral devem ser considerados e ilustrados à luz do princípio democrático. Todos os assuntos antigos de pensamento e todas as novas Revista Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 4, n. 2, p. 102-116, ago/dez 2018 107 questões surgidas, ligadas mais ou menos diretamente à existência humana, precisam ser retomados e reexaminados [...] 3 A explosão do movimento da América Jovem somado aos propósitos do Destino Manifesto causa profundo impacto na maneira que os estadunidenses enxergavam “o outro”. A partir de então, a desvalorização cultural dos povos de outros países tornou-se uma extensão do ideal disseminado por essas correntes, e muitos países tornaram-se até mesmo vistos como incivilizados, como foi o caso do México (JUNQUEIRA, 2018, p.69). À medida que se atribuiu uma superioridade ao poder democrático do modelo estadunidense, passou-se a atribuir um valor maior ao indivíduo pertencente à nação dos Estados Unidos da América. Neste sentindo, podemos entender que o conceito de Destino Manifesto é resultado de uma iniciativa de caráter nacionalista. Diferentemente de um comportamento patriota cujo termo definido por Wolfgang Theis vem do grego patriotes, que significa apenas “habitantes de um mesmo local”, podendo ser resumido ao amor a um lugar ou país de origem, o nacionalismo apresenta raízes mais profundas com uma identificação cultural. Isso pode ser traduzido na prática como uma supervalorização de uma cultura, raça ou etnia em específico que pode vir a apresentar um teor de exclusão ou negação às demais que venham a se diferir da tratada em questão. Para os EUA isso se manifestou a partir do momento que a afirmação de seus direitos torna-se a negação do direito daqueles que não fazem parte da “nação”. O desejo de anexação dos territórios vizinhos, que segundo a visão de um estadunidense era um presente para essas outras nações, significava de muitas maneiras a morte de seus direitos, cultura e autonomia. 4. Consequências do desejo de expansão E como “destino” dos Estados Unidos, tem continuidade o processo expansionista. Iniciam-se conflitos entre os Estados Unidos e o México e entre o primeiro e a Grã-Bretanha motivados pela disputa dos territórios do Texas e do Oregon, respectivamente. Por meio desses conflitos, e também por desejo da própria região a ser tomada – como foi o 3 Tradução livre de “[...] All history is to be re-written; political science and the whole scope of all moral truth have to be considered and illustrated in the light of the democratic principle. All old subjects of thought and all new questions arising, connected more or less directly with human existence, have to be taken up again and re- examined [...]”. Disponível em: http://xroads.virginia.edu/~cap/jackson/demo.htm Revista Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 4, n. 2, p. 102-116, ago/dez 2018 108 caso do Texas –, as duas áreas vieram a somar às conquistas dos estadunidenses, sendo mais alguns dos diversos estados que viriam a existir no país. Além da expansão das fronteiras, havia o desejo de crescimento interno. Tal objetivo foi alcançado a partir da exploração das áreas conquistadas, uma vez que estas propiciaram a melhoria dos métodos agrícolas que permitiu o fortalecimento do comércio interno, ao passo que o desenvolvimento da indústria através da inserção de um novo modo produtivo, que permitia agora a produção em massa, garantiu o crescimento das áreas urbanas. Essa relação estabelecida entre o espaço industrial e o espaço agrário impulsionou a economia, que, por sua vez, fez com que a demanda por mão de obra crescesse. Esse crescimento dos Estados Unidos, tanto externa quanto internamente, atraiu diversos imigrantes, destacadamente os europeus, dos quais muitos atravessavam um momento de extrema pobreza devido à crise em seus países, e enxergavam em solo americano uma oportunidade de melhores condições de vida. É necessário enfatizar que os Estados Unidos ainda não constituíam uma nação, mas, sim “um projeto, uma missão de significado histórico” (ABARCA, p. 2, 2009). Nesse ponto que se configura o impasse em relação ao projeto de nação do Destino Manifesto: como se estabelecer, e disseminar, uma ideia de todo nacional em um território que observa um processo de intensificação de sua já existente heterogeneidade causado pela imigração em massa? Deve-se lembrar ainda da existência de divergência de opiniões entre o Sul e o Norte dos Estados Unidos que resultou, inclusive, em um conflito armado, denominado Guerra de Secessão que ocorreu entre 1861 e 1865. Motivado pela questão escravista, acredita-se que esse conflito permitiu a coesão e união daqueles estados, fazendo nascer a partir dele uma nação. Todavia, como afirma Susan-Mary Grant (2008, p. 128), não se pode ainda dizer se o processo de criação de uma nação também criou uma nacionalidade americana. Essa dificuldade na definição de uma identidade nacional se agrava à medida que a expansão dos Estados Unidos faz com que sejam incorporados ao seu território diversos outros povos, alterando suas delimitações de fronteira sem levar em conta aspectos culturais das regiões em que tais populações se encontram, evidenciando a heterogeneidade já existente na almejada nação. A diversidade de etnias traz outro problema além da dificuldade de estabelecer uma nacionalidade americana comum. Uma vez que os estadunidenses se enxergavam como superiores, não desejavam incluir povos considerados inferiores a eles em seu território ou em seu ideal de nação. Exemplo disto é o fato dos Estados Unidos não terem Revista Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 4, n. 2, p. 102-116, ago/dez 2018 111 todos os grupos pertenceriam a essa categoria – dos Estados Unidos. Por sua vez, a origem de tais povos justifica sua separação tanto em termos espaciais quanto em relação a não estarem inclusos naquela sociedade dita democraticamente ideal. 5. Fronteiras culturais e multiculturalismo Como já foi abordado anteriormente, a adesão, voluntária ou não, de outros grupos étnicos e culturais nos territórios estadunidenses fez com que a heterogeneidade daquela nação se intensificasse. A isso se soma o fato de que a expansão territorial delimitou novas fronteiras físicas sem considerar as fronteiras culturais que viriam a ser um obstáculo para a formação de uma nação soberana e homogênea. Ao utilizarmos o termo “fronteira” nos referimos a um local de encontro de diferenças, linguísticas, étnicas ou culturais, que pode gerar tanto alianças quanto conflitos. Por vezes, esse ponto de encontro pode criar um “vácuo”, um espaço entre tais diferenças, e não um elo. Nas duas últimas possibilidades – o surgimento de conflitos ou vácuos – a noção de fronteira se aproxima da ideia de limite e barreira. O conceito de fronteira é mais recorrentemente utilizado para se referir a espaços físicos e territórios organizados politicamente, nesse sentido, a fronteira é, sobretudo, encerramento de um espaço, delimitação de um território, fixação de uma superfície. (PESAVENTO, 2006, p. 2-3). Todavia, deve-se lembrar que tais fronteiras políticas, apesar de representar uma certa materialidade – uma vez que corresponde a um espaço físico–, por ser uma construção e, logo, não natural e mutável, pode apresentar contradições, como bem o faz durante a expansão dos Estados Unidos. Não é raro encontrar casos em que as fronteiras territoriais não correspondem às fronteiras culturais, uma vez que as primeiras são colocadas muitas vezes visando aspectos econômicos e não culturais. Em momentos de conflitos e guerras, que corroboram em alterações dos limites territoriais, isso se torna mais evidente. No caso dos Estados Unidos, tal contradição se apresentava na forma de fronteiras culturais internas a um território que buscava a formação de uma ideia de todo nacional homogêneo. Dentre os aspectos da fronteira cultural está a sua capacidade de se mostrar como local de difícil mapeamento, que surge como corolário de outro elemento intrínseco a essa espécie de fronteira: a ambivalência. Todavia, a fronteira pode ser percebida além de sua ambiguidade, esta pode ser concebida como local que, a partir do encontro de elementos por Revista Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 4, n. 2, p. 102-116, ago/dez 2018 112 vezes opostos, produz algo novo, uma nova cultura, portanto, um espaço de processo híbrido que produz novas significantes, como coloca Sandra Pesavento: Neste conceito de fronteira uma promessa de superação dos seus elementos constitutivos e a produção de um terceiro: ser fronteira é produzir algo mais, é ser um plus, é ser mais ainda do que uma soma de partes. É produzir um novo, específico, distinto das partes constitutivas. Uma nova identidade, portanto, fenômeno cultural surgido da integração entre elementos, cada qual com as suas características, dando surgimento a um outro ser, original (2006, p.4). Deste modo, quando afirmamos que os Estados Unidos ignoraram as fronteiras culturais referentes aos territórios que viriam a ser anexados, não estamos trazendo somente a contradição de incorporar grupos diversos à nação que se intentava como privada de conflitos, mas também afirmamos que os Estados Unidos negaram e buscaram impedir esse processo de hibridismo que se fazem presentes nas fronteiras culturais ao promover a relação de diferentes manifestações culturais e gestação de novas expressões. Deste modo, os Estados Unidos uniram novos territórios ao seu, mas não novas culturas à sua. Ainda na perspectiva de que a expansão territorial estadunidense não contemplou os aspectos culturais ligados às fronteiras, põe-se como válido ressaltar que cultura e território são reconhecidos por todos indivíduos incorporados a eles apenas quando estes possuem um sentimento de pertencimento que os ligam a tais locais e seus aspectos, referenciando outra vez Pesavento: Em suma, a fronteira é um marco que limita e separa e que aponta sentidos socializados de reconhecimento. Com isso, podemos ver, mesmo nesta dimensão de abordagem fixada pela territorialidade e pela geopolítica, que o conceito de fronteira já avança para os domínios daquela construção simbólica de pertencimento a que chamamos identidade e que corresponde a um marco de referência imaginária que se define pela diferença. Nesta medida, o conceito de fronteira trabalha, necessariamente, com princípios de reconhecimento, que envolvem analogias, oposições, correspondências, comparações, enfim (2006, p.4). Com isso, objetiva-se demonstrar que além dos estadunidenses que promoveram as expansões, os novos grupos impediam a formação de uma ideia de nação, uma vez que, mesmo que os Estados Unidos passassem a considera-los iguais e, logo, buscassem incluí-los no “destino glorioso” reservado àquele povo, os novos grupos não seriam capazes de se enxergar como pertencente àquele território, fazendo com que a pluralidade cultural se tornasse mais evidente. Revista Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 4, n. 2, p. 102-116, ago/dez 2018 113 Neste ponto chegamos à ideia dos Estados Unidos como nação multicultural. Nas palavras de Mozart da Silva, o multiculturalismo é [...] o reconhecimento da existência de diversas culturas num mesmo espaço. A problemática multicultural situa-se justamente no entendimento das relações que são produzidas por esta diversidade ou ainda qual a forma de agenciamento político que deveria regular estas relações. O multiculturalismo, nesta perspectiva, se constitui como um dispositivo a partir do qual a alteridade é elevada a paradigma da organização social, colocando em xeque as tradicionais narrativas identitárias homogeneizadoras típicas do Estado-nação (2004, p. 5). Desta forma, apesar da tentativa de criar uma narrativa para a nação estadunidense com um propósito homogeneizador, a qualidade multicultural é impossível de ser ignorada. Entretanto, à medida que os novos integrantes do território estadunidense não são efetivamente incluídos na sociedade, a segregação se intensifica, uma vez que “nas sociedades onde o multiculturalismo é incentivado o racismo se alastra sob várias formas” (RUTHERFORD, 1996, p. 35), e é reforçada a ideia de essencialismo cultural. Com o conceito de multiculturalismo, retomamos à noção de fronteira: num espaço como o território dos Estados Unidos em que não existem intenções de se estabelecer uma relação entre as diversas culturas, o multiculturalismo até pode ser reconhecido, mas não conta com “agenciamentos políticos” para regular as relações entre elas. Assim, o multiculturalismo existente só faz evidenciar as fronteiras culturais internas ao território. A solução para essa problemática do multiculturalismo que corrobora na segregação seria a promoção dos aspectos da interculturalidade que além de reconhecer a existência de diferentes culturas, como faz também o multiculturalismo, defende a necessidade da relação entre estas culturas que produziria novas práticas através do espaço híbrido, como também afirma Pesavento em passagem supracitada. Por utilizar apenas um “multiculturalismo autoritário” (SILVA, 2004, p. 7) que reafirmaria as diferenças de modo a impedir um diálogo entre elas, o que a expansão dos Estados Unidos fez foi, em suma, transportar as fronteiras do limite geográfico para dentro do seu próprio território. 6. Considerações finais Os Estados Unidos formam um território que assistiu a diversos povos sofrerem com medidas imperialistas, desde a chegada dos europeus até o fim da expansão territorial – apesar das consequências deste movimento ainda se fazerem presentes. Assistiu as justificativas da colonização serem contestadas na Declaração de Independência para serem
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