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Guias e Dicas
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Dialética da dependência, Resumos de Sociologia

Livro de cunho marxista, com intuito de retirar a alienação.

Tipologia: Resumos

2019

Compartilhado em 14/10/2019

vmspuc2019
vmspuc2019 🇧🇷

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Pré-visualização parcial do texto

Baixe Dialética da dependência e outras Resumos em PDF para Sociologia, somente na Docsity! MIA> Biblioteca> Marini > Novidades Dialética da Dependência Ruy Mauro Marini 1973 Primeira  edição:  Ensaio  datado  de  1973.  No  mesmo  ano  o  autor  escreveu  um  texto complementar, à guisa de post­scriptum, segundo ele "para esclarecer algumas questões e desfazer certos equívocos que o texto tem suscitado." Tradução: Marcelo Carcanholo, Universidade Federal de Uberlândia — MG. Post­scriptum traduzido por Carlos Eduardo Martins, Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, RJ. Fonte: Editora Era, México, 1990, 10a edição (Ia edição, 1973). O post­scriptum conforme: Revista  Latinoamericana  de  Ciências  Sociales,  Flacso,  (Santiago  de  Chile),  n°  5,  junho 1973. Versão digitalizada conforme publicado em "Ruy Mauro Marini: Vida e Obra", Editora Expressão Popular, 2005. Orgs. Roberta Traspadini  e  João Pedro Stedile.  Este documento encontra­se em www.centrovictormeyer.org.br Transcrição: Diego Grossi HTML: Fernando A. S. Araújo Sumário 1. A integração ao mercado mundial 2. O segredo da troca desigual 3. A superexploração do trabalho 4. O ciclo do capital na economia dependente 5. O processo de industrialização 6. O novo anel da espiral 7. Post­scriptum [...] o comércio exterior, quando se limita a repor  os  elementos  (também  enquanto  a seu valor), não faz mais do que deslocar as contradições para uma esfera mais extensa, abrindo  para  elas  um  campo  maior  de atuação. Marx, O Capital Acelerar  a  acumulação  mediante  um desenvolvimento  superior  da  capacidade produtiva do trabalho e acelerá­la por meio de  uma  maior  exploração  do  trabalhador, são  dois  procedimentos  totalmente distintos. Marx, O Capital Em  sua  análise  da  dependência  latino­americana,  os  pesquisadores marxistas incorreram, geralmente, em dois tipos de desvios: a substituição do  fato  concreto  pelo  conceito  abstrato,  ou  a  adulteração  do  conceito  em nome de uma realidade rebelde para aceitá­lo em sua formulação pura. No primeiro  caso,  o  resultado  tem  sido  os  estudos  marxistas  chamados  de ortodoxos, nos quais a dinâmica dos processos estudados se volta para uma formalização que é incapaz de reconstruí­la no âmbito da exposição, e nos que  a  relação  entre  o  concreto  e  o  abstrato  se  rompe,  para  dar  lugar  a descrições  empíricas  que  correm  paralelamente  ao  discurso  teórico,  sem fundir­se  com  ele;  isso  tem  ocorrido,  sobretudo,  no  campo  da  história Econômica. O segundo tipo de desvio tem sido mais frequente no campo da sociologia,  no  qual,  frente  à  dificuldade  de  adequar  a  uma  realidade categorias  que  não  foram  desenhadas  especificamente  para  ela,  os estudiosos  de  formação  marxista  recorrem  simultaneamente  a  outros enfoques  metodológicos  e  teóricos;  a  consequência  necessária  desse procedimento é o ecletismo, a falta de rigor conceituai e metodológico e um pretenso enriquecimento do marxismo, que é na realidade sua negação. Esses desvios nascem de uma dificuldade real: frente ao parâmetro do modo de produção capitalista puro, a economia latino­americana apresenta peculiaridades, que às vezes se apresentam como insuficiências e outras — nem  sempre  distinguíveis  facilmente  das  primeiras —  como  deformações. Não é acidental portanto a recorrência nos estudos sobre a América Latina a noção de "pré­capitalismo". O que deveria ser dito é que, ainda quando se trate  realmente  de  um  desenvolvimento  insuficiente  das  relações capitalistas, essa noção se refere a aspectos de uma realidade que, por sua estrutura global e seu funcionamento, não poderá desenvolver­se jamais da mesma forma como se desenvolvem as economias capitalistas chamadas de avançadas. É por isso que, mais do que um pré­capitalismo, o que se tem é um capitalismo sui generis, que só adquire sentido se o contemplamos na perspectiva do sistema em seu conjunto, tanto em nível nacional, quanto, e principalmente, em nível internacional. Isso  é  verdade,  sobretudo,  quando  nos  referimos  ao  moderno capitalismo  industrial  latino­americano,  tal  como  se  tem  constituído  nas duas  últimas  décadas.  Mas,  em  seu  aspecto  mais  geral,  a  proposição  é válida  também  para  o  período  imediatamente  precedente  e  ainda  para  a etapa da economia exportadora. É óbvio que, no último caso, a insuficiência prevalece ainda sobre a distorção, mas se desejamos entender como uma se converteu na outra é à luz desta que devemos estudar aquela. Em outros termos,  é  o  conhecimento  da  forma  particular  que  acabou  por  adotar  o capitalismo  dependente  latino­americano  o  que  ilumina  o  estudo  de  sua gestação  e  permite  conhecer  analiticamente  as  tendências  que industrial  supõe  uma  grande  disponibilidade  de  produtos  agrícolas,  que permita  a  especialização  de  parte  da  sociedade  na  atividade especificamente  industrial.(9)  No  caso  da  industrialização  europeia,  o recurso  à  simples  produção  agrícola  interna  teria  bloqueado  a  elevada especialização  produtiva  que  a  grande  indústria  tornava  possível.  O  forte incremento da classe operária  industrial e, em geral, da população urbana ocupada na  indústria e nos serviços, que se verifica nos países  industriais no século passado, não poderia ter acontecido se estes não contassem com os meios de subsistência de origem agropecuária, proporcionados de forma considerável  pelos  países  latino­americanos.  Isso  foi  o  que  permitiu aprofundar  a divisão do  trabalho e  especializar  os países  industriais  como produtores mundiais  de manufaturas. Mas não  se  reduziu  a  isso  a  função cumprida  pela  América  Latina  no  desenvolvimento  do  capitalismo:  à  sua capacidade para criar uma oferta mundial de alimentos, que aparece como condição necessária de sua  inserção na economia  internacional capitalista, prontamente será agregada a contribuição para a formação de um mercado de  matérias  primas  industriais,  cuja  importância  cresce  em  função  do mesmo  desenvolvimento  industrial.(10)  O  crescimento  da  classe trabalhadora  nos  países  centrais  e  a  elevação  ainda mais  notável  de  sua produtividade, que resultam do surgimento da grande indústria,  levaram a que  a  massa  de  matérias  primas  voltada  para  o  processo  de  produção aumentasse em maior proporção.(11) Essa função, que chegará mais tarde a sua plenitude, é também a que se revelará como a mais duradoura para a América  Latina,  mantendo  toda  sua  importância  mesmo  depois  que  a divisão internacional do trabalho tenha alcançado em novo estágio. O que importa considerar aqui é que as funções que cumpre a América Latina  na  economia  capitalista mundial  transcendem a mera  resposta  aos requisitos  físicos  induzidos  pela  acumulação  nos  países  industriais.  Mais além  de  facilitar  o  crescimento  quantitativo  destes,  a  participação  da América  Latina  no  mercado  mundial  contribuirá  para  que  o  eixo  da acumulação na economia  industrial se desloque da produção de mais­valia absoluta para a de mais­valia relativa, ou seja, que a acumulação passe a depender  mais  do  aumento  da  capacidade  produtiva  do  trabalho  do  que simplesmente da exploração do trabalhador. No entanto, o desenvolvimento da  produção  latino­americana,  que  permite  à  região  coadjuvar  com  essa mudança  qualitativa  nos  países  centrais,  dar­se­á  fundamentalmente  com base em uma maior exploração do trabalhador. É esse caráter contraditório da  dependência  latino­americana,  que  determina  as  relações  de  produção no conjunto do sistema capitalista, o que deve reter nossa atenção. 2. O segredo da troca desigual A  inserção  da  América  Latina  na  economia  capitalista  responde  às exigências da passagem para a produção de mais­valia relativa nos países industriais.  Esta  é  entendida  como  uma  forma  de  exploração  do  trabalho assalariado  que,  fundamentalmente  com  base  na  transformação  das condições técnicas de produção, resulta da desvalorização real da força de trabalho.  Sem  aprofundar  a  questão,  é  conveniente  fazer  aqui  algumas precisões que se relacionam com nosso tema. Essencialmente,  trata­se  de  dissipar  a  confusão  que  se  costuma estabelecer entre o conceito de mais­valia relativa e o de produtividade. De fato, se bem constitui a condição por excelência da mais­valia relativa, uma maior capacidade produtiva do trabalho não assegura por si só um aumento da mais­valía relativa. Ao aumentar a produtividade, o  trabalhador só cria mais  produtos no mesmo  tempo, mas não mais  valor;  é  justamente  esse fato  o  que  leva  o  capitalista  individual  a  procurar  o  aumento  de produtividade,  já  que  isso  permite  reduzir  o  valor  individual  de  sua mercadoria, em  relação ao valor que as  condições gerais de produção  lhe atribuem, obtendo assim uma mais­valia  superior à de seus competidores — ou seja, uma mais­valia extraordinária. Dessa forma, essa mais­valia extraordinária altera a repartição geral da mais­valia  entre  os  diversos  capitalistas,  ao  traduzir­se  em  lucro extraordinário,  mas  não  modifica  o  grau  de  exploração  do  trabalho  na economia  ou  no  setor  considerado,  ou  seja,  não  incide  na  taxa  de mais­ valia. Se o procedimento técnico que permitiu o aumento de produtividade se generaliza para as demais empresas e, por  isso,  torna uniforme a taxa de  produtividade,  isso  tampouco  acarreta  no  aumento  da  taxa  de  mais­ valia: será elevada apenas a massa de produtos, sem fazer variar seu valor, ou, o que é o mesmo, o valor social da unidade de produto será reduzido em  termos  proporcionais  ao  aumento  da  produtividade  do  trabalho.  A consequência seria, então,não o incremento da mais­valia, mas na verdade a sua diminuição. Isso se deve ao fato de que a determinação da taxa de mais­valia não passa pela produtividade do trabalho em si, mas pelo grau de exploração da força de trabalho, ou seja, a relação entre o tempo de trabalho excedente (em  que  o  operário  produz mais­valia)  e  o  tempo  de  trabalho  necessário (em  que  o  operário  reproduz  o  valor  de  sua  força  de  trabalho,  isto  é,  o equivalente  a  seu  salário).(12)  Só  a  alteração  dessa  proporção,  em  um sentido  favorável ao capitalista, ou seja, mediante o aumento do  trabalho excedente  sobre  o  necessário,  pode modificar  a  taxa  de mais­valia.  Para isso,  a  redução  do  valor  social  das  mercadorias  deve  incidir  nos  bens necessários à reprodução da força de trabalho, os bens­salário. A mais­valia relativa está ligada indissoluvelmente, portanto, à desvalorização dos bens­ salário,  para  o  que  contribui,  em  geral,  mas  não  necessariamente,  a produtividade do trabalho.(13) Esta digressão era indispensável se desejássemos entender bem porque a  inserção  da  América  Latina  no  mercado  mundial  contribuiu  para desenvolver o modo de produção especificamente capitalista, que se baseia na mais­valia  relativa.  Já mencionamos  que  uma  das  funções  que  lhe  foi atribuída, no marco da divisão internacional do trabalho, foi a de prover os países  industriais  dos  alimentos  exigidos  pelo  crescimento  da  classe operária, em particular, e da população urbana, em geral, que ali se dava. A oferta mundial de alimentos, que a América Latina contribuiu para criar, e que alcançou seu auge na segunda metade do século 19, será um elemento decisivo  para  que  os  países  industriais  confiem  ao  comércio  exterior  a atenção de  suas necessidade de meios de  subsistência.(14) O efeito dessa oferta  (ampliado  pela  depressão  de  preços  dos  produtos  primários  no mercado mundial, tema a que voltaremos adiante) será o de reduzir o valor real  da  força  de  trabalho  nos  países  industriais,  permitindo  assim  que  o incremento da produtividade se traduza ali em taxas de mais­valia cada vez mais  elevadas.  Em  outros  termos,  mediante  a  incorporação  ao  mercado mundial  de  bens­salário,  a  América  Latina  desempenha  um  papel significativo no aumento da mais­valia relativa nos países industriais. Antes de analisar o outro lado da moeda, isto é, as condições internas de  produção  que  permitirão  à  América  Latina  cumprir  essa  função,  cabe indicar que não é só no nível de sua própria economia que a dependência latino­americana  se  revela  contraditória:  a  participação  da América  Latina no  progresso  do modo  de  produção  capitalista  nos  países  industriais  será por sua vez contraditória.  Isso se deve a que, como assinalamos antes, o aumento da  capacidade produtiva do  trabalho  acarreta um consumo mais que  proporcional  de  matérias  primas.  Na  medida  em  que  essa  maior produtividade  é  acompanhada  efetivamente  de  uma  maior  mais­valia relativa,  isso significa que cai o valor do capital variável em relação ao do capital constante (que  inclui as matérias primas), ou seja, que aumenta a composição­valor  do  capital.  Assim  sendo,  o  que  é  apropriado  pelo capitalista não é diretamente a maís­valia produzida, mas a parte desta que lhe corresponde sob a forma de lucro. Como a taxa de lucro não pode ser fixada apenas em relação ao capital variável, mas sobre o  total do capital adiantado  no  processo  de  produção,  isto  é,  salários,  instalações, maquinário,  matérias  primas  etc,  o  resultado  do  aumento  da  mais­valia tende a  ser — sempre que  implique,  ainda que  seja  em  termos  relativos, uma  elevação  simultânea  do  valor  do  capital  constante  empregado  para produzi­la — uma queda da taxa de lucro. Essa  contradição,  crucial  para  a  acumulação  capitalista,  é  contraposta por  diversos  procedimentos  que,  desde  um  ponto  de  vista  estritamente sobretudo em nível da concorrência entre nações industriais, e menos entre as  que produzem bens  primários,  já  que  é  entre  as  primeiras  que  as  leis capitalistas  da  troca  são  exercidas  de maneira  plena;  isso  não  quer  dizer que não se verifiquem também entre estas últimas, principalmente quando se desenvolvem ali as relações capitalistas de produção. No  segundo  caso  —  transações  entre  nações  que  trocam  distintas classes  de  mercadorias,  como manufaturas  e  matérias  primas —  o  mero fato de que umas produzam bens que as outras não produzem, ou não o fazem  com a mesma  facilidade,  permite  que  as  primeiras  iludam a  lei  do valor,  isto  é,  vendam  seus  produtos  a  preços  superiores  a  seu  valor, configurando  assim  uma  troca  desigual.  Isso  implica  que  as  nações desfavorecidas devem ceder gratuitamente parte do valor que produzem, e que essa cessão ou transferência seja acentuada em favor daquele país que lhes venda mercadorias a um preço de produção mais baixo, em virtude de sua  maior  produtividade.  Neste  último  caso,  a  transferência  de  valor  é dupla,  ainda  que  não  necessariamente  apareça  assim  para  a  nação  que transfere  valor,  já  que  seus  diferentes  provedores  podem  vender  todos  a um  mesmo  preço,  sem  prejuízo  de  que  os  lucros  se  distribuam desigualmente entre eles e que a maior parte do valor cedido se concentre em mãos do país de produtividade mais elevada. Frente a esses mecanismos de transferência de valor, baseados seja na produtividade,  seja  no  monopólio  de  produção,  podemos  identificar  — sempre no nível das relações internacionais de mercado — um mecanismo de compensação. Trata­se do recurso ao  incremento de valor  trocado, por parte  da  nação  desfavorecida:  sem  impedir  a  transferência  operada  pelos mecanismos  já  descritos,  isso  permite  neutralizá­la  total  ou  parcialmente mediante o aumento do valor  realizado. Esse mecanismo de compensação pode ser verificado tanto no plano da troca de produtos similares quanto de produtos  originados  de  diferentes  esferas  de  produção.  Preocupamo­nos aqui apenas com o segundo caso. O que  importa  assinalar  aqui  é que,  para aumentar  a massa de valor produzida,  o  capitalista  deve  necessariamente  lançar  mão  de  uma  maior exploração  da  força  de  trabalho,  seja  através  do  aumento  de  sua intensidade,  seja  mediante  a  prolongação  da  jornada  de  trabalho,  seja finalmente combinando os dois procedimentos. A  rigor, só o primeiro — o aumento  da  intensidade  do  trabalho  —  se  contrapõe  realmente  às desvantagens resultantes de uma menor produtividade do trabalho, já que permite  a  criação  de  mais  valor  no  mesmo  tempo  de  trabalho. Factualmente, todos contribuem para aumentar a massa de valor realizada e, por isso, a quantidade de dinheiro obtida através da troca. Isso é o que explica, neste plano da análise, que a oferta mundial de matérias primas e alimentos aumente à medida que se acentua a margem entre seus preços de mercado e o valor real da produção.(18) O  que  aparece  claramente,  portanto,  é  que  as  nações  desfavorecidas pela troca desigual não buscam tanto corrigir o desequilíbrio entre os preços e  o  valor  de  suas  mercadorias  exportadas  (o  que  implicaria  um  esforço redobrado  para  aumentar  a  capacidade  produtiva  do  trabalho),  mas procuram compensar a perda de renda gerada pelo comércio  internacional por meio  do  recurso  de  uma maior  exploração  do  trabalhador.  Chegamos assim  a  um  ponto  em  que  já  não  nos  basta  continuar  trabalhando simplesmente a noção de troca entre nações, mas devemos encarar o fato de que, no marco dessa troca, a apropriação de valor realizado encobre a apropriação  de  uma  mais­valia  que  é  gerada  mediante  a  exploração  do trabalho  no  interior  de  cada  nação.  Sob  esse  ângulo,  a  transferência  de valor é uma transferência de mais­valia, que se apresenta, desde o ponto de vista do capitalista que opera na nação desfavorecida, como uma queda da taxa de mais­valia e por isso da taxa de lucro. Assim, a contrapartida do processo mediante  o  qual  a América  Latina  contribuiu  para  incrementar  a taxa de mais­valia e a taxa de lucro nos países industriais implicou para ela efeitos  rigorosamente  opostos.  E  o  que  aparecia  como  um mecanismo  de compensação no nível de mercado é de fato um mecanismo que opera em nível  da  produção  interna.  É  para  essa  esfera  que  se  deve  deslocar, portanto, o enfoque de nossa análise. 3. A superexploração do trabalho Vimos  que  o  problema  colocado  pela  troca  desigual  para  a  América Latina não é precisamente o de se contrapor à  transferência de valor que implica, mas compensar a perda de mais­valia, e que, incapaz de impedi­la no  nível  das  relações  de  mercado,  a  reação  da  economia  dependente  é compensá­la no plano da produção  interna. O aumento da  intensidade do trabalho  aparece,  nessa  perspectiva,  como  um  aumento  da  mais­valia, obtido  através  de  uma  maior  exploração  do  trabalhador  e  não  do incremento  de  sua  capacidade  produtiva.  O  mesmo  se  poderia  dizer  da prolongação  da  jornada  de  trabalho,  isto  é,  do  aumento  da  mais­valia absoluta na  sua  forma  clássica;  diferentemente do primeiro,  trata­se  aqui de  aumentar  simplesmente  o  tempo de  trabalho  excedente,  que  é  aquele em que o operário continua produzindo depois de criar um valor equivalente ao dos meios de subsistência para seu próprio consumo. Deve­se assinalar, finalmente, um terceiro procedimento, que consiste em reduzir o consumo do operário mais além do seu limite normal, pelo qual "o  fundo necessário de consumo do operário se converte de  fato, dentro de certos  limites, em um  fundo  de  acumulação  de  capital",  implicando  assim  em  um  modo específico de aumentar o tempo de trabalho excedente.(19) Precisemos  aqui  que  a  utilização  de  categorias  que  se  referem  à apropriação  do  trabalho  excedente  no  marco  de  relações  capitalistas  de produção  não  implica  o  suposto  de  que  a  economia  exportadora  latino­ americana  se  baseia  já  na  produção  capitalista.  Recorremos  a  essas categorias  no  espírito  das  observações  metodológicas  que  avançamos  ao iniciar  este  trabalho,  ou  seja,  porque  permitem  caracterizar  melhor  os fenómenos que pretendemos estudar e  também porque  indicam a direção para  a  qual  estes  tendem.  Por  outra  parte,  não  é  a  rigor  necessário  que exista  a  troca  desigual  para  que  comecem  a  operar  os  mecanismos  de extração  de  mais­valia  mencionados;  o  simples  fato  da  vinculação  ao mercado mundial, e a conversão conseguinte da produção de valores de uso em  produção  de  valores  de  troca  que  isso  acarreta,  tem  como  resultado imediato  desatar  um  afã  por  lucro  que  se  torna  tanto  mais  desenfreado quanto mais atrasado é o modo de produção existente. Como observa Marx, "[...]  tão  logo  como  os  povos  cujo  regime  de  produção  vinha  se desenvolvendo  nas  formas  primitivas  de  escravidão,  relações  de vassalagem  etc,  se  vêem  atraídos  ao  mercado  mundial,  onde impera o regime capitalista de produção e onde é imposto a tudo o interesse  de  dar  vazão  aos  produtos  para  o  estrangeiro,  os tormentos  bárbaros  da  escravidão,  da  servidão  da  gleba  etc,  se vêem  acrescentados  pelos  tormentos  civilizados  do  trabalho excedente".(20) O efeito  da  troca desigual  é — à medida que  coloca obstáculos  a  sua plena satisfação — o de exacerbar esse afã por lucro e aguçar portanto os métodos de extração de trabalho excedente. Pois  bem,  os  três  mecanismos  identificados  —  a  intensificação  do trabalho, a prolongação da jornada de trabalho e a expropriação de parte do trabalho  necessário  ao  operário  para  repor  sua  força  de  trabalho  — configuram  um  modo  de  produção  fundado  exclusivamente  na  maior exploração  do  trabalhador,  e  não  no  desenvolvimento  de  sua  capacidade produtiva.  Isso  é  condizente  com  o  baixo  nível  de  desenvolvimento  das forças produtivas na economia latino­americana, mas também com os tipos de atividades que ali se realizam. De fato, mais que na indústria fabril, na qual  um  aumento  de  trabalho  implica  pelo  menos  um  maior  gasto  de matérias primas, na indústria extrativa e na agricultura o efeito do aumento do  trabalho  sobre  os  elementos  do  capital  constante  são  muito  menos sensíveis,  sendo possível,  pela  simples  ação do homem sobre a natureza, aumentar a riqueza produzida sem um capital adicional.(21) Entende­se que, nessas  circunstâncias,  a  atividade  produtiva  baseia­se  sobretudo  no  uso extensivo  e  intensivo  da  força  de  trabalho:  isso  permite  baixar  a composição­valor  do  capital,  o  que,  aliado  à  intensificação  do  grau  de europeia,  além  de  favorecer  uma  política  no  sentido  de  suprimir  a escravidão.  Recordemos  que  uma  parte  importante  da  população  escrava encontrava­se  na  decadente  zona  açucareira  do  Nordeste  e  que  o desenvolvimento do capitalismo agrário no Sul impunha sua liberação, a fim de constituir um mercado livre de trabalho. A criação desse mercado, com a lei  da  abolição  da  escravatura  em  1888,  que  culminava  uma  série  de medidas  graduais  nessa  direção  (como  a  condição  de  homem  livre assegurada  aos  filhos  de  escravos  etc),  constitui  um  fenômeno  dos mais interessantes;  por  um  lado,  definia­se  como  uma  medida  extremamente radical,  que  liquidava  com  as  bases  da  sociedade  imperial  (a  monarquia sobreviverá  pouco mais  de  um  ano  à  lei  de  1888)  e  chegava  inclusive  a negar qualquer  tipo de  indenização aos antigos proprietários de escravos; por outra parte, buscava compensar o  impacto de seu efeito, por meio de medidas destinadas a atar o trabalhador à terra (a inclusão de um artigo no código  civil  que  vinculava  à  pessoa  as  dívidas  contraídas;  o  sistema  de "barracão",  verdadeiro  monopólio  do  comércio  de  bens  de  consumo exercido  pelo  latifundiário  no  interior  da  fazenda  etc.)  e  da  outorga  de créditos generosos aos proprietários afetados. O sistema misto de servidão e de trabalho assalariado que se estabelece no  Brasil,  ao  se  desenvolver  a  economia  de  exportação  para  o  mercado mundial, é uma das vias pelas quais a América Latina chega ao capitalismo. Observemos que a forma que adotam as relações de produção nesse caso não  se  diferencia  muito  do  regime  de  trabalho  que  se  estabelece,  por exemplo, nas minas chilenas de salitre, cujo "sistema de fichas" equivale ao "barracão".  Em  outras  situações,  que  ocorrem  sobretudo  no  processo  de subordinação do interior às zonas de exportação, as relações de exploração podem se apresentar mais nitidamente como relações servis, sem que isso impeça que, através da extorsão do mais­produto do trabalhador pela ação do capital  comercial ou usurário, o  trabalhador se veja  implicado em uma exploração direta pelo capital, que tende inclusive a assumir um caráter de superexploração.(27) Entretanto, a servidão apresenta, para o capitalista, o inconveniente de que não lhe permite dirigir diretamente a produção, além de  colocar  sempre  a  possibilidade,  ainda  que  teórica,  de  que  o  produtor imediato se emancipe da dependência em que o coloca o capitalista. Não  é,  entretanto,  nosso  objetivo  estudar  aqui  as  formas  econômicas particulares  que  existiam  na  América  Latina  antes  que  esta  ingressasse efetivamente  na  etapa  capitalista  de  produção,  nem  as  vias  através  das quais  teve  lugar  a  transição.  O  que  pretendemos  é  tão  somente  fixar  a pauta em que há de ser conduzido este estudo, pauta que corresponde ao movimento  real  da  formação  do  capitalismo  dependente:  da  circulação  à produção, da vinculação ao mercado mundial ao impacto que isso acarreta sobre  a  organização  interna  do  trabalho,  para  voltar  então  a  recolocar  o problema da circulação. Porque é próprio do capital criar seu próprio modo de  circulação,  e/ou  disso  depende  a  reprodução  ampliada  em  escala mundial do modo de produção capitalista: [...]  já  que  só  o  capital  implica  as  condições  de  produção  do capital, já que só ele satisfaz essas condições e busca realizá­las, sua tendência geral é a de formar por todos os lugares as bases da circulação,  os  centros  produtores  desta,  e  assimilá­las,  isto  é, convertê­las  em  centros  de  produção  virtual  ou  efetivamente criadores de capital.(28) Uma  vez  convertida  em  centro  produtor  de  capital,  a  América  Latina deverá criar, portanto, seu próprio modo de circulação, que não pode ser o mesmo que aquele engendrado pelo capitalismo industrial e que deu lugar à dependência.  Para  constituir  um  todo  complexo,  há  que  recorrer  a elementos simples e combináveis entre si, mas não iguais. Compreender a especificidade do ciclo do capital na economia dependente latino­americana significa, portanto,  iluminar o  fundamento mesmo de sua dependência em relação à economia capitalista mundial. 4. O ciclo do capital na economia dependente Desenvolvendo  sua  economia  mercantil,  em  função  do  mercado mundial, a América Latina é levada a reproduzir em seu seio as relações de produção  que  se  encontravam  na  origem  da  formação  desse  mercado,  e determinavam  seu  caráter  e  sua  expansão.(29)  Mas  esse  processo  estava marcado  por  uma  profunda  contradição:  chamada  para  contribuir  com  a acumulação de capital com base na capacidade produtiva do trabalho, nos países centrais, a América Latina teve de fazê­lo mediante uma acumulação baseada  na  superexploração  do  trabalhador.  E  nessa  contradição  que  se radica a essência da dependência latino­americana. A  base  real  sobre  a  qual  se  desenvolve  são  os  laços  que  ligam  a economia  latino­americana  com  a  economia  capitalista  mundial.  Nascida para atender as exigências da circulação capitalista, cujo eixo de articulação está  constituído  pelos  países  industriais,  e  centrada  portanto  sobre  o mercado mundial, a produção latino­americana não depende da capacidade interna de consumo para sua realização. Opera­se, assim, desde o ponto de vista do país dependente, a separação dos dois momentos fundamentais do ciclo do capital — a produção e a circulação de mercadorias — cujo efeito é fazer com que apareça de maneira específica na economia latino­americana a contradição inerente à produção capitalista em geral, ou seja, a que opõe o  capital  ao  trabalhador  enquanto  vendedor  e  comprador  de mercadorias. (30) Trata­se  de  um  ponto­chave  para  entender  o  caráter  da  economia latino­americana.  Inicialmente,  há  de  se  considerar  que,  nos  países industriais,  cuja  acumulação  de  capital  se  baseia  na  produtividade  do trabalho, essa oposição que gera o duplo caráter do trabalho — produtor e consumidor —, ainda que seja efetiva, se vê, em certa medida, contraposta pela  forma  que  assume  o  ciclo  do  capital.  É  assim  como,  em que  pese  o privilégio  do  capital  pelo  consumo  produtivo  do  trabalhador  (ou  seja,  o consumo de meios de produção que  implica o processo de  trabalho), e se inclina a desestimular seu consumo individual (que o trabalhador emprega para  repor  sua  força  de  trabalho),  o  qual  lhe  aparece  como  consumo improdutivo,(31)  isso  se  dá  exclusivamente  no momento  da  produção.  Ao ser  iniciada  a  fase  de  realização,  essa  contradição  aparente  entre  o consumo individual dos trabalhadores e a reprodução do capital desaparece, uma vez  que o  dito  consumo  (somado ao dos  capitalistas  e  das  camadas improdutivas em geral) restabelece ao capital a forma que lhe é necessária para  começar  um  novo  ciclo,  quer  dizer,  a  forma  dinheiro.  O  consumo individual dos trabalhadores representa, portanto, um elemento decisivo na criação de demanda para mercadorias produzidas, sendo uma das condições para  que  o  fluxo  da  produção  se  resolva  adequadamente  no  fluxo  da circulação.(32) Por meio da mediação que se estabelece pela  luta entre os operários  e  os  patrões  em  torno  da  fixação  do  nível  dos  salários,  os  dois tipos de consumo do operário tendem assim a se complementar, no curso do  ciclo  do  capital,  superando  a  situação  inicial  de  oposição  em  que  se encontravam. Essa é, ademais, uma das razões pelas quais a dinâmica do sistema  tende a se canalizar por meio da mais­valia  relativa, que  implica, em  última  instância,  o  barateamento  das  mercadorias  que  entram  na composição do consumo individual do trabalhador. Na economia  exportadora  latino­americana,  as  coisas  se dão de outra maneira. Como a circulação se separa da produção e se efetua basicamente no  âmbito  do mercado  externo,  o  consumo  individual  do  trabalhador  não interfere  na  realização  do  produto,  ainda  que  determine  a  taxa  de mais­ valia. Em consequência, a tendência natural do sistema será a de explorar ao máximo a força de trabalho do operário, sem se preocupar em criar as condições  para  que  este  a  reponha,  sempre  e  quando  seja  possível substituí­lo  pela  incorporação  de  novos  braços  ao  processo  produtivo.  O dramático  para  a  população  trabalhadora  da  América  Latina  é  que  essa hipótese  foi  cumprida  amplamente:  a  existência  de  reservas  de  mão  de obra  indígena  (como  no  México),  ou  os  fluxos  migratórios  derivados  do deslocamento  de  mão  de  obra  europeia,  provocado  pelo  progresso tecnológico  (como  na  América  do  Sul),  permitiram  aumentar constantemente  a  massa  trabalhadora,  até  o  início  do  século  20.  Seu resultado  tem  sido  o  de  abrir  livre  curso  para  a  compressão  do  consumo individual do operário e, portanto, para a superexploração do trabalho. correspondência entre o ritmo da acumulação e o da expansão do mercado. A possibilidade que tem o capitalista industrial de obter no exterior, a preço baixo, os alimentos necessários ao trabalhador, leva a estreitar o nexo entre a  acumulação  e  o  mercado,  uma  vez  que  aumenta  a  parte  do  consumo individual  do  operário  dedicada  à  absorção  de  produtos manufaturados.  É por  isso  que  a  produção  industrial,  nesse  tipo  de  economia,  concentra­se basicamente nos bens de consumo popular e procura barateá­los, uma vez que  incidem  diretamente  no  valor  da  força  de  trabalho  e  portanto  —  à medida  que  as  condições  em  que  se  dá  a  luta  entre  os  operários  e  os patrões  tende a aproximar os salários desse valor  ­na  taxa de mais­valia. Vimos  que  essa  é  a  razão  fundamental  pela  qual  a  economia  capitalista clássica deve se orientar para o aumento da produtividade do trabalho. O  desenvolvimento  da  acumulação  baseada  na  produtividade  do trabalho tem como resultado o aumento da mais­valia e, em consequência, da  demanda  criada  pela  parte  desta  que  não  é  acumulada.  Em  outras palavras,  cresce  o  consumo  individual  das  classes  não  produtoras,  com  o que  se  amplia  a  esfera  da  circulação  que  lhes  corresponde.  Isso  não  só impulsiona o crescimento da produção de bens de consumo manufaturados, em  geral,  como  também  o  da  produção  de  artigos  supérfluos.(36)  A circulação tende portanto a se dividir em duas esferas, de maneira similar ao que constatamos na economia latino­americana de exportação, mas com uma  diferença  substancial:  a  expansão  da  esfera  superior  é  uma consequiência  da  transformação  das  condições  de  produção  e  se  torna possível à medida que, aumentando a produtividade do trabalho, a parte do consumo  individual  total  que  corresponde  ao  operário  diminui  em  termos reais. A  ligação existente entre as duas esferas de  consumo é distendida, mas não se rompe. Outro  fator contribui para  impedir que a ruptura se realize: é a  forma como  se  amplia  o  mercado  mundial.  A  demanda  adicional  de  produtos supérfluos que cria o mercado exterior é necessariamente limitada, primeiro porque,  quando  o  comércio  se  efetua  entre  nações  que  produzem  esses bens, o avanço de uma nação implica no retrocesso de outra, o que suscita, por parte da última, mecanismos de defesa; e depois porque, no  caso da troca  com  os  países  dependentes,  essa  demanda  se  restringe  às  classes altas,  e  se  vê  assim  constrangida  pela  forte  concentração  de  renda  que implica  a  superexploração  do  trabalho.  Portanto,  para  que  a  produção  de bens de luxo possa se expandir, esses bens têm de mudar o seu caráter, ou seja, converter­se em produtos de consumo popular no  interior mesmo da economia  industrial.  As  circunstâncias  que  permitem elevar  ali  os  salários reais, a partir da segunda metade do século 19, às quais não é estranha a desvalorização dos alimentos e a possibilidade de redistribuir internamente parte do excedente subtraído das nações dependentes, ajudam, na medida em que ampliam o consumo individual dos trabalhadores, a se contrapor às tendências desarticuladoras que atuam no nível da circulação. A  industrialização(37)  latino­americana  se  dá  sobre  bases  distintas.  A compressão  permanente  que  exercia  a  economia  exportadora  sobre  o consumo  individual do  trabalhador não permitiu mais do que a  criação de uma indústria débil, que só se ampliava quando fatores externos (como as crises  comerciais,  conjunturalmente,  e  a  limitação  dos  excedentes  da balança  comercial,  pelas  razoes  já  assinaladas)  fechavam  parcialmente  o acesso da esfera alta de consumo para o comércio de  importação.(38)  É  a maior  incidência desses  fatores, como vimos, o que acelera o crescimento industrial, a partir de certo momento, e provoca a mudança qualitativa do capitalismo  dependente.  A  industrialização  latino­americana  não  cria, portanto, como nas economias clássicas, sua própria demanda, mas nasce para atender a uma demanda pré­existente, e se estruturará em função das exigências de mercado procedentes dos países avançados. No início da industrialização, a participação dos trabalhadores na criação da  demanda  não  joga  portanto  um  papel  significativo  na  América  Latina. Operando no marco de uma estrutura de mercado previamente dada, cujo nível de preços atuava no sentido de impedir o acesso do consumo popular, a  indústria  não  tinha  razões  para  aspirar  uma  situação  distinta.  A capacidade de demanda era, naquele momento, superior à oferta, pelo que não  se apresentava ao  capitalista o problema de  criar mercado para  suas mercadorias,  mas  uma  situação  inversa.  Por  outro  lado,  ainda  quando  a oferta  chegue  a  se  equilibrar  com  a  demanda  —  isso  não  colocará  de imediato para o capitalista a ampliação do mercado, levando­o antes a jogar sobre a margem entre o preço de mercado e o preço de produção, ou seja, sobre  o  aumento  da  massa  de  lucro  em  função  do  preço  unitário  do produto. Para isso, o capitalista industrial forçará, por um lado, o aumento de preços, aproveitando­se da situação monopolista criada de fato pela crise do  comércio mundial  e  reforçada  pelas  barreiras  alfandegárias.  Por  outro lado, e dado que o baixo nível tecnológico faz com que o preço de produção seja  determinado  fundamentalmente pelos  salários,  o  capitalista  industrial valer­se­á  do  excedente  de  mão  de  obra  criado  pela  própria  economia exportadora  e  agravado pela  crise  que  esta  atravessa  (crise  que  obriga  o setor  exportador  a  liberar  mão  de  obra),  para  pressionar  os  salários  no sentido  descendente.  Isso  lhe  permitirá  absorver  grandes  massas  de trabalho,  o  que,  acentuado  pela  intensificação  do  trabalho  e  pela prolongação da jornada de trabalho, acelerará a concentração de capital no setor industrial. Partindo  então  do  modo  de  circulação  que  caracterizara  a  economia exportadora,  a  economia  industrial  dependente  reproduz,  de  forma específica,  a  acumulação  de  capital  baseada  na  superexploração  do trabalhador. Em consequência, reproduz também o modo de circulação que corresponde a esse tipo de acumulação, ainda que de maneira modificada: já não é a dissociação entre a produção e a circulação de mercadorias em função do mercado mundial o que opera, mas a separação entre a esfera alta  e  a  esfera  baixa  da  circulação  no  interior  mesmo  da  economia, separação  que,  ao  não  ser  contraposta  pelos  fatores  que  atuam  na economia capitalista clássica, adquire um caráter muito mais radical. Dedicada  à  produção  de  bens  que  não  entram,  ou  entram  muito escassamente,  na  composição  do  consumo  popular,  a  produção  industrial latino­americana  é  independente  das  condições  de  salário  próprias  dos trabalhadores; isso em dois sentidos. Em primeiro lugar, porque, ao não ser um  elemento  essencial  do  consumo  individual  do  operário,  o  valor  das manufaturas  não  determina  o  valor  da  força  de  trabalho;  não  será, portanto, a desvalorização das manufaturas o que influirá na taxa de mais­ valia.  Isso  dispensa  o  industrial  de  se  preocupar  em  aumentar  a produtividade  do  trabalho  para,  fazendo  baixar  o  valor  da  unidade  de produto, depreciar a força de trabalho, e o leva,  inversamente, a buscar o aumento  da  mais­valia  por  meio  da  maior  exploração  —  intensiva  e extensiva — do trabalhador, assim como a redução de salários mais além de seu  limite normal. Em segundo  lugar, porque a relação  inversa que daí se deriva para a evolução da oferta de mercadorias e do poder de compra dos operários,  isto  é,  o  fato  de  que  a  primeira  cresça  à  custa  da  redução  do segundo, não cria problemas para o capitalista na esfera da circulação, uma vez  que,  como  deixamos  claro,  as  manufaturas  não  são  elementos essenciais no consumo individual do operário. Dissemos anteriormente que a uma certa altura do processo, que varia segundo os países,(39)  a  oferta  industrial  coincide  em  linhas gerais  com a demanda existente, constituída pela esfera alta da circulação. Surge então a necessidade de generalizar o consumo de manufaturas, o que corresponde àquele momento em que, na economia clássica, os bens supérfluos tiveram de  se  converter  em  bens  de  consumo  popular.  Isso  leva  a  dois  tipos  de adaptações  na  economia  industrial  dependente:  a  ampliação  do  consumo das camadas médias, que é criado a partir da mais­valia não acumulada, e o esforço para aumentar a produtividade do trabalho, condição sine qua non para baratear as mercadorias. O  segundo  movimento  tenderia,  normalmente,  a  provocar  uma mudança  qualitativa  na  base  da  acumulação  de  capital,  permitindo  ao consumo  individual  do  operário  modificar  sua  composição  e  incluir  bens manufaturados.  Se  agisse  sozinho,  levaria  ao  deslocamento  do  eixo  da acumulação, da exploração do  trabalhador para o aumento da  capacidade produtiva  do  trabalho.  Entretanto,  é  parcialmente  neutralizado  pela de  trabalho  produtivo  em  relação  ao  tempo  total  disponível  para  a produção,  o  que,  na  sociedade  capitalista,  se  manifesta  por  meio  da diminuição  da  população  operária  paralelamente  ao  crescimento  da população que se dedica a atividades não produtivas, às que correspondem aos  serviços.  Essa  é  a  forma  específica  que  assume  o  desenvolvimento tecnológico em uma sociedade baseada na exploração do trabalho, mas não a  forma  geral  do  desenvolvimento  tecnológico.  É  por  isso  que  as recomendações  que  se  têm  feito  para  os  países  dependentes,  onde  se verifica  uma  grande  disponibilidade  de  mão  de  obra,  no  sentido  de  que adotem tecnologias que incorporem mais força de trabalho, com o objetivo de defender os níveis de emprego, representam um duplo engano: levam a preconizar  a  opção  por  um  menor  desenvolvimento  tecnológico  e confundem os efeitos sociais especificamente capitalistas da técnica com a técnica em si. Além disso,  essas  recomendações  ignoram as  condições  concretas  em que se dá a introdução do progresso técnico nos países dependentes. Essa introdução  depende,  como  assinalamos, menos  das  preferências  que  eles tenham e mais  da  dinâmica  objetiva  da  acumulação  de  capital  em  escala mundial.  Ela  foi  a  que  impulsionou  a  divisão  internacional  do  trabalho  a assumir uma configuração, em cujo marco foram abertos novos rumos para a difusão do progresso técnico e deu­se a esta um ritmo mais acelerado. Os efeitos  daí  derivados  para  a  situação  dos  trabalhadores  nos  países dependentes não poderiam diferir em essência dos que são consubstanciais a uma sociedade capitalista: redução da população produtiva e crescimento das camadas sociais não produtivas. Mas, esses efeitos teriam de aparecer modificados  pelas  condições  de  produção  próprias  do  capitalismo dependente. É  assim  como,  incidindo  sobre  uma  estrutura  produtiva  baseada  na maior  exploração  dos  trabalhadores,  o  progresso  técnico  possibilitou  ao capitalista  intensificar  o  ritmo  de  trabalho  do  operário,  elevar  sua produtividade e, simultaneamente, sustentar a tendência para remunerá­lo em proporção inferior a seu valor real. Para isso contribuiu decisivamente a vinculação  das  novas  técnicas  de  produção  com  setores  industriais orientados  para  tipos  de  consumo  que,  se  tendem  a  convertê­los  em consumo  popular  nos  países  avançados,  não  podem  fazê­lo  sob  nenhuma hipótese nas sociedades dependentes. O abismo existente entre o nível de vida  dos  trabalhadores  e  o  dos  setores  que  alimentam  a  esfera  alta  da circulação  torna  inevitável  que  produtos  como  automóveis,  aparelhos eletrodomésticos etc.  sejam destinados necessariamente para esta última. Nessa medida, e toda vez que não representam bens que  intervenham no consumo  dos  trabalhadores,  o  aumento  de  produtividade  induzido  pela técnica  nesses  setores  de  produção  não  poderia  se  traduzir  em  maiores lucros por meio da elevação da taxa de mais­valia, mas apenas mediante o aumento  da massa  de  valor  realizado.  A  difusão  do  progresso  técnico  na economia dependente seguirá, portanto,  junto a uma maior exploração do trabalhador,  precisamente  porque  a  acumulação  continua  dependendo fundamentalmente mais  do  aumento  da massa  de  valor —  e  portanto  de mais­valia — que da taxa de mais­valia. Pois  bem,  ao  se  concentrar  de  maneira  significativa  nos  setores produtores de bens supérfluos, o desenvolvimento tecnológico acabaria por colocar graves problemas de realização. O recurso utilizado para solucioná­ los tem sido o de fazer a intervenção do Estado (por meio da ampliação do aparato burocrático, das subvenções aos produtores e do financiamento ao consumo supérfluo), assim como fazer intervir na inflação, com o propósito de  transferir  poder  de  compra  da  esfera  baixa  para  a  esfera  alta  da circulação;  isso  implicou  em  rebaixar  ainda mais  os  salários  reais,  com  o objetivo de contar com excedentes suficientes para efetuar a transferência de renda. Mas, na medida em que se comprime dessa forma a capacidade de  consumo  dos  trabalhadores,  é  fechada  qualquer  possibilidade  de estímulo  ao  investimento  tecnológico  no  setor  de  produção  destinado  a atender  o  consumo  popular.  Não  pode  ser,  portanto, motivo  de  surpresa que, enquanto as indústrias de bens supérfluo crescem a taxas elevadas, as indústrias orientadas para o consumo de massas (as chamadas "indústrias tradicionais") tendem à estagnação e inclusive à regressão. Na  medida  em  que  se  realizava,  com  dificuldade  e  a  um  ritmo extremamente  lento, a  tendência à aproximação entre as duas esferas de circulação,  que  se  havia  observado  a  partir  de  certo momento,  não  pode continuar se desenvolvendo. Ao contrário, o que se  impõe é novamente o afastamento entre ambas as esferas, uma vez que a compressão do nível de  vida  das  massas  trabalhadoras  passa  a  ser  a  condição  necessária  da expansão  da  demanda  criada  pelas  camadas  que  vivem  da mais­valia.  A produção baseada na superexploração do trabalho voltou a engendrar assim o  modo  de  circulação  que  lhe  corresponde,  ao  mesmo  tempo  em  que divorciava o aparato produtivo das necessidades de consumo das massas. A estratificação  desse  aparato  no  que  se  costuma  chamar  "indústrias dinâmicas" (setores produtores de bens supérfluos e de bens de capital que se  destinam  principalmente  para  estes)  e  "indústrias  tradicionais"  está refletindo a adequação da estrutura de produção à estrutura de circulação própria do capitalismo dependente. Mas não se detém aí a reaproximação do modelo industrial dependente ao da economia exportadora. A absorção do progresso técnico em condições de superexploração do trabalho acarreta a  inevitável  restrição do mercado interno,  a  que  se  contrapõe  a  necessidade  de  realizar  massas  sempre crescentes de valor (já que a acumulação depende mais da massa que da taxa de mais­valia). Essa contradição não poderia ser resolvida por meio da ampliação  da  esfera  alta  de  consumo  no  interior  da  economia,  além  dos limites estabelecidos pela própria superexploração. Em outras palavras, não podendo  estender  aos  trabalhadores  a  criação  de  demanda  para  os  bens supérfluos,  e  se  orientando  antes  para  a  compressão  salarial,  o  que  os exclui de fato desse tipo de consumo, a economia industrial dependente não só  teve  de  contar  com um  imenso  exército  de  reserva,  como  também  se obrigou a restringir aos capitalistas e camadas médias altas a realização das mercadorias  supérfluas.  Isso  colocará,  a partir  de  certo momento  (que  se define  nitidamente  em  meados  da  década  de  1960),  a  necessidade  de expansão  para  o  exterior,  isto  é,  de  desdobrar  novamente  —  ainda  que agora  a  partir  da  base  industrial  —  o  ciclo  de  capital,  para  centrar parcialmente  a  circulação  sobre  o  mercado  mundial.  A  exportação  de manufaturas,  tanto  de  bens  essenciais  quanto  de  produtos  supérfluos, converte­se  então  na  tábua  de  salvação  de  uma  economia  incapaz  de superar  os  fatores  desarticuladores  que  a  afligem.  Desde  os  projetos  de integração  econômica  regional  e  subregional  até  o  desenho  de  políticas agressivas  de  competição  internacional,  assiste­se  em  toda  a  América Latina à ressureição do modelo da velha economia exportadora. Nos  últimos  anos,  a  expressão  acentuada  dessas  tendências  no  Brasil nos levou a falar de um subimperialismo.(42) Não pretendemos retomar aqui o  tema,  já  que  a  caracterização  do  subimperialismo  vai  mais  além  da simples  economia,  não  podendo  ser  levada  a  cabo  se  não  recorrermos também à sociologia e à política.  Limitar­nos­emos a  indicar que, em sua dimensão  mais  ampla,  o  subimperialismo  não  é  um  fenômeno especificamente brasileiro nem corresponde a uma anomalia na evolução do capitalismo dependente. É certo que são as condições próprias da economia brasileira  que  lhe  permitiram  levar  bem  adiante  a  sua  industrialização  e criar  inclusive  uma  indústria  pesada,  assim  como  as  condições  que caracterizam a sua sociedade política, cujas contradições têm dado origem a um  Estado  militarista  de  tipo  prussiano,  as  que  levaram  o  Brasil  ao subimperialismo, mas não é menos certo que esse não é nada mais do que uma forma particular que assume a economia industrial que se desenvolve no marco do capitalismo dependente. Na Argentina ou em El Salvador, no México, Chile, Peru, a dialética do desenvolvimento capitalista dependente não  é  essencialmente  distinta  da  que  procuramos  analisar  aqui,  em  seus traços mais gerais. Utilizar  essa  linha  de  análise  para  estudar  as  formações  sociais concretas da América Latina, orientar esse estudo no sentido de definir as determinações  que  se  encontram  na  base  da  luta  de  classes  que  ali  se desenvolve  e  abrir  assim  perspectivas  mais  claras  para  as  forças  sociais empenhadas  em  destruir  essa  formação  monstruosa  que  é  o  capitalismo dependente:  este  é  o  desafio  teórico  que  se  coloca  hoje  em  dia  para  os Haveria  de  se  considerar,  ademais,  que  a  ênfase  nos  problemas  de realização somente seria censurável caso se fizesse em detrimento do que cabe  às  condições  em  que  se  realiza  a  produção  e  não  contribuísse  para explicá­las. Portanto, ao constatar o divórcio que se verifica entre produção e  circulação  na  economia  dependente  (e  sublinhar  as  formas  particulares que  assume  esse  divórcio  nas  distintas  fases  de  seu  desenvolvimento)  se insistiu: a.  no  fato  de  que  esse  divórcio  se  gera  a  partir  das  condições peculiares  que  adquirem  a  exploração  do  trabalho  em  dita economia — as que denominei superexploração; e b.  na  maneira  como  essas  condições  fazem  brotar, permanentemente, desde o seio mesmo da produção, os fatores que agravam o divórcio e o levam, ao se configurar a economia industrial, a desembocar em graves problemas de realização. 1. Dois momentos na economia internacional É nessa perspectiva que poderemos avançar para a elaboração de uma teoria marxista da dependência. Em meu ensaio tratei de demonstrar que é em função da acumulação de capital em escala mundial, e em particular em função  de  seu  instrumento  vital,  a  taxa  geral  de  lucro,  que  podemos entender  a  formação  da  economia  dependente.  No  essencial,  os  passos seguidos foram examinar o problema desde o ponto de vista da tendência à baixa da taxa de  lucro nas economias  industriais e colocá­lo à  luz das  leis que  operam  no  comércio  internacional,  e  que  lhe  dão  o  caráter  de intercâmbio desigual. Posteriormente, o foco de atenção se desloca para os fenômenos  internos  da  economia  dependente,  para  prosseguir  depois  na linha  metodológica  já  indicada.  Dado  o  nível  de  abstração  do  ensaio, preocupei­me tão somente, ao desenvolver o tema do intercâmbio desigual, do  mercado  mundial  capitalista  em  seu  estado  de  maturidade,  isto  é, submetido plenamente aos mecanismos de acumulação de capital. Convém, entretanto, indicar aqui como esses mecanismos se impõem. A  diversidade  do  grau  de  desenvolvimento  das  forças  produtivas  nas economias  que  se  integram  ao  mercado  mundial  implica  diferenças significativas  em  suas  respectivas  composições  orgânicas  do  capital,  que apontam para distintas formas e graus de exploração do trabalho. A medida que o intercâmbio entre elas vai se estabilizando, tende a se cristalizar um preço  comercial  cujo  termo  de  referência  é, mais  além de  suas  variações cíclicas,  o  valor  das mercadorias  produzidas.  Em  consequência,  o  grau de participação  no  valor  global  realizado  na  circulação  internacional  é  maior para  as  economias  de  composição  orgânica  mais  baixa,  ou  seja  para  as economias  dependentes.  Em  termos  estritamente  econômicos,  as economias  industriais  se  defrontam  com  essa  situação  recorrendo  a mecanismos que tem como resultado extremo as diferenças iniciais em que se  dava  o  intercâmbio.  E  assim  como  lançam  mão  do  aumento  da produtividade, com o fim de rebaixar o valor individual das mercadorias em relação ao valor médio em vigor e de elevar, portanto, sua participação no montante  total de valor  trocado.  Isso se verificada  tanto entre produtores individuais  de  uma  mesma  nação  quanto  entre  as  nações  competidoras. Entretanto, esse procedimento, que corresponde ao intento de burlar as leis do mercado mediante a aplicação delas mesmas, implica a elevação de sua composição  orgânica  e  ativa  a  tendência  à  queda  de  sua  taxa  de  lucro, pelas razões assinalas em meu ensaio. Como  se  viu,  a  ação  das  economias  industriais  repercute  no mercado mundial no sentido de inflar a demanda de alimentos e de matérias primas, mas  a  resposta  que  lhe  dá  a  economia  exportadora  é  rigorosamente inversa: em vez de recorrer ao aumento da produtividade, ou mesmo fazê­ lo  com  caráter  prioritário,  ela  se  vale  de  um maior  emprego  extensivo  e intensivo  da  força  de  trabalho;  em  consequência,  baixa  sua  composição orgânica e aumenta o valor das mercadorias produzidas, o que  faz elevar simultaneamente a mais­valia e o  lucro. No plano do mercado,  leva a que melhorem  em  seu  favor  os  termos  do  intercâmbio,  onde  havia  se estabelecido  um  preço  comercial  para  os  produtos  primários.  Obscurecida pelas  flutuações  cíclicas  do  mercado,  essa  tendência  se  mantém  até  a década de 1870; o crescimento das exportações latino­americanas conduz, inclusive,  a  que  comecem  a  se  apresentar  saldos  favoráveis  na  balança comercial, que superam os pagamentos por conceito de amortização e juros da dívida externa, o que está indicando que o sistema de crédito concebido pelos países industriais, e que se destinava primariamente a funcionar como fundo de compensação das transações internacionais, não é suficiente para reverter a tendência. É evidente que,  independentemente das demais  causas que atuam no mesmo sentido e que têm a ver com a passagem do capitalismo industrial à etapa imperialista, a situação descrita contribui para motivar as exportações de capital para as economias dependentes, uma vez que os  lucros são ali consideráveis.  Um  primeiro  resultado  disso  é  a  elevação  da  composição orgânica do  capital  em ditas economias e o aumento da produtividade do trabalho, que se traduzem na baixa do valor das mercadorias que (se não houver a superexploração) deveriam conduzir à baixa da taxa de lucro. Em consequência,  começam  a  declinar  intencionalmente  os  termos  do intercâmbio, como se indica em meu ensaio. Por  outra  parte,  a  presença  crescente  do  capital  estrangeiro  no financiamento,  na  comercialização  e,  inclusive,  na  produção  dos  países dependentes,  assim  como  nos  serviços  básicos,  atua  no  sentido  de transferir parte dos lucros ali obtidos para os países industriais; a partir de então,  o montante  do  capital  cedido  pela  economia  dependente  por meio das  operações  financeiras  cresce  mais  rapidamente  do  que  o  saldo comercial. A  transferência  de  lucros  e,  consequentemente,  de mais­valia  para  os países  industriais  aponta  no  sentido  de  formação  de  uma  taxa média  de lucro  em  nível  internacional,  liberando,  portanto,  o  intercâmbio  de  sua dependência  estrita  em  relação  ao  valor  das  mercadorias;  em  outros termos, a importância, que, na etapa anterior, tinha o valor como regulador das  transações  internacionais  cede  progressivamente  lugar  à  primazia  do preço  de  produção  (o  custo  de  produção mais  o  lucro médio,  que,  como vimos, é  inferior à mais­valia, no caso dos países dependentes). Somente então  se  pode  afirmar  que  (apesar  de  seguir  estorvada  por  fatores  de ordem  extraeconômica,  como  por  exemplo,  os  monopólios  coloniais)  a economia internacional alcança sua plena maturidade e faz jogar em escala crescente os mecanismos próprios da acumulação de capital.(47) Recordemos,  para  evitar  equívocos,  que  a  baixa  da  taxa  de  lucro  nos países  dependentes,  como  contrapartida  da  elevação  de  sua  composição orgânica,  se compensa mediante os procedimentos de superexploração do trabalho,  ademais  das  circunstâncias  peculiares  que  favorecem,  nas economias agrárias e mineiras, a alta rentabilidade do capital variável. Em consequência, a economia dependente segue expandindo suas exportações, a  preços  sempre mais  compensadores  para  os  países  industriais  (com  os efeitos  conhecidos  na  acumulação  interna  destes)  e,  simultaneamente, mantém  seu  atrativo  para  os  capitais  externos,  o  que  permite  dar continuidade ao processo. 2. 0 desenvolvimento capitalista e a superexploração do trabalho É nesse sentido que a economia dependente — e, por consequência, a superexploração do trabalho — aparece como uma condição necessária do capitalismo mundial,  contradizendo àqueles  que,  como Fernando Henrique Cardoso,  a  entendem  como  um  fenômeno  acidental  no  desenvolvimento deste.  A  opinião  de  Cardoso,  emitida  num  comentário  polemico  ao  meu ensaio,  é  a  de  que,  tendo  em  vista  que  a  especificidade  do  capitalismo industrial reside na produção de mais­valia relativa, tudo o que se refere às formas de produção baseadas na mais­valia absoluta, por significativa que seja sua importância histórica, carece de interesse teórico. Entretanto, para Cardoso,  isso  não  implica  abandonar  o  estudo  da  economia  dependente, uma vez que nesta se dá um processo simultâneo de desenvolvimento e de Entretanto,  existe  uma  estreita  interdependência  entre  o  aumento  da produtividade,  a  intensificação  do  trabalho  e  a  duração  da  jornada  de trabalho. O aumento da força produtiva do trabalho, ao implicar um menor gasto  de  força  física,  é  o  que  permite  aumentar  a  intensidade;  mas  o aumento da intensidade choca­se com a possibilidade de estender a jornada de  trabalho  e  pressiona  para  reduzi­  la.  Inversamente,  uma  menor produtividade  limita  a  possibilidade  de  intensificar  o  ritmo  de  trabalho  e aponta  para  a  extensão  da  jornada. O  fato  de  que,  nos  países  altamente industrializados,  a  elevação  simultânea  de  produtividade  e  de  intensidade de  trabalho não se  tenham traduzido desde várias décadas na redução da jornada não invalida o que se disse. Apenas revela a incapacidade da classe operária  para  defender  seus  legítimos  interesses,  e  se  traduz  no esgotamento  prematuro  da  força  de  trabalho,  expresso  na  redução progressiva  da  vida  útil  do  trabalhador,  assim  como  em  transtornos psicofísicos  provocados  pelo  excesso  de  fadiga.  Na  mesma  linha  de raciocínio, as limitações surgidas nos países dependentes para estender ao máximo a jornada de trabalho têm obrigado o capital a recorrer ao aumento da produtividade e da intensidade de trabalho, com os efeitos conhecidos no grau de conservação e desenvolvimento desta. O  que  importa  assinalar  aqui,  em  primeiro  lugar,  é  que  a superexploração não corresponde a uma sobrevivência de modos primitivos de  acumulação  de  capital,  mas  que  é  inerente  a  esta  e  cresce correlativamente ao desenvolvimento da força produtiva do trabalho. Supor o contrário equivale a admitir que o capitalismo, à medida que se aproxima de  seu  modelo  puro,  converte­se  em  um  sistema  cada  vez  menos explorador e logra reunir as condições para solucionar indefinidamente suas contradições  internas.  Em  segundo  lugar,  de  acordo  com  o  grau  de desenvolvimento das economias nacionais que integram o sistema, e do que se  verifica  nos  setores  que  compõem  cada  uma  delas,  a maior  ou menor incidência  das  formas  de  exploração  e  a  configuração  específica  que  elas assumem modificam qualitativamente a maneira como ali incidem as leis de movimento  do  sistema  e,  em  particular,  a  lei  geral  da  acumulação  do capital. E por essa razão que a chamada marginalidade social não pode ser tratada  independentemente  do modo  como  se  entrelaçam  nas  economias dependentes  o  aumento  da  produtividade  do  trabalho,  que  deriva  da importação de tecnologia, com a maior exploração do trabalhador, que esse aumento da produtividade torna possível. Não  por  outra  razão,  a  marginalidade  somente  adquire  sua  plena expressão  nos  países  latino­  americanos  ao  desenvolver­se  nestes  a economia industrial. A  tarefa  fundamental  da  teoria marxista  da  dependência  consiste  em determinar  a  legalidade  específica  pela  qual  se  rege  a  economia dependente.  Isso  supõe,  desde  logo,  situar  seu  estudo  no  contexto mais amplo das leis de desenvolvimento do sistema em seu conjunto e definir os graus  intermediários  pelos  quais  essas  leis  se  vão  especificando.  E  assim que  a  simultaneidade  da  dependência  e  do  desenvolvimento  poderá  ser entendida. O conceito de subimperialismo emerge da definição desses graus intermediários e aponta para a especificação de  como  incide na economia dependente a  lei  segundo a qual o aumento da produtividade do  trabalho (e,  por  consequência,  da  composição  orgânica  do  capital)  acarreta  um aumento  da  superexploração.  É  evidente  que  tal  conceito  não  esgota  a totalidade do problema. Como  quer  que  seja,  a  exigência  de  especificar  as  leis  gerais  de desenvolvimento  capitalista  não  permite,  desde  um  ponto  de  vista rigorosamente  científico,  recorrer  a  generalidades  como  a  de  que  a  nova forma  da  dependência  repousa  na  mais­valia  relativa  e  no  aumento  da produtividade. E não permite porque esta é a característica geral de todo o desenvolvimento capitalista, como vimos. O  problema  está,  portanto,  em  determinar  o  caráter  que  assume  na economia  dependente  a  produção  de  mais­valia  relativa  e  o  aumento  da produtividade do trabalho. Nesse sentido, podem ser encontradas em meu ensaio  indicações que, ainda que notoriamente  insuficientes, permitem vislumbrar o problema de fundo que a  teoria marxista da dependência está  chamada a enfrentar:  o fato  de  que  as  condições  criadas  pela  superexploração  do  trabalho  na economia dependente tendem a obstaculizar seu trânsito desde a produção da mais­valia absoluta à mais­valia relativa, enquanto forma dominante nas relações entre capital e trabalho. A gravitação desproporcional que a mais­ valia  extraordinária  assume  no  sistema  dependente  é  o  resultado  disso  e corresponde  à  expansão  do  exército  industrial  de  reserva  e  ao estrangulamento  relativo  da  capacidade  de  realização  da  produção.  Mais que  meros  acidentes  no  curso  do  desenvolvimento  dependente,  ou elementos  de  ordem  transicional,  esses  fenômenos  são manifestações  da maneira como incide na economia dependente a lei geral da acumulação de capital. Em última instância, é de novo à superexploração do trabalho que temos de nos referir para analisá­los. Essas são questões substantivas de meu ensaio, que conviria detalhar e esclarecer. Elas estão reafirmando a tese central que ali se sustenta, isto é, a  de que o  fundamento da dependência  é  a  superexploração do  trabalho. Não  nos  resta,  nesta  breve  nota,  senão  advertir  que  as  implicações  da superexploração  transcendem  o  plano  da  análise  econômica  e  devem  ser estudadas  também  do  ponto  de  vista  sociológico  e  político.  É  avançando nessa direção que aceleraremos o parto da teoria marxista da dependência, libertando­a  das  características  funcional­desenvolvimentistas  que  se  lhe aderiram em sua gestação. Início da página Notas de rodapé: (1)  Introduccion  a  la  critica  de  la  economia  politica/1857,  Uruguai,  Ed.  Carabella,  s.d., p.44. (retornar ao texto) (2) Idem, p. 41 (retornar ao texto) (3)  “Até  a  metade  do  século  19,  as  exportações  latino­americanas  se  encontram estagnadas  e  a  balança  comercial  latino­americana  é  deficitária;  os  empréstimos estrangeiros  se  destinam  à  sustentação  da  capacidade  de  importação.  Ao  aumentar  as exportações,  e,  sobretudo  a  partir  do  momento  em  que  o  comércio  exterior  começa  a gerar  saldos  positivos,  o  papel  da  dívida  externa  passa  a  ser  o  de  transferir  para  a metrópole parte do excedente  obtido na América  Latina. O  caso do Brasil  é  revelador:  a partir da década de 1860, quando os saldos da balança comercial se tornam cada vez mais importantes, o serviço da dívida externa aumenta: dos 50% que representava sobre esse saldo nos anos de 1960, se eleva para 99% na década seguinte". (Nelson Werneck Sodré, Formação  Histórica  do  Brasil.  Ed.  Brasiliense,  São  Paulo,  1964).  "Entre  1902­1913, enquanto o valor das exportações aumenta em 79,6%, a dívida externa brasileira  cresce em 144,6%, e representa, em 1913, 60% do gasto público total". (J. A. Barboza­Carneiro, Situation  économique  et  financière  du  Brésil:  memorandum  presente  à  la  Conférence Financière Internationale. Bruxelas, setembro­outubro de 1920). (retornar ao texto) (4) Veja­se, por exemplo, seu artigo "Quién es el ejemplo inmediato", Pensamiento Crítico n° 13, La Habana, 1968. (retornar ao texto) (5) Georges Canguilhem, Lo normal e  lo patológico. Ed. Siglo XI Argentina, Buenos Aires, 1971, p. 60. Sobre os  conceitos de homogeneidade e  continuidade, veja­se o  capítulo  III dessa obra. (retornar ao texto) (6)  Veja­se  Celso  Furtado,  Formación  Econômica  del  Brasil.  Ed.  Fondo  de  Cultura Ecomomica, México, 1962, pp. 90­91. (retornar ao texto) (7) Em um trabalho que minimiza enormemente a importância do mercado mundial para o desenvolvimento  do  capitalismo,  Paul  Bairoch  observa  que  só  "a  partir  de  1840­1850 começa  a  verdadeira  expansão  do  comércio  exterior  [da  Inglaterra];  desde  1860,  as exportações representam 14% da renda nacional, e é apenas o começo de uma evolução nacional  que  alcançará  seu  máximo  nos  anos  que  precedem  a  guerra  de  1914­1918, quando as exportações alcançaram ao  redor de 40% da  renda nacional. O  começo dessa expansão  marca  uma  modificação  da  estrutura  das  atividades  inglesas,  como  vimos  no capítulo da agricultura: a partir de 18401850, a Inglaterra começará a depender cada vez mais do estrangeiro para sua subsistência": Revolución industrialy subdesarrollo, Ed. Siglo XXI, México,  1967,  p.  285.  Quando  se  trata  da  inserção  da  América  Latina  na  economia capitalista mundial, é à Inglaterra que se deve referir, mesmo naqueles casos (como o da exportação  chilena de  cereais para os Estados Unidos)  em que a  relação não é direta. É por  isso  que  as  estatísticas  mencionadas  explicam  a  constatação  de  um  historiador,  no sentido  de  que  "em  quase  todas  as  partes  [da  América  Latina],  os  níveis  de  comércio internacional de 1850 não excedem em muito os de 1825" (Túlio Halperin Donghi, Historia contemporânea  de  América  Latina.  Alianza  Editorial,  Madrid,  1970,  p.158).  (retornar  ao texto) a exportação de algodão passou a ser um recurso vital para aqueles Estados, a exploração intensiva do negro se converteu em fator de um sistema calculado e calculador, chegando a ocorrer casos de esgotamento da vida do trabalhador em sete anos de trabalho. Agora, já  não  se  tratava  de  arrancar­lhe  uma  certa  quantidade  de  produtos  úteis.  Agora,  tudo girava em torno à produção de mais­valia pela própria mais­valia. E outro tanto aconteceu com  as  relações  de  vassalagem,  por  exemplo,  nos  principados  do  Danúbio".  Ibidem. (retornar ao texto) (21) Cf. El Capital, I, XXII, pp. 508­509. (retornar ao texto) (22) "Toda variaçao na magnitude, extensiva ou intensiva, do trabalho afeta [...] o valor da força de trabalho, na medida em que acelera seu desgaste". Tradução literal de El Capital, I, XVII, II, p. 1.017, Plêiade. Cf. El Capital, I, XXVIII. (retornar ao texto) (23) Um fenômeno similar é observado na Europa, no início da produção capitalista. Basta analisar  mais  de  perto  a  maneira  como  se  realiza  ali  a  passagem  fundamental  do feudalismo para o capitalismo para dar­se conta que a condição do trabalhador, ao sair do estado  de  servidão,  se  assemelha  mais  à  do  escravo  que  à  do  moderno  operário assalariado. Cf. El Capital, I, XXVIII. (retornar ao texto) (24) Capítulo VI (inédito), op. cit., pp. 68­69. (retornar ao texto) (25) El Capital, I, VIII, 5, p. 208. (retornar ao texto) (26) Cairnes, cit. em El Capital, I, VIII, 5, p. 209. (retornar ao texto) (27)  É  assim  como  Marx  se  refere  a  países  "em  que  o  trabalho  não  tenha  ainda  sido absorvido  formalmente  pelo  capital,  ainda  que  o  operário  esteja  na  realidade  sendo explorado  pelo  capitalista",  exemplificando  com  o  caso  da  Índia,  "onde  o  ryot  trabalha como camponês  independente, onde sua produção não  foi ainda, portanto, absorvida pelo capital, ainda que o usurário possa  ficar, sob a  forma de  juros, não só com seu  trabalho excedente, mas inclusive também, falando em termos capitalistas, com uma parte de seu salário". El Capital, III, XIII, p. 216. (retornar ao texto) (28)  Marx,  Príncipes  d'une  critique  de  l'économie  politique,  em Oeuvres,  Plêiade,  II,  p. 254. (retornar ao texto) (29)  Já  assinalamos  que  isto  se  dá  inicialmente  nos  pontos  de  conexão  imediata  com  o mercado  mundial;  só  progressivamente,  e  ainda  hoje  de  maneira  desigual,  o  modo  de produção capitalista irá subordinando o conjunto da economia. (retornar ao texto) (30) "Contradição  do  regime de  produção  capitalista:  os  operários  como  compradores  de mercadorias são importantes para o mercado. Mas, como vendedores de sua mercadoria — a  força de  trabalho — a sociedade capitalista  tende a  reduzi­los ao mínimo do preço."  El Capital, II, XVI, III, nota. Marx indica nessa nota a intenção de tratar, na seção seguinte, a teoria  do  subconsumo  operário,  mas,  como  observa  Maximilien  Rubel  (op.  cit.,  t.  II,  p. 1.715),  não  chega  a  concretizá­la.  Alguns  elementos  tinham  sido  avançados  nos Grundrisse; veja­se Príncipes..., pp. 267­268. (retornar ao texto) (31)  De  fato,  como  demonstra  Marx,  ambos  os  tipos  de  consumo  correspondem  a  um consumo produtivo, desde o ponto de vista do capital. Ainda mais,  "o consumo  individual do trabalhador é improdutivo para ele mesmo, pois não faz mais que reproduzir o indivíduo necessitado; é produtivo para o capitalista e o Estado, pois produz a força criadora de sua riqueza".  Tradução  literal  de  El  Capital,  I,  XXIII,  p.  1.075,  Plêiade;  cf.  edição  Fondo  de Cultura Econômica, I, XXI, p. 482. (retornar ao texto) (32)  "O  consumo  individual  do  trabalhador  e  o  da  parte  nao  acumulada  do  produto excedente  englobam  a  totalidade  do  consumo  individual.  Este  condiciona,  em  sua totalidade, a circulação do capital." Tradução  literal de El Capital,  II,  p.  543,  Plêiade;  cf. Fondo de Cultura Econômica, p. 84. (retornar ao texto) (33)  A  tese  da  industrialização  substitutiva  de  importações  representou  um  elemento básico na ideologia desenvolvimentista, cujo grande epígono foi a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (Cepal); o trabalho clássico neste sentido é o  de  Maria  da  Conceição  Tavares,  sobre  a  industrialização  brasileira,  publicado originalmente em United Nations, "The growth and decline of imput substitution in Brazil", Economic Bulletinfor Latin America, vol. IX, n° 1, março de 1964. Nos anos recentes, essa tese tem sido objeto de discussões que, se não chegam a lhe retirar a validade, tendem a relativizar  o  papel  desempenhado  pela  substituição  de  importações  no  processo  de industrialização  da América  Latina;  um bom exemplo  disso  é  o  artigo  de Don  L. Huddle, "Reflexões sobre a industrialização brasileira: fontes de crescimento e mudança estrutural — 1947­1963", Revista Brasileira de Economia, vol. XXIII, n° 2,  junho de 1969. Por outro lado,  alguns  autores  se  preocuparam  em  estudar  a  situação  da  indústria  na  economia latino­americana  antes  que  se  acelerasse  a  substituição  de  importações;  é  significativo, nesta  última  linha  de  pesquisa,  o  ensaio  de  Vânia  Bambirra,  Hacia  uma  tipologia  de  la dependência.  Industrialización  y  estruetura  socio­econômica,  Ceso,  Universidad  de  Chile, Documento de Trabajo, mimeo, 1971. (retornar ao texto) (34)  É  interessante  observar  que  a  indústria  complementar  à  exportação  representou  o setor  mais  ativo  das  atividades  industriais  na  economia  exportadora.  É  assim  como  os dados disponíveis para a Argentina mostram que, em 1895, o capital investido na indústria que produzia para o mercado interno correspondia a cerca de 175 milhões de pesos, contra mais de 280 milhões investidos na indústria vinculada à exportação; na primeira, o capital médio  por  empresa  era  de  somente  10  mil  pesos,  configurando  claramente  um  setor artesanal, enquanto que, na segunda, montava a 100 mil pesos (cf. Roberto Cortes Conde, Problemas del crecimiento industrial em Argentina, sociedad de masas. Ed. Euseba, Buenos Aires, 1965). (retornar ao texto) (35)  A  reprodução  ampliada  desta  relação  constitui  a  essência  mesma  da  reprodução capitalista; cf. particularmente El Capital, I, XXIV. (retornar ao texto) (36) El Capital, I, XIII, p. 370. (retornar ao texto) (37)  Empregamos  o  termo  "industrialização"  para  salientar  o  processo  pelo  qual  a indústria,  empreendendo  a  mudança  qualitativa  global  da  velha  sociedade,  caminha  no sentido de  se  converter  em eixo da acumulação de  capital.  É  por  isso que  consideramos que não se dá um processo de industrialização no seio da economia exportadora, em que pese o fato de que se observa nessa economia atividades industriais. (retornar ao texto) (38)  Um  historiador  brasileiro,  referindo­se  à  campanha  pelo  aumento  de  tarifas alfandegárias  desencadeada pelos  industriais  brasileiros  em 1928,  destaca  com clareza o mecanismo de expansão do setor  industrial na economia exportadora: "Sob a pressão de uma  recessão  da  demanda  de  tecidos  de  má  qualidade  nas  áreas  rurais,  como consequência da queda de preços do café — o preço médio da saca de 60 quilos caiu de 215$  109  para  170$  719  entre  1925  e  1926  —  vários  industriais  se  especializaram  na produção de  tecidos médios e  finos, a partir de meados da década de 1920. Ao penetrar nesta  faixa  do  mercado,  passaram  a  sofrer  o  impacto  da  concorrência  inglesa,  que  foi acusada de realizar um 'dumping' para liquidar a produção nacional. Os Centros Industriais se articularam em uma campanha visando o aumento das tarifas de tecidos de algodão e a restrição  das  importações  de  maquinado,  alegando  que  o  mercado  não  comportava  a ampliação  da  capacidade  produtiva  existente".  Boris  Fausto.  A  revolução  de  1930. Historiografia  e  historia.  Ed.  Brasiliense,  São  Paulo,  1970,  pp.  33­34.  O  episódio  é exemplar: a queda dos preços do café restringe o poder de compra dos trabalhadores, mas também a capacidade de importação para atender a esfera alta da circulação, provocando um movimento da indústria no sentido de se deslocar para esta última e se beneficiar dos melhores preços que ali se pode obter. Como veremos, esse tropismo da indústria  latino­ americana não é privilégio da velha economia exportadora. (retornar ao texto) (39) Para Argentina e Brasil, por exemplo, isto se apresenta já na passagem da década de 1940 para a de 1950, mais rapidamente para a Argentina do que para o Brasil. (retornar ao texto) (40)  Veja­se  Ernest  Mandel,  Tratado  de  Economia  Marxista,  Ed.  Era,  México,  1969. (retornar ao texto) (41)  A  produção  estadunidense  de  máquinas  e  ferramentas  foi  duplicada  entre  1960  e 1966,  enquanto  crescia  tão  só  em  60%  na  Europa  Ocidental  e  70%  no  Japão.  Por  outra parte,  desenvolveu­se  mais  rapidamente  nos  Estados  Unidos  a  fabricação  de  conjuntos automatizados,  cujo  valor  alcançou  os  247  milhões  de  dólares  em  1966,  contra  43,5 milhões  na  Europa  Ocidental  e  apenas  2,7  milhões  de  dólares  no  Japão.  Dados disponibilizados por Ernest Mandel Europe versus América? Contradictions of  Imperialism. NLR, Londres, 1970, p. 80, nota. (retornar ao texto) (42) Os trabalhos que se referem a este tema foram reunidos no meu livro Subdesarrollo y revolución, Ed. Siglo XXI, México, 1969. O primeiro deles foi publicado originalmente com o  título  "Brazilian  Interdependence  and  Imperialist  Integration",  Monthly  Review,  Nova York, dezembro de 1965, XVII, n° 7. (retornar ao texto) (43) O Capital. Ed. Fondo de Cultura Econômica, México, t. III, cap. VII, p. 180. Esta será a edição citada, quando não se indique outra. (retornar ao texto) (44) Veja­se  o  tratamento  que  dá  a  este  tema  Jaime  Torres,  em  Para  um  conceito  de "formação social colonial". Ceso, Santiago, 1972, mimeo (retornar ao texto) (45)  Segundo  Marx,  a  tendência  decrescente  da  taxa  geral  de  lucro  não  é  senão  "uma maneira  própria  ao  modo  de  produção  capitalista  de  expressar  o  progresso  da produtividade social do trabalho", sendo que "a acumulação mesma ­ é o meio material de aumentar  a  produtividade".  Le  Capital.  Ouvres,  NRF.  Paris,  t.  II,  pp.  1002  y  1006, sublinhado por Marx; cf. edición FCE, III, pp. 215 e 219. (retornar ao texto) (46) "No  começo a  produção  fundada no  capital  partia  da  circulação;  vemos agora  como aquela  põe  a  circulação  como  sua  própria  condição  e  põe  igualmente  o  processo  de produção,  em  sua  imediatez,  enquanto momento  do  processo  de  circulação,  assim  como põe  a  este  como  fase  do  processo  de  produção  em  sua  totalidade".  Marx,  Elementos fundamentales  para  la  crítica  de  la  economia  política  (borrador)  1857­1858.  Ed.  Siglo Veinteuno, Argentina, Buenos Aires, 1972, vol. II, p. 34. (retornar ao texto) (47) Para dizer com Marx: "A troca de mercadorias por seus valores ou aproximadamente por seus valores pressupõe ... uma fase muito mais baixa que a troca em base aos preços de produção,  o que  requer um nível  bastante elevado no desenvolvimento  capitalista". O Capital, III, VIII, p. 181. (retornar ao texto) (48)  "A produção de mais­valia  absoluta  é  a base geral  sobre  a que descansa o  sistema capitalista  e  o  ponto  de  arranque  para  a  produção  de mais­valia  relativa."  O Capital,  I, XIV, p. 246. (retornar ao texto) (49)  Veja­se:  de  José  Nun,  "Superpopulação  relativa,  exército  industrial  de  reserva  e massa marginal", em Revista Latinoamericana de Sociologia n° 2, Buenos Aires, 1969; e de F.  H.  Cardoso,  "Comentário  sobre  los  conceptos  de  sobrepopulación  relativa  y
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