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Dialética e Concreto (2), Notas de estudo de Serviço Social

RESUMO: Este artigo analisa o Método do Abstrato ao Concreto, herança de Marx para a humanidade, como recurso de grandes potencialidades para pesquisa de fenômenos humano-sociais e não necessariamente vinculado à proposta de transformação de sociedade apresentada por esse economista e filósofo alemão do século 19. Procura esclarecer o leitor não familiarizado com a contribuição desse pensador, que a orientação metodológica que ele oferece à ciência subsiste através dos tempos, adotada por estudi

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 20/03/2013

gabriela-peters-9
gabriela-peters-9 🇧🇷

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Baixe Dialética e Concreto (2) e outras Notas de estudo em PDF para Serviço Social, somente na Docsity! emancipação ENTRE A UNIVERSALIDADE DA TEORIA E A SINGULARIDADE DOS FENÔMENOS: ENFRENTANDO O DESAFIO DE CONHECER A REALIDADE Divanir Eulália Naréssi Munhoz1 RESUMO: Este artigo analisa o Método do Abstrato ao Concreto, herança de Marx para a humanidade, como recurso de grandes potencialidades para pesquisa de fenôme- nos humano-sociais e não necessariamente vinculado à proposta de transformação de sociedade apresentada por esse economista e filósofo alemão do século 19. Pro- cura esclarecer o leitor não familiarizado com a contribuição desse pensador, que a orientação metodológica que ele oferece à ciência subsiste através dos tempos, ado- tada por estudiosos de renome, como recurso dos mais fecundos para investigação da realidade e conseqüente construção do conhecimento sobre ela. O texto apresenta também discussão sobre as categorias da universalidade, particularidade e singulari- dade e a mediação entre elas no processo de caminhar da aparência à essência dos fenômenos, proposta central do referido método. PALAVRAS-CHAVE: método do abstrato ao concreto; universalidade, particularidade, singularidade; mediação; aparência e essência. Introdução Tendo em vista que abordar o Método Dialético - do Abstrato ao Concreto – necessariamente remete a Marx, seu propositor, é preci- so registrar inicialmente um alerta para aqueles que analisam a (in)eficácia 1 Doutora em Serviço Social, pela PUC-SP. Professora do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Sociais Aplicadas e do Departamento de Serviço Social - Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. Coordenadora da Pesquisa “Análise Crítica da Lógica de Pensamento Explícita e/ou Subjacente em Pesquisas de Fenômenos Humano-Sociais”, parte de estudos sobre Epistemologia e Método nas Ciências Sociais. 26emancipação, 6(1): 25-40, 2006. Munhoz, Divanir E. Naréssi. Entre a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos... dos estudos de Marx apenas pelos resultados de propostas de socieda- de que não corresponderam à eficácia prevista. A esse respeito vale lembrar a reflexão de Lukács, quando discute sobre o que seria essencial no marxismo e que teses, na teoria de Marx, seria possível - a alguém - criticar ou mesmo recusar, sem, com isso, desconsiderar a contribuição inegável daquele pensador para estudo dos fenômenos sociais. Lukács (1969, p.1-2) observa que mes- mo “que a investigação recente tivesse provado indiscutivelmente a falsi- dade material de todas as proposições particulares” de Marx, o que não se pode deixar de reconhecer, como sua contribuição decisiva, é o “mé- todo”. Isso tem afinidade com o que diz Thompson (1981, p.129), ao entender a dialética “não como esta ou aquela ‘lei’ mas como um hábito de pensamento (...) e como expectativa quanto à lógica do processo”. Assim, a discussão sobre o Método do Abstrato ao Concreto será aqui procedida a partir da compreensão da dialética como um con- junto de princípios que orientam a compreensão da realidade, como um modo para apreensão da realidade - fluente e contraditória -, como um método científico para explicar essa realidade. 1. O método do abstrato ao concreto: caminho da aparência à essência Procedidos os esclarecimentos necessários, segue-se uma apresentação operacional do Método da Economia Política, Método do Abstrato ao Concreto, no sentido de facilitação do seu entendimento para leitura dos mais diversos fenômenos da realidade humano social. No processo de estudo da realidade, o fenômeno que se deseja conhecer (a população de um determinado contexto, a violên- cia familiar, a ineficiência do poder judiciário, a educação fundamental, a diversidade étnica ou de orientação sexual ...), inicialmente se dá ao sujeito cognoscente como concreto figurado, como aparência, como visão caótica. É um concreto sensível (porque pode ser capta- do pelos sentidos mais imediatos), mas ... que ao mesmo tempo é um abstrato porque, na verdade, pouco se sabe dele (do fenômeno), num primeiro contato. O fenômeno que se deseja conhecer é, então, em princípio - repetindo - uma visão caótica, mas ..., através de uma análise, preci- 29emancipação, 6(1): 25-40, 2006. Munhoz, Divanir E. Naréssi. Entre a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos... rência à essência, do concreto sensível ao concreto pensado), todo esse processo cuidadoso de desvelamento da realidade não pode autorizar o estudioso a transformar seus resultados numa representação abstrata, num conceito fixo, a partir do que poderia pretender deduzir a essência de outras realidades particulares/singulares semelhantes, do mesmo gênero. Deve-se lembrar que Marx (1989, p.229). critica a “ilusão” de Hegel, de “conceber o real como resultado do pensamento que se con- centra em si próprio, se aprofunda em si próprio e se movimenta por si próprio...”, porque “o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é para o pensamento precisamente a maneira de se apropriar do concreto, de o reproduzir como concreto espiritual” 2 , como concreto pensado. Marx observa que este “não é de modo nenhum o processo da gênese do próprio concreto”. Fica claro, então, que em cada novo fenômeno a conhe- cer tem-se que empreender sempre o caminho da aparência (do concreto sensível, caótico, abstrato porque pouco se sabe dele) à essência (ao concreto pensado porque dele se conhece as múltiplas determinações, e também abstrato, mas, nesse momento, abstrato num outro sentido, porque se constituiu enquanto construção mental sobre a realidade, construção mental determinada a partir dessa mesma reali- dade). 2. O papel da mediação no desvelamento da realidade Na lógica de pensamento baseada no silogismo, a todo e qual- quer individuo de um conjunto pode-se aplicar os atributos desse con- junto e entre conceito - plano do mediato - e realidade concreta - plano do imediato - praticamente não há instâncias intermediadoras; nessa lógica dedutivo-classificatória, a relação entre esses dois planos se pro- cessa formalmente e com base na inferência imediata. De modo diverso, dentro do raciocínio dialético, é pela media- ção, categoria central desse tipo de raciocínio, que se consegue dar conta da relação entre os planos mediato e imediato do conhecimento, 2 “Concreto espiritual”: concreto pensado; captação do fenômeno, do objeto, pela reflexão sobre ele, pelo desvelamento de sua essência. 30emancipação, 6(1): 25-40, 2006. Munhoz, Divanir E. Naréssi. Entre a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos... ou seja, entre a universalidade da teoria e as expressões singulares dos fenômenos em cada realidade específica. E embora tenha-se claro que fenômenos da mesma natureza, ao expressarem-se singularmente em diferentes contextos, podem as- sumir configurações diferenciadas em cada um deles, sabe-se também que quando uma característica repete-se em grande número nessas expressões singulares, ela passa a ser entendida como universal na- quela natureza de fenômenos. Assim, a ciência, ao formular leis, o faz no interior da univer- salidade, mas deve-se entender que da teoria já construída sobre dife- rentes fenômenos, isto é, do conhecimento como universal, seja possí- vel - e necessário - retornar aos fatos singulares da vida. Esse retorno dar-se-á através de diferentes e múltiplas mediações, concretizando a dialética de universal, particular e singular. Como observa Pontes (1997, p.84), na perspectiva voltada para o conhecimento dos fenômenos da sociedade, a apreensão das leis sociais, que subjazem a tais fenômenos, não prescinde da compreensão de que estas se manifestam de forma diferenciada em todo o ser social. Procurando ilustrar o valor da teoria - plano da universalidade - para análise, compreensão e explicação de fenômenos singulares com que o estudioso/profissional se defronta na realidade, Lukács (1967, p.207) utiliza o exemplo do diagnóstico médico. Diz: Não há dúvida alguma de que o objeto do diagnóstico é o homem individual (...). Todos os conhecimentos gerais e particulares acerca da natureza fisiológica do homem, dos tipos de decurso patológico, etc., são meros meios para captar com precisão esse indivíduo em seu instantâneo ser-assim. Mas as experiências dos últimos decênios mostram que, quanto mais precisos são os métodos de mediação (aplicações do geral ao caso singular) que a medicina pode mobilizar, tanto mais pontual e exato pode resultar o diagnóstico [de cada caso singular] (colchetes nossos). E mesmo que a “aproximação ao ser-assim único do caso examinado”, através do conhecimento do profissional a respeito de situ- ações semelhantes, continue sendo apenas uma aproximação, é indis- cutível que “a inserção do maior número possível de generalidades adi- anta (...) o ponto final da aproximação ao singular, mesmo sem superar- se com isso o caráter meramente aproximativo” (LUKÁCS, 1967, p.207). 31emancipação, 6(1): 25-40, 2006. Munhoz, Divanir E. Naréssi. Entre a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos... Desse exemplo de Lukács, conclui-se que nem se pode ficar no imediatamente dado - na expressão singular da realidade como dota- da de uma lógica e uma legalidade 3 próprias independentemente da le- galidade de uma totalidade mais abrangente em que esteja contida -, nem se pode tomar cada expressão singular do empírico como dotada da mesma legalidade que o conceito. Assim, no caminho de passagem do concreto sensível ao concreto pensado, verifica-se a necessidade do processo de mediação entre a universalidade da teoria e a singularidade com que os fenôme- nos se expressam no real. Pontes (1997, p.85-6), apoiando-se em Netto e em Lukács, observa que “a categoria da particularidade assume papel central na dialética do conhecimento porque ela se constitui num campo de medi- ações”, um “espaço onde a legalidade universal se singulariza e a imediaticidade do singular se universaliza”. No processo de conhecer a realidade, de modo geral o estudi- oso aproxima-se dela tendo por orientação algumas categorias que com- põem seu enfoque sobre essa realidade, a partir da visão de mundo por ele privilegiada e que se expressa através de uma postura teórico- metodológica que compreende categorias de análise. Essas categori- as, cuja construção deriva do olhar que o estudioso lança sobre a reali- dade, expressam, também, em distintos planos, formas de existência do real; no entanto, para captarem a particularidade/singularidade do objeto, precisam ser recriadas, reproduzidas, reconstruídas, a fim de poderem dar conta do objeto singular enfocado em determinado “aqui e agora”. José Paulo Netto (1990, p.9-11) apresenta um exemplo da necessidade dessa reconstrução das categorias no fenômeno “luta de classes”: eu não vou [não posso] simplesmente procurar ver a luta de classes -de que eu me apropriei teoricamente- no real, mas sim, vou querer saber se no meu objeto essa realidade se dá. Nesse passo, eu estou re-verificando as categorias e, mais do que isso, eu estou enriquecendo essas categorias ao concretizá- 3 Legalidade: conjunto de tendências observáveis, verificáveis que, de alguma forma, expressam a dinâmica de um processo, da configuração de um fenômeno; tendência imanente ao processo de constituição de um fenômeno. 34emancipação, 6(1): 25-40, 2006. Munhoz, Divanir E. Naréssi. Entre a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos... são abstrata das relações sociais que os homens constroem e vivem. A respeito da sua natureza, tem-se que: -quando comuns a todos os objetos, são categorias filosófi- cas/metodológicas (por exemplo, as categorias do materialismo dialético: contradição, totalidade, história, práxis ...); -quando próprias de determinado ramo da ciência ou de uma determinada teoria social, são categorias científicas/teóricas ( por exem- plo, salário, trabalho, mais valia, senso comum, consciência coletiva, interdisciplinaridade, cotidianidade...); -além disso, existem as categorias emergentes ou empíricas, ou seja, aquelas que mesmo não sendo tomadas como pontos de refe- rência para o estudo da realidade, brotam desta como expressão de formas particulares que marcam a apresentação dos fenômenos em distintos momentos históricos. E muitas vezes, nessa emergência, iden- tificam-se, tematicamente, com as categorias teóricas que orientaram o estudo, embora sua configuração não seja a mesma no plano da univer- salidade teórica e nos planos de maior concretude da particularidade e da singularidade; isso remete à característica peculiar das categorias, de modo geral, ou seja, que elas reclamam sempre a necessidade da relação entre os planos do singular, do particular, do universal, planos esses que, como já foi possível perceber, também constituem, por sua vez, categorias. Importante observar que não se pode confundir categorias filo- sóficas/metodológicas com categorias científicas/teóricas, porque es- tas últimas, em função do processo contínuo de construção do conheci- mento e de conseqüente desenvolvimento da ciência, são mais passí- veis de modificações; às categorias científicas/teóricas é que se enten- de poder aplicar o que disse Marx, em carta a Annenkov (1988, p.251), ou seja, que as categorias não são eternas no que se refere às relações que expressam, que “são produtos históricos e transitórios”. Isso é rei- terado por Cheptulin (1982, p.58), quando diz que o “aparecimento de toda nova categoria é necessariamente condicionado pelo curso do de- senvolvimento do conhecimento”; novas categorias aparecem porque o conhecimento, penetrando sempre mais profundamente o mundo dos fenômenos, colocou em evidência novos aspectos e laços universais que não voltam mais para as categorias existentes e que exigem, para exprimir-se, ser fixados em novas 35emancipação, 6(1): 25-40, 2006. Munhoz, Divanir E. Naréssi. Entre a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos... categorias (grifos nossos). Conforme observa Triviños” (1991, p.5), “cada ciência (...) tem suas próprias categorias para elaborar seu conhecimento específico”, conhecimento “que é peculiar a seu campo”: são as referidas categorias científicas/teóricas. Porém, na análise da realidade, estas serão atra- vessadas pelas categorias do método e por isso mesmo também filosó- ficas, porque da visão de mundo que orienta o investigador e o profissio- nal. As categorias filosóficas/metodológicas, então, expressam relações mais fundamentais, como a ótica frente a contrários, à história, à relação matéria-consciência; o modo de posicionar-se frente ao todo..., e, por isso, são categorias que se pressupõe como pontos de partida para qualquer análise da realidade. Observe-se que, dependendo da perspectiva com que o estudioso enfoque a realidade, essas categorias se expressarão de formas diversas. Por exemplo: a)-no que se refere à ótica frente a contrários, um pesquisador positivista “poderá tender” a absolutizar extremos de “sim” ou “não”, de “absolutamente bom”, “absolutamente ruim”, enquanto um estudioso de olhar dialético entenderá que “sim e não”, “bom e ruim”, podem conviver num mesmo fenômeno, porque tem incorporado nesse olhar a possibili- dade de convivência desses aspectos aparentemente contrários; b)-quanto à relação matéria-consciência, a “tendência” de um estudioso orientado pelo idealismo é entender que o pensar seja decisi- vo para a natureza da existência do homem, enquanto que o entendi- mento de outro, pautado pelo materialismo dialético, é de que o homem constrói seus conceitos sobre o mundo a partir de como vive esse/nes- se mundo; c)-quanto à história, a orientação positivista “tenderá” a enfocar os fenômenos como não necessariamente relacionados ao contexto onde estão inseridos, ou seja, numa perspectiva a-histórica, enquanto para um olhar dialético a historicidade é questão de fundamental impor- tância na explicação de fenômemos de quaisquer natureza; d)-e a partir do enfoque a-histórico ou histórico, as partes se- rão entendidas como mais ou menos departamentalizadas, com relativa interdependência, ou organicamente ligadas e compondo uma unidade do diverso e uma totalidade que as influencia/determina e que ao mes- mo tempo é influenciada/determinada por elas. 36emancipação, 6(1): 25-40, 2006. Munhoz, Divanir E. Naréssi. Entre a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos... E particularmente em relação às categorias científicas/teóri- cas, já está suficientemente evidenciado que não é o caso de nelas encaixar a realidade. Como diz Florestan Fernandes (1989, p.24), Marx alerta para a “inadequação de construções típico-ideais arbitrárias ou conjeturais na explicação de situações histórico-sociais concretas ...”. Segundo Marx (1989, p.233), até as categorias mais abstratas, ainda que válidas – precisa- mente por causa da sua natureza abstrata – para todas as épocas, não são menos, sob a forma determinada desta mesma abstração, o produto de condições históricas e só se conservam plenamente válidas nestas condições e no quadro destas5. E isto porque, como já foi visto, a legalidade ao nível da univer- salidade é de âmbito muito maior, muito mais amplo, do que a legalida- de no plano da singularidade. 6 E a particularidade 7 não é só uma genera- lidade relativa, não é só elemento de junção, membro de enlace; há uma “ininterrupta e polifacética mutação recíproca entre a generalidade e a particularidade”. Mas, “nas relações diretas com a realidade”, o pesqui- sador tropeçará “sempre diretamente com a singularidade”, singularida- de que é de imediato “indizível” (LUKÁCS, 1967, p.202-204): da realida- de, a linguagem só pode falar, inicialmente, sobre a aparência fenomênica e abstrata na concretude sensível com que se apresenta. Mas Lukács (1967, p.204-205) observa ainda que a imediatez do singular não implica que simplesmente seja tomado como de exis- tência falsa ou irracional, mas, sim, que ela cobra do estudioso um 5 A tradução de Florestan Fernandes deixa mais clara a questão: “...até as categorias mais abstratas, apesar de sua validade – precisamente por causa de sua abstração – para todas as épocas, são, contudo, no que há de determinado nesta abstração, do mesmo modo o produto de relações históricas, e não possuem plena validez senão para estas relações e dentro dos limites destas mesmas relações” (Marx, in Fernandes, 1989, p. 414 – grifos nossos). 6 “Buscar a legalidade de cada processo social é, em primeiro lugar, determinar os processos sociais; em segundo lugar, compreender a sua dinâmica específica; e, em terceiro lugar, vincular essa dinâmica específica a outras dinâmicas específicas de outros processos sociais, o que só se obtém pela localização, identificação, de suas mediações. Por exemplo, a luta de classes é um fenômeno nuclear, molecular à sociedade capitalista. Ela passa nas fábricas, nas famílias, mas de forma diferente; a legalidade da família não é a mesma da fábrica. As tendências que operam nesses níveis são tendências que obedecem à especificidade, à particularidade de cada nível” (Netto, 1990, p. 5-6). 7 Enquanto que a “generalidade e a singularidade se concentram cada uma em seu ponto final, a particularidade é uma terra central, um campo de mediações entre aquelas, cujos limites em ambas as direções são sempre imprecisos e às vezes se fazem imperceptíveis” (Lukács, 1967, p. 211-212 – grifos nossos. 39emancipação, 6(1): 25-40, 2006. Munhoz, Divanir E. Naréssi. Entre a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos... alcançado em função tanto dos “pontos finais” (provisórios) já conquis- tados como da capacidade de apreensão dos sujeitos na peculiaridade de cada momento histórico. Diz Lukács (1967, p.272-273): a realidade objetiva, independente da consciência, contém objetivamente em si as três categorias (singularidade, particularidade, generalidade), o que quer dizer que o fato de que o reflexo transborde a singularidade imediata não é nenhum abandono da objetividade, (...) nenhuma “produção soberana” do eu cognoscitivo ou artístico (grifos nossos). Vale lembrar também aqui alguns alertas de José Paulo Netto, quanto às regulações que o sujeito pode impor no processo de conhe- cer, porque a razão do estudioso “vem de uma determinada posição política, da participação em determinado movimento, de uma determina- da formação, de uma determinada cultura...”, de uma determinada visão de mundo; outrossim, também é “emoldurada em uma instituição, em uma organização...” (1990, p.10). Com base nisso, o risco que esse estudioso corre na leitura da realidade “não é só de apriorismos; é um risco de dogmatismo mes- mo”; e a ultrapassagem desse risco exige, por parte do sujeito implica- do no conhecimento, no desvelamento da realidade, “um enorme contro- le crítico”, bem como “um controle auto-crítico”: uma modéstia diante da realidade pelo entendimento de que ela vai além de suas teias de capta- ção 9 . É preciso, então, adotar uma “atitude de recepção da realidade” (NETTO, 1990, p.10) e, embora dispondo de categorias para sua análi- se, é necessário entender que elas não determinam essa realidade. BETWEEN THEORY’S UNIVERSALITY AND THE SINGULARITY OF PHENOMENA: FACING THE CHALLENGE OF PERCEIVING REALITY ABSTRACT: This article analyzes the Abstract to Concrete Method – a Marx’s legacy to humanity – as a resource of great potential in the study of human-social phenomena and not necessarily linked to the society transformation proposal made by this German philosopher and economist of the 19 th century. It aims at making it clear for the reader to whom Marx’s ideas are not familiar, that his methodological directions subsist through time. These directions are used by well-known researchers, as a fecund resource for the 9 Diz José Paulo Netto: “O sábio nunca é humilde (humildade é condição de escravo), mas também, nunca é arrogante em face da realidade. Ele parte da idéia de que sempre há algo de novo sob o sol. Ele é modesto em face da realidade à medida em que tem como pressuposto que a realidade transcende sempre todos os seus esquemas” (1990, p. 10). 40emancipação, 6(1): 25-40, 2006. Munhoz, Divanir E. Naréssi. Entre a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos... investigation of reality, as well as for the building of knowledge about reality. The text also shows a debate about the categories of universality, particularity and singularity, and the mediation between them all in the process of going from the superficial appearances to the essence of phenomena, which is the main proposal of the above-mentioned method. KEYWORDS: Abstract to Concrete method; universality, particularity, singularity; mediation; appearance and essence. Referências CHEPTULIN, Alexandre. A dialética materialista: categorias e leis da dialética (Trad. Leda Rita Cintra Ferraz). São Paulo: Alfa-Omega, 1982. FERNANDES, Florestan (org.). Marx Engels: história. São Paulo: Ed. Ática, 1989. LUKÁCS, Georg. 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TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Aplicação do método dialético à pesquisa em ciências sociais. Programa de Pós-Graduação em Educação. Porto Alegre: UFRGS, 1o. semestre/1991. (texto digitado).
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