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Guias e Dicas
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Direito Comparado 1° Teste, Resumos de Direito Comparativo e Política

2016/17 Marta Vieira de Sousa

Tipologia: Resumos

2020
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Compartilhado em 03/04/2020

Martavieirasousa
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Baixe Direito Comparado 1° Teste e outras Resumos em PDF para Direito Comparativo e Política, somente na Docsity! 2016 2017 DIREITO COMPARADO 1º TESTE Marta Vieira de Sousa 1. DIREITO COMPARADO NOÇÃO E OBJETO O Direito Comparado é uma disciplina jurídica que tem por objeto a comparação de Direitos, ou seja, o estudo comparativo de diferentes ordens jurídicas. Estabelece o confronto sistemático entre ordenamentos jurídicos, de modo a identificar as semelhanças e as diferenças existentes entre essas ordens jurídicas e a explicar as razões que presidem às mesmas. ENQUANTO CIÊNCIA E COMO MÉTODO O interesse pelo conhecimento de ordens jurídicas estrangeiras e o estudo comparativo de Direitos não é recente, tendo sido constante desde a Antiguidade Clássica. Surgiu enquanto disciplina autónoma na segunda metade do século XIX, quando passou a ser ensinado nas universidades e quando foram fundadas as primeiras associações cientificas e revistas especializadas. A autonomização do Direito Comparado como disciplina jurídica não dissipou a perceção durante muito tempo dominante de que o Direito Comparado seria apenas um método – comparativo – ao serviço das outras áreas jurídicas. No entanto, hoje, o Direito Comparado é um saber autónomo no quadro da ciência jurídica, dotado de um objeto e de um método próprios – a pluralidade de ordens jurídicas estaduais e o método comparativo, e com importantes contributos a dar para a formação de juristas e realização de Direito. MODALIDADES DO DIREITO COMPARADO A comparação de Direitos pode assumir diversas modalidades, consoante o objetivo do estudo comparativo. ESTUDO MACROCOMPARATIVO Consiste no estudo comparativo de duas ou mais ordens jurídicas estaduais consideradas na sua globalidade, pelas suas características fundamentais (princípios jurídicos estruturantes, fontes de Direito, organização judiciária), ou na comparação entre famílias de Direitos. Exemplo: comparação dos Direitos português, francês e alemão para ilustrar as características do subsistema romano-germânico da família jurídica ocidental. Servem, sobretudo, propósitos académicos, mas não deixa de ser instrumental para os estudos microcomparativos, fornecendo-lhes o necessário enquadramento. ESTUDO MICROCOMPARATIVO Consiste no estudo comparativo das soluções jurídicas encontradas em das ou mais ordens jurídicas estaduais diferentes para um determinado problema, ou na comparação de institutos jurídicos (conjunto de normas, princípios, instituições e organizações de natureza jurídica que possam ser tomados unitariamente sob certa perspetiva ou critério). Servem, simultaneamente, propósitos académicos e propósitos práticos. Faz mais sentido usar a primeira formulação quando comparamos ordens jurídicas culturalmente muito distantes entre si, reservando a segunda para casos em que estejamos a comparar ordens jurídicas culturalmente próximas: ao comparar ordens distintas, podem não ser encontrados institutos jurídicos afins que sirvam de objeto à comparação (é difícil comparar o Direito português com o Direito argelino no que toca à adoção, dado que o argelino não permite a adoção, prevendo um instituto diferente – kafala: os Direitos são comparáveis, não quanto ao instituto de adoção, mas quanto às soluções encontradas numa e noutra para assegurar a segurança das crianças órfãs). FUNÇÕES DO DIREITO COMPARADO O Direito Comparado contribui para a formação dos juristas e para a realização prática do Direito = funções do Direito Comparado. De que modo se exercem as contribuições do DC? Contributos do DC para: Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de outubro de 2007, proferido no processo n.º 10602/2005-2 “A possibilidade de qualquer dos cônjuges obter a dissolução do casamento por sua única vontade, sem invocação de qualquer motivo, não está consagrada na lei portuguesa. Porém, não é vedada pela Constituição e tem sido defendida por alguns sectores da sociedade portuguesa, ganhando aqui relevo o projeto de Lei nº 232/X, apresentado pelo Bloco de Esquerda. (…) Na exposição de motivos daquele projeto dá-se conta de ordenamentos jurídicos europeus em que se admite esta modalidade de divórcio (Suécia – Lei de 14 de maio de 1987 e, recentemente, Espanha – Ley 15/2005, de 8 de Julho)”. b) Utilidade do DC quando estamos perante a interpretação e aplicação de normas de Direito estrangeiro por tribunais nacionais • Aquando da aplicação de normas de conflito, é determinada como lei competente um Direito diferente do português, fazendo com que o interprete português tenha de interpretar o Direito estrangeiro “dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas” – conhecimento substancial da ordem jurídica estrangeira. Artigo 23.º - Código Civil (Interpretação e averiguação do direito estrangeiro) 1. A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas. 2. Na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável, recorrer‐se‐á à lei que for subsidiariamente competente, devendo adotar-se igual procedimento sempre que não for possível determinar os elementos de facto ou de direito de que dependa a designação da lei aplicável. c) Quando em causa está a procura, em ordenamentos jurídicos estrangeiros, de vias possíveis de reforma de leis nacionais • Útil para a politica legislativa: na preparação de qualquer projeto ou proposta de diploma legal que introduza alterações significativas ao regime em vigor, é importante conhecer as experiências levadas a cabo noutras doutrinas (não para copiar, mas para aprender com erros e aferir a viabilidade das soluções). APLICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO NO PLANO INTERNACIONAL No plano internacional, o Direito Comparado contribui para a interpretação, aplicação e desenvolvimento do Direito por diversas vias, por exemplo: a) Contribui para a aplicação do Direito nos processos de uniformização e harmonização de Direitos: O Direito Comparado facilita a cooperação entre os Estados e a promoção da segurança jurídica nos negócios internacionais. Permite perceber quais as áreas em que não é possível a uniformização ou harmonização das legislações de diferentes Estados (para não propor como Direito uniforme ou regras mínimas soluções jurídicas muito distantes, que levaria a bloqueios nas negociações). • Processos de harmonização de Direitos: procuram apenas aproximar os regimes jurídicos adotados nas diferentes ordens jurídicas estaduais Exemplo: Convenções de Direito uniforme e Diretivas da União Europeia - ato legislativo que fixa um objetivo geral que todos os países da UE devem alcançar. Contudo, cabe a cada país elaborar a sua própria legislação para dar cumprimento a esse objetivo. • Processos de uniformização de Direitos: o Direito Comparado é necessário para a negociação de qualquer acordo internacional bilateral ou multilateral Exemplo: as convenções de Direito uniforme do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT). b) Os contributos do Direito Comparado nas ações de cooperação jurídica internacional: Os conhecimentos de Direito Comparado permitirão um melhor diálogo e colaboração entre os juristas dos Estados participantes nas ações de cooperação jurídica: permitem conhecer a realidade e valores jurídicos do Estado com o qual estão a cooperar; permitem melhor diálogo e colaboração entre os juristas que integram os grupos de trabalho; permitem a adequação da atuação dos cooperantes e a proposta de soluções jurídicas adequadas aos valores do Estado com o qual estão a cooperar. c) Os contributos do Direito Comparado na assessoria jurídica a empresas multinacionais e na negociação e interpretação de contratos internacionais A comparação de ordens jurídicas serve para saber quais oferecem as melhores condições de investimento. d) Os contributos do Direito Comparado na participação em litígios dirimidos perante tribunais internacionais (Tribunal Internacional da Justiça e TEDH) e perante tribunais arbitrais internacionais Nestes casos, os advogados e juízes necessitam de estar familiarizados com o Direito internacional aplicável, com o Direito de ordens jurídicas envolvidas no conflito e, ainda, no Direito de Estados não diretamente envolvidos. Exemplo: aplicação do Direito de Singapura à resolução de conflitos emergentes de contratos de exploração petrolífera no Mar de Timor. AVISO PÚBLICO-TRATADO DO MAR DE TIMOR publicado no Diário da República de Timor-Leste, Série I, N.° 14 de 6 de Abril de 2008 “Resolução de Lítigios Em caso de disputas entre as partes do PSC 06-102, e na eventualidade de não poder ser resolvida amigavelmente, recorrer- se-á a arbitragem em concordância com as regras da Câmara de Comércio Internacional. O lugar da arbitragem é Singapura e as leis aplicáveis serão as leis da Inglaterra.” e) Os contributos do Direito Comparado na identificação, por tribunais internacionais, de princípios jurídicos comuns a diferentes ordens jurídicas Para a identificação de princípios jurídicos comuns a ordens jurídicas diferentes é necessário que se comparem as ordens jurídicas estaduais. O Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, anexo à Carta das Nações Unidas, de 1945, manda aplicar à resolução das controvérsias submetidas ao Tribunal Internacional de Justiça os princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas, e para que conheça tais princípios precisa de comparar as ordens jurídicas destas nações civilizadas. A comparação pode concluir que não existem princípios comuns sobre dada matéria e condicionar a extensão da intervenção do tribunal internacional. Exemplo: o caso Leyla Sahin contra a Turquia, demonstra que os juízes e os árbitros têm de conhecer o Direito Internacional aplicável e os Direitos nacionais de diferentes Estados, e demonstra ainda que quando não existem princípios comuns, condiciona-se a intervenção do tribunal internacional. Leyla Sahin, cidadã turca, foi impedida de prosseguir os seus estudos de medicina na Universidade de Istambul por se recusar a cumprir as regras internas que proibiam o uso do véu islâmico nas instituições. Assim, perante o TEDH, alegou que esta proibição constituía uma interferência injustificado no seu direito à liberdade religiosa (direito de manifestar religião) e que ao fazer depender a prossecução dos seus estudos do seu abandono do véu e ao recusar-lhe o acesso as instituições educativas, o Estado turco violara o seu direito à instrução. Partes do conflito: as regras definidas pela Universidade de Istambul constituíam uma restrição ao direito de Leyla Sahin a manifestar a sua religião; os argumentos do Governo turco segundo os quais a restrição era legitima por ter sido imposta para salvaguardar os direitos e as liberdades de outros. Desenvolvimento: - nos parágrafos 55 e 56 do acórdão, o TEDH apresenta uma síntese comparativa que dá vida ao argumento do governo turco: o uso dos símbolos religiosos é regulado de diferentes formas pelos Estados Parte da CEDH. As autoridades nacionais têm um papel decisivo na regulação do uso de símbolos religiosos nas instituições de ensino (são elas quem conhecem melhor as especificidades do contexto nacional). Conclusão: o TEDH resumiu-se a verificar se a proibição do uso do veu islâmico na Universidade se justificava em sede de principio e se respeitava o principio da proporcionalidade – a proibição prossegue um fim legitimo e é proporcional, sendo que a liberdade religiosa e o direito à instrução de Leyla não foram violados. 2. GLOBALIZAÇÃO E PLURALISMO JURÍDICO Conjunto de processos económicos, políticos, sociais e culturais multifacetados, desiguais e, por vezes, contraditórios. GLOBALIZAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL Apesar da crescente ideia de americanização do mundo e da ideia de uma aldeia global, onde todos usam jeans, comem hambúrgueres e tem amigos na internet, a globalização não diminuiu a diversidade cultural. É verdade que se aproximam os povos, mas isso não se traduz no abandono das características culturais especificas. Uma tendência geral contemporânea é o oposto, é uma resistência anti-hegemónica ao modelo de vida ocidental – glocalização. Não a diminui, como a torna mais percetível: as diferenças entre os diversos sistemas de valores, crenças e religiões acentuaram-se. DIVERSIDADE CULTURAL E PLURALISMO JURÍDICO A diversidade cultural traz consigo o pluralismo jurídico: a existência de uma multiplicidade de fontes, formas de conceber e praticar o Direito. A persistência do pluralismo jurídico em tempos de globalização contraria expectativas de homogeneização das regras de comércio e a harmonização de todos os tipos de regras jurídicas, graças à globalização. TRANSPLANTES JURÍDICOS E IMPLANTES ÉTNICOS Os transplantes jurídicos consistem na aplicação de soluções jurídicas ocidentais no resto do mundo. Os implantes étnicos consistem na “importação, para as ordens jurídicas ocidentais, de normas e práticas jurídicas africanas e asiáticas trazidas pelos imigrantes dos seus países de origem”. PLURALISMO JURÍDICO INTERESTADUAL (entre tradições ou famílias jurídicas, entre Estados pertencentes a uma mesma família) No plano internacional, apesar dos esforços de harmonização e uniformização de Direitos, e apesar dos transplantes jurídicos, continuam a existir várias famílias jurídicas e sistemas jurídicos com características muito diferentes entre si. Os transplantes jurídicos serviram para uma maior e mais complexa pluralidade de Direitos com a criação de ambientes jurídicos multiétnicos e a multiplicação de sistemas jurídicos híbridos. PLURALISMO JURÍDICO INTRAESTADUAL (no interior dos próprios Estados) Em virtude dos implantes étnicos, operados com a globalização e migrações internacionais, vemos florescer normas fundadas nos valores, crenças e religião trazidas pelos imigrantes (sistemas normativos de diferentes origens, no mesmo Estado). Com os implantes étnicos, os imigrantes africanos e asiáticos adaptam-se aos valores e práticas das sociedades de acolhimento, mas sem abandonar os da sua cultura de origem: surgem os quadros normativos híbridos, baseados em conceitos e valores africanos ou asiáticos, numa miríade de combinações possíveis. ECONÓMICA POLÍTICA SOCIAL CULTURAL dispersão dos locais de produçao, interdependência dos mercados financeiros internacionais, fluxos de informação emergência de novos atores políticos (multinacionais e ONG), diluição da fronteira entre assuntos internos e externos dos Estados disseminação de modelos de produção e de padrões de consumo próprios de certos contextos emergência de uma cultura global partilhada pelas elites de todo mundo e marginalização de muitas culturas locais Porém, esta modernização fracassou, pois persistiu a regulação de vidas pelas normas costumeiras e o recurso às instâncias tradicionais na resolução de conflitos. Isto demonstra a debilidade do Direito legislado, das leis estaduais, produto de importações mecânicas de quadros normativos estrangeiros que desatendem as especificidades locais. ACOMODAÇÃO DO COSTUME NO QUADRO DE ORDENS JURÍDICAS ESTADUAIS Os líderes africanos e asiáticos reconheceram a força do costume, e tentaram acomodá-lo no quadro de ordens jurídicas estaduais. Em Timor Leste surgiram várias dificuldades na tentativa de elaboração de um projeto de lei sobre o funcionamento das instâncias de justiça tradicional timorense e a sua articulação com o sistema judicial formal, ainda hoje sem resultados. Já em Angola e Moçambique, o quadro afigura-se diferente, e as tentativas de articulação entre o Direito oficial e o costume não se traduzem num reconhecimento indiscriminado das normas e instituições costumeiras. A lei continua a deter primazia, mas na prática, muitas normas costumeiras contrárias à lei continuam a ser seguidas pelas populações (fosso entre lei nos livros e lei na ação). A DISCUSSÃO E A AUTONOMIZAÇÃO DE UMA FAMÍLIA JURÍDICA LUSÓFONA As famílias jurídicas mais comummente identificadas nos manuais de Direito Comparado são a família jurídica ocidental (subsistemas romano-germânico e anglo-saxónico), a família jurídica islâmica, os Direitos africanos, o Direito hindu e o Direito chinês. Tem-se discutido a eventual autonomização de uma família jurídica lusófona, fruto da influência exercida pelo Direito português sobre as ordens jurídicas dos países de língua oficial portuguesa, sobretudo países africanos de língua portuguesa (Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe) e Timor-Leste. A existência de uma matriz jurídica e judicial lusófona é assumida pelo discurso oficial do Estado português, que vê um património evidente para a cooperação portuguesa e uma área de trabalho indispensável para o desenvolvimento económico destes países. A doutrina também é influenciada pela CRP de 1976, que se reflete sobre muitas das formulas adotadas pelas Constituições dos países de língua portuguesa, em cuja elaboração intervieram juristas portugueses e formados em Portugal. INFLUÊNCIA NO BRASIL No que respeita ao Brasil, é comum observar que o contacto entre o Direito Constitucional português e o Direito Constitucional brasileiro vem de muito longe. INFLUÊNCIA NOS ESTADOS AFRICANOS A queda do bloco soviético, bem assente nos Estados africanos (marxismo-leninismo), determinou o inicio de uma segunda fase, com novas Constituições ou Constituições substancialmente revistas, todas elas bem marcadas pelo Direito constitucional português. ARGUMENTOS A FAVOR Jorge Bacelar Gouveia questiona se o relacionamento que se estabelece entre o sistema jusconstitucional português e os outros sistemas jusconstitucionais lusófonos será suficiente para justificar a formação de uma família jusconstitucional de matriz portuguesa. A sua conclusão é de caráter positivo, tem confiança de que a teia de semelhanças e influências recíprocas permite descortinar uma família lusófona de Direito Constitucional. Paulo Canelas de Castro fala em “alma normativa comum da CPLP” (para designar os princípios comuns consagrados pelos textos constitucionais ou legais dos seus Estados membros) e fala num ius publicum lusófono. Maria Lúcia Amaral considera existir, no espaço formado pelos países de língua oficial portuguesa, algo que pode designar- se como um jus commune do domínio do Direito Constitucional, que não implica a vigência de um único Direito, mas implica pelo menos o estabelecimento de uma linguagem cientifica comum. Muitos sublinham que os pontos comuns entre as ordens jurídicas lusófonas não são fruto do mimetismo acrítico do modelo português, mas resultam de verdadeiro diálogo e influências recíprocas. ARGUMENTOS CONTRA A respeito dos transplantes jurídicos do Ocidente para o resto do mundo, as semelhanças formais não devem deixar cair no esquecimento as múltiplas possibilidades e diversidades de desenvolvimento das ordens jurídicas recetoras, por ação dos órgãos de soberania nacionais e por interação com as normas de Direito consuetudinário. Os Direitos tradicionais em África e em Timor-Leste mantêm um peso muito significativo, pelo que a efetividade dos transplantes é posta em causa. Este é o aspeto decisivo na avaliação da eventual decisão de existência ou não de uma família jurídica lusófona: a inegável influência exercida pelo Direito português sobre as ordens jurídicas dos países de língua portuguesa explica-se pela cooperação no ensino universitário de Direito, na formação de magistrados e na produção legislativa, que facilita a interligação de Direitos. No entanto, não tem sido capaz de eliminar as conceções jurídicas profundas dos povos da África lusófona e de Timor-Leste refletivas no Direito costumeiro e alheias ao Direito oficial importado de Portugal. Dário Moura Vicente defende uma resposta negativa à criação de uma família jurídica lusófona, justificando: a) O direito vigente nos países lusófonos, ainda que com características particulares, não traduz uma conceção própria de direito. b) Existem compromissos dos diversos estados que que são forças poderosas em sentido contrário, nomeadamente a pertença de Portugal à União Europeia, a pertença do Brasil à Mercosul, assim como a sua proximidade geográfica aos EUA, com significativas influencias no direito publico, a pertença dos países africanos de língua portuguesa a diversas organizações, como a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental ( CEDEAO), A União Económica e Monetária Oeste – Africana (UEMOA) e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). c) nos países africanos o direito consuetudinário assume uma importância que em Portugal não existe, sendo muitas vezes adotado pelas populações em detrimento dos direitos oficiais. 4. SUBSISTEMA ROMANO- GERMÂNICO DA FAMÍLIA JURÍDICA OCIDENTAL (CIVIL LAW) O subsistema romano-germânico engloba a maioria dos países da Europa Ocidental (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Holanda, Itália, Portugal, Suécia) e, desde o fim da guerra fria, engloba também os países da Europa Oriental (Bulgária, Hungria, Polónia, República Checa, Roménia). Características fundamentais deste subsistema estão também presentes nos territórios colonizados pelos países europeus a partir do século XVI – países africanos, aisáticos e latino-americanos. ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DO CIVIL LAW É comum analisar as características estruturantes do subsistema romano-germânico por referência ao Direito francês ao Direito alemão, e por referencia à ordem jurídica dos destinatários das lições, neste caso portuguesa. FATORES HISTÓRICOS QUE EXPLICAM AS CARACTERÍSTICAS ESTRUTURANTES DO SUBSISTEMA ROMANO-GERMÂNICO RECEÇÃO DO DIREITO ROMANO PELAS UNIVERSIDADES EUROPEIAS NO SÉCULO XI O Direito Romano constitui a matriz fundadora do subsistema, e os países que o integram são aqueles que receberam os respetivos sistemas jurídicos do Direito Romano. O Direito Romano cuja influência explica as características do subsistema não é o Direito vivido nos primeiros séculos do Império, mas sim o Direito Romano compilado, já depois da queda do Império Romano do Ocidente, por ordem do Imperador Justiniano. Com o Corpus Iuris Civilis de Justiniano, o Direito Romano de fonte legal e jurisprudencial foi transmitido às gerações futuras sob forma “codificada”, sendo este Direito codificado o objeto de estudo das universidades europeias, a partir de XI. REVOLUÇÃO FRANCESA DE 1789 A Revolução Francesa de 1789 é tratada como a revolução da liberdade, símbolo do triunfo dos ideais liberais e democráticos, ainda que tenha sido antecedida por outras revoluções libertárias (Glorious Revolution de 1688 e a Revolução Americana de 1776). A Revolução Francesa representou um corte radical com o Antigo Regime, que vai fazer cair as velhas estruturas de privilégios e lançar as bases para a edificação de sistemas jurídicos assentes na vontade geral da nação e protegidos contra abusos do poder. A influência da Revolução Francesa serve como fator de explicação das características do subsistema pois designa a supremacia da lei (expressão da vontade geral) e a subordinação da jurisprudência à condição de mera fonte mediata, sem eficácia normativa (fruto da desconfiança causada pelos abusos do poder dos tribunais no Antigo Regime). A influência também remete para o plano metodológico, na medida em que a realização prática do Direito foi reduzida a uma operação lógica de aplicação, por dedução, de uma norma geral e abstrata a um caso concreto. A solução para os concretos litígios em tribunal passou a ser procurada nas disposições previamente fixadas pelo legislador. MOVIMENTO DE CODIFICAÇÃO INAUGURADO NO SÉCULO XIX O movimento de codificação, motivado pelo Corpus Iuris Civilis de Justiniano, Direito Romano de fonte legal e jurisprudencial sob forma codificada, e pela centralidade atribuída à função legislativa na sequencia da Revolução Francesa, foi inaugurado com o Código Civil de Napoleão de 1804, disseminado na europa no século XIX. Esta é uma característica distintiva do subsistema até hoje. A codificação é a compilação sistemática, sintética e cientifica de normas legais relativas a um determinado ramo do Direito, que tem por objetivo concentrar num mesmo texto legal todas as normas relativas ao ramo do Direito em causa e facilitar a sua divulgação junto das populações. FONTES DE DIREITO O problema das fontes de Direito é tratado de forma semelhante em todos os países que integram o subsistema romano- germânico, com diferenças de pormenor. Todos dão primazia à lei. A LEI Todos os países dão primazia à lei, ou seja, às “disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes”. A lei é, simultaneamente, o modo normal de criação de normas jurídicas e a fonte hierarquicamente superior que sempre prevalecerá em caso de contradição entre as suas disposições e o disposto pelas demais fontes de Direito. Em suma, a função legislativa corresponde à principal fonte criadora de Direito. Vale a pena, agora, atentar no modo como esta se relaciona com as demais fontes. A LEI E O COSTUME O costume é a “prática social constante acompanhada do sentimento ou convicção de obrigatoriedade da norma que lhe corresponde”, que desempenha um papel diminuto na regulação das interações sociais contemporâneas (a lei cobre quase tudo) e que só é admissível quando não contrarie disposições legais. Nos termos da comparação entre o Direito alemão, francês e português, concluímos que: ― Mais valorizado na Alemanha, fruto da influência da Escola Histórica de Savigny (para quem o costume era a mais importante fonte de Direito) e da influência da interpretação do artigo 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil (“qualquer norma jurídica vale como lei”). ― O costume é alvo de desfavor em França e em Portugal: • França – resulta da circunstancia de a lei de aprovação do Código Civil francês de 1804 ter revogado todos os costumes gerais e locais anteriores; • Portugal – resulte do facto de o Código Civil português de 1966 ter excluído o costume do elenco de fontes de Direito. Apesar disto, tanto o CC francês como o português contêm disposições que referem expressamente o costume, o que implica o reconhecimento do seu caráter de fonte de Direito. A LEI E A JURISPRUDÊNCIA
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