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Direito Constitucional - Resumos - Primeiro Teste, Notas de aula de Direito Constitucional

Direito Constitucional Resumos do primeiro teste Portugal

Tipologia: Notas de aula

2021

Compartilhado em 31/03/2021

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iambigvdm 🇵🇹

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Baixe Direito Constitucional - Resumos - Primeiro Teste e outras Notas de aula em PDF para Direito Constitucional, somente na Docsity! Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 1 Direito Constitucional Licenciatura em Direito 1.º Ano – 1.º Semestre Universidade do Minho Bárbara Inês de Matos 2020/2021 Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 2 A Constituição como Ordem Em sentido mais amplo, vasto e menos preciso - Antigo A constituição é a ordem fundamental de uma comunidade política (definição que nos remete desde a antiguidade clássica até ao século XVIII). → Péricles, segundo a Tucídides, empregou a palavra constituição como sendo um estilo de vida “que serve os interesses da maioria”. → A Constituição, no termo grego, era Politeia, a estrutura real da comunidade política. Antes do ponto de viragem política que foi o movimento iluminista, a ordem fundamental não era revelada/decretada por nenhum documento escrito com autor e data identificados. A constituição ia-se formando e transformando através de hábitos, tradições e hierarquias justificadas pela crença religiosa, sem intenção reguladora ou prescritiva. O Homem ocupava um lugar fixo, muito pouco suscetível de ser alterado. Definição Clássica de Comunidade Política → Associação de um conjunto de seres humanos (seres sociais e que necessitam de estabelecer relações com o seu semelhante) no contexto do Fenómeno Político. → Só na comunidade política é que se permitia a realização da totalidade de fins e de anseios vitais, como a subsistência, o trabalho e a criação. Em sentido restrito, concreto e mais preciso - Moderno A constituição é a ordem jurídica fundamental do Estado, que estabelece as regras basilares em relação à organização do poder político, tendo um elenco amplo no que toca a direitos, liberdades e garantias do cidadão. → As comunidades políticas tomam a forma e designação de Estado. → A ordem fundamental não é sedimentada pela tradição ou imposta por uma só pessoa ou grupo. A ordem é estatuída por uma lei - a constituição. → Sistematização de 3 questões vitais para a criação da ordem fundamental, texto escrito e decretado pela autoridade que arroga o mais intenso dos poderes, o Poder Constituinte: Quem exerce o Poder Político? | Quem pertence ou não à comunidade? | Quais os valores fundamentais pelos quais a vida coletiva se deve guiar? Assim que o homem começou a ocupar um lugar no centro do universo, a ser o artífice de si mesmo e dotado de racionalidade, as constituições estariam, por ali adiante e graças às revoluções liberais, à disposição da sua vontade. Desta maneira, a constituição passou a estar contemplada num documento escrito, adotado por uma autoridade ou poder, num espaço e tempo bem identificados, não estando limitada a dizer o que a comunidade é, pois adiciona-se a ambição de determinar como é que ela deve ser (intenção prescritiva). Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 5 → O Estado é um pressuposto da Constituição, e dela depende a forma que o Estado vai adquirir (democrático, liberal, autoritário). Estado “O Estado é o ente social que se forma quando, num território, se organiza juridicamente um povo que se submete à vontade de um governo.” → O Estado é toda a comunidade politicamente organizada. → 3 elementos integrantes de um Estado: POVO, TERRITÓRIO E PODER POLÍTICO. Artigo 4º (Cidadania portuguesa): São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional. Artigo 5º (Território): Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Artigo 3º (Soberania e legalidade): A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição. → Toda a comunidade política necessita de uma ordem fundamental, e aquelas que responderem às 3 questões vitais são dotadas de uma certa ordem. No mundo contemporâneo, essas comunidades tomam a forma e designação de Estado. Indissociabilidade do Conceito de Soberania Artigo 1º - Portugal é uma República Soberana. A palavra soberania decorre do processo de centralização progressiva do poder nas mãos do rei, o soberano. A palavra soberania tem dupla função: → Portugal é uma República Soberana – aceção que aparece como um qualificativo do Estado, sendo este autodirigido, independente dos outros Estados e de poderes que lhe sejam exteriores. Um Estado soberano é um corpo coletivo que se assume como um ser autodeterminado, com vontade própria. → A soberania nacional reside no povo – aceção enquanto critério de identificação que determina que soberano é aquele que detém, em última instância, na ordem interna, a titularidade do poder político. Relevância do Processo de Centralização Progressiva da Autoridade Política no Monarca Absoluto → A primeira declinação do processo de formação do Estado moderno deu-se com a emergência do Estado absoluto, em que a autoridade foi progressivamente centralizada nas mãos do rei, que exerce a sua soberania sozinho. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 6 → Este processo de centralização monárquica foi como que uma estratégia para a solidificação do Estado Moderno, que surgiu como reação a esta concentração absolutista do poder. → No entanto, com o surgimento de constituições escritas, o Estado Moderno passou a ser um Estado limitado pelo Direito, um Estado Constitucional, que devolve a titularidade da soberania ao povo, à nação. Constituição como Norma Conceito de Norma A constituição é como um corpo de normas, dotadas de especial de força - porque se entende que é uma lei superior e, por isso, tendo essa força significa que todas as outras normas devem obediência à constituição. → Estas normas têm um caráter especial – todos os preceitos impõem ou proíbem uma conduta, há um caráter normativo, e se não forem cumpridas estamos perante uma inconstitucionalidade. → As normas constitucionais estão intimamente ligadas com os valores centrais do ordenamento político. Desta forma, elas têm natureza de princípio, podendo ser abstratas, mais difíceis de concretizar. → Ou seja, são comandos abertos à pluralidade de interpretações, não dão uma resposta automática, o seu sentido pode-se apreender quando confrontado com um caso concreto. → Densificadas pela Jurisprudência do TC. → Carácter Jurídico-Normativo (cf. Ac. TC 509/2002). → Ex: Artigos 1º, 2º, 13º. 20º, 266º. Diferentes das normas constitucionais, temos as normas-regras: → Normas que traduzem em comandos concretos, diretamente aplicáveis. → Normas a que os destinatários devem obediência, com risco de serem sancionados caso desobedeçam. → Ex: Código da Estrada, Constituição (Art. 133, 164, 165 – competências absolutas) Distinção entre regras e princípios → Grau de Abstração – Regras são concretas, normas-princípios são abstratos, carecem de densidade. → Grau de Determinabilidade – As regras estão claras, dispostas num texto através do qual percebemos o que se retira delas. Os princípios não gozam de determinabilidade, têm de ser intensificadas para percebermos o que resulta delas. → Caráter de Fundamentalidade – As regras estão menos ligadas aos valores fundamentais, são menos importantes do ponto de vista dos valores. Os princípios (igualdade, Estado de Direito) são dotadas de maior fundamentalidade, mais ligadas a valores essenciais de uma determinada ordem jurídica. → Natureza Normogenética – As normas-princípio podem gerar outras normas ou princípios. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 7 Ideal Racional-Normativo O fundamento da liberdade assenta na racionalidade das escolhas que se fazem. → A Constituição que ordena a vida coletiva através de um ato de vontade que resulta do exercício de um poder constituinte é uma Constituição de Liberdade. → É uma forma jurídica que aspira a um fim – regular a vida da comunidade política de modo a que o poder que nela se exerça seja um poder limitado pelas suas próprias normas. Núcleo Duro da Constituição A Constituição tem duas aceções: → Formal – Constituição como a Lei Fundamental de um Estado, onde estão inseridas regras formalmente constitucionais. → Material – Regras materialmente constitucionais, relacionadas ao poder, quer esteja no texto constitucional ou fora dele. Justificam a forma, o conteúdo, a matéria da constituição. As técnicas jurídicas de limitação do poder pelo Direito são fundamentalmente duas: → Parte Subjetiva: Consagração de um amplo elenco dos direitos das pessoas para que estas se possam defender de uma possível invasão feita pelo Estado. → Parte Orgânica: Organização das instâncias de autoridade para que esta nunca possa ser exercida por apenas uma pessoa ou grupo. Estas técnicas coincidem com: → Bill of Rights e Frame of Government. → Componentes da Constituição Francesa: a garantia dos direitos individuais e a separação dos poderes. Funções de uma Constituição Funções Clássicas Responder às 3 Questões Fundamentais: → Quem é o Povo? → Qual é o Território? → Quem detém o Poder Político? Funções Modernas → Permanência das funções clássicas. → Estabilizadora (normas basilares estabilizam relações sociais e políticas). → Organização do poder político (prescrição dos centros de poderes e dos seus equilíbrios + descrição do modo de ser de uma comunidade + legitimação do poder). → Estatuto jurídico do cidadão (conjunto direitos e deveres que definem cidadão). Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 10 Segundo Postulado – Forma da Constituição → Constituição escrita que seja resultado da decisão soberana do povo, um pacto entre os membros. Terceiro Postulado – Legitimidade dos Poderes → Só são legítimos quando exercidos de acordo com o título que lhes confere a constituição, se exercidos à margem, tornam-se ilegítimos. Quarto Postulado – Pertença → Título que determina a pertença ou não pertença de alguém à comunidade política, conferido pela condição, igual para todos, de cidadão. Quinto Postulado – Valores Fundamentais → Direitos do Homem sobrepõem-se a qualquer outro valor, poder político deve respeitá-los. Sexto Postulado – Laicização do Estado → Separação, rutura total entre o poder político e o poder religioso. Sétimo Postulado – Separação dos Poderes → Não devem estar concentrados num único órgão, separação equilibrada e racional do poder político por diversos órgãos. Oitavo Postulado – Supremacia da Lei → O mais importante dos poderes é o legislativo, a cargo de um parlamento ocupado por titulares eleitos que representam a vontade soberana. Nono Postulado – Princípio da Maioria → Decisões políticas devem corresponder à vontade da maioria. Dificuldades de Realização do Constitucionalismo Moderno e a sua Superação Cada um destes postulados tem o seu oposto, um postulado contrário, que acentua as contradições ou ambiguidades. Vontade VS Natureza → O homem, colocado no centro do universo, por influência do antropocentrismo, tem poder de decisão, a sua vontade e a sua racionalidade vão permitir o exercício político. → A ideia de obediência a algo transcendente cai por terra. Os homens obedecem a outros homens por vontade própria, de forma voluntária. → Correlação com o sexto postulado: emancipação do Estado, mundano, face ao poder religioso, fundamento na divindade. → Princípios fundamentais que ordenam a vida numa comunidade têm de ser estabelecidos segundo a ideia de que Deus não existe, para permitir a liberdade religiosa, a independência estatal. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 11 → Artificial – Matriz Contratualista-Voluntarista: O direito e a comunidade organizada advêm de um contrato, de uma vontade, mas mais vantajoso do que a vida num estado de natureza, onde cada um se rege pela sua própria lei. → Natural – Matriz Aristotélica: O direito surge naturalmente, é algo intrínseco, porque o homem é “um animal político”. A sociabilidade política faz parte da nossa natureza. Constituição Escrita VS Constituição Histórica → Conceção Formal: A Constituição é escrita, impõe-se por um ato de vontade. → Conceção Histórica: A Constituição vai-se sedimentando com o tempo, resulta da história, dos acontecimentos, das circunstâncias. É algo que se vai fazendo, nunca simplesmente se faz. Soberania Popular VS Princípio Monárquico → Razão e Tradição opõem-se num conflito entre a emergência das pretensões de soberania popular e a tentativa de o princípio monárquico não cair em esquecimento perante estas. → Parlamento VS Poder Régio. Comunidade de Indivíduos VS Cidade de Burgueses → Ideal de governo limitado e moderado para fins de garantia dos direitos do individuo, que é livre e igual, é a primeira rutura face à tradição de pensamento. → O constitucionalismo moderno vem trazer direitos consagrados numa conceção egoísta, individualista, alheia à sociabilidade, à comunidade como um todo, como um grupo. Primado Estável da Lei VS Supremacia Instável do Poder Constituinte → A soberania da nação é instável na medida em que a vontade do povo varia de geração em geração. → O direito a escrever uma constituição poderá ser considerado um exercício balizado pelo espaço temporal, que se esgota. → Paradoxo: Soberania do povo ou soberania do direito escrito em nome do povo? Soberania de que direito escrito? Aquele que é produto do poder constituinte ou aquele direito oriundo do poder constituído? Há, portanto, um grande mar de problemas na concretização deste programa do constitucionalismo moderno. Porém, os diferentes constitucionalismos europeus encontraram respostas e soluções para todas estas tensões. Enquanto Técnica e Prática Jurídica: Tradição Anglo-saxónica e Mundo Europeu Continental → A Inglaterra nunca escreveu uma constituição desde que começou a viver o constitucionalismo. A sua prática sedimentou-se sem recorrer a uma Constituição escrita por um poder constituinte. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 12 → Os EUA, por sua vez, vivem sobre um texto constitucional escrito, em 1787, com 7 artigos e 27 aditamentos, que se tem moldado mediante as exigências da vida. → Na Europa, após as revoluções liberais, sucederam-se vários textos constitucionais, e a título de exemplo, temos a França (+14), Portugal (6), Alemanha (3), Itália (2). → A partir da segunda metade do século XX, reina a uniformidade entre as leis fundamentais. Constitucionalismo Britânico → Detentor de uma matriz jurídico-historicista. → A prática constitucionalista foi sendo adotada pela ação, pelo costume e pela interpretação jurisdicional. → O seu momento fundador não tem uma data exata, mas faz-se através de um longo ciclo histórico. → Revolução Gloriosa - vitória das pretensões parlamentares: poder da coroa tem de jurar o Bill of Rights e partilhar o poder, sendo o poder parlamentar mais decisivo, aquele que toma as grandes decisões, pois é o representante dos direitos individuais. → O constitucionalismo moderno foi-se construindo, tal como a ideia da moderação, limitação, controlo do poder político, que deve respeitar os direitos individuais. Constitucionalismo Norte-Americano A revolução americana de 1776 visava obter a independência das 13 colónias face à “mãe- pátria”, consagrada na Constituição de 1787, que funda os Estados Unidos da América. Tal só foi possível depois da vitória dos federalistas, que defendiam a agregação dos diferentes estados e o impedimento de um poder central imoderado, contra os antifederalistas, que consideravam que a qualidade da república não poderia ser concretizada num espaço tão vasto, onde a cisão entre governados e governantes era, para eles, previsível. A Constituição de 1787: → Não há declaração de direitos, apenas o Frame of Government. → Pode considerar-se incompleta por apenas tratar da organização do exercício dos poderes políticos. Bill of Rights de 1791: → Adição de 10 aditamentos à Constituição, que regulavam o que é que a lei não podia fazer, pois os cidadãos eram tidos como livres e iguais. → São os 10 direitos fundamentais criados para limitar a atuação federalista. Judicial Review of Laws: → A eficácia da constituição dependeu da atuação deste controlo jurisdicional das leis. → Consiste na existência de um poder que cada um dos juízes tem de verificar a constitucionalidade das leis e, não menos importante, um dever de recusar a aplicar determinada norma se esta padecer de inconstitucionalidade. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 15 Constituição de 1976 A Constituição de 1976 surge na sequência da Revolução de 25 de abril de 1974. Até ao momento, é a mais longa constituição portuguesa que alguma vez entrou em vigor. Na sua origem, a Constituição tinha um forte pendor socializante, arrefecido nas sucessivas revisões constitucionais. → É vasta e complexa. → O MFA propôs a eleição por sufrágio universal, direto e secreto de uma Assembleia Constituinte. → Admite órgãos de soberania composto por militares – o Conselho da Revolução -, mais tarde extinto aquando da primeira revisão constitucional. → Possui um elenco de direitos fundamentais muito desenvolvidos (liberdade, direitos dos trabalhadores, direito à participação política, direitos sociais, etc.) Unitextual O Direito Constitucional Formal está contido num único texto. Tudo o que é constitucional em termos formais está na constituição. → Por um lado, não há leis de emenda constitucional fora do próprio texto constitucional (caso haja a pretensão de uma alteração, a mesma dá-se na própria constituição). → Por outro lado, esta unitextualidade implica que não existam outros textos de valor constitucional formal ao lado da CRP, nenhum outro diploma tem esta relevância do ponto de vista formal. → No entanto, a Constituição enquanto estrutura normativa também está rodeada por outras normas com relevância constitucional material. → DUDH (1948), Direito da UE (Art 8º, Nº4), Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Rígida Há uma resistência à derrogação normativa, ao afastamento das normas do texto constitucional previstos nos artigos 288º e 289º da CRP. → O objetivo é garantir que a identidade da CRP permaneça intacta, inalterada. → Assim, estabelecem-se limites na ordem da Revisão Constitucional, que têm de ser cumpridos. Pragmática A Constituição é pragmática, isto é, estabelece aquelas que são chamadas normas fim/ normas tarefa. → Definem linhas orientadoras, de ação, dirigidas ao Estado. → A CRP não se limita a identificar os órgãos. Demonstra como estes devem atuar (Art. 9º remete para o Art. 81º) e quais os fins a atingir. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 16 Compromissória Há um pacto entre forças políticas e sociais. Em concreto, procura-se um compromisso entre um princípio liberal (de não intervenção) e um socialista (de intervenção), daí dizer-se que a CRP é compromissória. Pode ainda dizer-se que é compromissória a unidade do Estado e a Autonomia Regional/Local. Código Binário de Continuidade/Descontinuidade O Direito Constitucional pode ser aferido a partir da sua continuidade ou descontinuidade. O DCP é marcado pelos seus momentos de rutura entre textos constitucionais. Há tradições constitucionais, memórias mantidas ao longo dos anos. No entanto, as descontinuidades superam as tradições encontradas nos textos constitucionais, que vão sendo distintas. Ponto de Vista Formal Existe continuidade quando uma ordem constitucional que sucede uma outra se reconduz jurídica e politicamente à anterior. Existe, por sua vez, descontinuidade quando a nova ordem jurídico-constitucional entra em rutura com a que lhe antecede. Em Portugal, há a descontinuidade. Ponto de Vista Material – 2 Critérios Quanto à legitimidade do poder constituinte: → Existirá continuidade em sentido material se o novo poder constituinte se alicerça num título de legitimidade idêntico ao anterior. → Existirá, no entanto, descontinuidade em sentido material, se a base de legitimidade do novo poder constituinte seja distinta da base do poder constituinte anterior. → Ex: Na constituição de 1822, o poder constituinte tinha base democrática, enquanto na Carta Constitucional de 1826 o mesmo tinha base monárquica. Há, portanto, uma descontinuidade. Princípios políticos constitucionalmente enformadores: → Existirá continuidade quando não há rutura com estes princípios fundamentais e estruturantes. → Existirá descontinuidade quando a rutura surgir. → Ex: Relativamente a estes princípios, há descontinuidade da Constituição de 1976 em relação à de 1933. Círculo Hermenêutico de Iluminação Recíproca: Como já se sabe, os princípios fundamentais da Constituição são enformadores, dão forma à Constituição. O texto constitucional português está assente naquele a que se chama círculo hermenêutico de iluminação recíproca: Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 17 → A forma como se interpreta um artigo vai influenciar a interpretação daquele que lhe sucede e assim sucessivamente. Desta forma, todos os artigos são reciprocamente iluminados uns pelos outros, não havendo uma ordenação hierárquica dos mesmos no sentido jurídico- constitucional. A Constituição da República Portuguesa está dividida em 4 partes: → Direitos e Deveres Fundamentais. → Organização Económica. → Organização do Poder Político. → Garantia e Revisão da Constituição. Revisão Constitucional A Constituição da República Portuguesa prevê, nos artigos 284º a 289º, os mecanismos em que assentam os processos da sua própria revisão. A Constituição de 1976 foi objeto de sete processos de revisão: em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 sendo a sua última revisão efetuada em 2005. Primeira Revisão Constitucional (1982): → Revisão extensa e profunda, que veio a reduzir o penhor revolucionário e socializante da Constituição e extinguir o Conselho de Revolução. → Criação do Tribunal Constitucional. Segunda Revisão Constitucional (1989): → Põe fim ao modelo socializante da economia e caminha para a supressão quase completa as menções ideológicas ao socialismo. → Supressão da regra de irreversibilidade das nacionalizações posteriores a 1974. → Introdução do referendo político a nível nacional. Terceira Revisão Constitucional (1992): → Ratificação do Tratado de Maastricht. → Revisão extraordinária e cirúrgica da Constituição. Quarta Revisão Constitucional (1997): → Várias alterações, sobretudo no que toca à organização política. → Reforço dos referendos. Quinta Revisão Constitucional (2001): → Processo extraordinário de revisão, onde se ratifica o Tratado de Adesão ao Tribunal Penal Internacional. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 20 Princípio da Independência dos Tribunais “Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.” CRP, Art. 203º É fundamental que haja uma entidade neutra imparcial que, em caso de violação de direito o venha a garantir. Duas ideias fundamentais: → A independência dos tribunais; → A sua submissão ao direito – não se substituem ao legislador democrático. Deste modo, os tribunais não estão incluídos na rede de interdependência dos outros poderes, são dotados de autorregulação. A sua estrutura é hierarquizada, garantindo-se a reversibilidade das decisões através do recurso e o controlo dos diversos tribunais entre si. Elementos Materiais O Estado de Direito tem de respeitar e de se comprometer com a realização de determinados valores, de índole substancial. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.” CRP, Art. 1º A dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional, não pode ser interpretado tendo em consideração uma mundividência específica, devendo ser um princípio aberto. É a ideia fundamental de todo o ordenamento jurídico-constitucional, em que a pessoa humana é considerada o fundamento e o fim do Estado, sendo que a sua dignidade tem de ser protegida pela Constituição. Um Conceito Histórico Conceito que se concretiza historicamente, assumindo um valor eminentemente cultural. Este conceito cultural não é estático, estando em constante mutação, até porque se tem vindo a desenvolver através de um intercâmbio com outras culturas. Não é descritivo, passível de várias interpretações: Em situações de conflito de direitos, é frequente que este princípio seja simultaneamente invocado como fundamento da liberdade e como restrição da mesma. → Até Renascimento, a tradição do pensamento era baseada numa ordem cósmica, onde cada ser tinha um lugar pré-definido. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 21 → Conceção de Pico della Mirandolla define o Homem como Multiplicidade de Possibilidades, sendo a sua dignidade essa possibilidade de escolha. → Conceção Kantiana define que a natureza insubstituível do Homem faz dele um ser dotado de valor intrínseco absoluto, não sendo um simples meio e devendo sempre ser tratado como um fim. O ser humano é livre e autodeterminado (incindibilidade entre dignidade e autonomia pessoal). → Conceção de Dürig define a delimitação de um núcleo material mínimo de dignidade pessoal, garantia num Estado de Direito. A dignidade de cada um não depende da conceção de cada um sobre a própria. Por isso, este princípio abrange situações em que o homem concreto é reduzido a um simples instrumento. A Consagração Constitucional Este princípio consagra-se após a II Guerra Mundial, através da DUDH, em que aparece como valor central que funda o direito internacional dos direitos humanos. → Aparece também positivado na constituição alemã, e mais tarde, na CRP, devido à crescente importância que veio a adquirir: Através da disseminação da sua consagração expressa, além da frequente invocação do princípio por parte da doutrina e da jurisprudência. → O seu uso trivial resultou no que se chama a inflação da dignidade, pois este princípio é usado enquanto um Knock Out Argument. → Jorge Reis Novais considera que o princípio da dignidade humana poderá também ser utilizado como um argumento para finalizar qualquer discussão, qualquer situação extrema. Quando não há direitos suficientes para salvaguardarmos a nossa posição, usa-se o princípio da dignidade da pessoa humana. Contributos do Tribunal Constitucional – Multifuncionalidade do Princípio “É um princípio estruturante (…) faz da pessoa fundamento e fim do Estado e que vem da linha de tradição cultural do Ocidente.” Acórdão 16/84 O PDPH ocupa um lugar de valor supremo nas estruturas fundantes do Estado de Direito. Funções do PDPH → Serve como fundamento de regras ou princípios já expressamente consagrados no ordenamento jurídico. → Tem um caráter normogénetico. → A raiz ética dos direitos fundamentais reside neste princípio, que também fundamenta direitos sociais, culturais e económicos, segundo o Acórdão 420/00 (direito à habitação). → Fonte diretamente aplicável, pode ser invocado por si só para aferir eventuais violações constitucionais. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 22 → Ferramenta auxiliar na densificação no âmbito da proteção das normas de direitos fundamentais. → Instrumento metódico de resolução de conflitos entre direitos. Direito Criminal Princípio da culpa e princípio da ressocialização assentam na dignidade - devemos dar uma segunda oportunidade a quem agiu contra a lei num determinado tempo. → Conceção do homem como ser digno e livre. → Acórdão 95/01. Fórmula Objeto (Dürig) e a Inconstitucionalidade por Violação da Dignidade Quanto à aplicabilidade: → Clara quando há lesões manifestas da dignidade (tortura, maus tratos, etc). → Difícil quando não são esses os casos. Reservas quanto à adoção desta fórmula para interpretação do conceito de dignidade: → O TC alemão considera que a fórmula não é mágica, apenas guia o caminho para a busca de lesões da dignidade. → É como um veículo para o estabelecimento de restrições à liberdade. Para Jorge Reis Novais, cabe ao indivíduo a densificação do conceito que tem sobre a sua própria dignidade: → Ao impossibilitar a instrumentalização da pessoa, corre-se o risco de se estar a deixar nas mãos das entidades judiciais a tarefa de determinar o núcleo material mínimo da dignidade que se pode sobrepor à conceção que a pessoa faz da sua própria dignidade. → Segundo JRN, só há violação deste princípio quando há, efetivamente, a desvalorização, o desprezo, a humilhação ou, em geral, a degradação da pessoa humana. A verificação da existência de inconstitucionalidade por violação deste princípio deve ter em conta as circunstâncias concretas do caso – o consentimento do próprio é um fator a ponderar. A dignidade da pessoa humana assume também a capacidade de autodeterminação do ser humano. Segundo MLA, este princípio compreende duas dimensões: → Negativa (defensiva): Proíbe ao Estado comportamentos que possam pôr em causa o princípio. → Positiva (prestativa): Impõe ao Estado que garanta que terceiros não violem este princípio e as condições materiais necessárias para que as pessoas possam viver em condições condignas. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 25 Retroatividade Autêntica VS Retroatividade Inautêntica Retroatividade Pura Retrospetividade Surge quando existe uma lei nova que afeta uma situação jurídica passada cujos efeitos já estão consumados (Ex Tunc). Surge quando existe uma lei nova que, pretendendo vigorar para o futuro, acaba por afetar relações jurídicas desenvolvidas no passado, que perduram no presente e continuarão no futuro (Ex Nunc). Proibição Estrita de Retroatividade nos termos da CRP → Restrição de Direitos, Liberdades e Garantias (Art. 18º, Nº3). → Lei Criminal – Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação (Art. 29º). → Sistema Fiscal – Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa (Art. 103º, Nº3). Apenas nestes casos se afere a proibição de retroatividade autêntica, sendo que não é absolutamente proibida. Seria bastante limitador exigir ao legislador a proibição total e absoluta de leis com efeitos retroativos. A realidade é dinâmica, mutável, e, por isso, o Direito tem de se adaptar e tal adaptação implica alterações na lei. Os Quatro Pressupostos do Tribunal Constitucional Se estivermos num caso de retroatividade inautêntica que se reconduza a alguns dos 3 casos (lei criminal, lei fiscal, restrições dos direitos), fazemos o uso dos 4 pressupostos avançados pelo TC com o objetivo de saber se esta retroatividade (que não é pura) viola o princípio da proteção da confiança. 1. O estado/legislador tem de ter encetado comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade. 2. As expectativas criadas têm de ser legítimas e fundadas em boas razões (homem medianamente diligente, o homem normal, saber se poderiam ser consideradas como fundadas em boas razões). 3. Os privados têm de ter feito planos de vida confiando na continuidade do comportamento estadual. 4. Não pode ocorrer razões de interesse público que, em ponderação, justifiquem a não continuidade daquele comportamento que gerou a expectativa (para haver inconstitucionalidade, o interesse público não supera o privado). Liberdade (relacionada com o conceito de dignidade) Um Estado de Direito deve garantir, assegurar a possibilidade de exercício da sua autonomia. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 26 Justiça O Estado de Direito visa assegurar uma ideia de justiça, associada ao conceito de igualdade. O princípio de igualdade (Art. 13º) é o mais constante e dos mais antigos nos textos constitucionais e tem experienciado uma evolução multifacetada: → Na conceção liberal, o tratamento igual implicaria uma igualdade na aplicação da lei. A lei era igual para todos, e todos eram iguais perante a lei. No entanto, isto poderia causar tremendas injustiças. → No Estado Social, encontramos uma conceção de igualdade que reclama que situações iguais devem ser tratadas de forma jurídica igual, ao passo que situações diferentes devem ser tratadas de forma igualmente diferente, em justa medida, de acordo com o princípio da proporcionalidade. → O Art. 13º, Nº2, alberga categorias suspeitas, um elenco exemplificativo, não taxativo, que nos permitem aferir se uma determinada violação do princípio da igualdade existe. Num caso prático, a diferenciação deve ter uma razão objetiva, fundamentada, razoável, constitucionalmente legítima: → Para JRN, mesmo que a discriminação não caia numa categoria suspeita, o controlo que é levado a cabo pelo juiz constitucional deve ser um controlo apertado ao invés de apenas avaliar se estamos perante uma discriminação arbitrária, não razoável. → Deve-se avaliar se a diferenciação passa no teste da proibição do excesso - se a diferenciação, mesmo que não seja arbitrária, e que tenha razões que justifiquem esse tratamento, não cria um fosso excessivo (desproporcional, desmesurado) - igualdade enquanto igualdade proporcional. Fiscalização da Constitucionalidade Notas Prévias A Constituição é uma lei superior. É fonte de produção normativa (norma normarum), que serve de base à criação de outras normas. Tem poder normativo hierarquicamente superior – todos os atos devem ir de encontro ao texto constitucional, nos termos do Art. 3º, Nº3. É preciso garantir que este aspeto é cumprido e que a própria Constituição estabeleça os meios de assegurar o seu cumprimento. De que forma? → As normas constitucionais são imperfeitas, não implicam qualquer sanção, seja de natureza civil ou penal em caso de violação. → Não preveem uma consequência, ou seja, o não cumprimento não é suscetível de ser controlado pelos tribunais. → Ex: Art. 136º. Bárbara Inês de Matos – Direito Constitucional 27 Justiça Constitucional A Justiça Constitucional é um dos mais relevantes instrumentos de controlo do cumprimento e observância das normas e princípios constitucionais (tendencialmente conduz à existência de um tribunal ou órgão jurisdicional). Mas o que deve ser feito se a norma aplicável a um caso concreto é inconstitucional? → Poderão os juízes, cuja missão é justamente assegurar o cumprimento das leis, recusar a aplicação de uma norma legal se entenderem que ela não respeita a Lei Fundamental? → Porém, se a sua missão é justamente aplicar a lei, como se poderá negar-lhes competência para assegurar que a lei superior prevaleça sobre a inferior? → Art. 204º - Não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. Controlo da Constitucionalidade à Justiça Constitucional Caso Marbury VS Madison Nos últimos dias do seu mandato como 2º Presidente dos EUA, John Adams nomeou 42 Juízes para os tribunais distritais de Columbia. Contudo, devido ao atraso de confirmação da nomeação dos juízes por parte do Senado, o processo de nomeação só ficaria concluído no início do mandato do Presidente seguinte (Thomas Jefferson). Assim, o novo Presidente iria considerar tais nomeações inválidas: → Porém, 1 dos Juízes Nomeados – Marbury – não se conformou e requereu ao supremo tribunal que emitisse uma intimação para obrigar o Secretário de Estado – Madison – a concluir o processo. → Contudo, o Tribunal declarar-se-ia incompetente com o fundamento em que a norma legal, que o habilitava a decidir o caso em primeira instância, violava a distribuição de competências entre o supremo tribunal e os tribunais inferiores. INOVAÇÃO: → Em contrapartida, a argumentação acessória produzida por John Marshall, a favor do reconhecimento da competência dos juízes para Fiscalizar a Constitucionalidade das Leis, iria prevalecer para sempre. → Primeiro Controlo Judicial da Constitucionalidade das Leis – Permissão aos juízes em recusar a aplicação da lei, que, precisamente, lhe atribuía competência naquela matéria. → Nascimento da Judicial Review → Poder de Aferição da Conformidade das Normas com a Constituição. Mas estar-se-á a Atentar Contra o Princípio da Separação de Poderes? O controlo da constitucionalidade das leis consegue evitar, em parte, a acusação de que o Poder Judicial estaria a usurpar as atribuições próprias do Poder Legislativo. O Supreme Court limitou-se, como estava obrigado, a decidir o conflito que as partes lhe submeteram.
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