Baixe Disritmia cerebral e orientação psicológica de crianças e ... e outras Notas de estudo em PDF para Diagnóstico, somente na Docsity! Disritmia cerebral e orientação psicológica de crianças e adolescentes ISABEL ADRADOS Nos centros de orientação psicológica costumam aparecer crianças e adolescentes portadores de síndromes de conduta, per turbações de caráter e problemas de personalidade, com caracterÍs ticas que podem configurar uma psiconeurose. Todavia, são muitas vêzes manifestações clínicas decorrentes de disritmias cerebrais, mais ou menos graves. Desde que os responsáveis por essas crianças ou adoles centes procurem um Centro de Orientação Psicológica, para solu cionar seus problemas, caberá ao psicólogo a responsabilidade do diagnóstico. Sàmente poderá êle ser bem feito, se o técnico respon sável estuda cada caso considerando-o como um todo. O psicólogo não deve esquecer que além da personalidade, com seus diversos componentes, a criança ou o adolescente também possui um sistema orgânico que pode interferir negativamente, determinando distúrbios emocionais e dificuldades de ajustamento nos diferentes setores vi tais, inclusive o escolar. Com esta afirmação, não estamos querendo invadir o terreno do clínico, mas, pelo contrário, se o resultado dos testes demonstrar que o caso é neurológico, êle deverá ser encaminhado 100 DISRITMIA CEREBRAL A.B.P./l ao profissional adequado. Assim, diagnosticando a verdadeira origem do distúrbio, o orientando não perderá o tempo em trata mentos psicoterápicos. Êstes podem ter certo valor como coadju vantes, pois a terapia da disritmia, como a da epilepsia, é essencial mente médica. Contudo, devemos ser cautelosos, não tentando traduzir fenômenos psicológicos em têrmos eletroencefalográficos; existe um têrmo médio eEtre preconizar o uso do E.E.G. como exame de rotina e desprezar a possível interferência de fatôres orgânicos no desajus tamento da criança ou do adolescente. Após os estudos de Solomon, Brown, Deutsch e, mais re centemente, Knott e Ashby, o interêsse pela pesquisa das alteraçõ2s eletroencefalográficas em correlação com distúrbios afetivo-emocio nais tem-se acentuado. Mosovich achou que o predomíni.o da atividade lenta en contra-se em relação com a agitação motora, irritabilidade, enurese e cris2s explosivas de caráter. O ritmo "theta", de acôrdo com seus estudos, seria o mais freqüente no traçado de jovens personalidades psicopáticas. Já o maior índice de periculosidade corresponder ia a indivíduos com disritmia focal temporal posterior. Hill observou a mesma coisa, ou seja, que as personali dades com desordens de conduta e hiperagressividade apresentam traçados com alteração focal temporal, localizada na área posterior. Mathews coincide com Mosovich e outros investigadores ao afirmar que os focos "theta" se apresentam numa alta porporção nas personalidades psicopáticas. Todavia, frisa que êstes focos também são compatíveis com a normalidade. Um foco "delta" pode ser indicativo de um tumor cerebral e uma atividade ponta-onda de 3 c.p.s. levanta a possibilidade de uma epilepsia idiopática. Helman Z., num estudo com 3 crianças com perturbações de caráter, inadaptação escolar, impulsividade ou viscosidade, en controu nos eletroencefalogramas complexos ponta-ondas. Os acessos de fúria e as crises coléricas que apres2ntavam seriam o equivalente das crises comiciais ausentes. Hawkes e Marion Roork, estudando 25 menores com problemas de conduta, encontraram 21 com disritmia generalizada. A.B.P./l DISRITMIA CEREBRAL 103 Haim Grünspun divide êsses fatôres em dois grandes gru pos: os condicionados pelo funcionamento anormal do sistema ner voso e os derivados de conflitos de adaptação ao meio. Achamos que os segundos são decorrentes dos primeiros. O deficiente contrôle dos planos inferiores, afetivo, emocional e instintivo, dá lugar a pautas comportamentais de tal natureza que automàticamente origina con flitos com o meio e desajustamentos mais ou menos graves nos di ferentes setores vitais, onde a criança e o adolescente se desenvolvem. No ambiente familiar, a situação se agrava, quase sempre, pela pre sença de um ou mais de seus membros, portadores também de dis ritmia. Não é ela hereditária, mas herda-se a predisposição e a vul nerabilidade do sistema nervoso. Embora o lar seja o lugar de maiores atrites para o dis rítmico, é no ambiente escolar que a situação se torna mais difícil para êle. Crianças, embora problemáticas, são mais ou menos aceitas no ambiente familiar, mas fracassam quando enfrentam a escola e passam a ser consideradas nesse meio como desajustadas. Isso se explica por que uma das características mais constantes do dis rítmico é a intensidade de suas exigências instintivas e a precarie dade do contrôle cognoscitivo sôbre essas exigências. Tem dificulda de em aceitar o princípio da realidade. De outro lado, uma das características do epileptóide é a insatisfação, descontentamento e permanente estado de frustração que manifesta. Tal insatisfação é particularmente notória na esfera afe tiva. Sentem-se rejeitados, preteridos, não compreendidos ou aceitos, embora a maior parte das vêzes sejam pertencentes a lares bem estruturados, onde o clima é de amor e segurança afetiva. Os fami liares queixam-se, entre outras coisas, do exibicionismo e manifes tações de teor regressivo dos pequenos disrítmicos. Êsse comporta mento visa atrair sôbre si as atenções do ambiente e a satisfação de suas insaciáveis necessidades afetivas. Mesmo nos casos em que são descritos, pelos pais, como muito carinhosos, os testes demonstram que suas reações afetivas são puramente receptivas, periféricas, ca caracterizadas pela pegajosidade, não havendo participação profunda da personalidade. Quanto às dificuldades da criança e do adolescente dis rítmico no setor escolar, ligadas ao rendimento intelectivo, estão IM DISRITMIA CEREBRAL A.B.P./l quase sempre originadas na dificuldade que têm para concentrar-se; assim, a memória, retenção de conhecimentos, raciocínio etc., en contram-se prejudicados. Todavia, não é difícil encontrar super do tados no grupo dos disrítmicos. Desde que a disritmia da criança seja leve, ou esteja lo calizada em áreas do cérebro ainda por mielinizar, será superada durante o processo evolutivo de maturação neuronal, entrando na adolescência sem maiores obstáculos. Todavi3, são muitos os casos em que a puberdade e a pré-adolescência, com suas exigências, especialmente quanto à inde pendência do rr;eio familiar, acentuam e exacerbem as anormalida des do temperamento-caráter. E nessa fase que surgem as pautas de conduta anti-social: furtos, mentiras, transgressões sexuais, falta de senso de responsabilidade. Origina-se um círculo vicioso: a socie dade reage ao comportamento do disrítmico, êste se ressente quando rejeitado; a não compreensão dos adultos e sua falta de orientação determinam como resposta uma conduta cada vez mais amoral, até o adole~cente conseguir o rótulo de "delinqüente juvenil". Nesses casos, os traços neuróticos como mecanismos de adaptação coexistem com uma base disrítmica. Com bastante fre qüência, a criança e o adolescente disrítmicos experimentam uma espécie de sentimento de dissociação ou de dupla personalidade, tão intensamente vivenciam o conflito entre suas tendências e impulsos negativos e os desejos de satisfazer as expectativas de seus pais e familiares. Essas contradições originam fricções e conflitos íntimos, fontes de grande ansiedade e frustração. DIAGNóSTICO DA DISRITMIA A disritmia pode apresentar-se como uma síndrome trí plice: psicológica, eletroencelográfica e clínica. Os métodos para seu diagnóstico serão os mais adequados para cada uma dessas sÍndromes. Servimo-nos, em Psicologia Aplicada, dos testes de per s0nalidade, principalmente dos gráficos e projetivos. No I.S.O.P. uti lizarmos, principalmente, o Psicodiagnóstico Miocinético do Prof. Mira, o teste de Koch e o Psicodiagnóstico de Rorschach. A.B.P./l DISRITMIA CEREBRAL 105 As grandes disritmias com manifestações comlClalS ca racterizam-se no P.M.K. pela amplitude e intensa oscilação dos des vios primários e secundários, evidenciando depressão, emotividade e ansiedade acentuadas. As disritmias de menor intensidade apresentam-se quase sempre associadas a traços esquizóides, sendo freqüentes os sinais de instabilidade tensional e a irregularidade e falta de ritmo do traçado, que por vêzes, se torna iterativo. No teste de Rorschach, a síndrome encontrada com maior freqüência é a esquizo-racional, que tem grande afinidade com o abortivo de Stauder. Certos testes de inteligência, como o 'VISC e o "'AIS, também podem colaborar para o diagnóstico dos casos orgânicos. Êstes testes nos oferecem sinais indicativos da desorganização dos processos intelectuais. Contudo, alguns investigadores, como Patter son, sustentam que as capacidades afetadas e o número de subtestes atingidos dependem, em parte, da localização e extensão da área do cérebro afetada. Diversas pesquisas já constataram que os indivíduos portadores de lesões orgânicas do cérebro têm dificuldade para re solver certos itens dos testes de inteligência referentes à execução, especialmente certos subtestes, tais como Mosaico, Arrumação de figuras e Reunião de objetos. Entre os orientandos, que procuram o I.S.O.P., dificilmente aparecem casos com lesões cerebrais graves; todavia, é muito alto o número dos que são portadores de expressões fenotípicas comi ciais; Assim o Setor de Orientação Individual em colaboração com os técnicos do Setor de Inteligência pretende, no decorrer do pre sente ano, verificar o índice de validade dos subtestes acima assina lados, para registrar a presença de disritmia e outras disfunções ce rebrais da mesma natureza, que as tratadas no presente trabalho. Entretanto, no diagnóstico clínico da disritmia, nada pode comparar-se em eficiência com o histórico do indivíduo, seus ante cedentes pré-natais e familiares, e os restantes dados obtidos me diante as entrevistas. Entre os sinais que levantam suspeita de disritmia nas crianças e adolescentes, encontram-se os seguintes: 108 DISRITMIA CEREBRAL A.B.P /1 se concentra, é preguiçoso, irresponsável e descuidado com seus per tences escolares. Nas horas de estudo fica aéreo, revelando grande dificuldade para concentrar-se. A mãe é rígida, insatisfeita, perfeccionista e sumamente exigente com seus familiares e com ela mesma. Quando se irrita, grita, agride e chama de nomes feios. É muito dura com o filho, e, quando foi reprovado pela segunda vez pediu-lhe para não chamá-la mais de mãe. Ultimamente, como castigo, proíbe-o de fazer esporte,3 ou praticar qualquer atividade que não seja estudar. É a figura dominante no lar. o pai é calmo, passivo, de temperamento viscoso. Frus trado afetiva e sexualmente com a espôsa, canaliza todo seu afeto para o filho, mimando-o exageradamente. Embora discordem frontalmente quanto aos métodos edu cacionais a serem seguidos com êle, não discutem por pura apatia e indiferença. Ambiente familiar tenso, desarmonioso; recebem poucas visitas, não promovem festas. Antecedentes familiares patológicos por parte do pai. Avô paterno doente mental, avó suicidou-se. Vários tios, irmãos do pai do orientando, desajustados. Um primo epiléptico. RESULTADOS DOS TESTES: Inteligência - Binet-Terman: Q.I. 120. Teste de Kohs: Q.I. 147. Nível muito superior. Personalidade - No P.M.K. apresenta base fraca, com acentuados traços esquizo-disrítmicos. A síntese das outras duas pro vas revela situação de conflitos entre seus impulsos de submissão e autonomia. Sente-se pressionado pelas figuras parentais, o que mo biliza seu elevado potencial agressivo. São tênues, superficiais e nêu tras suas relações com os pais. A.B.P./l DISRITMIA CEREBRAL 100 Ressente-se de isolamento e falta de conVlVlO social com outras crianças. Desorientação sexual, o que contribui para aumen tar sua curiosidade neste setor. Foram os seguintes os dados que nos levaram a solicitar um exame eletroencefalográfico: antecedentes hereditários patoló gicos, nascimento de parto distócico, sono agitado, desmaios e ver tigens, tiques, irrequietude, agressividade sujeita a impulsos, falta de senso de responsabilidade, dificuldade de concentração e a pre sença de disritmia no P.M.K. O resultado do E.E.G. foi o seguinte: anormal generalizado grau I. Instabilidade de ritmos, suscetilização à alcalose cerebral. Correlação eletroclínica: disfunção das estruturas centroencefálicas. Trata-se, pois, de uma criança intelectualmente superdo tada, porém portadora de disritmia cerebral, o que prejudica seu ajustamento escolar e familiar. As condições familiares negativas também interferem no seu desenvolvimento afetivo emocional. Aconselhamos: a) Tratamento neurológico; b) Do ponto de vista pedagógico, regime de semi-inter nato em colégio com estudo dirigido, de turmas pequenas e com assistência psicológica aos pais e ao orientando; c) Modificação da dinâmica familiar procurando a mãe evitar qualquer manifestação de rejeição. O pai orientaria e daria seu apoio afetivo ao orientando sem entretanto exceder-se, super protegendo-o. Os pais se uniriam visando proporcionar ao filho um lar mais alegre e descontraído, permitindo que fôsse freqüentado por crianças da idade do or!entando por êle escolhidas; d) Propiciar sua participação em Esportes e atividades lúdicas e recreativas sob supervisão médica e técnica; e) Os pais receberiam assistência psicológica visando a solucionar seu problema matrimonial. O seguimento do caso, após dois anos de sua orientação, revelou que os pais seguiram parcialmente o conselho, cumprindo à risca o tratamento neurológico. Os resultados foram surpreenden- 110 DISRITMIA CEREBRAL A.B.P./l tes: O orientando encontra-se cursando com aproveitamento o 2.0 ano ginasial, acata a disciplina do colégio. Os desmaios e tiques desa pareceram logo no primeiro ano de tratamento. Dorme normalmente. Ainda é impulsivo e irrequieto; a conselho médico alterna jogos e esportes com suas obrigações escolares, liberando assim suas tensões e canalizando de maneira sadia seu excesso de energia. BIBLIOGRAFIA Disritmias (In:GRuNsPUN, Raim - Distúrbios psiquiátricos da criança. São Paulo, Fun do Editorial Procienx, 1961. p. 66 - 86) . Formas eletroencefalográficas. (In: GRUNSPUN, Raim - Distúrbios psiquiátricos da criança. São Paulo, Fundo Editorial Procienx., 1961. p: 243 - 273). KNOBEL, Mauricio Las disritmias. (IN: Nuestros hijos. Cordoba, Argentina. (90): jul: 12-14: 1962.) SATO, T. 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