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Guias e Dicas
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espacialidades e estrategias de produção de identidades, Trabalhos de História

artigo que busca tratar de espacialidades e estrategias de produção de identidades

Tipologia: Trabalhos

2020

Compartilhado em 04/01/2020

flademir-dantas
flademir-dantas 🇧🇷

3 documentos

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Baixe espacialidades e estrategias de produção de identidades e outras Trabalhos em PDF para História, somente na Docsity! 169Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no início do século XX Renato Amado Peixoto1 Este trabalho é uma tentativa de estabelecer uma dis- cussão acerca das condições de produção das construções espaciais e identitárias no Rio Grande do Norte e centra-se na hipótese de que essas devem ser entendidas enquanto esforços que somente poderiam ser desenvolvidos a partir da última década do século XIX e na primeira década do século XX. Por esta hipótese, entendemos que esses esforços fi ze- ram parte de uma estratégia destinada a consolidar o poder de uma ‘organização familiar’ nova que enraizou seus inte- resses no aparelho de Estado apenas a partir das condições tornadas possíveis pelo advento da República. A organização dessas condições a partir da ocupação integral do aparelho do estado permitiu a essa organização familiar constituir um discurso de unidade espacial em despeito da existência de outros discursos locais no Rio Grande do Norte. Em sintonia com o lugar de produção de seus interesses, esse discurso unifi cador produziu uma história do Rio Grande do Norte por meio da articulação de certos enunciados capazes de insti- tuir a cidade de Natal como elemento organizador da narra- tiva temporal e espacial. Como essa História foi produzida e construída direta- mente pelos integrantes da nova organização familiar ou por elementos agregados a partir de certas instituições legitima- das ou prestigiadas no processo, seus eventos, personagens e processos derivam de escolhas e eleições capazes de legi- 1 Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). amado@cchla.ufrn.br 170 Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Renato Amado Peixoto timar o novo arranjo político. Do mesmo modo, entendemos que os enunciados que instituem a centralidade de Natal tem a ver com um arranjo das condições do contexto histórico capazes de tornar o discurso daí resultante enquanto condi- zente com um sistema cultural tido então como capaz de legi- timar o arranjo político. Consideramos que a reunião dessas condições de produção em torno do aparelho de estado e de um discurso dele legitimador permitiram a possibilidade de reelaboração da história estadual ainda que novos arranjos políticos incorporassem as organizações familiares alijadas inicialmente do poder. Finalmente, incentivada e dissemina- da pedagogicamente pelos aparelhos de Estado organizados nos sucessivos arranjos políticos, essa construção tornar-se- ia parte mesma da cultura popular e erudita no Rio Grande do Norte. Nossa hipótese foi pensada em duas etapas, a primei- ra por meio do exame da produção historiográfi ca acerca do Rio Grande do Norte, perscrutando sua escritura a partir das questões teóricas esboçadas por Jacques Derrida e Michel Foucault,2 estabelecendo a seguir razões ou racionalidades de sua produção (no sentido defi nido por Ernst Cassirer3). Buscamos então, a partir do campo da História Cultural do Social, comparar os principais escritos historiográfi cos e en- tender infl uências, continuidades e infl exões em suas nar- rativas, rebatendo o exame dos elementos desses escritos sobre os esforços que os originaram de modo a possibilitar a compreensão de uma ‘dinâmica de sua produção’. Numa segunda etapa, esses resultados foram organi- zados e testados a partir de uma pesquisa centrada no âmbi- to da Nova História Política e desenvolvida por meio dos mé- todos e das considerações estabelecidas por René Rémond.4 2 DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2004; DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002; FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1985. 3 CASSIRER, Ernst. A fi losofi a das formas simbólicas (V. II – O pensamento míti- co). São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004. 4 RÉMOND, Réne (Org.). Por uma História Política. Rio de Janeiro: Ed. UFRN, 1996. 173Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Espacialidades e Estratégias de Produção Identitária... Figura 2: O Rio Grande do Norte no Mapa Fonte: Mapa Geral da República do Brasil, 1903. Se buscarmos aprofundar o exame de uma razão da espacialidade a partir dos dados fornecidos pela análise crí- tica da cartografi a, podemos notar que os mapas provinciais no Atlas são divididos internamente e que essa divisão não é proporcionada pelos limites dos municípios, como seria de se supor a partir dos modernos mapas, mas pelos limites das comarcas (Figura 3). Para inscrever os limites das co- marcas no Atlas foram utilizados os mesmos recursos téc- nicos empregados para delimitar as províncias, o colorido, e esse esquema de divisão interna é ainda destacado pelo posicionamento de uma tabela com a relação das comarcas, disponibilizada em posição de destaque no sentido da leitura do Atlas (Figura 4). 174 Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Renato Amado Peixoto Figura 3: O Rio Grande do Norte dividido em comarcas                                        !     "     # $    %  &' ( )  * % $ ) +  $   , -  %    . % / 0  1 2 3 2  Figura 4: Tabela com a relação das comarcas do Rio Grande do Norte Fonte: ALMEIDA, Cândido Mendes de. Atlas do Império do Brasil, Rio de Janeiro: Typographia de Quirino & Irmão, 1868. 175Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Espacialidades e Estratégias de Produção Identitária... Se continuarmos a examinar a ideia de uma razão da espacialidade no Império, é necessário considerar que a interpretação do binômio ‘Fluidez – Limites’ necessita incluir o problema da escolha da representação das comarcas. A escolha de representação da divisão provincial incorpora uma relação de poder que importa não apenas ao autor do Atlas, mas também a uma audiência ampla de leitores, que, no caso do Atlas, incluía os alunos do ensino público. A fl uidez dos limites permitia então a pedagogia de uma ordem representada no Atlas por uma repartição do Judiciário e pela qual se podia distinguir um esquema mesmo de perpetuação da organização do poder. Nesse sentido, grosso modo, essa ordem refl etia-se pela incorporação das elites ao projeto de Nação através das faculdades de direito e pelo exercício subsequente de tarefas inerentes ao Judiciário que possibilitavam uma subsequente escalada no aparelho de Estado imperial. Daí se torna constituir o sentido de representação da divisão provincial por meio das comarcas e incorporá-las a uma interpretação do binômio ‘Fluidez – Limites’. O trânsito dos bacharéis não se dava no interior dos limites provinciais, mas pela ultrapassagem desses mesmos limites a serviço do Estado, o que permitia ainda desconstituir um dos sentidos de atuação das organizações familiares, o provincial, possibilitando a incorporação destas organizações familiares ao projeto de Nação, deslocando as tensões para outro nível de discussão, que era o da centralidade do Estado, representado pela Corte, pelo Imperador e pelo Parlamento sediado no Rio de Janeiro. Procurando articular e testar esta interpretação por meio de métodos e elementos pertinentes à Nova História Política, buscamos dentre os dados levantados anteriormente, elementos que nos permitissem bem caracterizar as dinâmicas da mobilidade espacial no período. Elencamos para este estudo parte do acervo de dados biográfi cos levantados anteriormente, segundo o seguinte critério: 1. Que houvessem exercido postos políticos de maior relevo no Rio Grande do Norte; 2. Considerando o menor espaço de tempo entre as posses; 178 Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Renato Amado Peixoto Por meio desse estudo, podemos perceber como carac- terística comum dos biografados: uma grande mobilidade es- pacial que visava a atender a um percurso profi ssional; que esse percurso dizia respeito ao exercício de cargos no poder judiciário; que esse exercício se completava ou coligava com atuações no plano político; que esses percursos e atuações se davam em mais de uma província ou estado; e que ultra- passavam transcendendo amplamente o recorte provincial e estadual a partir do qual se originaram. Por conseguinte, podemos entender que a ideia de fl ui- dez do espaço e da permeabilidade de seus limites refl etia uma racionalidade pertinente a uma representação da or- dem política e do social que fora constituída no Império e que, pelo menos no Rio Grande do Norte, adentrou o período republicano. Poderíamos entender conforme formulado por Benedict Anderson,6 que o declínio do antigo ‘sistema cultu- ral’ permitiu a formulação de um conceito de identidade e de espacialidade somente a partir do fi nal do século XIX. Esta constatação coincide exatamente com o nosso exame da historiografi a norte-rio-grandense: sua produção foi iniciada apenas quando uma racionalidade foi ultrapas- sada, justamente após o fi m de uma instabilidade política quando uma nova organização familiar ascendeu ao poder no estado, respondendo positivamente a uma racionalida- de espacial e a um sistema cultural que se colocava com a República. No caso, Augusto Tavares de Lyra, membro da família Albuquerque Maranhão, tornou-se o primeiro grande historiador do Rio Grande do Norte, tornando-se o Institu- to Histórico e Geográfi co do Rio Grande do Norte (IHGRN) o grande instigador e divulgador do seu trabalho. Os historiadores posteriores, dos quais Luís da Câma- ra Cascudo é o de maior relevância,7 receberam a infl uência 6 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: refl exões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 7 Ver, por exemplo, CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980; CASCUDO, Luís da Câmara. Histó- ria da República no Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Edições do Val, 1965; CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. Natal: Fundação 179Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Espacialidades e Estratégias de Produção Identitária... e/ou repetiram os principais temas da narrativa fundada por Tavares de Lyra a partir dos interesses aos quais se coliga- vam.8 Organizações estaduais instituídas e coligadas com o arranjo político como o IHGRN possibilitaram a produção, construção, disseminação e reelaboração do discurso histo- riográfi co. A narrativa historiográfi ca de Tavares de Lyra trabalha justamente elementos, personagens e tramas cujos sentidos coincidem com as ideias da nova racionalidade que coinci- diam com o problema colocado para a questão da nação. Enfatiza-se um passado fundador de uma identidade e de um território norte-rio-grandense, ligados por meio de tradi- ções culturais, religiosas e políticas peculiares. Recortava-se, portanto, uma espacialidade e uma identidade plenamente defi nidas e fechadas dentro de um invólucro territorial ao qual se reconheciam os termos, a natureza e o natural do território. Passado e presente foram conectados por meio de uma história contínua e tensionada pelos acidentes ineren- tes a sua constituição e explicativos da constituição do seu território e da naturalização de seus ocupantes. Ainda, essa narrativa do território e de seu natural foi trabalhada a partir da construção de uma centralidade da cidade de Natal na trama, servido ainda essa cidade como elemento organizador e defi nidor de um espaço cuja raciona- lidade coincide com as ideias reunidas no binômio de ‘Exati- dão–Fronteira’. Nossa interpretação, a partir dos dados apresentados resumidamente acima, é que a explicitação de uma identi- dade e de um território norte-rio-grandense somente se tor- nou razoável ou mesmo necessária também a partir de um dado momento em que novas dinâmicas políticas e sociais José Augusto, 1984; CASCUDO, Luís da Câmara. Movimento da Independência no Rio Grande do Norte. Natal: Fundação José Augusto, 1973; CASCUDO, Luís da Câmara. O Livro das Velhas Figuras. Natal: Ed. IHGRGN, 1977; CASCUDO, Luís da Câmara. Uma história da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte: conclusões, pesquisa, documentário. Natal: Fundação José Augusto, 1972. 8 Ver LYRA, AugustoTavares de. História do Rio Grande do Norte. 2ª edição. Natal: Fundação José Augusto, s/ data. 180 Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Renato Amado Peixoto precisassem ser representadas. No caso, essa dinâmica con- solidou-se a partir da ascensão de uma nova organização do poder na República, quando os pleitos das organizações familiares deixaram de ser atendidos a partir de uma ordem baseada na fl uidez espacial que diluía as tensões. Com a Re- pública, ao contrário da situação no Império, os pleitos das organizações familiares passariam a ser satisfeitos apenas a partir de um reconhecimento, feito pelo Governo central, das posições de controle e comando que essas organizações possuíam nos aparelhos de poder estaduais. Daí, entende- mos que a tônica das dinâmicas das organizações familiares passou a ser a luta renhida não apenas pelo poder local, mas também pelo poder estadual. Controlar o aparelho estadual possibilitava às organi- zações familiares dispor dos recursos de uma unidade terri- torial a seu bel-prazer e fazer chegar a essa mesma unidade os recursos barganhados por seus representantes junto ao Governo central. Por conseguinte, fazia sentido, nessa ra- cionalidade, constituir um discurso da posse dessa unidade espacial e uma narrativa de seu território que reconhecesse e fi zesse reconhecer seus direitos remetendo-os a uma fun- dação simbólica do território por meio da ação de seus ante- passados. A narrativa territorial tornava-se, portanto, uma narrativa do direito de posse que fundava simbolicamente a nova sociedade, discernindo os operadores dessa fundação e remetendo seus direitos a um passado sagrado, atribuin- do um valor excepcional ao conhecimento das origens. Um discurso, portanto, que se articulava a partir de um passado que ele mesmo constituía. No caso, a historiografi a norte-rio-grandense reconhe- cia não apenas o papel fundador de Pedro Velho de Albu- querque Maranhão, mas também o de sua estirpe, ligando-a, por sua vez, aos valores transcendentais da religião católica e da civilização lusitana que alicerçavam a compreensão do território, dos seus naturais e de um centro de sua atuação, a cidade de Natal. A ênfase da narrativa historiográfi ca nesse último ter- mo necessita ser elucidada, inclusive porque nos coloca dian- 183Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Espacialidades e Estratégias de Produção Identitária... diram-se por meio de uma bem articulada política de casa- mentos que pode ser exemplifi cada por meio do gráfi co que apenas considera as táticas empregadas nesse sentido por Luís Gonzaga de Brito Guerra, barão do Assú e Ministro do Supremo Tribunal de Justiça no Império, e por Francisco Gurgel de Oliveira, mais conhecido como ‘Coronel Gurgel’, deputado federal, que foi um dos personagens-chave para a compreensão da História do Rio Grande do Norte na Primeira República (Figura 6). Figura 6: Táticas de formação de parentesco no espaço Mossoroense Fonte: PEIXOTO, Renato Amado. Verbete ‘Francisco Gurgel’ in ABREU, Al- zira Alves de (Coord.) Dicionário Histórico-Biográfi co Brasileiro da Primeira República. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas; CPDOC, (no prelo). Arte: Renato Amado Peixoto. Observando a Figura 6, podemos notar que dos três ca- samentos de Brito Guerra, dois foram realizados com irmãs de Francisco Gurgel. Este, por sua vez, casou duas vezes e em ambos os casamentos desposou fi lhas de Brito Guerra. 184 Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Renato Amado Peixoto Francisco Gurgel casou-se pela primeira vez em 24 de ou- tubro de 1866 com sua sobrinha, Maria dos Anjos de Brito Guerra, fi lha de sua irmã e de Luiz Gonzaga, então com 15 anos. Em 9 de outubro de 1880, casou-se pela segunda vez, desta feita com sua afi lhada, Apolônia Ferreira da Nóbrega, então com 14 anos, fi lha de Luiz Gonzaga com sua segunda mulher. Note-se que Francisco Guerra tornou-se padrinho de Apolônia no mesmo dia de seu primeiro casamento. Apenas por estes dados, já podemos observar uma es- tratégia continuada de formação de parentesco conformando um sistema que ultrapassou mesmo as restrições de ordem religiosa para imprimir maior vigor aos objetivos à organi- zação familiar, inclusive, possibilitando a essa tornar-se o fi el da balança do poder no Rio Grande do Norte durante as disputas do início da República Velha. O mesmo espaço mossoroense, por suas características fl uídas no século XIX, permitiu o deslizamento dos interes- ses de várias famílias cearenses, especialmente os Amorim Garcia, os Amintas Barros e os Almeida Castro, e sua articu- lação em torno da cidade de Mossoró. A efi ciência deste ou- tro sistema de organização familiar no espaço mossoroense, que permitiu, por exemplo, a ascensão de Miguel Joaquim de Almeida Castro ao governo do Rio Grande do Norte, seria reconstituída mais tarde pela família Rosado, atraída da Pa- raíba pelos Almeida Castro (Figura 7). 185Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Espacialidades e Estratégias de Produção Identitária... Figura 7: Esquema do espaço mossorense Arte: Renato Amado Peixoto. Suporte cartográfi co: ALMEIDA, Cândido Mendes de. Atlas do Império do Brasil, Rio de Janeiro: Typogra- phia de Quirino & Irmão, 1868. Por conseguinte, entendemos que, a partir da atuação das organizações familiares, confi gurou-se um espaço mos- soroense múltiplo e aberto para o deslizamento de interesses familiares provenientes de outros espaços. Já no caso do espaço Seridoense outro sistema se con- fi gurou a partir das características peculiares das organiza- ções familiares ali estabelecidas. Desde o fi nal do século XIX e mesmo antes da infl uência exercida pelo patriarca da famí- lia Medeiros, o senador da República José Bernardo, houve uma tendência ao fechamento do espaço seridoense à afl u- 188 Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Renato Amado Peixoto Figura 9: Táticas de formação de parentesco no espaço natalense. Fonte: PEIXOTO, Renato Amado. Verbetes ‘João de Lyra Tavares’, ‘Au- gusto Tavares de Lyra’ e ‘Pedro Velho de Albuquerque Maranhão’ in ABREU, Alzira Alves de (Coord.) Dicionário Histórico-Biográfi co Brasileiro da Primeira República. Rio de Janeiro: Editora da Fun- dação Getúlio Vargas; CPDOC, (no prelo). Arte: Renato Amado Peixoto. Projetando todas as informações anteriores a respeito das organizações familiares podemos chegar a um mapa onde fi cam apontadas sua territorialidade e seus interesses espaciais. Por meio da Figura 10, podemos observar que, no início do século XX, o espaço do estado do Rio Grande do Norte comportava não um, mas três interesses espaciais distintos, todos comportando organizações familiares que possuíam sistemas efi cazes de estratégias visando a autopreservação e o aumento de seu poder. Note-se, por meio da sua comparação com os polígonos que no mapa representam grosseiramente a divisão política da província no Império entre interior e litoral, que aquelas três espacialidades não coincidem com os limites políticos, mas ainda o ultrapassam (os pontos vermelhos indicam os centros de espaço; os círculos, sua base territorial e as elipses, seus interesses espaciais). 189Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Espacialidades e Estratégias de Produção Identitária... Figura 10: Espacialidades no Rio Grande do Norte no início do século XX Arte: Renato Amado Peixoto. Suporte cartográfi co: ALMEIDA, Cândido Mendes de. Atlas do Império do Brasil, Rio de Janeiro: Typogra- phia de Quirino & Irmão, 1868. Por conseguinte, se a partir desta análise voltamos a pensar a questão da produção historiográfi ca norte-rio- grandense, podemos interpretar que ela visa a atender aos interesses e atividades de uma organização familiar e que essa produção visa a consolidar esses mesmos interesses e atividades. Controlando o poder e o aparelho estadual num momento em que o jogo de poder da República Velha reproduzia e representava uma racionalidade espacial diferente, quando se fazia necessário costurar uma espacialidade e uma identidade a partir de personagens e fatos que pudessem remeter a interesses e estratégias próprios: era não apenas necessário, mas extremamente vantajoso. 190 Revista de História Regional 15(1): 169-193, Verão, 2010 Renato Amado Peixoto Nesse sentido, compreende-se a construção da cen- tralidade da cidade de Natal na narrativa: essa centralidade constituía um contraponto a outras produções que também possuíam sua centralidade nas cidades de Mossoró e Caicó e que também iriam possuir uma continuidade. Destacar Na- tal signifi cava representar uma nova ordem e seus avanços em relação aos processos divergentes. Produzir a centrali- dade de Natal signifi cava fazer representar um sentido de espaço particular que se impunha sobre as construções de outros espaços. As construções que diziam e explicitavam a cidade de Natal passaram, na verdade, a articular uma unidade a partir do imaginário que então se precisava tornar comum a todos. Numa primeira aproximação com esse imaginário, po- demos inferir que Natal também não vai ser verdadeiramente urbanizada, mas construída: ‘Cidade Nova’ é a nomeação ex- pressa dos novos bairros da cidade feita por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Esse é também o sentido que Ma- nuel Dantas, um autor valorizado pela narrativa, vai oferecer no seu texto ‘Natal daqui a 50 anos’.13 “Surge et ambula”, a expressão por ele utilizada em relação à cidade de Natal, é a mesma com que o apóstolo Pedro, em nome de Jesus, co- manda a cura de um paralítico: “Levanta-te e anda”.14 Outra cidade, a Natal republicana, foi construída ao lado da antiga, a acanhada e incipiente Natal do império e da colônia, e sobre essa nova cidade se inscreveram topônimos que espelhavam a manifestação do novo imaginário, inscre- vendo também sobre ela a organização familiar natalense. Conforme notou Itamar de Souza,15 reservaram-se na cidade de Pedro Velho os nomes de suas ruas principais aos presidentes do novo regime e essas foram cruzadas, por sua vez, com ruas nomeadas a partir dos rios que cruzam o ter- ritório do estado. Sobre as duas cidades, a velha e a nova, 13 DANTAS, Manoel. Natal daqui a 50 anos. Natal: Fundação José Augusto/Sebo Vermelho, 1996. 14 Atos dos Apóstolos 3,6. 15 SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte (1889-1930). Na- tal: Senado Federal, 1989, p. 179.
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