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Introdução à Filosofia de Marx, Notas de estudo de Geografia

Texto introdutório ao pensamento de Marx.Uma tarefa arriscada, tanto pela complexidade do tema, quanto pelas inúmeras interpretações do pensamento. No entanto torna-se fundamental ao resgate da teoria marxianapara entender os rumos e a crise do mundo atual.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 19/02/2010

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marilia-faria-chaves-5 🇧🇷

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Baixe Introdução à Filosofia de Marx e outras Notas de estudo em PDF para Geografia, somente na Docsity! Redação final V8 3:24 11/8/2004 Introdução à filosofia de Marx SÉRGIO LESSA IVO TONET Redação final V8 3:24 11/8/2004 SUMÁRIO Prefácio Introdução I. As grandes linhas do debate ideológico II. A relação do homem com a natureza: o trabalho 1 - prévia-ideação e objetivação III. Trabalho e sociedade 1 - objetivação e sociedade 2 - objetivação e conhecimento IV. O que é mesmo o machado? 1 - prévia-ideação e causalidade V. Idealismo e Materialismo 1-0 idealismo 2 - o materialismo mecanicista 3 - o materialismo histórico-dialético VI. O conhecimento VIH. Um pouco de história 1 —a sociedade primitiva 2 - o modo de produção asiático VIH. O Escravismo 1-a crise do escravismo e origem do feudalismo IX. O feudalismo e a origem do capitalismo 1— O feudalismo 2 — Algumas características da sociedade burguesa X. A Reprodução social 1- a reprodução dos indivíduos XI. Marx e a crítica ao individualismo burguês 1-a moral e a ética XII. A política e o Estado democrático 1- a democracia burguesa e o Estado burguês XII. Os fundamentos sociais da alienação 1-a alienação Versão 7 11/8/2004 3:24 5 Lukács! a empreitada mais significativa e que aponta o melhor caminho para o resgate do sentido radicalmente crítico e revolucionário do pensamento de Marx, o que não significa desconsiderar contribuições importantes de outros autores, entre eles, e com ênfase particular, István Mészáros. Não pretendemos aqui uma posição doutrinária ou sectária, mas apenas esclarecer para o leitor a posição que assumimos nesse riquíssimo debate. A esta dificuldade soma-se outra, originada da existência de inúmeras interpretações de Marx. Os textos de introdução podem cumprir, também, um papel de "amortecimento" da consciência crítica do leitor. O que se requer de um texto introdutório, ou seja, sua clareza, sua coerência e sua facilidade de leitura pode ser, atmbém, a principal razão que dê ao leitor a impressão de que as questões "tratadas", e os problemas "solucionados", sejam muito mais simples e palmares do que de fato são. Não poucos manuais do passado, a despeito do desejo de seus autores, terminaram cumprindo também esse papel. Esse o motivo de muitos não verem com bons olhos os textos de introdução, e deve-se reconhecer que eles têm alguma razão. Estamos convencidos, todavia, de que os textos introdutórios podem ter um papel diverso, desde que consigam despertar no leitor mais curiosidades do que certezas. É com a esperança de que esse texto seja apenas a abertura e a sinalização de um horizonte, e não a produção de respostas acabadas, que nos propusemos redigi-lo. INTRODUÇÃO É admissível, hoje, de qualquer ponto de vista, que alguém viva do trabalho alheio? É justificável, hoje, a exploração do homem pelo homem? Este é o dilema de cuja solução depende o futuro da humanidade e, por isso, esta é a questão central da filosofia nos noss s dias. Todas as correntes filosóficas, de algum modo, O estudo da evolução do seu pensamento está ainda no seu início; não há nenhuma obra que dê conta do conjunto de sua produção teórica. Seus primeiros escritos foram influenciados por Kant e Hegel, filósofos burgueses da transição do século XVIII ao XIX. Sob o impacto da I Guerra Mundial (1914-18) e da Revolução Russa de 1917, redigiu as primeiras das suas obras marxistas, das quais a mais conhecida é História e Consciência de Classe (1923). Entre 1930 e 1950, realizou investigações com textos inéditos de Karl Marx, entre eles os Manuscritos de 1844, combateu o stalinismo enfatizando a importância de Hegel para o marxismo (0 Jovem Hegel -1948), combateu o fascismo com sua investigação acerca de suas raízes filosóficas (A Destruição da Razão-1952), e redigiu inúmeros artigos, ensaios e livros sobre arte e literatura. O realismo russo, Thomas Mann, Balzac e o realismo francês, o realismo socialista, etc. foram alguns dos temas aos quais retornou mais de uma vez nesse período de sua vida. Entre a segunda metade dos anos cingienta e o seu falecimento em 1971 Versão 7 11/8/2004 3:24 6 oferecem uma resposta a esse dilema, às vezes explicitamente, outras vezes de modo velado e sutil; às vezes com um discurso aberto, outras vezes pretendendo ignorar o tema. E a resposta que oferecem deve ser um dos elementos importantes na avaliação que fazemos de cada uma delas. Isto não significa reduzir a filosofia à política. Quando as questões filosóficas recebem um encaminhamento político, tal como fez o stalinismo ou como fazem hoje as filosofias mais conservadoras, o resultado é sempre uma filosofia de baixo nível. As respostas alcançadas se perdem rapidamente na medida em que a conjuntura política se altera. Como a filosofia é uma reflexão sobre a história e o destino humanos, ela não deve se limitar ao aspecto imediatamente político e, por isso, toda e qualquer redução da filosofia à política leva a uma filosofia ruim e a uma prática política pior ainda. Se isto é verdade, também correto é que as relações sociais se tornaram, em especial nos últimos séculos, de tal forma desumanas, que toda filosofia exibe uma dimensão política Querendo ou não, explicitamente ou não, intervém nas lutas sociais. Não existem filosofias neutras, ou seja, filosofias que ignorem os dilemas históricos cruciais que a humanidade enfrenta. Capítulo I - As grandes linhas do debate ideológico contemporâneo Devemos ou não, nos dias atuais, manter a exploração do homem pelo homem? Apenas duas respostas verdadeiramente radicais (no sentido de ir à raiz) são possíveis para esta questão. A primeira resposta, conservadora, afirma que não é possível a superação da exploração do homem pelo homem porque ela corresponde à verdadeira essência humana. Desde o irracionalismo do filósofo nazista alemão Martin Heidegger, passando por elaborações filosóficas muito mais civilizadas e sofisticadas como as de J. Habermas, H. Arendt, N. Bobbio e J. Rawls, todas estas correntes, cada uma a seu modo, concebem a vida social como uma luta entre indivíduos que são essencialmente mesquinhos, egoístas, individualistas e movidos pelo desejo de acumular propriedades. Por isso, diz Heidegger, a luta é a dimensão autêntica da existência humana; pelo mesmo motivo, afirmam Habermas, Arendt, Bobbio e Rawls, o capitalismo, a democracia burguesa e o mercado são as mediações insuperáveis da vida civilizada. Todos eles, cada um à sua maneira, buscam conservar o capitalismo e redigiu as suas obras de maturidade, a Estética e a Ontologia do Ser Social. Versão 7 11/8/2004 3:24 7 consideram uma impossibilidade a sociedade emancipada comunista tal como proposta por Marx. O argumento fundamental da maior parte das filosofias conservadoras não é nenhuma novidade: afirmam que há uma essência dos indivíduos humanos que os torna individualistas; e que esta essência, justamente por ser imutável, não poderia ser alterada pela história. Para eles, a história nada mais seria que a afirmação, em diferentes momentos e sob formas distintas, desta mesma essência mesquinha dos homens. Por isso, segundo eles, o máximo que se pode almejar é desenvolver o mercado e a democracia que, para eles, são as melhores e mais civilizadas formas de disputa entre os indivíduos, não passando de um mero sonho a proposta de Marx de uma sociedade sem classes. Como poderia ser abolida a sociedade de classes, perguntam eles, se os homens são essencialmente marcados pela propriedade privada, se são individualistas, mesquinhos e egoístas? Em suma, a resposta conservadora à nossa questão (devemos hoje manter a exploração do homem pelo homem?) afirma que há uma essência humana que faz dos homens seres necessariamente individualis . Esta essência não poderia ser alterada pela história, o que impossibilitaria a superação da forma da sociedade atual por uma outra sem classes e sem opressão. Como os homens são essencialmente individualistas, argumentam os conservadores, a melhor sociedade possível é a capitalista. A segunda resposta radical à no: pergunta é a dos revolucionários. Afirmam eles que não só é possível, como também necessário, que a humanidade se emancipe da exploração e da opressão. A evolução da sociedade contemporânea não nos conduzirá a formas cada vez mais civilizadas de opressão, como afirmam os conservadores, mas sim a uma barbárie crescente ou à própria extinção da humanidade. E a única forma de evitar esta barbárie é superar as desumanidades da sociedade capitalista. Para escapar à crescente barbárie, afirma Marx, não há outra alternativa senão a emancipação humana da opressão dos homens pelos homens. Obviamente, há uma dimensão imediatamente política neste debate acerca da necessidade e da viabilidade da revolução comunista. Contudo, sem desconsiderar a importância deste debate político,o que nos interessa, aqui, é o seu fundamento filosófico. Para Marx, não haveria uma essência humana independente da história. Os homen: ão o que eles se fazem a cada momento histórico. A reprodução da sociedade burguesa produz individualidades essencialmente burguesas. Contudo, reconhecer este fato não significa afirmar que a essência mesquinha do homem burguês seja a essência imutável da humanidade. Demonstra Marx que, tal como a humanidade se fez burguesa, ela também pode se fazer comunista. Por isso, dizem os revolucionários, o capitalismo não é o fim da história. Versão 7 11/8/2004 3:24 10 machado, pode queimá-lo e assim por diante. Para escolher entre as alternativas, deve imaginar o resultado de cada uma ou, em outras palavras, deve antecipar na consciência o resultado provável de cada alternativa. Esta antecipação na consciência do resultado provável de cada alternativa possibilita às pessoas escolherem aquela que avaliam como a melhor. Escolha feita, o indivíduo leva-a à prática, ou seja, objetiva a alternativa. Vamos imaginar que a alternativa escolhida para quebrar o coco seja a de construir um machado. Ao construí-lo, o indivíduo transformou a natureza, pois o machado era algo que não existia antes. Isto é da maior importância, uma vez que toda objetivação é uma transformação da realidade. Este é o modo de agir cotidiano que todos conhecemos. Vejamos o que de fato ocorreu: 1) há uma nec: idade: quebrar o coco; 2) há diversas alternativas para atender a esta necessidade (jogar o coco no chão, construir o machado, etc.); 3) o indivíduo projeta, em sua consciência, o resultado de cada uma das alternativas, faz uma avaliação delas e escolhe aquela que julga mais conveniente para atender à necessidade; 4) uma vez projetado na consciência, ou seja, uma vez previamente ideado o resultado almejado, o indivíduo age objetivamente, transforma a natureza e constrói algo novo. Este movimento de converter em objeto uma prévia-ideação é denominado por Marx de objetivação. O resultado do processo de objetivação é, sempre, alguma transformação da realidade. Toda objetivação produz uma nova situação, pois tanto a realidade já não é mais a mesma (em alguma coisa ela foi mudada), como também o indivíduo já não é mais o mesmo, uma vez ele aprendeu algo com aquela ação. Quando for fazer o próximo machado, utilizará a experiência e a habilidade adquiridas na construção do machado anterior. Ele poderá, ainda, incorporar ao novo machado a experiência de uso do machado antigo (por exemplo, um cabo desta madeira é pior do que daquela outra, esta pedra é melhor do que aquela outra, etc.). Segundo Marx, isto significa que, ao construir o mundo objetivo, o indivíduo também se constrói. Ao transformar a natureza, os homens também se transformam, pois adquirem sempre novos conhecimentos e habilidades. Esta nova situação (objetiva e subjetiva, bem entendido) faz com que surjam novas necessidades (um machado diferente, por exemplo) e novas possibilidades para atendê-las (o indivíduo possui conhecimentos e habilidades que não possuía anteriormente e, além disso, possui um machado para auxiliá-lo na construção do próximo machado). Versão 7 11/8/2004 3:24 11 Estas novas necessidades e novas possibilidades impulsionam o indivíduo a novas prévia: ideações, a novos projetos e, em seguida, a novas objetivações. Estas, por sua vez, darão origem a novas situações que farão surgir novas necessidades e possibilidades de objetivação, e im por diante. Três aspectos deste complexo processo são decisivos para a compreensão do ser social: 1) O machado é um objeto construído pelo homem e apenas poderia existir através da objetivação de uma prévia-ideação. Sem que um indivíduo objetive um projeto ideal (isto é, da consciência) não há machado possível. A natureza pode produzir milho, mas não pode construir machados. Contudo, o machado é uma transformação de um pedaço da natureza. A madeira e a pedra do machado continuam sendo pedaços da natureza. Se desmancharmos o machado, a pedra e a madeira continuarão pedra e madeira. O machado é a pedra e a madeira organizadas segundo uma determinada forma e um determinado fim -- e estes só podem existir como resultado de uma ação conscientemente orientada, isto é, de uma ação que é orientada por um projeto previamente idealizado como resposta a uma nece: dade concreta. A objetivação, portanto, não significa o desaparecimento da natureza, mas sua transformação no sentido desejado pelos homens. 2) A prévia-ideação é sempre uma resposta, entre outras possíveis, a uma necessidade concreta. Portanto, ela possui um fundamento material último que não pode ser ignorado Nenhuma prévia-ideação brota do nada, ela é sempre uma resposta a uma dada necessidade que surge em uma situação determinada. 3) Como toda objetivação origina uma nova situação, a história jamais se repete. Iniciamos este capítulo tentando esclarecer por que, para Marx, o trabalho é o fundamento do ser social. Até agora obtivemos uma resposta apenas parcial a esta pergunta: através do trabalho, o homem, ao transformar a natureza, também se transforma. Quando os homens constroem a realidade objetiva, também se constroem como indivíduos. Contudo, este exemplo que estamos analisando (um indivíduo que precisa quebrar um coco, e para isso faz um machado) tem uma séria limitação: ele trata do indivíduo e da sua ação como se a sociedade não existisse. Como uma etapa preparatória para o estudo da reprodução social, este passo é indispensável porque possibilita a identificação precisa dos elementos ssenciais do trabalho. Todavia, como não há indivíduos sem sociedade, restringir a análise do mundo dos homens apenas aos indivíduos seria um enorme equívoco. Por isso, para respondermos a pergunta mais satisfatoriamente, analisaremos no próximo capítulo a relação entre os atos dos indivíduos e a sociedade. Versão 7 11/8/2004 3:24 12 RESUMO DO CAPÍTULO: 1) Para existirem, os homens devem necessariamente transformar a natureza. Este ato de transformação é o trabalho. a) O trabalho é o processo de produção da base material da sociedade pela transformação da natureza. É, sempre, a objetivação de uma prévia-ideação e a resposta a uma necessidade concreta. Da prévia-ideação à sua objetivação: isto é o trabalho. Vale enfatizar que, para Marx, nem toda atividade humana é trabalho, mas apenas a transformação da natureza. Veremos mais adiante por que. I) Ao transformar a natureza, o indivíduo também transforma a si próprio e à sociedade: a) todo ato de trabalho produz uma nova situação, na qual novas necessidades e novas possibilidades irão surgir; b) todo ato de trabalho modifica também o indivíduo, pois este adquire novos conhecimentos e habilidades que não possuía antes, bem como novas ferramentas que também antes não possuía; c) todo ato de trabalho, portanto, dá origem a uma nova situação, tanto objetiva quanto subjetiva. Esta nova situação possibilitará aos indivíduos novas prévias-ideações, novos projetos e, deste modo, novos atos de trabalho, os quais, modificando a realidade, darão origem a novas situações, e assim por diante. Capítulo HI - O trabalho e a sociedade Iniciamos o capítulo anterior com o exemplo de um indivíduo que deseja quebrar um coco e que, para isso, decide construir um machado. Isto nos permitiu estudar a relação entre a prévia-ideação e a sua objetivação. Contudo, este exemplo é rigorosamente impossível de ocorrer na história, pois não há indivíduos fora da sociedade. O personagem da nossa história só poderia existir como parte de uma sociedade, mesmo a mais primitiva, e a sua necessidade de quebrar o coco, bem como o seu ato de construir o machado, influenciam e recebem influências da sociedade na qual vive. Para que nosso exemplo torne-se mais real, devemos estudar a complexa relação que existe entre os atos individuais e a vida social. Versão 7 11/8/2004 3:24 15 Estas características que comparecem de forma elementar no trabalho estão também presentes em todo e qualquer ato humano — portanto, não são exclusivas do trabalho. E, por isso, Marx afirma que toda e qualquer ação dos indivíduos tem uma dimensão social. Suas conseqiiências influenciam não apenas a vida do indivíduo, mas também de toda a sociedade. Esta articulação entre os atos dos indivíduos e a vida social coletiva é da maior importância. Possibilita a compreensão de quais os processos que articulam, e como o fazem, indivíduo e sociedade em uma relação indissolúvel. As consequências disso serão vistas no Capítulo X. Podemos, agora, responder à nossa pergunta do capítulo anterior acerca das razões de ser o trabalho a categoria fundante do mundo dos homens. O trabalho é o fundamento do ser social porque transforma a natureza na base material indispensável ao mundo dos homens. Ele possibilita que, ao transformarem a natureza, os homens também se transformem. E esta articulada transformação da natureza e dos indivíduos permite a constante construção de novas situações históricas, de novas relações sociais, de novos conhecimentos e habilidades, num processo de acumulação constante (e contraditório, como veremos). É este processo de acumulação de novas situações e de novos conhecimentos — o que significa, novas possibilidades de evolução — que faz com que o desenvolvimento do ser social seja ontologicamente (isto é, no plano do ser) distinto da natureza. RESUMO DO CAPÍTULO: 1) Todo ato humano tem por base a evolução passada da sociedade, a situação presente concreta em que se encontra o indivíduo e suas aspirações e seus desejos para o futuro. Não há ato humano fora da história, fora da sociedade. II) A objetivação resulta, sempre, em três níveis de generalização: 1) O nível objetivo: o objeto produzido passa a ser influenciado e a influenciar toda a sociedade. Sua história adquire, assim, uma dimensão genérica: é, agora, parte da história humana. 2) O nível subjetivo, que se subdivide em dois sub-níveis: a) o conhecimento de um caso singular (como fazer este machado) se eleva a um conhecimento acerca da realidade em geral. Este conhecimento genérico da realidade pode ser aplicado em circunstâncias muito distintas daquelas em que se originou. b) o conhecimento de um indivíduo se difunde por toda a sociedade, tornando-se patrimônio da humanidade. Versão 7 11/8/2004 3:24 16 HI) O trabalho é o fundamento do ser social porque, através da transformação da natureza, produz a base material da sociedade. Todo processo histórico de construção do indivíduo e da sociedade tem, nesta base material, o seu fundamento. Capítulo IV - O que é, mesmo, um machado? O machado é a madeira e a pedra organizadas em forma de machado. Na origem desta forma está o trabalho. O trabalho converte uma idéia, que apenas existe na consciência, em um objeto. Em outras palavras, o machado é uma síntese” entre o mundo natural (a pedra e a madeira), que existe independente da consciência, e a idéia de machado. Esta síntese é fundada pelo trabalho: ela depende da ação de, ao menos, um indivíduo. Sem esta síntese, o machado não existiria. Em linguagem filosófica, dizemos que o machado é a unidade sintética da prévia- ideação do machado com a madeira e a pedra. Prévia-ideação e causalidade Por que a idéia de machado é diferente do objeto machado? A idéia depende absolutamente da consciência para existir; o machado, uma vez produzido, não. Sem a consciência por suporte, a idéia não pode existir. Com o machado acontece algo muito diferente. A consciência que o projetou, o indivíduo e mesmo a sociedade que o criaram, podem desaparecer e ele continuar existindo. Quantos objetos de civilizações passadas subsistiram aos seus criadores! Claro que quem construiu o machado pode também destruí-lo. Mas este fato não significa que o machado não possua a a história, ou seja, sua evolução própria, que pode mesmo se estender no tempo muito depois de seus criadores já terem morrido. Isto acontece porque o machado é distinto da idéia, da consciência. Claro que o machado, uma vez objetivado, continua a sofrer transformações. A madeira e a pedra, por serem pedaços da natureza, continuam naturalmente a se alterar. A madeira vai ". Síntese é um conceito filosófico que adquiriu enorme importância com Hegel (1770-1831) e, depois, com Karl Marx. Ele significa que coisas distintas (no nosso caso, a idéia de machado e a madeira e a pedra) se articulam dando origem a uma terceira, qualitativamente distinta das anteriores (o machado, no nosso exemplo). Versão 7 11/8/2004 3:24 17 secando, apodrecendo, etc, a pedra vai se oxidando, rachando, reagindo com os componentes do ambiente em que se encontra, e assim por diante. Os proc os naturais continuam a agir sobre o machado e esta ação é um componente importante de sua história. Mas, ao lado destas transformações naturais, o machado também pa por transformações provocadas pelos humanos. O seu uso pelas pessoas pode submeter a pedra e a madeira a um tipo de desgaste que não sofreriam na natureza. Ou, também, o seu uso pode protegê-lo de desgastes que sofreria em seu estado natural: ele pode ser preservado das chuvas, do sol, etc. Em suma, sendo o machado a unidade sintética entre a prévia-ideação e a natureza, sua evolução é determinada tanto pelos processos naturais quanto pelo seu uso pelos homens. A evolução do machado — ou, mais precisamente, a história do machado — não pode jamais ser controlada de forma absoluta pelo seu criador. Por mais que o indivíduo cuide da sua ferramenta, ela pode evoluir num sentido diferente — às vezes mesmo oposto — àquele desejado. O machado pode quebrar no momento em que ele seria mais necessário; ou então, pode levar a descobertas de novas possibilidades para a evolução social de que seu criador jamais poderia suspeitar. Quantas vezes nós nos deparamos, nas no: s vidas, com consegiiências de nos: ações que jamais imaginamos possíveis? Estas consegiiências podem ser boas ou ruins, aqui não importa. O que importa é que toda ação humana produz resultados que possuem uma história própria, que evoluem em direções e sentidos que não podem jamais ser completamente previstos ou controlados, produzindo consegiiências inesperadas. Essa independência da realidade frente à consciência — mesmo daquela porção da realidade produzida pelos homens — existe porque todos os nossos atos constroem objetos que são distintos de nós e de nossas consciências. Estes objetos possuem uma evolução própria porque neles atuam causas a eles inerentes e que impulsionam seu desenvolvimento. No caso do machado, estas cau! ão cau: naturais (o apodrecimento da madeira, o envelhecimento da pedra) somadas a causas sociais (a forma como o machado é utilizado, etc.). Outras vezes, como quando se trata das lutas de classe, as causas são exclusivamente sociais. Em outras palavras, a idéia que é objetivada se transforma em objeto. O novo objeto se converte em parte da causalidade e p a sofrer influências e a influenciar a evolução da realidade da qual é parte. Ao fazê-lo, é submetido a uma relação de causas e efeitos que impulsionam a sua evolução com autonomia frente à consciência que o idealizou. Há, assim, a esfera subjetiva, a consciência e, de outro lado, o mundo objetivo. Este último evolui movido por causas que lhe são próprias. Esta esfera puramente causal é denominada, por Lukács, causalidade. Ou seja, a causalidade possui um princípio próprio de Versão 7 11/8/2004 3:24 20 articula e os distingue da natureza. Tendia-se a compreender os humanos como decorrência direta e imediata da natureza Este era o materialismo dos iluministas frances . Outras vezes, tendia-se a compreender todo o universo como resultante da atividade da consciência humana. Este era o idealismo kantiano. Marx, após Hegel tirar as primeiras consegiências filosófica da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, vai ser o momento em que a humanidade, pela primeira vez na história, consegue compreender sua especificidade: ter na natureza sua base insuperável e, ao mesmo tempo, ser regida por leis que não mais são leis naturais, mas sociais. Um exemplo para avivar a memória. A luta de classes não existe na natureza, mas, sem o trabalho que transforma a natureza nos bens materiais indispensáveis à reprodução social, portanto sem ter por base a natureza, as classes sociais sequer podem existir. Esta dupla articulação e distinção com a natureza, descoberta por Marx, é o que escapava aos idealistas e materialistas e os fazia tentar explicar o ser social da forma como o fizeram. 1- O materialismo O materialismo surge na Antiguidade clássica. Contudo, sua elaboração mais sistematizada se deu na Europa no século XVIII. Partia ele do pressuposto de que tudo é matéria, inclusive as próprias idéias. Estas seriam segregadas pela matéria tal como o pâncreas segrega a insulina. O materialismo não apreende o papel das idéias no desenvolvimento histórico. Para ele, a história se reduz a um movimento mecânico e férreo de leis que se impõem de forma inevitável aos seres humanos. As leis da sociedade seriam as mesmas leis da natureza e, tal como a lei da gravitação universal, seriam imutáveis e universais. Como as leis da sociedade não são, jamais, decorrentes dos processos químicos, físicos e biológicos da natureza, este materialismo não conseguiu explicar o complexo processo que é a história dos homens. A imutabilidade das leis da natureza o levou a afirmar a imutabilidade de uma imaginada "natureza humana" como fundamento de todos os processos sociais, e deste modo não conseguiu perceber que a história é um processo. A historiografia que produziu — muito importante no seu tempo, -- não ia muito além da mera crônic Sócrates viveu em Atenas, César cruzou o Rubicão, Galileu descobriu a lei da inércia, etc. A principal debilidade do materialismo do século XVII, portanto, está na impossibilidade de explicar o desenvolvimento do mundo dos homens a partir do seu pressuposto fundamental. Os processos sociais e as idéias dos homens derivariam Versão 7 11/8/2004 3:24 21 mecanicamente da matéria natural. Por isso eles foram denominados materialistas 2 - O idealismo O idealismo foi mais rico em formulações e suas variações são mais intensas e amplas do que o materialismo. Desde Parmênides, passando por Platão, toda a Idade Média e os racionalistas modernos, conheceu inúmeras variantes. Todas elas, contudo, parecem convergir para, nas últimas décadas do século XVIII, dar origem ao idealismo subjetivo de Kant. O pressuposto do idealismo é o reconhecimento do papel ativo, decisivo, das idéias e da consciência humana na história. Esse reconhecimento, contudo, é equivocadamente exagerado a tal ponto que todo o mundo em que os homens vivem (portanto, tanto a sociedade quando a natureza) p: am a ser decorrentes da ação da consciência. O idealismo não nega a existência da matéria, apenas afirma que, na nossa relação com o mundo material, este assume a forma pelo qual é reconhecido pela consciência. Para Kant, todo conhecimento humano passa pelos sentidos. Sem as sensações, portanto, nenhum conhecimento do mundo seria possível. As sensações, todavia, possuiriam, segundo ele, duas limitações fundamentais. A primeira é que não são as coisas que produzem des, mas nossos órgãos dos sentidos. Assim, embora as sensações se refiram à coisas, elas são, na verdade, produzidas no e pelo sujeito. Portanto, as sensações nos dizem como percebemos as coisas, mas não como as coisas são. Um exemplo: Aristóteles, que não conhecia a gravitação universal, postulava que o universo seria finito e esférico. O universo, portanto, para ele, era de fato finito e esférico. Newton, já no século XVII, com a lei da gravitação universal, afirma que o espaço teria necessariamente que ser infinito e, portanto, que o universo seria infinito. Einstein, já no século XX, vai demonstrar novamente a finitude do universo com a sua teoria acerca da curvatura do espaço. Esses exemplos, segundo Kant, demonstrariam como nossa sensação do que é o universo revelaria como nós o "enxergamos", informam-nos a mas não como ele de fato é. Esta, portanto, a primeira limitação das sensaç: como percebemos as coisas, mas não nos dizem como as coisa: sensações, segundo Kant, estaria no fato de que elas sempre se refeririam a um evento, ou a um número relativamente pequeno de eventos. Faça-se uma experiência: fechem-se os olhos e percebam-se as sensações, isoladas umas das outras. Elas não têm, isoladamente, o mesmo significado que quando articuladas em uma "imagem" do mundo. Sentir uma cadeira sob o nosso corpo pode ter muitos significados. Na Idade Média, apenas o rei poderia sentar, portanto, em algumas circunstâncias, o fato de alguém estar Versão 7 11/8/2004 3:24 22 sentado poderia indicar que esse alguém era o rei. Se alguém estiver estudando para uma prova, estar sentado tem outro significado. E assim sucessivamente. O que vai conferir significado à sensação, portanto, não é a sensação como tal, mas a sua articulação, o seu lugar e a sua função no mundo em que ocorre. Ela tem que ser articulada com a universalidade do mundo para que possa ter qualquer sentido. E, como as sensações não nos revelam a universalidade, esta universalidade teria que vir da razão. E, de fato, segundo Kant, seria isso que aconteceria. A razão humana seria portadora dos conceitos universais de tempo e espaço. Seria a atividade da consciência que inseriria as sensações do singular e do particular no tempo e no espaço (repetimos, universais) e, ao fazê-lo, conferiria a cada sensação o seu significado. Ser portador dos conceitos "a priori" de espaço e tempo, segundo Kant, seria a "natureza" imutável, fixa para todo o sempre, da razão. Portanto, para o idealismo kantiano, não podemos jamais saber o que as coisas de fato são. O que podemos conhecer e explorar é a imagem do mundo que nossa consciência produz a partir da organização das nossas sensações no tempo e no espaço. E esta imagem do mundo pode variar tanto quanto a de Aristóteles, Newton ou Einstein. O espírito humano, em seu processo interno de desenvolvimento, vai construindo imagens do mundo. Ao explorá-las, este mesmo espírito vai descobrindo novas contradições e problemas que ele antes desconhecia e, a partir destes problemas e contradições, vai produzindo uma visão de mundo mais sofisticada e desenvolvida. Esta nova concepção, todavia, também terá problemas e conduzirá, com o tempo, a uma terceira, a uma quarta, imagens de mundo, etc. Assim, a história passa a ser vista como o resultado de uma luta de idéias e, de modo mais geral, como o processo constante de auto-aperfeiçoamento do espírito humano. Antes de passarmos a Marx, é importante que se perceba que tanto o idealismo quanto o materialismo mecanicista, cada um a seu modo, acentuam um aspecto da questão. Os ideal s reconhecem, corretamente, o papel decisivo das idéias. Os materialistas, não menos corretamente, reconhecem o fundamento material do espírito humano. De modo simétrico, os idealistas se equivocam ao não perceberem o peso determinante da vida social objetiva sobre as concepções de mundo e, analogamente, os materialistas se equivocam por não reconhecerem o papel ativo das idéias sobre o desenvolvimento humano. Tais debilidades dos idealistas e dos materialistas, como vimos, decorriam do pouco desenvolvimento das forças produtivas até o início do século XIX, o que impediu que a humanidade percebesse com clareza como os homens são, ao mesmo tempo, distintos e dependentes da natureza. Por isso, a solução da questão não estava em unir as duas correntes, mas sim em superar historicamente este patamar de desenvolvimento da humanidade. Foi Versão 7 11/8/2004 3:24 25 idéias para a história, como também a sua impotência quando não encontram as condições históricas necessárias para que sejam traduzidas em prática (para que sejam objetivadas) por atos humanos concretos. d) o materialismo histórico-dialético, portanto, é a superação histórica tanto do idealismo quanto do materialismo mecanicista. Ele possibilita compreender a base material das idéias e, ao mesmo tempo, a força material das idéias na reprodução social. Capítulo VI - O conhecimento Foi esta superação, por Marx, do idealismo e do materialismo mecanicista que possibilitou a elucidação de como se dá o processo de conhecimento. O ponto de partida, para Marx, está no fato de que entre as idéias e o mundo objetivo, externo à consciência, se desdobra uma intensa mediação que tem no trabalho a sua categoria fundante. Tipicamente, é pelo trabalho que os projetos ideais são convertidos em produtos objetivos, isto é, que pa: m a existir fora da consciência. E, do mesmo modo tipicamente, é reconhecendo as novas necessidades e possibilidades objetivas abertas pelo desenvolvimento material que a consciência pode formular projetos ideais que orientam os atos de trabalho. Realidade objetiva e realidade subjetiva são, assim, dois momentos distintos, mas sempre riamente articulados, do mundo dos homens. Esta relação entre consciência e objetividade é muito complexa. Tão complexa como o mundo dos homens. O que nos interessa, agora, é que, nesta relação, intervém uma determinação fundamental: como o futuro é o desdobramento causal do presente, com todas as mediações e acasos possíveis, ele não é jamais uma decorrência direta e imediata da situação atual. Por isso — ou seja, como o futuro ainda não aconteceu — a consciência pode antecipar apenas parcialmente as conseqiiências futuras de nossas ações. Há, por isso, tipicamente, sempre uma distância entre "intenção e gesto". As consegiiências dos atos humanos tendem a divergir, em algum grau, da finalidade que está nas suas bases, gerando novas necessidades e possibilidades e, deste modo, obrigando-nos a uma nova ação para atuar sobre as consegiiências dos nossos atos. Essa situação é caracterizada, por Lukács, como aquele “período de conseqiiências” no qual o ato retroage sobre a consciência através dos efeitos que provoca. Por exemplo: um cientista está pesquisando uma nova droga contra a AIDS e descobre um remédio que melhora um pouco a evolução da doença. Contudo, ao administrar o remédio “ Tipicamente, portanto não apenas. Todo e qualquer ato humano, toda e qualquer objetivação, altera o mundo Versão 7 11/8/2004 3:24 26 aos doentes por um período de tempo mais prolongado, descobre que este remédio termina por matar as células do intestino. Ao pesquisar porque o remédio afeta o intestino, nosso cientista descobre que este órgão possui uma substância nas suas células, que antes ninguém percebera, que, ao reagir com o remédio, termina matando o intestino e, logo depois, o próprio paciente. Neste exemplo, o "período de consegiiências" é bem visível. Ao alterar a composição do sangue, introduzindo o remédio, o objetivo imediato do cientista é alcançado: a AIDS evolui mais lentamente. Contudo, no “período de consegiiências” um fato novo é descoberto: há uma substância no intestino, até então despercebida, que é alterada pelo remédio, matando assim o paciente. Logo, o remédio não deve ser usado. Observe-se como o “período de consegiiências” é importante. Ele fornece nova indicações e informações sobre a realidade e sobre o que foi produzido, possibilitando aos homens adquirirem conhecimentos até então sequer imagináveis. Nosso cientista jamais poderia imaginar que, ao pesquisar a AIDS, iria descobrir um novo composto no intestino humano. O resultado alcançado foi completamente diferente do pretendido! E, ainda que a cura da AIDS não tenha sido alcançada, o conhecimento obtido certamente é útil e será aproveitado nesta e em outras circunstâncias. Veremos, ao estudar as alienações que, muitas vezes, o “período de consegiiências” pode resultar não no desenvolvimento do conhecimento e da capacidade dos homens dominarem a natureza, mas sim no surgimento e desenvolvimento de relações sociais desumanas, que tornam as pessoas — e a sociedade -- menos humanas do que poderiam ser. Mas, agora, o que nos interessa é que o “período de conseqiiências” abre a possibilidade de conhecermos a realidade através dos efeitos que resultam dos nossos atos. Vejamos como isto se dá. 1 — Conhecimento e "período de consegiiências Para que o trabalho tenha êxito, é necessário que o indivíduo e a sociedade possuam o conhecimento mínimo indispensável para a transformação desejada da realidade. A prévia ideação que propõe transformar a água em machado seria uma impossibilidade, porque à propriedades da água não permitem isso. Para que o ato de trabalho alcance seu objetivo, é necessário o conhecimento que possibilite escolher os meios da realidade que são adequados à objetivação da prévia ideação. Conhecer estes meios é, pois, imprescindível para a realização material, seja a materialidade natural, a social ou ambas. Versão 7 11/8/2004 3:24 27 do trabalho. Por isso, quase sempre, o ato de trabalho bem sucedido se baseia em um “conhecimento adequado” da realidade que foi transformada. Contudo, este “conhecimento adequado” é correspondente ao objetivo que se tem em mente. Por exemplo, para um homem pré-histórico fazer um machado, era imprescindível que ele conhecesse a madeira e a pedra o suficiente para distinguir um do outro e do resto da natureza. Era necessário que ele conhecesse as madeiras e as pedras o suficiente para que pudesse escolher a melhor pedra e o melhor pedaço de madeira. Contudo, não era indispensável que ele conhecesse que a madeira e a pedra são compostas por átomos. O conhecimento dos átomos é indispensável para uma transformação muito mais intensa e desenvolvida da natureza, como a que ocorre nos reatores atômicos, mas o homem pré- histórico poderia perfeitamente construir o machado sem este conhecimento. Portanto, todo ato de trabalho requer o conhecimento do setor da realidade a ser transformado. Contudo, isto não significa que se deva conhecer tudo da realidade, mas apenas os aspectos diretamente envolvidos no ato da transformação. O conhecimento que surge relacionado a esta exigência traz a marca do seu momento histórico, pois, ao construir um machado, investigamos a realidade a partir deste nosso objetivo. Isto faz com que todo conhecimento da realidade evolua muito influenciado pelas necessidades e pelos objetivos que se tem a cada momento histórico. Em resumo, a consciência deve refletir a realidade para ser capaz de produzir um conhecimento adequado. Por isso, ao investigar a realidade, é da máxima importância que a consciência possa construir uma idéia que reflita o real do modo mais fiel possível. Contudo, esta fidelidade do reflexo é condicionada pelas necessidades e pelos objetivos que orientam a investigação. O reflexo jamais poderá ser um reflexo fotográfico, mecânico, da realidade. Ele é sempre uma construção da consciência, uma atividade da consciência. Esta atividade da consciência é a apropriação das propriedades da realidade segundo as necessidades e nec objetivos do momento. E como dades e objetivos surgem ao longo da história, todo reflexo do real é historicamente condicionado. Por outro lado, quando o conhecimento é utilizado num ato de trabalho, ele também é colocando à prova, podendo, assim, ser verificada a sua validade nesta nova situação. Vale dizer, pode ser avaliada a sua maior ou menor fidelidade como reflexo da realidade. Ao checar sua validade, é possível perceber até que ponto ele é verdadeiro, quais são seus limites, etc., obtendo-se assim novos conhecimentos que irão, por sua vez, possibilitar novos atos de trabalho e, por esta via, novos conhecimentos. Por fim, já que tanto a realidade quanto a subjetividade estão sempre em evolução, é impossível um conhecimento absoluto da realidade. O conhecimento é uma atividade da Versão 7 11/8/2004 3:24 30 organização social não poderia evoluir para além de pequenos bandos que migravam de um lugar a outro em busca de comida. Pequenos bandos migratórios: esta é a primeira forma humana de organização social. Como a produtividade era muito pequena, e todos normalmente passavam fome, não havia qualquer possibilidade econômica de exploração do homem pelo homem. Era uma sociedade tão primitiva que sequer possibilitava a existência das classes sociais. Contudo, o trabalho e seus efeitos já se faziam presentes mesmo neste ambiente primitivo. Ao coletarem os alimentos, os homens iam conhecendo a realidade, e este conhecimento era generalizado por todos os membros do grupo. Com o tempo, estes bandos foram capazes de produzir ferramentas cada vez mais desenvolvidas e foram conhecendo cada vez melhor o ambiente em que viviam. Com o desenvolvimento das forças produtivas, os bandos puderam aumentar de tamanho e se complexificaram. Indivíduos e sociedade já naquele momento estavam em permanente evolução. É importante acentuar: o que caracterizava o trabalho (tomado socialmente) nesta comunidade primitiva, era o fato de que todos trabalhavam e também usufruífam do produto do trabalho. Esta evolução levou à primeira grande revolução na capacidade humana de transformar a natureza: a descoberta da semente e da criação de anime Com o aparecimento da agricultura e da pecuária, os homens puderam, pela primeira vez, produzir mais do que nec itavam para sobreviver, ou seja, surgiu um excedente de produção. A existência deste excedente tornou economicamente possível a exploração do homem pelo homem. Temos aqui a gênese de algo radicalmente novo na história humana. Nas sociedades primitivas, os indivíduos, por mais que divergissem, tinham no fundo o mesmo interesse: garantir a sobrevivência de si e do bando ao qual pertenciam. Com o surgimento da exploração do homem pelo homem, pela primeira vez as contradições sociais se tornam antagônicas, isto é, impossíveis de serem conciliadas. A cl: e dominante tem que explorar o trabalhador, este não deseja ser explorado. 2 - O modo de produção asiático As primeiras sociedades baseadas na exploração do homem pelo homem foram as escravistas e as asiáticas. Aqui trataremos das sociedades asiáticas, deixando para o próximo capítulo o estudo do escravismo. Ainda que em uma forma diferente do escravismo, o modo de produção asiático também era uma forma primitiva de exploração do homem pelo homem. A classe dominante (a casta dominante na Índia, os mandarins na China, etc.) se apropriava Versão 7 11/8/2004 3:24 31 da riqueza produzida nas aldeias através de impostos, sempre recolhidos sob a ameaça do emprego da força militar. Para possibilitar esta exploração dos trabalhadores pela classe dominante, foi necessária a criação de novos complexos sociais. Entre estes, os mais importantes foram o Estado e o Direito. O Estado é a organização da classe dominante em poder político. Tal poder apenas pode existir apoiando-se em um conjunto de instrumentos repressivos (exército, polícia, sistema penitenciário, funcionalismo público, leis, etc.). Independente da forma que esse Estado assuma e das formas de exercer o poder, segundo Marx e Lukács, o Estado é, essencialmente, um instrumento de dominação de classe. Vale notar que, na comunidade primitiva, também existia a autoridade, mas não existia o Estado. Nela, a autoridade, baseada na idade, na sabedoria, na experiência de vida, nos dotes físicos, etc. não estava a serviço da exploração do homem pelo homem, ao contrário das sociedades de classe nas quais a autoridade tem por função social o domínio de uma parte da sociedade sobre outra. Quando ao Direito, vale uma observação semelhante. Nas sociedades primitivas não existiam leis: como os interesses eram bastante parecidos, a tradição e os costumes eram suficientes para organizar a vida social. Os eventuais desacordos e conflitos eram resolvidos a partir de procedimentos e rituais que compunham a cultura tradicional da sociedade. Com a divi o da sociedade em classes, os interesses, agora antagônicos”, não podiam ser resolvidos a não ser pela força. A reprodução da sociedade, contudo, ficaria inviabilizada se esta afirmação de força degenerasse cotidianamente em uma luta aberta entre as classes, em uma guerra civil. Evitar que isso aconteça é a função social do Direito. Cabe ao Direito regulamentar a vida social por meio de leis que jamais ultrapassem a dominação de classe. Como a principal divergência, agora, é entre os que detêm a propriedade dos meios de produção e os que têm apenas a força de trabalho, o objetivo fundamental do Direito será o de regulamentar a vida social de modo a que ela possa se reproduzir sobre a base da propriedade privada. Em suma, com a exploração dos homens pelos homens, surgiram as primeiras formas de sociedades de classe. Existem agora têm interesses antagônicos, inconciliáveis: de um lado os exploradores, de outro os explorados. Para manter a sua dominação, os exploradores criaram o Estado, que é o conjunto formado pelos funcionários públicos (a burocracia), a polícia, o exército e o Direito. Versão 7 11/8/2004 3:24 32 As sociedades asiáticas, ou o modo de produção asiático, se desenvolveram a partir da descoberta da agricultura e da pecuária na região geográfica compreendida entre o Oriente Médio e a China e, também, nas civilizações Maia e Asteca nas Américas. Este modo de produção é característico de regiões com densidade populacional elevada e onde o solo disponível para agricultura é restrito. A produção adequada se revelou ser o cultivo de cereais em terrenos alagados, o que exigia enormes trabalhos para a construção de diques, represas e canais de irrigação. Quando uma aldeia atingia um determinado patamar de desenvolvimento, e a população atingia o limite da produção, era criada uma nova aldeia, semelhante à primeira, em outra localidade. Assim, de divis ão em divisão, a aldeia era reproduzida da mesma forma, e o excedente produtivo era absorvido na construção da nova aldeia e nos indispensáveis trabalhos de irrigação. Neste contexto, o crescimento da produção e da população, nas aldeias, resultou não na produção de mercadorias para a troca, mas na divisão da aldeia em outras aldeias iguais. Temos aqui, aparentemente, uma situação que, ao invés de produzir sempre algo novo, reproduz sempre o velho. Uma aldeia gera uma outra igual, num processo que aparentemente se assemelha à reprodução biológica, onde o milho reproduz milho e assim sucessivamente. Mas só aparentemente. Pois o simples fato de um mesmo modelo de aldeia se multiplicar significa, objetivamente, um aumento da capacidade de transformar a natureza e, ao mesmo tempo, um real aumento de população (o que, também, significa um desenvolvimento da capacidade de transformar o ambiente). Por isso, também nas sociedades asiáticas, a reprodução social cria sempre novas situações; contudo, é verdade, com uma velocidade muito menor do que no escravismo, no feudalismo e no capitalismo. Este desenvolvimento mais lento fez com que as sociedades asiáticas chegassem ao século XX praticamente como eram há milhares de anos atrás. Embora muito mais antigas que as sociedades escravistas, feudais e capitalistas, sua incapacidade de desenvolver rapidamente as forças produtivas colocou-as em enorme desvantagem frente ao capitalismo e, por isso, foram sendo destruídas na medida em que a burguesia dominava o planeta. Em suma, o desaparecimento da sociedade primitiva deu origem a dois novos modos de reprodução social: o modo de produção asiático, que acabamos de estudar, e o modo de produção escravista, que estudaremos no próximo capítulo. RESUMO DO CAPÍTULO: Isto é, opostos, impossíveis de serem conciliados, que não admitem uma solução comum, que não conhecem um meio-termo. Versão 7 11/8/2004 3:24 35 Isto levou à revolta do exército e dos funcionários públicos e ao aumento da corrupção A consegiiência foi o aumento tanto das invasões do império pelos povos que viviam nas suas fronteiras, como também das revoltas dos escravos. A desorganização do comércio, resultante d: s invasões das fronteiras e das revoltas no interior do império, diminuiu ainda mais o lucro dos senhores, de modo que eles tinham ainda menos dinheiro para pagar os soldados e os funcionários públicos. Com menos recursos, a crise política e militar aumentou e a economia se desestruturou ainda mais. Este círculo vicioso levou ao final do escravismo.. Este processo de decadência era impulsionado pelas contradições geradas pelo próprio crescimento do escravismo e não pela presença de uma classe revolucionária que possuísse um projeto alternativo global para a sociedade. Claro que os escravos se revoltavam; contudo, pelas suas próprias condições de vida e trabalho, não conseguiram desenvolver um conhecimento adequado da sociedade e da história humana que lhes permitisse elaborar uma proposta de alteração revolucionária da sociedade. O escravismo, pelo seu próprio desenvolvimento, gerou contradições que o conduziram, no dizer de Lukács, a um “beco sem saída”. Não tinha como continuar a existir e, contudo, não havia nenhum projeto de uma nova sociedade capaz de superar aquele impasse histórico. Os homens não podiam intervir conscientemente no processo de transição; pelo contrário, foram por este empurrados sem perceber adequadamente o que ocorria. Sem a presença de uma classe revolucionária, a transição do escravismo ao feudalismo ocorreu de forma lenta e caótica, demorando mais de três séculos para se completar. E, apena após este longo período de tempo, consolidaram-se as características decisivas do feudalismo. Sobre o feudalismo, falaremos um pouco no próximo capítulo. RESUMO DO CAPÍTULO: 1) Com a descoberta da agricultura e da pecuária, surgiu o excedente econômico e com isso tornou-se lucrativa a exploração do homem pelo homem. É assim que os homens se dividiram, então, em duas clas: socia antagônicas (isto é, cujos interess ão opostos), os que trabalhavam e os que se apropriavam do fruto do trabalho. II) No escravismo, para enriquecerem cada vez mais, os senhores tinham que aumentar o número de escravos que possuíam. Com isso a quantidade de escravos aumentou tanto que eles tiveram que criar mecanismos de repressão especiais para se protegerem das revoltas dos Sobre esta crise, cf. Anderson, P. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. Ed. Afrontamento, Porto, 1982. Versão 7 11/8/2004 3:24 36 escravos: o exército, a burocracia (os funcionários públicos) e o Direito. Este conjunto é conhecido por Estado. II) O crescimento do número de escravos fez com que as despesas para manter o exército e o Estado aumentassem tanto que, a partir de certo ponto, o lucro dos senhores não era mais suficiente para pagá-los. Sem recursos, os soldados e os funcionários públicos aos poucos deixaram de defender os senhores, e com isso o escravismo entrou na crise que levou ao seu desaparecimento. IV) Sem a presença de uma classe revolucionária, a transição ao feudalismo demorou mais de três séculos. IX - O feudalismo e a origem da sociedade capitalista 1- O feudalismo Com a crise do escravismo, abriu-se um longo processo, que durou séculos, de transição para o novo modo de produção, o feudalismo. O que caracterizou este processo de transição foi, em primeiro lugar, o fato de nele não atuar uma classe revolucionária. Os escravos não eram uma cl e revolucionária porque não tinham condições históricas de levar à prática um projeto alternativo de sociedade. Naquela situação histórica, o desenvolvimento das forças produtivas ainda não atingira o patamar que possibilitasse aos homens o conhecimento indispensável ao surgimento de uma classe revolucionária para liderar a transição da velha sociedade para uma nova. Com isso, a transição foi caótica, fragmentada, lenta e o novo modo de produção, o feudalismo, se estruturou de modo muito diferenciado de lugar para lugar. Com o desaparecimento da estrutura produtiva e comercial do Império Romano, o comércio e o dinheiro praticamente desapareceram. A auto-suficiência passou a ser uma necessidade. A interrupção dos contatos entre as localidades mais distantes acarretou uma regressão na produção, na cultura e na sociedade. Por isso, a principal característica do feudalismo foi a organização da produção em unidades auto-suficientes, essencialmente agrárias e que serviam também de fortificações militares para a defesa: os feudos. O trabalho no campo era realizado pelos servos. Estes, diferente dos escravos, eram proprietários das suas ferramentas e de uma parte da produção. A maior parte da produção ficava com o Senhor Feudal, proprietário da terra, e também líder militar, a quem cabia a responsabilidade da defesa do feudo. O senhor feudal não poderia vender a terra ou expulsar o servo; este, em Versão 7 11/8/2004 3:24 37 contrapartida, não poderia abandonar o feudo. O servo estava ligado à terra e, o senhor feudal, ao feudo. A queda do Império Romano provocou, portanto, uma regressão das forças produtivas, no sentido mais amplo do termo. Contudo, esta regres o foi, ao mesmo tempo, um avanço. Pois, ao destruir o escravismo, aboliu ao mesmo tempo todos os entraves ao desenvolvimento histórico típicos daquele modo de produção. Acima de tudo, aboliu a incapacidade de elevação da produtividade de trabalho que é inerente à condição do escravo. Esta regressão imediata tornou possível o surgimento de uma nova forma de organização social na qual o desenvolvimento das forças produtivas poderia ocorrer livre dos velhos entraves. De imediato, foi sem dúvida alguma uma regressão; mas a médio e longo prazos foi a condição indispensável para que a humanidade continuasse a desenvolver as forças produtivas, isto é, as capacidades humanas para transformar a natureza. Nesse contexto, a grande novidade histórica do feudalismo está no fato de que — diferente de tudo o que ocorrera nas relações entre o escravo e o seu senhor, -- os servos ficavam com uma parte da produção e, m sendo, interessava aos servos aumentá-la. Como resultado desse interesse, começaram a desenvolver novas ferramentas, novas técnicas produtivas, novas formas de organização do trabalho coletivo, aprimoraram as sementes, melhoraram as técnicas de preservação do solo. Em poucos séculos a produção voltou a crescer e, graças à melhor alimenta o, a população aumentou. Logo em seguida, o aumento da produção e da população provocou uma crise no sistema feudal: o feudo possuía mais servos do que necessitava e produzia mais do que conseguia consumir. Frente à crise, os senhores feudais romperam o acordo que tinham com os servos e expulsaram do feudo os que estavam sobrando. Estes, sem terem do que viver, começaram a roubar e a trocar o produto do roubo com outros servos. Como todo mundo estava produzindo mais do que necessitava, todos tinham o que trocar e voltou a florescer o comércio. Em pouco mais de dois séculos, as rotas comerciais e as cidades renasceram e se desenvolveram em quase toda a Europa. Com o comércio e as cidades, surgiram duas novas cla: s: OS artesãos e os comerciantes, também chamados de burgueses. 2 - Algumas características da sociedade burguesa Entre os séculos XI e XVIII a burguesia não parou de se expandir. Do comércio local ou ao comércio por toda Europa. Em seguida, descobriu a África, o caminho marítimo Pp para as Índias, as Américas e articulou um mercado mundial. Alguns séculos depois, com Versão 7 11/8/2004 3:24 40 Uma outra característica importante da sociedade burguesa é que a exploração dos trabalhadores é feita segundo as leis do mercado. Estas “leis do mercado” são, não devemos nos enganar, leis capitalistas. Surgiram, desenvolveram-se e apenas podem continuar a existir enquanto expressões, a cada momento da história, das necessidades da acumulação do capital. Elas reduzem tudo, inclusive a força de trabalho dos homens, a mercadoria. Consideremos esta afirmação com mais vagar: reduzem a força de trabalho a mercadoria. A força de trabalho de cada indivíduo é parte do que ele tem de mais essencial como ser humano. A força de trabalho de cada um de nós, ou seja, nossa capacidade de produzir os bens de que necessitamos, é herdeira de todo o desenvolvimento da humanidade. Nossos instrumentos, nossos conhecimentos, nossas ferramentas, nossa riqueza acumulada sob a forma de fábricas, laboratórios, usinas de energia, malha de transporte e comunicação, etc., etc., etc., que são fundamentais para que possamos produzir do modo como o fazemos, são, em larguís ima medida, resultantes do que a humanidade fez no passado. Se hoje podemos ser professores, operários, banqueiros, políticos, mestres-cucas e tantas coisas mais, se podemos produzir o que produzimos e consumimos, é também resultante de todo o passado da humanidade. Mas não apenas isso. Nossa capacidade individual de produção, ou seja, se alguns são professores, outros operários, outros banqueiros, etc., é também a expressão material de como nos conectamos, enquanto indivíduos, com a própria história da humanidade. Um operário só pode ser operário porque parte de uma história que tornou os operários necessários. Ao trabalhar como operário, está exercendo uma atividade cotidiana que o articula materialmente com toda a história dos homens; o mesmo com o banqueiro, o professor, o mestre-cuca, etc. E, ainda mais: é ao exercemos cada uma dessas atividades que nos conectamos com a reprodução material da sociedade na qual vivemos e, portanto, nos objetivamos como personalidades, como indivíduos da classe dominante, da classe trabalhadora (os operários e outros assalariados), etc. A força de trabalho de cada um de nós é, portanto, a expressão mais condensada do que temos de mais humano como indivíduos: a nossa relação com a história da humanidade, como nos articulamos com ela, o que somos, o papel que jogamos no complexo processo de desenvolvimento da humanidade e sim por diante. É justamente este caráter essencialmente humano da força de trabalho que é negado pelo capitalismo ao reduzi-la a simples mercadoria. Mercadorias são coisas, não são pessoas. Fazer das pessoas cois é o que Marx e Lukács denominam processo de reificação ou de coisificação. Reificação é, portanto, o desenvolvimento de relações sociais que apenas contemplam aquilo que, no indivíduo, pode ser comprado e vendido: sua força de trabalho. Para isso, a força de trabalho deve deixar de ser a expressão da riqueza sócio-histórica da Versão 7 11/8/2004 3:24 41 personalidade de cada um de nós e se converter apenas na capacidade de o indivíduo despender determinada energia em atividades profissionais rigorosamente definidas e em circunstâncias muito bem delimitadas: um médico no hospital, um professor na escola, um operário na fábrica, etc. A reificação (ou coisificação), que é a essência das alienações capitalistas, é esta absurda redução do que é uma das expressões mais humanas do indivíduo, sua capacidade produtiva, a mera mercadoria, a uma coisa. É esta redução que faz com que a força de trabalho de todos nós possa ser avaliada segundo o critério de avaliação de toda e qualquer mercadoria: quanto custa para produzi-la? No caso da força de trabalho, o que custa para produzi-la é o indispensável para manter vivo e produzindo o trabalhador: a pouca alimentação, o casebre ou a favela, o transporte barato em ônibus lotados ou caminhões de bóias-frias, etc. O custo, para o capital, desta mercadoria chamada força de trabalho é muito menor do que as necessidades humanas do trabalhador. O trabalhador é gente e não mercadoria; mas, como ao capital o que importa são apenas as mercadorias e os seus custos, a essência humana da força de trabalho é completamente desprezada. Nos últimos capítulos consideramos, panoramicamente, o desenvolvimento dos modos de produção decisivos. Com isto temos o indispensável ao estudo da reprodução social, o que faremos no próximo capítulo. RESUMO DO CAPÍTULO: DA tran: ão do escravismo para o feudalismo ocorreu sem a presença de uma classe revolucionária: com isso a transição foi caótica e prolongou-se por séculos. II) O feudalismo se caracterizou pela produção auto-suficiente nos feudos com base no trabalho dos servos. O Senhor Feudal era responsável pela defesa militar e ficava com a maior parte do que era produzido. III) Como os servos ficavam com uma parte da produção, começaram a desenvolver as técnicas e ferramentas. Com isto a produção aumentou, melhorou a alimentação e a população começou a crescer. Isto fez surgir um excedente de população e de produção que serviram de base ao ressurgimento do comércio e, com ele, ao aparecimento da burguesia. IV) A burguesia revolucionou a economia e a sociedade feudais: abriu o comércio mundial e realizou a Revolução Industrial. Com a Revolução Industrial surgiram as duas classes fundamentais da sociedade burguesa: o proletariado e a burguesia. versão 7 11/8/2004 3:24 42 V) O que caracteriza a sociedade capitalista frente aos modos de produção anteriores é a redução da força de trabalho a mera mercadoria e, portanto, o desprezo absoluto pelas necessidades humanas. O resultado é o individualismo burguês: a redução da coletividade a mero instrumento para o enriquecimento privado dos indivíduos. X - A reprodução social (conclusão) Lukács assinala que a história evidencia que a reprodução social segue algumas linhas gerais: 1) Há uma tendência de fundo para a constituição de relações sociais sempre mais genéricas, que abarcam uma porção cada vez maior da humanidade. A humanidade evoluiu dos pequenos bandos para sociedades cada vez maiores, que articulam um número crescente de indivíduos. Com o desenvolvimento do capitalismo, es! sociedades foram por fim articuladas através do desenvolvimento do mercado mundial, de tal modo que, nos dias de hoje, a humanidade está efetivamente integrada numa vida social comum. Um exemplo será suficiente: há milhares de anos, o que ocorria na China em nada afetava a vida de um indígena brasileiro. Hoje, a vida de todos nós está submetida à crise de um mercado mundial. Uma superprodução de arroz na China pode afetar o agricultor gaúcho ou goiano. Portanto, ainda que não se conheçam, a vida dos produtores de arroz do mundo inteiro está, de algum modo, relacionada. O mesmo ocorre em todos os setores da atividade social. Com isto Lukács não quer negar que existam diferentes sociedades, países e culturas; mas assinalar que estas diferenças não impedem que a vida de todos os indivíduos do planeta Terra esteja articulada de forma bastante estreita. Hoje, como nunca na história da humanidade, os indivíduos compartilham de uma mesma história. 2) A segunda tendência de fundo do desenvolvimento social, para Lukács, é a constituição de sociedades cada vez mais internamente heterogêneas, complexas. De uma situação inicial na qual as únicas diferenças decisivas entre os indivíduos eram a idade e o sexo, a evolução levou a uma divisão de trabalho cada vez mais intensa com o aparecimento de diferentes atividades produtivas (separação da agricultura da pecuária, seguida pelo desenvolvimento do artesanato e pelo surgimento do comércio, da cidade e do campo, etc.). Após o surgimento das classes sociais, a diferenciação interna da sociedade adquiriu um novo impulso. Com as lutas de classe, há necessidade de um novo conjunto de instituições, em especial o Estado e o Direito, que aumenta ainda mais a complexidade e a heterogeneidade - Essa linha de evolução continua até o dia de hoje, quando a crescente Versão 7 11/8/2004 3:24 45 profissão. Hoje, ainda que esta escolha não seja livre, pois é condicionada pelas posses do indivíduo, sem dúvida ela é maior do que no passado. Portanto, a necessidade e a possibilidade de desenvolvimento dos indivíduos como personalidades cada vez mais complexas e ricas são dadas pelo desenvolvimento social. Quanto mais rica e intensa for a vida social, quanto mais articulada for a vida do indivíduo com a história de toda a humanidade, mais desenvolvida no sentido humano será sua existência. Não há desenvolvimento social que não implique, de algum modo, também o desenvolvimento dos indivíduos e, vice-versa, o desenvolvimento dos indivíduos é uma necessidade e possibilidade postas pela reprodução social. Por isso a reprodução da sociedade e a reprodução do indivíduo são dois pólos do mesmo processo, isto é, são momentos distintos, porém sempre articulados, da reprodução social. RESUMO DO CAPÍTULO: T) Há quatro tendências de fundo do desenvolvimento social ao longo da história: 1) O surgimento de relações sociais cada vez mais extensas, que articulam cada vez mais intensamente a vida de um número maior de indivíduos entre si; 2) O desenvolvimento social dá origem a sociedades cada vez mais complexas e internamente heterogêneas. A emergência da distinção dos homens segundo as classes sociais, com o consegiiente surgimento do Estado e da política, é uma das diferenciações a: surgidas que mais graves consegiiências tiveram para a história; 3) O desenvolvimento social requer o desenvolvimento de indivíduos cada vez mais evoluídos e capazes, aptos a agirem em meio a relações sociais sempre mais complexas. 4) Cabe à economia, no conjunto do desenvolvimento social, o momento predominante, pois é nela que são produzidas as necessidades e possibilidades que se referem diretamente à razão de existir de toda sociedade: a transformação da natureza nos bens indispensáveis à reprodução social. I1) A possibilidade de desenvolvimento da individualidade está, portanto, articulada ao desenvolvimento do conjunto humanidade. Quanto mais articulada for a existência de um indivíduo com a história da humanidade, mais humanamente desenvolvida será sua vida. E, vice-versa, a humanidade teria seu desenvolvimento paralisado se os indivíduos não se desenvolvessem no mesmo sentido. XI - Marx e a crítica ao individualismo burguês Versão 7 11/8/2004 3:24 46 Já vimos que, segundo Lukács o desenvolvimento do mundo dos homens tem seu fundamento no fato de o trabalho, através da reprodução social, sempre produzir novas situações históricas. Por esta razão, o produto concreto e imediato de cada ato de trabalho é também momento do processo de desenvolvimento da sociedade que é a história humana. E como, ao construir o mundo material, ao desenvolver as sociedades, os indivíduos se constroem como seres humanos, a reprodução social e a reprodução do indivíduo são processos sempre articulados. Este desenvolvimento das sociedades e dos indivíduos pas ou por várias etapas históricas, demarcadas pela sucessão dos modos de produção (sociedade primitiva, modo de produção asiático, escravismo, feudalismo e capitalismo). No interior de cada uma des etapas históricas, se desdobrou uma determinada relação do indivíduo com a sociedade. De um modo geral, nas sociedades asiáticas, no escravismo e no feudalismo, a reprodução social era ainda tão primitiva que não possibilitava que a reprodução dos indivíduos possuísse uma autonomia maior. Há uma conhecida passagem na vida de Sócrates, em Atenas, que talvez auxilie na compreensão desta questão. Injustamente condenado à morte, Sócrates recusou a oferta de fugir da cidade para salvar a própria vida. Não havia sentido, para ele, em viver fora de Atenas. A razão que tornava a sua existência humanamente digna era o engrandecimento da cidade. Se a cidade incorrera em erro ao condená-lo, deveria aprender com o fato e absolvê-lo ou, então, deveria conviver com a injustiça da sua morte. Fugir significaria, para Sócrates, evitar que a cidade se confrontasse com o erro cometido. Rompidos os laços como cidadão de Atenas, sua vida não mais teria qualquer sentido. Ou, dito de outro modo, o sentido da vida não residia na acumulação privada de riqueza, mas sim no engrandecimento da cidade. Não havia, ainda, uma autonomia, tal como hoje conhecemos, entre a reprodução dos indivíduos e a reprodução da sociedade à qual pertencem. E isto por uma razão material, econômica. Na Grécia de Sócrates, as fortunas individuais não eram ainda suficientemente grandes para poderem se expandir sozinhas. Elas dependiam da abertura de novos mercados pela expansão militar e isto só poderia ocorrer com a união dos esforços de todos os proprietários da cidade. Esta era a razão que levou Sócrates a recusar a possibilidade da fuga. O predomínio da dimensão genérica, social, sobre a existência pessoal está claramente evidenciado neste exemplo. A existência individual se afirma pela sua dimensão social. Fora da cidade, o indivíduo Sócrates não mais existiria, deixaria de ser um ateniense para ser um "bárbaro". No feudalismo, algo semelhante pode ser encontrado. A existência social envolve de tal forma a existência individual que o sobrenome das pessoas é dado de acordo com o feudo, ou Versão 7 11/8/2004 3:24 47 un com o lugar do feudo em que habitam . A identidade social do indivíduo reside na sua conexão com a totalidade social através do lugar que ocupa no feudo. Fora do feudo, o indivíduo nada é, pois não pode ter qualquer existência social. Com o surgimento e desenvolvimento do capitalismo, este tipo de conexão indivíduo- sociedade é rompido. A vida social passa a ser predominantemente marcada pela propriedade privada, e a razão da existência pessoal deixa de ser a articulação com a vida coletiva, para ser o mero enriquecimento privado. O dinheiro p: a a ser a medida e o critério de avaliação de todos os aspectos da vida humana, inclusive os mais íntimos e pessoais. Com o dinheiro, como diz Henfil, compra-se "até amor sincero". O capitalismo transformou a vida cotidiana em mera luta pela riqueza. Os indivíduos aram a considerar todos os outros indivíduos como adversários e a sociedade se converteu Pp na arena em que esta luta se desenvolve. As relações econômicas de mercado são expressões nítidas desta nova relação entre os indivíduos e a totalidade social.Ttodos são inimigos de todos, “o homem é o lobo do homem”, no dizer do filósofo Hobbes (1588-1679). Esta nova situação histórica possui um aspecto positivo e outro negativo, como quase tudo na vida. Pelo lado positivo, a nova situação permite explicitar, até as últimas consegiiências, que entre a reprodução do indivíduo e a reprodução da sociedade há diferenças significativas. O desenvolvimento do indivíduo é um processo que não se identifica com a reprodução social no seu conjunto; há uma diferença entre estes dois proces Reconhecer esta diferença é fundamental porque possibilita que as necessidades individuais sejam reconhecidas em sua plenitude. Poss ibilita que a humanidade, como um todo, tome consciência do fato de que o desenvolvimento do indivíduo é fundamental para o desenvolvimento social e que, vice-versa, o desenvolvimento social é o fundamento do desenvolvimento pessoal; mas que um não garante nem absorve o outro. Tanto há necessidades individuais, como há necessidades coletivas, que devem ser atendidas numa sociedade comunista, emancipada. Reconhecer este fato é, para Marx, da maior importância para se compreender o mundo dos homens e para a constituição de um projeto revolucionário. Mas, negativamente, o capitalismo, ao desenvolver o individualismo burguês, que lhe é inerente, deu origem a uma sociedade na qual as necessidades coletivas estão subordinadas às necessidades de enriquecimento privado, e na qual as necessidades humanas (coletivas e individuais) estão subordinadas ao complexo processo de acumulação do capital pelos ” É famoso o exemplo de Pierre DuPont, que significa Pedro da Ponte. Ou então, Conde de Montpellier, sendo Montpellier o local da propriedade feudal. Versão 7 11/8/2004 3:24 50 desenvolvimento dos indivíduos que estes nem sempre atenderão imediatamente ou sem contradições; por outro lado, o desenvolvimento das personalidades individuais gera necessidades pessoais que as relações sociais nem sempre podem atender. A contraditoriedade nesta esfera é um dado sempre presente. Quando o desenvolvimento social alcançou a etapa capitalista, esta contradição atingiu um novo patamar. Pois, por um lado, a potencialização das forças produtivas (o que significa, em última análise, o aumento da capacidade dos indivíduos) e o enorme desenvolvimento daí decorrente, abriram a possibilidade de um desenvolvimento, antes inimaginável, tanto da sociedade como dos indivíduos. E este desenvolvimento é a característica mais importante da história desde o século XIX. Por outro lado, porque este desenvolvimento sem precedentes das forças produtivas está longe de ser harmônico. A forma individualista, privada, de acumulação da riqueza, que caracteriza o capitalismo, faz com que estas pos ibilidades de desenvolvimento possam ser aproveitadas plenamente apenas pelas classes dominantes. Elas são, quase sempre, negadas aos trabalhadores, isto é, à maior parte da humanidade. O que ocorre hoje em dia com a informatização e a robotização das fábricas é um claro exemplo dessa contradição. A introdução de robôs na produção significa, objetivamente, que os homens podem trabalhar menos e produzir mais. O robô substitui a força de trabalho humano e por isso deveria aumentar o tempo livre dos trabalhadores. Com uma máquina para produzir, porque não diminuir a jornada de trabalho de todo mundo, mantendo o mesmo salário, já que a mesma quantidade de riqueza está sendo produzida? Todo aumento da capacidade produtiva dos homens deveria ter este significado: produzindo-se mais em menos tempo, dever-se-ia contar com um tempo livre cada vez maior. Contudo, como sabemos, é justamente o inverso que ocorre. A riqueza produzida pelos trabalhadores é apropriada pelos capitalistas como riqueza pessoal, privada; e o que interessa à burguesia é aumentar o lucro individual dos proprietários. Por isso, a introdução dos robôs, em vez de reduzir a jornada de trabalho, gera desemprego em escala crescente, pois mantendo a mesma produção, ou aumentando-a, com menos salários, faz aumentar a taxa de lucro do burguês. Mas os resultados são ainda mais perversos. Pois, se o desenvolvimento da capacidade produtiva tem gerado, hoje em dia, desemprego em vez de tempo livre, também é verdade que o trabalhador que ainda mantém seu emprego sofre a concorrência dos companheiros desempregados. Nesta situação de desemprego crescente, o poder da burguesia sobre cada operário aumenta ainda mais. Ela os faz trabalhar mais intensamente, num ritmo mais frenético, e por uma jornada maior, frequentemente com redução real do salário. Versão 7 11/8/2004 3:24 51 Outros exemplos podem ser encontrados por toda a sociedade. Produzir armamentos só oas interessa aos capitalistas, que obtêm muitos lucros com o desperdício de riqueza e de pes que é uma guerra; na indústria farmacêutica, produz-se não o remédio necessário, mas aquele que dá lucro ao burguês, etc. As contradições entre a produção social da riqueza em uma escala crescente de produtividade e volume, e a apropriação privada desta mesma riqueza, podem ser encontradas por toda parte. Segundo Marx, estas contradições fazem parte da essência da sociedade burguesa madura. 1 - Democracia burguesa e Estado burguês Devido a esta sua essência antagônica, assinalam Marx e Lukács, a vida cotidiana no capitalismo é sempre a “luta de todos contra todos”. Por um lado, porque apenas vivendo em coletividade podem os indivíduos acumular suas fortunas (ou suas misérias, no caso dos trabalhadores). Por outro lado, porque esta vida coletiva é fragmentada pelos interes inconciliáveis de cada indivíduo. Cada um quer enriquecer e, para isso, deve tirar proveito do outro, deve explorar o trabalho alheio. Repetimos: todas as relações humanas são convertidas em instrumentos desta luta pela acumulação privada de capital. Os homens têm no capital seu espelho, e se constroem cotidianamente como sua imagem. As necessidades que impulsionam as prévias-ideações não são mais necessidades humanas, mas necessidades que brotam da dinâmica reprodutiva do capital. De modo obrigatório, necessário, o capital predomina sobre as necessidades verdadeiramente humanas, fazendo com que a reprodução social dos indivíduos e da totalidade social esteja a serviço dos interes es particulares da burguesia. Essa essência da sociedade capitalista faz com que a vida cotidiana seja marcada pela disputa, e não pela cooperação, entre os indivíduos. E, para que esta disputa não degenere em guerra civil, o que significaria desorganizar a produção e interromper a acumulação capitalista, é necessário que ela seja organizada de forma aceitável à reprodução capitalista. Uma das formas decisivas de organização desta disputa segundo as necessidades do capitalismo é a democracia burguesa. A democracia, no sentido moderno do termo, é uma criação burguesa. Antes do . . = . «2 capitalismo, não havia democracia . Na Grécia antiga, onde surgiu a palavra democracia, ela possuía um significado muito distinto da que possui hoje. Então, escravidão e Versão 7 11/8/2004 3:24 52 A democracia é a forma política mais desenvolvida de uma sociedade movida pela acumulação privada de capital, pelo individualismo burguês. Ela se caracteriza pela concepção de que todos os homens são iguais e que, portanto, as leis não devem proteger um indivíduo na sua disputa com o outro. Para a ordem política burguesa, o capitalista e o operário são absolutamente iguais. Mas como, na realidade, o burguês é muito mais poderoso do que o operário, esta igualdade política deixa a burguesia livre para explorar os trabalhadores. A igualdade política afirmada pela democracia significa, de fato, a máxima liberdade para o capital explorar a força de trabalho. Dizem os conservadores, defensores do capitalismo, que a lei não deve dar privilégios a ninguém, que deve tratar todos da mesma forma. Contudo, ao proceder assim, a lei garante não a igualdade entre os homens, mas sim a reprodução das desigualdades sociais. Onde todos são politicamente iguais, mas socialmente divididos entre burgueses e proletários, a igualdade política e jurídica nada mais é do que a afirmação social, real, das desigualdades sociais. Por conta disso é que a cidadania, conceito decisivo da concepção democrática, não é um obstáculo à exploração econômica. Ser cidadão é apenas e tão somente ter os seus direitos respeitados. Todos e: s direitos, porém, são sempre compatíveis com a exploração do homem pelo homem. Em outras palavras, a democracia é uma forma de organização social que, afirmando a igualdade política de todos, é fundamental para a reprodução das desigualdades entre a burguesia e os trabalhadores. Por ser, portanto, essencialmente um instrumento de reprodução da ordem capitalista, a democracia é sempre democracia burguesa. É uma forma de organização política que garante a liberdade para o capital explorar a força de trabalho, que mantém a apropriação privada da riqueza produzida socialmente. A democracia, portanto, por mais aperfeiçoada e "livre" que seja, jamais deixará de ser uma pris ão para os trabalhadores. Pode ser uma prisão mais ou menos confortável, mas jamais ão da sociedade às necessidades de deixará de ser a forma política por excelência de submi: reprodução do capitalismo. O Estado capitalista, cuja expressão política mais acabada é a democracia burguesa, nada mais é, para Marx e Lukács, do que o que todo Estado sempre foi: um instrumento especial de repressão a serviço das classes dominantes. O que torna o Estado burguês diferente do Estado escravista, ou mesmo do feudal”, é que ele mantém e reproduz a desigualdade social afirmando a igualdade política e jurídica entre os indivíduos. Ele democracia não eram incompatíveis, pelo contrário, a primeira era considerada imprescindível à existência da segunda. No feudalismo tivemos uma forma difusa de poder político e de Estado, o que leva a alguns historiadores a negarem a existência de Estado feudal, na acepção completa do termo. Mas não entraremos aqui nesta discussão. Versão 7 11/8/2004 3:24 55 burguês se faz presente apenas em um período da história humana; não sendo, portanto, uma essência imutável dos homens. Os homens já foram, e possivelmente serão, diferentes do indivíduo burguês, assim como as sociedades já foram distintas do capitalismo. O segundo equívoco é pretender que o futuro será idêntico ao presente. A mesquinha existência que o capitalismo possibilita aos homens não é o único futuro possível para a humanidade, a única vida social possível, mas apenas o futuro possível enquanto durar a regência do capital. Ou, para dizer o mesmo de outro ângulo, o pressuposto de todo pensamento conservador, que não pode ser demonstrado por nenhuma argumentação histórica e que não vai muito além de um ato de fé, é a perenidade do capital. Como, para os conservadores, o capital é uma dimensão insuperável da vida humana, então o indivíduo burguês tem que ser, também, eterno. E, então, eles fazem o percurso inverso. Como o homem é irrevogavelmente um animal burguês, então não há melhor sociedade do que a capitalista. Tanto do ponto de vista histórico, quanto do ponto de vista metodológico, este é um argumento fantasticamente débil. A questão a ser respondida, portanto, é a seguinte: os homens fazem a história e foram eles que criaram o capital. Como, então, é possível que eles sejam dominados pelo capital que eles próprios criaram? Como é possível que o objeto construído possa dominar o seu criador? Ou, em termos filosóficos, como é possível que, ao objetivar uma prévia-ideação, o que foi objetivado po: dominar o sujeito da objetivação? A resposta de Marx e Lukács a esta questão é: através dos processos de alienação. Vamos, pois, a eles. 1- A alienação Recordemos que, nos Capítulos III a V, vimos como todo ato humano é a objetivação de uma prévia-ideação. Ele origina uma nova situação, tanto em termos externos ao sujeito, como em temos subjetivos (a produção de novos conhecimentos e a aquisição de nova habilidades). Vimos, também, que a nova realidade produzida pelos atos humanos, ainda que tivesse na sua origem uma prévia-ideação (que é, sempre, uma resposta a uma situação social concreta, historicamente determinada), é pura causalidade. Ou seja, a nova realidade produzida pela objetivação da prévia-ideação possui uma existência objetiva que independe da consciência. O desenvolvimento da realidade material, mesmo aquela criada pelos homens, se processa de acordo com causas que atuam no seu interior, independente dos desejos, necessidades e vontades das pessoas. Os homens podem agir para alterar as consegiiências dos seus atos, mas tais consequências são decorrentes dos nexos causais que nada têm de teleológico. Versão 7 11/8/2004 3:24 56 O fato de a realidade material possuir uma dimensão objetiva que a distingue ontologicamente (isto é, no plano do ser) da consciência faz com que todo ato humano possua aquele “período de conseqiiências” de que tratamos no Capítulo VII. Em poucas palavras, como o objeto criado é distinto do indivíduo que o construiu, ele possui uma história própria diferente da história do seu criador e, por isso, pode ter, sobre a história da sociedade (e do indivíduo que o construiu) consegiiências muito diferentes das previstas. Se nos reportamos a um período de tempo bastante longo, digamos alguns séculos, estas consegiiências são ainda mais distintas dos objetivos do indivíduo que construiu o objeto. Um exemplo: o homem que, na pré-história, descobriu o machado, sabia apenas que estava construindo uma ferramenta para exercer determinada atividade. Contudo, a descoberta do machado é a primeira aplicação humana do princípio da alavanca. Descobrir e ser capaz de dominar este princípio é decisivo para que se possam construir máquinas e, muito depois, realizar a Revolução Industrial, que deu origem às fábricas modernas. Sem as fábricas modernas, por sua vez, não poderíamos ter chegado à Lua. Aquele homem primitivo que descobriu o machado jamais poderia ter a consciência do que de fato estava realizando, em termos históricos. Ou seja, dando um passo decisivo para as viagens interplanetárias. Contudo, o tempo revelou que era exatamente isto o que ele estava fazendo. O exemplo do machado nos permite compreender como o futuro é mais do que o simples, direto e linear desenvolvimento do presente. Os proc: s históricos que conduziram do machado às naves espaciais são, também, o surgimento e o desenvolvimento de novos objetos e novas relações entre os homens. Novas necessidades e possibilidades históricas são continuamente criadas. E as causas e as consegiiências desses processos históricos que conduziram da era primitiva à sociedade contemporânea são puramente causais; isto é, à exceção dos atos humanos singulares que deles participam, não contêm qualquer prévia- ideação. Em linguagem filosófica mais precisa, dizemos que, embora a história tenha nos atos singulares, teleologicamente postos, seus elementos fundamentais, ela não é um processo teleológico. Essa a razão de o futuro não poder ser previsto pela consciência. Como o futuro ainda não aconteceu, como ele não está todo contido na situação presente, não há como a consciência determinar a priori todos os possíveis desdobramentos dos nossos atos cotidianos. Estes desdobramentos podem ser positivos, podem impulsionar o desenvolvimento humano. No exemplo acima, as viagens interplanetárias são uma consegiiência positiva da descoberta do machado. Mas podem, também, ser negativos. Isto é, ao longo do tempo, algumas objetivações podem se transformar em obstáculos sociais ao desenvolvimento Versão 7 11/8/2004 3:24 57 humano. A alienação é justamente este processo social, histórico, através do qual a humanidade termina por construir obstáculos ao seu próprio desenvolvimento. E tais obstáculos nada mais são do que a desumanidade de relações sociais produzidas pelos próprios seres humanos. Veremos as consegiiências históricas da alienação no próximo capítulo. RESUMO DO CAPÍTULO: 1) Se os homens são os artífices de sua própria história, por que a fazem de modo tão desumano? 1) Os conservadores respondem: porque a natureza humana é mesquinha e ruim. Na verdade, eles consideram a essência do burguês como a essência de todos os homens, o que é uma enorme falsificação da história. 2) Os revolucionários respondem: porque, ao longo da história, os atos humanos têm consegiiências que terminam por dificultar, ao invés de impulsionar o desenvolvimento humano. Os processos históricos pelos quais a humanidade cria relações sociais que, com o tempo, se transformam em obstáculos socialmente construídos ao desenvolvimento humano, são os processos de alienação. Os homens — e apenas eles — são os responsáveis por suas misérias. Foram os homens que construíram as alienações geradas pelo predomínio do capital na vida social; cabe a eles superarem tais alienações. Capítulo XIV - Alienação e Capital Os processos de alienação são muito numerosos na história humana e, segundo Marx e Lukács, se manifestam nas mais diferentes esferas da práxis social. Há processos de alienação que incidem diretamente na esfera da subjetividade e outros que possuem um caráter mais amplo, envolvendo o conjunto da sociedade. Ainda que muito variados e numerosos, todos eles possuem em comum o fato de serem expressões da desumanidade social historicamente criada pelos homens. Vejamos o exemplo do dinheiro, uma relação social que se desenvolveu em capital e que é hoje a alienação predominante. Na passagem da sociedade primitiva às sociedades asiáticas e ao escravismo, o dinheiro surgiu para facilitar a troca entre os homens. Naquele momento, vis va-se prioritariamente a Versão 7 11/8/2004 3:24 60 salários, está no próprio fato de existir salário. A essência da alienação da sociedade capitalista é que ela trata como mercadoria o que é humano; e, como mercadoria é coisa e não gente, a desumanidade deste tratamento não poderia ser maior. O que importa é o lucro dos capitalistas. Se, para isso, a fome deve ser mantida apesar de se poderem produzir alimentos para todos; se a ignorância deve ser mantida, apesar de se poder erradicá-la; se muitos devem ficar sem casas e sem assistência médica apesar de existirem os meios para abolir estes sofrimentos; se para acumular o capital, é necessário levar a humanidade à beira de uma catástrofe nuclear, produzindo reatores nucleares e bombas atômicas ou, ainda, destruir a natureza e romper o equilíbrio ecológico, tudo isto será feito em nome do capital e em detrimento das necessidades humanas. Neste contexto, as tensões sociais se tornam cada dia mais graves. Fome, miséria, desemprego, violência tornam-se ainda mais insuportáveis na medida em que dispomos dos recursos nec: ssários para eliminar todas estas desumanidades. Contudo, a sociedade burguesa conta com um enorme trunfo para manter esta situação. O fato de o trabalhador receber sob a forma de salário o que de fato vale sua força de trabalho como mercadoria; o fato de que este valor é estabelecido pelo mercado e não por cada patrão em particular, fazem com que a relação capital/trabalho não se caracterize como um roubo. O trabalhador sabe que, para o sistema capitalista, o seu valor é aquele expresso no seu contra- cheque e que, em outro emprego, ele receberia mais ou menos a mesma coi Esta situação social gera a ilusão, no trabalhador, de que ele compartilha de um destino comum com o capitalista. O crescimento da economia e do negócio do seu patrão parecem coincidir com os interesses do trabalhador. Este, iludido, acredita que se a economia crescer, e se o lucro do patrão aumentar, o salário vai melhorar e os empregos serão mais numerosos. Isto não passa de ilusão, pois, na verdade, o lucro do burguês sempre aumenta e o salário permanece o que sempre foi: o valor da produção da força de trabalho como uma mercadoria e não como expressão produtiva de um indivíduo humano. Além disso, quando a economia se expande, o burguês emprega tecnologias mais avançadas e produz mais com menor número de trabalhadores. Deste modo, o desemprego é, muitas vezes, acompanhado não de crise econômica, mas de expansão da produção. Por outro lado, com o aumento do desemprego, os salários, muitas vezes, caem tanto e o trabalhador tem que se submeter a condições tão dura de produção que ele se torna mais produtivo e, ainda assim, recebe um salário menor. Esta ilusão de que capitalistas e trabalhadores compartilham de um destino comum, sempre segundo Marx e Lukács, tem forte influência nas lutas políticas. Pois é o fundamento da ilusão de que o Estado e o Direito são instituições sociais que representam os interesses de toda a sociedade. E, como na verdade são instituições que expressam os interesses históricos Versão 7 11/8/2004 3:24 61 das classes dominantes, os trabalhadores iludidos se propõem — agora já podemos utilizar termos filosóficos precisos — a objetivar uma prévia-ideação impossível: construir um Estado e um Direito "verdadeiramente democráticos", que representem os interesses da sociedade “no seu conjunto”. Como já vimos, contudo, prévias-ideações que não levam em consideração o que a realidade de fato é tendem a conduzir a objetivações mal sucedidas. Neste nosso caso, desconhecer que a sociedade, “em seu conjunto”, não é homogênea enquanto for uma sociedade de classes, fragmentada por interesses antagônicos — e que o Estado e o Direito estão a serviço das classes dominantes — tem levado os trabalhadores a se iludirem com propostas políticas irrealizáveis, que buscam eliminar o caráter de classe do Estado e do Direito e a humanizar o capitalismo. Esta ilusão de que burgueses e operários compartilham do mesmo destino é o fundamento de todas s propostas conservadoras que, abrindo mão da luta pelo socialismo, buscam um capitalismo “mais humano”. Nos dias em que vivemos, capitalismo e desumanidade são sinônimos, pois não há qualquer humanidade em reduzir o ser humano a mercadoria. Tratar a força criativa e produtiva de um indivíduo como uma coisa, ignorando por completo que esta coisa é um ser humano: pode haver maior desumanidade? E, por maior que seja o salário, pode ele deixar de ser a expressão, em dinheiro, desta desumana redução do indivíduo a mercadoria? Não há capitalismo humano possível, pela mesma razão que não há salário “justo” possível. Tanto um como outro, segundo Marx e Lukács, só podem existir pela submissão das necessidades humanas à acumulação de capital, só podem existir como alienações produzidas pela sociedade submetida ao capital. Para os capitalistas, contudo, é da maior importância alimentar esta ilusão nos trabalhadores e, para isso, todos os mecanismos são válidos. Nas escolas, ensina-se que existe um país chamado Brasil que pertence aos brasileiros, e que é nossa pátria. Como se o Brasil de hoje não pertencesse, de fato, aos burgueses que dele fazem uso para seu enriquecimento privado. Nos meios de comunicação, tenta-se, o tempo todo, iludir os trabalhadores e desmoralizar os revolucionários, fazendo-os parecer bandidos e criminos Nas universidades, paga-se a peso de ouro aqueles pesquisadores que “demonstram” que a melhor sociedade possível é a capitalista. Na política, realizam-se eleições para dar a impressão de que todos os “cidadãos” dirigem os destinos do país, como se entre estes cidadãos não houvesse o abismo que há entre os capitalistas e os trabalhadores. Afirma-se, o tempo todo, que os governantes administram o país em nome de todos, e não em favor das classes dominantes. E quer-se fazer crer que as misérias dos trabalhadores são “desconfortos” passageiros e inevitáveis para que aconteça o desenvolvimento da economia que levará a Versão 7 11/8/2004 3:24 62 todos ao paraíso. Como se o capitalismo pudesse existir sem reproduzir as misérias humanas, e como se as crises não fizessem parte da sua história. São inúmeras as alienações que brotam da submissão dos homens ao capital. A essência de todas elas, segundo Marx e Lukács, está em tratar o ser humano como mercadoria, desconsiderando por completo suas reais necessidades humanas. As necessidades que impulsionam cotidianamente as prévias-ideações já não refletem as necessidades reais dos homens, mas sim as necessidades da acumulação privada de capital, tanto no plano individual quanto no plano global da sociedade capitalista. RESUMO DO CAPÍTULO: 1) São muito numerosas as alienações provocadas pelo capitalismo. A essência de todas dades elas está na redução dos homens a mera mercadoria (força de trabalho). As nece: humanas subordinadas às necessidades da acumulação capitalista, o que significa dizer que os homens são tratados como mercadorias, isto é, como coi: s, e não como seres humanos. Com isto, a relação entre os homens, na sociedade capitalista, se torna essencialmente desumana. Em vez de levar ao atendimento cada vez mais adequado das necessidades humanas, o desenvolvimento social produz desumanidades sempre maiores. II) Tal como toda alienação, o capital é uma relação social criada e desenvolvida pelos próprios homens. A forma que o desenvolvimento histórico assumiu a partir da crise do sistema feudal levou ao surgimento da propriedade privada burguesa e, através desta, ao desenvolvimento do capital como uma relação social que engloba e subordina todas as outras relações entre os homens. Na medida em que isto acontece, as necessidades que, como vimos, impulsionam as ações humanas, deixam de ser as necessidades humanas e são substituídas pelas necessidades geradas no processo de acumulação pessoal de riquezas. Com isto, a reprodução da totalidade social deixa de ser movida pelas reais necessidades humanas e se subordinada à reprodução ampliada do capital. Capítulo XV — Uma nova sociedade: o comunismo A burguesia procura convencer as pessoas de que o comunismo é algo impossível. De que não passa de uma aspiração, um sonho, um simples desejo. A prova disto, segundo os ideólogos burgueses, estaria em que todas as tentativas feitas até hoje para construir uma sociedade comunista fracassaram, transformando-se em brutais ditaduras. Pior ainda, com o Versão 7 11/8/2004 3:24 65 Porque não basta a vontade para instaurar o trabalho associado. Ele requer a era da abundância, ou seja, o gigantesco desenvolvimento da ciência, da tecnologia, das relações sociais, enfim, das forças produtivas, que foi atingido apenas pela Revolução Industrial (1776-1830). Antes da Revolução Industrial, o comunismo era uma impossibilidade histórica porque o total do que podia ser produzido era inferior ao necessário para atender a todas as necessidades da humanidade. Enquanto o total produzido era inferior às necessidades de todos os homens, a carência era uma dimensão inevitável da existência humana. Com a produção menor que a necessidade, a divisão igualitária da riqueza não iria além de se repartir igualmente a miséria. Ou seja, nestas circunstâncias históricas, por mais justas que fossem as relações sociais, ainda assim todos passariam igualmente necessidade. A miséria humana não era apenas decorrente de relações sociais injustas, mas uma situação insuperável da vida humana porque a produção era inferior às necessidades. Mas há ainda um outro aspecto, importantíssimo, a ser considerado. Nesse período histórico marcado pela carência, se a riqueza fosse dividida igualmente entre todos, tudo seria imediatamente consumido. Com isso não restaria nada para se investir no desenvolvimento das forças produtivas que evoluiriam, então, muito mais lentamente. Nas sociedades de classe, pelo contrário, a concentração da propriedade nas mãos da classe dominante permitiu que uma parte ponderável da riqueza fosse empregada no desenvolvimento das forças produtivas, que assim evoluíram rapidamente. Por ssa razão, as sociedades primitivas, mais igualitárias, conheceram um desenvolvimento muito lento e foram desaparecendo ao entrarem em contato com as sociedades de classe. Estas, por sua vez, foram evoluindo ao longo da história nos modos de produção asiático, escravista, feudal e capitalista. Perceba-se que as sociedades de classe jogaram um papel fundamental na história dos homens ao possibilitarem um desenvolvimento muito mais acelerado das forças produtivas. Mas isso, apenas e tão somente na era da carência, ou seja, enquanto o desenvolvimento das capacidades humanas ainda não itavam. permitia aos homens produzirem mais do que nec A era da carência terminou com a Revolução Industrial (1776-1830) e com o surgimento do capitalismo maduro. O desenvolvimento das novas tecnologias e das novas relações de produção, que marcam o surgimento do capitalismo maduro, fez com que a humanidade p: e, objetivamente, à era da abundância, isto é, ao período histórico em que a produção total é maior do que a requerida para a reprodução da humanidade. A sociedade capitalista, contudo, não pode viver na abundância. Ela é herdeira de um período histórico marcado pela carência; a abundância fere-a de morte. Uma oferta maior do que a procura faz com que os preços tendam a cair e que os capitalistas tenham prejuízos. As Versão 7 11/8/2004 3:24 66 crises de superprodução, expressões típicas da abundância objetiva que se instalou no seio da sociedade burguesa são, por essa razão, o grande problema econômico de nossa época. A humanidade tem apenas duas formas de conviver com a abundância. A primeira, bem conhecida nos , é a forma capitalista. Essa forma se caracteriza, em essência, por produzir artificialmente uma carência que já foi historicamente superada. Criam- se carências artificiais de vários modos. Ou diminuindo a vida útil dos produtos, de tal modo a nos forçar a consumir mais (pense-se nos eletrodomésticos, por exemplo); ou estimulando a aquisição de bens e produtos de que não necessitamos, muitas vezes nocivos à saúde, como é o caso dos cigarros, bebidas e drogas; ou fazendo o Estado comprar parte da produção para simplesmente jogá-la fora (o que acontece com fregiiência com os produtos agrícolas). Há, contudo, uma forma ainda mais desumana de produzir carências alienadas: as guerras. Eli possibilitam a destruição de uma massa enorme de produtos, de tecnologia, de recursos e de força de trabalho; e, ainda, tornam possível a produção maciça de armamentos que nunca poderão ser usados sob pena de extinção da humanidade (o arsenal nuclear, por exemplo). É por isso que o século XX foi o século das guerras, na expressão de Gabriel Kolko. A desumanidade extrema do modo de produção capitalista se manifestou por inteiro no planejamento milimétrico da extinção da humanidade com a construção dos arsenais nucleares. Todas e ão maneiras pelas quais o sistema do capital, por mais que a produção aumente, consome o que foi produzido sem atender às necessidades humanas. Mantidas, desse modo artificial, as carências humanas, os preços tendem a ficar em níveis compatíveis com a reprodução do capital, já que a demanda permanece elevada. Isso, todavia, a um enorme preço. Pois, a geração dessa forma artificial de carência só é possível através de guerras, do desperdício e da miséria humana (espiritual e material) tal como a conhecemos hoje. Não há, do ponto de vista estrutural, alternativa no interior do capitalismo. Sua incapacidade de conviver com a abundância força-o a destruir a produção e também a humanidade, gerando alienações cada vez mais intensas e que ameaçam, no limite, infelizmente hoje muito próximo, a própria sobrevivência de todos nós. A segunda forma possível, hoje, de se conviver com a abundância é a sociedade comunis a causa maior de suas crises, a. Ao contrário do capitalismo, que tem na abundância o comunismo é o modo de produção que permite tirar todo o proveito desse enorme ganho histórico da humanidade. Pois, se produzimos mais do que necessitamos, não há mais nenhuma justificativa para a miséria. Para sermos precisos: hoje, a miséria humana (material e espiritual, bem entendido) é o resultado de relações sociais injustas e não, como era no passado, uma condição inevitável da existência humana. Versão 7 11/8/2004 3:24 67 É aqui, para tirar o maior proveito possível da abundância, que o trabalho associado é fundamental. Se toda a produção for colocada à disposição da humanidade, a carência estará socialmente superada. Para tanto, a humanidade terá que se organizar com base no trabalho ociado. Todos nós teremos que decidir o que deve produzido e qual a melhor forma de produção. Teremos que nos organizar coletivamente para despendermos o menor tempo de nossas vidas transformando a natureza e podermos ter o maior "tempo disponível" possível. Sem o empecilho da concorrência e da propriedade privada, o trabalho associado propiciará um incremento na produção que tornará irrisória a abundância produzida pelo capital. Esta será imensamente maior quando a criatividade de bilhões de pessoas se manifestar livremente. O objetivo da economia será, então, ampliar o "tempo livre disponível" para cada um de nós. Tempo realmente livre, em que as pessoas, satisfeitas s necessidades básicas e contando com condições objetivas muitíssimo propícias, poderão se dedicar à realização de atividades de sua livre escolha. Trabalho, necessidade e comunismo Na vida cotidiana, o trabalho permanecerá sendo uma atividade absolutamente necessária para que os homens possam existir. Mas, justamente por ser uma rigorosa necessidade, por mais livre que seja o trabalho emancipado, ele não é, ainda, a forma superior da liberdade humana. Ou, dito de outro modo, com o trabalho associado, o trabalho terá atingido a sua forma mais livre e humana possível. Trabalhar deixará de ser uma obrigação imposta externamente, sendo assumida como manifestação de algo que é essencial ao homem. Transformar a natureza, objetivar-se, ou seja, criar objetos, criando-se ao mesmo tempo a si mesmo, é expressar-se como ser humano, manifestar-se e confirmar-se como ser humano, dar livre curso às suas potencialidades. Contudo, o trabalho emancipado não será, jamais, a atividade humana mais livre possível, será apenas e tão somente a forma de trabalho mais livre possível. É por isso que Marx e Lukács dizem que o comunismo é a articulação do “reino da necessidade” com o “reino da liberdade”. Por “reino da necessidade” eles entendem a esfera do trabalho. Este, mesmo na sua forma mais livre e humana possível (o trabalho ociado), sempre será um tipo de atividade em que o homem terá que se sujeitar — ainda que em condições muitíssimo mais humanas do que no capitalismo — às leis da natureza. Por isso, no trabalho a liberdade humana não encontra o seu ponto mais alto. Para além da esfera do trabalho é que se situa o “reino da liberdade”, o tempo efetivamente livre, no qual as pessoz poderão realizar atividades às quais não serão obrigadas por nenhum tipo de coação externa, Versão 7 11/8/2004 3:24 70 nas sociedades de classe, nas quais os trabalhadores são submetidos a um processo de trabalho e a uma distribuição da riqueza que eles não controlam. II) O trabalho associado pressupõe, requer e, ao mesmo tempo é a condição imprescindível, para uma sociedade sem classes, portanto sem dominação do homem sobre o homem. O que equivale a dizer, sem propriedade privada, sem Estado, sem Direito, sem dinheiro e sem política. a. O trabalho associado só pode surgir a partir da abundância objetiva produzida pelo desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo. Antes da Revolução Industrial (1776-1830), como a produção era inferior às necessidades, o trabalho associado e a sociedade comunista eram uma rigorosa impossibilidade histórica. b. A abundância é o principal problema do capitalismo atual: ela o fere de morte. Para sobreviver à abundância objetivamente existente, o capitalismo tem que destruir a produção (por meio de guerras e do mais puro desperdício) para gerar uma carência artificial que mantenha os preços a níveis compatíveis com a reprodução do capital. IV) A sociedade comunista, por isso, implicará uma relação radicalmente diferente do homem com o trabalho, dos homens com a natureza e dos indivíduos com o gênero humano. Já que não haverá mais dominação do homem pelo homem, e já que as necessidades humanas orientarão o processo produtivo, abrir-se-á a um novo horizonte para o desenvolvimento da humanidade, no qual natureza, gênero humano e indivíduos se articularão com uma nova qualidade histórica. XVI- A revolução: ato de emancipação humana Se os homens fazem a sua própria história, não menos verdadeiro é que eles a fazem nas circunstâncias históricas herdadas do passado. Isto significa, imediatamente, que todas as ações humanas são historicamente condicionadas. Significa, também, que todas as ações humanas, todos os processos sociais, são desenvolvimentos das possibilidades históricas em cada situação. Tanto do ponto de vista de um indivíduo, quanto do ponto de vista coletivo, uma objetivação só pode ocorrer se for possível naquele momento histórico. O sonho de voar já estava presente na Antigiidade, mas, para que esta possibilidade se tornasse real, foi necessário um enorme desenvolvimento das forças produtivas. Toda objetivação, para ter êxito, deve ser a efetivação das possibilidades historicamente existentes. Versão 7 11/8/2004 3:24 71 A liberdade, por isso, não é agir sem qualquer constrangimento exterior, como querem muitos idealistas, mas im agir com conhecimento de causa para ser capaz de atingir os Eur : atri atA : : objetivos almejados em cada momento histórico . O conhecimento adequado da realidade é indispensável para a escolha de objetivos que atendam às necessidades humanas no contexto de cada momento histórico. Por isso, conhecimento do que é a realidade e liberdade são duz coisas que andam sempre juntas. Contudo, o que seria esse "conhecimento adequado da realidade a cada momento histórico"? Não há uma resposta a priori para esta questão. Apenas depois de concluída a objetivação, seja ela um ato de um indivíduo ou um processo histórico mais complexo como uma revolução, poderemos saber qual o grau de conhecimento era mais ou menos adequado para as objetivações que estavam na ordem do dia. Sabemos, também, que, todo conhecimento é um processo que se desdobra entre um sujeito em desenvolvimento e um objeto também em evolução. Por isso, toda objetivação sempre gera algum conhecimento novo e, portanto, não há jamais uma situação em que o conhecimento seja absolutamente suficiente para a objetivação. Sempre há algo a ser aprendido, por mais familiar que seja a objetivação em questão. Feita esta observação mais geral, não há dúvida de que há algumas situações em que o conhecimento é o suficiente — e, em outras, insuficiente — para a objetivação que se faz necessária. Portanto, a maior ou menor adequação do conhecimento que se possui terá por referência o momento histórico em questão e a objetivação a ser efetivada. Na sociedade burguesa contemporânea, em se tratando da possibilidade da revolução, esta situação torna-se ainda mais complicada. O predomínio das necessidades do capital sobre as necessidades humanas faz com que, no dia a dia, as pessoas percebam como possíveis apenas as necessidades que refletem o processo de acumulação do capital. As possibilidades que o desenvolvimento das forças produtivas gera para a emancipação humana são veladas e as pessoas só conseguem enxergar como possível a reprodução da sociedade burguesa como tal. Este é um dos efeitos dos processos alienantes que brotam da regência do capital. É por isso que as pessoas são, na sua enorme maioria, conservadoras. Elas pensam que o capitalismo é eterno, pois não percebem as possibilidades históricas de superá-lo e de se construir uma sociedade emancipada. E isto ocorre porque, no dia a dia, a vida das pessoas Esta formulação é devida a Engels. Lukács, em A verdadeira e a falsa ontologia de Hegel (Ed. Ciências Humanas, S. Paulo, 1979) explora várias das facetas dessa formulação e aponta algumas debilidades. Não será possível, neste texto introdutório examinarmos estas questões, por isso apenas a mencionaremos para que o leitor possa aprofundar seus estudos. Versão 7 11/8/2004 3:24 72 determina as suas consciências. Como vivem sob o capital, são dominadas pelas ideologias burguesas. Como, então, determinar o que é “historicamente possível”? Segundo Marx e Lukács, antes de mais nada, realizando a crítica mais completa e radical (no sentido de ir à raiz) da sociedade burguesa e das alienações capitalistas, de modo a abrir caminho para o conhecimento da realidade. Com base neste conhecimento, é possível determinar as tendências históricas predominantes e, então, determinar as reais necessidades e possibilidades históricas da humanidade. Contudo, a identificação destas possibilidades não significa que elas de fato ocorrerão. Tudo depende de como as pessoas agirão no futuro e isto que está diretamente relacionado às opções que venham a fazer na vida cotidiana. Por isso, nessa esfera não é possível qualquer certeza absoluta. As possibilidades históricas são possibilidades que serão ou não objetivadas no futuro dependendo das alternativas escolhidas pelos indivíduos em escala social. Por exemplo: no capitalismo de nossos dias, o desenvolvimento das forças produtivas leva ao desenvolvimento de desumanidades cada vez mais brutais. As misérias tendem a aumentar para todos os lados com o desenvolvimento das forças produtivas. Isto, historicamente, e não apenas para Marx e Lukács, é um óbvio contra-senso. O desenvolvimento das forças produtivas não poderia levar ao crescimento da miséria; muito pelo contrário, deveria conduzir ao crescimento do bem-estar e da riqueza. Nesse sentido, o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas acresce as possibilidades de uma sociedade mais humana e, ao mesmo tempo, aumenta a miséria dos homens. Esta contradição (crescimento das possibilidades de uma sociedade emancipada e ao mesmo tempo aumento da miséria) torna a revolução comunista não apenas uma necessidade cada vez maior, mas também uma possibilidade sempre mais efetiva. Mas esta possibilidade não é algo obrigatório na história. Tudo dependerá das decisões que os indivíduos, em escala social, tomarem sobre s vidas e o seu futuro. Por isso a revolução comunista não é uma realização necessária e inevitável do desenvolvimento histórico (como tanto afirmaram o “marxismo vulgar” e o stalinismo), mas sim um ato de afirmação do ser humano que se emancipa e se liberta. Que se emancipa porque estará se livrando das alienações capitalis! ; que se liberta porque objetivará uma finalidade essencialmente humana e, ao mesmo tempo, possível no quadro histórico atual. A revolução é o ato pelo qual os homens assumirão conscientemente e com toda radicalidade o fato de serem eles os artífices da sua própria história. Se os homens fazem a história, não há razões para continuarem a fazê-la sob o domínio do capital e de suas alienações; não há razões que justifiquem a produção crescente de desumanidades. Mas, para isso, é Versão 7 11/8/2004 3:24 75 sua dimensão global como na sua dimensão mais individual, torna-se a própria dinâmica da vida social. O desenvolvimento da sociedade, por isso, se converte na intensificação das alienações, das desumanidades socialmente produzidas. Por isso, afirmam Marx e Lukács, na sociedade burguesa, a liberdade não pode ter outro significado senão a liberdade do capital. Ao submeter a humanidade às alienações capitalistas, a sociedade burguesa destrói qualquer possibilidade do livre e pleno desenvolvimento humano. Esta é a razão que leva Marx a afirmar que, por mais aperfeiçoada que seja a democracia burguesa, por mais “livre” que ela seja, será sempre a expressão política da alienada submissão da humanidade ao capital, dos trabalhadores aos burgueses, e dos homens às mercadorias. O "reino da liberdade" só pode vir com a superação do capital e da sociedade burguesa. Só por esta via será possível colocar em primeiro lugar o que é primordial: as necessidades humanas, tanto dos indivíduos quanto da sociedade. Ao libertar as necessidades verdadeiramente humanas do jugo do capital, tornar-se-á evidente o absurdo de se promover a miséria dos trabalhadores para se conseguir a estabilidade e o desenvolvimento econômico; tornar-se-á patente a barbaridade que significa produzir desemprego, fome e marginalização social para que o desenvolvimento das forças produtivas possa continuar. O "reino da liberdade", segundo Marx, nada mais é do que o atendimento das verdadeiras e reais necessidades humanas, postas pelo desenvolvimento histórico-social. Esta recuperação da proposta revolucionária de Marx é o que torna Lukács um filósofo tão especial para os nossos dias. Ele permite desfazer os equívocos tão fregientes que retiram do pensamento de Marx sua essência revolucionária. Ele demonstra até que ponto, e em que medida, os fundamentos filosóficos de Marx são, na sua essência, a crítica mais radical -- a proposta superadora mais global -- da sociedade alienada pelo capital. Ele renova e aprofunda, no campo da filosofia, a crítica radical à desumanidade do capitalismo que é a essência — tantas vez perdida neste século — da tradição revolucionária do marxismo. INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA PARA APROFUNDAR 0! STUDOS Para finalizar, uma advertência. Ao leitor que chegou até essas linhas finais, nossos cumprimentos pela sua dedicação e interesse. É como uma homenagem a esse esforço que retomamos a introdução ao lembrar que este texto jamais esgota os temas que aborda e alguns dos aspectos fundamentais de muito do que expusemos sequer foram mencionados. Nossa intenção foi auxiliar na introdução ao estudo do pensamento de Marx e lançar o leitor em um Versão 7 11/8/2004 3:24 76 percurso próprio de investigação que contribua para a revolução comunista. Que o leitor não tome esse livro como resolutivo de nenhuma das questões que abordamos — em definitivo ele não é --, mas o receba como um estímulo para que continue seus estudos e pesquisas. Tendo em vista este percurso, sugerimos abaixo algumas leituras que nos parecem imprescindíveis a um leitor que está se introduzindo no tema. Não há formação teórica marxista que prescinda de um bom conhecimento da história. Para começar, os seguintes títulos podem ser úteis: LEAKEY, R. 4 origem da espécie humana. Ed. Record, São Paulo, 1999. (Discussão das teorias acerca da origem do homem) FOLLADORI;, G. Limites do Desenvolvimento Sustentável. Edunicamp, 2001. (Uma competente e clara discussão da relação da humanidade com o planeta Terra) PERRY Anderson. Linhagens do Estado Absolutista. Ed. Afrontamento, Portugal. (Uma lúcida exposição da transição do escravismo ao feudalismo). HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Ed. Forense. (Há mais de 20 edições no país. É uma boa exposição da transição do feudalismo ao capitalismo, embora seus capítulos finais acerca da URSS sejam muito problemáticos). SOBOUL, A. História da Revolução Francesa. (Excelente história, em apenas um volume, da revolução burguesa na França) TROTSKY, L. História da Revolução Russa. Ed. Record, São Paulo. (Uma brilhante exposição dos fatos do ano de 1917, como ainda uma discussão interessantíssima das revoluções burguesas.) BURCHETT, W.. A Guerrilha Vista por Dentro. Ed. Civilização Brasileira. (uma bela reportagem sobre a guerrilha vietnamita durante a luta contra os Estados Unidos). GOUNET, T. Fordismo e Toyotismo. Boitempo, São Paulo, 2000. (Excelente introdução para a história recente das transformações da relação capital/trabalho). CLAUDÍN, F. A crise do movimento comunista. Ed. Global, Rio de Janeiro. (Traduzido por José Paulo Netto, é um texto imprescindível para a história do movimento comunista e das inúmeras revoluções do século XX). WHEEN, F. Karl Marx. Ed. Cia. das Letras, São Paulo 2001. (Uma honesta, ainda que por vezes superficial, biografia de Marx. Muitas informações úteis para quem se inicia no estudo) Para o conhecimento da obra de Marx e Lukács, os seguintes textos podem ser um bom começo: Versão 7 11/8/2004 3:24 77 MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. A melhor tradução para o português, ainda que não sem problemas, é a da Martin Claret.(Texto em que, por primeiro, Marx expõe sua concepção ontológica e faz a crítica da alienação capitalista). ENGELS, F. 4 origem da família, da propriedade privada e do Estado. Há várias edições em português. (O texto narra a transformação da sociedade primitiva em sociedades de classe. Muitas das informações pontuais do livro, baseadas na antropologia do século XIX, estão ultrap: das, mas as teses acerca da importância do desenvolvimento das forças produtivas para a gênese das sociedades de classe, do Estado, da propriedade privada e do casamento monogâmico continuam impressionantemente atuais, sendo confirmadas no fundamental por todo o desenvolvimento posterior da ciência.) ENGELS, F., Marx, K. 4 ideologia alemã. A melhor edição é da Editora Hucitec, São Paulo. (Os fundamentos da teoria materialista da história). MARX, K. Salário, Preço e Lucro. Há várias edições em português. (Uma exposição condensada da teoria da mais-valia e da exploração do trabalho pelo capital. É uma palestra para sindicalistas.) MARX, K. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. Há várias edições em português. (A discussão do golpe de Luís Bonaparte nos permite perceber como Marx analisa os fatos históricos. É especialmente importante seu tratamento das classes sociais e da luta de classes). MARX, K. Crítica aos Programas de Gotha e Erfurt. (Série de cartas de Marx na qual critica a concepção de Estado e de Revolução dos reformistas que tomavam conta do partido operário alemão ao final do século XIX.) MARX, K. Glosas Críticas. Precedido de texto do Prof. Ivo Tonet. Rev. Práxis, n. 5., 1995. B. Horizonte: Projeto Joaquim de Oliveira. (Esgotado, este texto só pode ser obtido por xerox ou com contato com o Prof. Ivo. Discute a concepção negativa! da política com uma clareza exemplar). LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Ed. Livros Horizonte, Lisboa, Portugal. MANDEL, E. Introdução ao marxismo. Porto Alegre: Ed. Movimento, 1982. O lugar do marxismo na história. São Paulo: Xamã, 2001. LUKÁCS, G. As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. In: Temas de Ciências Humanas, 1978. LUKÁCS, G. Pensamento Vivido. São Paulo: Adhominem/Univ. Federal de Viçosa, 1999.
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