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A Leitura e a Identidade de Mulheres em Romances: O Caso de Malvina, Notas de estudo de Pedagogia

Neste artigo, o autor explora a relação entre a leitura e a formação da identidade de uma personagem feminina, malvina, do romance 'gabriela, cravo e canela', de jorge amado. Ele discute como as escolhas de leitura da personagem influenciaram sua identidade e como as leituras foram responsáveis pela formação de seu espírito crítico. O artigo também aborda a história da leitura feminina e os efeitos sociais e morais associados a ela na sociedade de ilhéus, no brasil, durante o século xx.

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 21/05/2012

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Baixe A Leitura e a Identidade de Mulheres em Romances: O Caso de Malvina e outras Notas de estudo em PDF para Pedagogia, somente na Docsity! 3 Inúmeros estudos já foram realizados sobre e representação da mulher na obra de Jorge Amado. Parece-nos que há uma predileção temática do autor pelo universo feminino que se inicia com Gabriela, passando por Dona Flor, Teresa Batista, Tieta do Agreste, personagens romanescas que dando títulos aos romances, explodiram no mercado como best-sellers e alimentaram o imaginário dos leitores com uma profusão de sensualidade, transgressão e erotismo. Não pretendo aqui me debruçar sobre as questões de gênero ou mesmo sobre as questões étnicas que perpassam pelas leituras críticas feitas a esses romances. Imagino que devo tangenciá-las. Desse universo feminino estrelar, pretendo fazer um recorte e eleger não uma personagem mulher da vida, rapariga, uma solteirona, nem mesmo uma pura donzela ou uma esposa imaculada, mas uma personagem diferente, uma personagem-leitora que me permita refletir sobre os condicionamentos históricos, políticos, sociais e, sobretudo morais que articulados, construíram a história de leitura de uma delas, a história de Malvina, personagem do romance Gabriela, cravo e canela, leitora de Eça de Queirós. Esse artigo é um percurso arbitrário por uma certa forma de ler, pelas escolhas de leitura da personagem por onde vamos tentar ver como os efeitos da literatura interferiram na construção da sua identidade e como as suas leituras são responsabilizadas pela formação do espírito critico da realidade e pelas suas idéias e comportamentos considerados absurdos pela sociedade local e em especial pelo seu pai, atentando para o destino que lhe é reservado pelo autor da obra. Era 1925, em Ilhéus. O tempo e o lugar onde se desenrola todo o enredo do romance. A cidade vivia em ritmo de progresso. Passava por profundas transformações econômicas, políticas e sociais que lhe mudavam a fisionomia, o traçado, as vestes, os hábitos. Novas ruas, bares, cafés, residências modernas e arejadas, novos cabarés, o Bataclan, o transporte rodoviário, a construção do Porto, a Papelaria Modelo, toda a riqueza advinda do cacau faziam soprar, em Ilhéus, os ares da civilização. Na contramão, como uma brisa leve, evoluíam os costumes locais e ainda se via, nesse tempo, imperar o desmando dos coronéis, a lei do mais forte, o cerceamento da liberdade feminina. Como se a modernidade que se avizinhava não pudesse abalar as relações patriarcais fincadas naquelas terras. O que Ilhéus vivia, ficcionalizado no romance, era um momento de transição da velha ordem oligárquica dos coronéis para o advento de uma nova ordem política, implementada pelos representantes de uma nova classe média urbana, em nome do progresso. É nesse contexto que as personagens femininas comparecem. A elas é dado um maior ou menor relevo, indo da submissão às normas vigentes aos comportamentos transgressivos que movidos pela repressão, se tornam os ingredientes que irão 4 caracterizar, no romance, os impasses e as soluções suscitados pela modernização da cidade. “Jorge Amado, ao contextualizar seu enredo e ao representar“suas mulheres” como as representa, aponta para as características fundamentais da sociedade brasileira dos anos 20 que começa a modernizar-se”. (MAGALHÃES, 1997, p.31). AS MULHERES DE ILHÉUS E MALVINA O mundo da mulher tinha uma conformação bem definida na estrutura social de Ilhéus. Com fronteiras bem delimitadas, aos diversos “tipos” de mulher eram atribuídos papéis diferenciados. À mulher de família era reservada a educação dos filhos, os encargos domésticos, a prática religiosa, o lugar da deserotização. Eram muitas vezes, essas mulheres, moeda de troca e objeto de conchavos e interesses sociais, políticos e econômicos de seus homens, pais ou maridos. Criadas para casar. As solteironas, como as irmãs dos Reis, Quinquina e Florzinha, doceiras, mulheres de família, por incompetência, falta de atributos, repressão ou mesmo por terem cultivado uma virtuosidade excessiva não alçaram o status de casada.Tornavam-se guardiãs da ordem e da moral, assumindo o papel de vigiar homens e mulheres que, aos seus olhos, conspurcavam os costumes e a religião com suas práticas libidinosas, transgressoras. Prostitutas, raparigas, representam, no romance, o universo das mulheres à margem da família. Figura imponente e cobiçada, Glória, personagem prostituta, fazia da sua janela um altar onde incendiava o desejo e a luxúria dos homens de Ilhéus. Essa faceta tem sido uma constante na representação das prostitutas e vem circulando pelo universo romanesco onde elas tanto podem ser a mulher fatal, poderosa, diabólica, quanto a mulher vitimizada pelo destino, frágil, sofredora. Glória, ao se encaixar no primeiro modelo de representação, não só alimentava as fantasias eróticas masculinas como o imaginário feminino, com a idéia de que a prostituição é um espaço de libertação física e moral da mulher. As prostitutas em Ilhéus, segundo Magalhães, na verdade, exerciam um papel fundamental na ordem social da cidade por contribuírem para a manutenção dos valores tradicionais e machistas. Essas mulheres davam aos homens a possibilidade de se sentirem viris, sensação que se privavam de viver com suas mulheres e que proibiam aos outros homens de sentirem com suas irmãs e filhas. Elas garantiam “a honradez das famílias, sua harmonia, a castidade das filhas e esposas dos coronéis e mesmo a estrutura das famílias menos abastadas” (Magalhães,1997.p.31). Consideradas por Rosana Patrício (1999, p.30) como “mulheres pobres exploradas numa situação de dupla serventia”, as empregadas domésticas, discriminadas socialmente, vivendo numa invisibilidade aparente, prestavam serviços domésticos sob o mando das patroas. Sob o comando dos patrões prestavam, circunstancialmente, serviços sexuais, quando solicitadas. 7 pelas mulheres, muitas vezes feita em segredo, era vista como um descaminho. Uma perdição. LER - UM ANTIGO DESCAMINHO A história da leitura e a historia da leitura das mulheres registra que há motivações históricas para o ato de ler, como há registros da sua proibição. Como se fosse natural que a palavra escrita ao penetrar na intimidade do leitor o faz agir, mover-se por lugares e caminhos que só ele é capaz de escolher e trilhar.Tal assertiva, segundo Menguel (1997), nos faz pressupor que o ato de ler, ao ser exercido, abre espaço, cria liberdade e, portanto precisa ser conduzido, vigiado, punido, muitas vezes. Essa forma de pensar a leitura e as suas possibilidades de transformação do homem, norteou a cultura ocidental e não só se aplicava ao universo feminino, mas às classes operárias, artesãos, aos escravos, aos funcionários de escritórios, à gentalha. Ao escrever sobre a formação do público leitor no século XIX, Lyons (1999, p. 166), aponta para o fato de que “os novos leitores do século XIX eram uma boa fonte de lucro, mas também provocavam ansiedade e inquietação entre as elites sociais”. Esses novos leitores, e Lyons os situa mais na Inglaterra, despertavam na classe média um misto sentimento de espanto e de temor. Era necessário que se tivesse um controle sobre o que liam, controle que era exercido pelas elites sociais, religiosas, pelas bibliotecas circulantes cujos acervos eram formados por obras de cunho moralista ou edificante, pelos clássicos, funcionando como um instrumento de controle de quem se esperava a garantia da harmonia social. A essas leituras impostas, sobrepunham-se as leituras secretas que como uma forma de resistência ao cerco instituído, eram praticadas “pelos leitores operários que se esforçavam por formar uma cultura literária própria, livre do controle da burguesia, do catolicismo ou da burocracia”. (LYONS, 1999, p187). Se fôssemos abordar, neste trabalho, o que não é nosso propósito, sobre o tema da clandestinidade presente em toda a história do livro e da leitura, teríamos de retornar a um momento marcante, ao Século XVI. Ao momento do interrogatório de Domenico Scandella - o moleiro Menocchio - um aldeão do burgo de Montereale, cujas leituras o indiciaram perante a inquisição, cuja vida foi trazida à luz da história por Carlo Ginsburg2, em 1976. As leituras de Menocchio e a interpretação pessoal que ele dava aos textos lidos, para André Belo (2002), foram responsáveis pelas idéias que cultivava e difundia, afastadas, todas elas, da ortodoxia católica que o condenou à morte na fogueira da Inquisição. 2 GINSBURG,Carlo. O queijo e os vermes; o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo:Companhia de Bolso,2006. 8 Muitas estratégias foram utilizadas, nas mais diferentes épocas, para condicionar ou mesmo reprimir os leitores e as suas leituras, numa interdição que articulada em cada época, primava pela manutenção ou subversão das hierarquias culturais ou entre homens e mulheres. Segundo André Belo (2002, p.56), “as classes populares, as mulheres e as crianças foram grupos sistematicamente considerados como desprovidos de autonomia para escolherem e fazerem por si mesmos suas leituras, necessitando do acompanhamento de padres, pais ou tutores”. A atividade de apropriação e de produção independente de sentidos, advinda do ato e das formas de ler, tem sido a base sobre e em torno da qual vários estudiosos, dentre eles Roger Chartier, Márcia Abreu, Manguel e tantos outros, têm desenvolvido, nos últimos vinte anos, suas pesquisas sobre a história da leitura e as diferentes maneiras de ler encontradas em momentos e contextos históricos e sociais diversos, ao longo da história da humanidade. Nesse percurso a história da leitura das mulheres tem trazido à cena a figura da mulher leitora como aquela que vai atrás do sentido da própria vida nas páginas de um livro. No romance. LEITURA INTRAMUROS3 - A LEITURA FEMININA DE ROMANCES O gênero romance, entendido como uma história de amor e aventura, segundo Manguel, já existia entre os gregos e destinava-se provavelmente a uma platéia, predominantemente feminina, onde “o tema era amor e aventura; o herói e a heroína eram sempre jovens, belos e bem nascidos; a desgraça caia sobre eles, mas o final era sempre feliz...”. ( MANGUEL,1997, p. 256). Moldando uma certa visão das mulheres e do mundo, o romance ao mesmo tempo em que alimentava o imaginário das leitoras, incutia-lhes normas, valores e condutas que plasmavam, via leitura, a construção de uma sensibilidade romântica feminina. A leitura de romances foi através dos séculos um ato proibido.Os efeitos perniciosos atribuídos à leitura até meados do século XIX, limitavam a sua prática. Quando essa prática era exercida pelas mulheres, a ordem do dia era desconfiança, proibição e controle. Nesse mesmo século, no entanto, as mulheres passam a se constituir numa parcela substancial e crescente do público leitor de romances. Há uma certa contradição histórica que permeia o espaço da liberdade concedida e a repressão e a que estiveram sujeitas as mulheres, no que diz respeito à leitura de romances. Aos homens era permitida e dirigida, apesar de vigiada, a leitura dos clássicos, da Bíblia, leituras filosóficas, científicas. Às mulheres, as novas leitoras, “novas formas de literatura foram concebidas para seu uso“ [...] livros de cozinha, revistas e, sobretudo o romance popular barato” (Lyons,1999, p.171). Ao mesmo 3 Título apropriado de um capítulo do livro MENGUEL, Alberto. Uma história de Leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.255. 9 tempo em que as mulheres eram consideradas como criaturas de capacidade intelectual limitada, frívolas e emotivas, elas se tornaram o principal alvo da ficção romântica e o público leitor mais relevante para os romancistas. Ao mesmo tempo em que essa literatura ficcional, fruto da imaginação lhes era dirigida, pois exigia pouco de seu leitor, por esse público dispor de tempo ocioso e por ser o romance uma leitura feminilizada, ela passou a ser vista e temida “como um forte perigo para a moral, especialmente a das mulheres e moças” (ABREU,2002). Ainda segundo Márcia Abreu (2002), acreditava-se que as mulheres eram “governadas pela imaginação e inclinadas ao prazer” e, portanto estariam, ao ler romances, fadadas às desordens do coração e piores que essas, às desordens do corpo. Essa prevalência da imaginação sobre a razão desestabilizava e estrutura da família burguesa onde pais, irmãos, maridos temiam que as cenas descritas nos romances, mergulhadas na subjetividade, na vida interior de seus personagens, pudessem incitar suas mulheres a paixões romanescas, a situações pecaminosas, ao erotismo que ameaçava a castidade e a ordem. Eis o porquê do Coronel Melk Tavares, pai de Malvina, proibir e temer pela filha!. Temiam esses homens que as mulheres levassem ao limite a relação entre leitura e experiência prática e que a leitura fosse para elas um determinante da realidade e vice- versa, porque para eles, “[...] supor-se no lugar de uma adúltera era quase tão grave quanto praticar o adultério”.(Abreu, 2002). Era necessário vigiar as leituras femininas e muitas vezes proibi-las, por serem consideradas como uma armadilha para a perdição. A própria literatura romanesca, ao representar suas personagens, leitoras de romances, como vulneráveis, sonhadoras, emotivas, dissimuladas, alimentou o imaginário masculino com o arquétipo da transgressão moral - o adultério - encarnado por Ema Bovary, personagem do romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, uma “leitora que se perde na leitura”. A representação da mulher leitora, aqui pelos trópicos, no Brasil, diz Lajollo e Zilberman, “talvez se visibilize melhor se se observar as entrelinhas de romances oitocentistas, onde por entre suspiros, lágrimas e serões os ficcionistas brasileiros pavimentaram a frágil história de suas fragílimas leitoras”.(Lajollo; Zilberman,2003.p.247). Autores como Machado de Assis, Aluisio de Azevedo, Coelho Neto, apresentam suas personagens leitoras como protagonistas ou personagens secundárias de suas histórias. Para as autoras, “neles [nesses autores] encontraremos situações que deixam a leitora em uma posição meio criminalizada, como se ler romances condenasse a mulher ao banco de réus”. (LAJOLLO; ZILBERMAN,2003, p.247). 12 e que a fazem viver em constante tensão entre o objeto real e o objeto imaginário, que na realidade não existe. Vindo do Rio de Janeiro, Rômulo, um arquiteto, homem casado, aquele que veio de longe, desperta interesse e desejo em Malvina: “Esse sim, era diferente, esse podia arrancá-la dali, levá-la para outras terras, aquelas faladas nos romances franceses”.(AMADO,1995, p.220, grifo nosso). Ao longo do enredo do romance, num crescendo, a busca da liberdade é vivida pela personagem. Mudar de Ilhéus, mudar de vida é o grande sonho. Como a estrutura social montada ao seu redor a impede de viver a vida imaginada, ela reage. O autor passa a atribuir a rebeldia da personagem às interferências das leituras de romances no seu discurso, nas suas aspirações, no seu modo de viver, como se os signos a levassem para outras direções como diria Ricardo Piglia. (2006). Aos romances franceses não só Jorge Amado atribui a revolta e o sonho de uma personagem leitora. Aloísio de Azevedo, um dos autores proibidos e prediletos de Malvina, também representa uma personagem, no romance A condessa de Vésper, cujos livros que “a protagonista lê influencia negativamente no seu modo de vida [...] entre eles, A Dama das Camélias”. Para Piglia (2006, p.21), “em certos romances a leitura se transforma numa dependência que distorce a realidade, numa doença e num mal”. O estereótipo literário da leitora que se perde na leitura, que adoece e morre, tem em Ema Bovary a sua mais perfeita representação. Para fugir da realidade ela imagina para si uma outra personalidade e uma outra vida que não a sua, fazendo dos romances as lentes, através das quais, ela vê e concebe o mundo. Ela é uma personagem que vive sob forma literária necessitando para suportar a mediocridade, do entusiasmo e inspiração que lhe proporcionam os romances que lhe permitem imaginar um mundo mais emocionante do que o oferecido por seu enfadonho marido. [Ela é uma] leitora cujas leituras a levam efetivamente àquela “perdição”. (SAMPAIO, p.5 ) . Malvina, como Ema, se inspira no que lê e sonha com um mundo mais emocionante e livre longe de Ilhéus. O romance entre Malvina e Rômulo, o arquiteto vindo do Rio de Janeiro e casado, choca a cidade. “T`esconjuro! ... Até parece que o demônio está solto em Ilhéus. Onde já se viu moça solteira namorar homem casado? (Amado,1995,p.221). Para Melk Tavares seu pai, um desrespeito. Desavergonhada! Ele dá um prazo para o Dr. Rômulo deixar a cidade. Prende Malvina. No quarto, espancada e presa, leu no Jornal da Bahia: Um escândalo abalou a alta sociedade da Itália. A princesa Alexandra [...], saiu da casa dos pais e foi viver sozinha, indo trabalhar como caixeira numa casa de modas. Isso porque seu pai queria que se casasse com [um] rico duque de Milão e ela esta 13 apaixonada pelo plebeu Franco Martini, industrial. Parecia escrito para ela”. (AMADO,1995,p.220 grifo nosso). Diz Piglia (2006), que, numa situação como essa, o leitor avança, às vezes, para reconstruir um sentido perdido e lê no texto sempre os indícios de seu próprio destino.O destino pretendido por Malvina era viver longe de Ilhéus, sair de lá, possibilidade vislumbrada na figura de Rômulo e no que ele representava: um mundo novo, a liberdade a ser vivida em outras terras. Rômulo abandona a cidade jurado pelo coronel, pai de Malvina. Ela se dá conta de que o caminho da liberdade teria de ser trilhado a sós “porque não partir com seus próprios pés, sozinha, um mundo a conquistar? Assim sairia” (Amado,1995,p.221). Saiu pelas mãos do pai que a leva para a Bahia para interná-la no Colégio das Mercês. Vai e leva consigo um plano, em segredo. Viver o destino sonhado longe de Ilhéus. Daí pra frente, 67 páginas do romance são escritas sem Malvina. Um desterro! O período de férias escolares se aproxima. É o tempo de Malvina voltar para casa. Chegavam estudantes em todos os navios. Só não desembarcava Malvina [...] Malvina fugira sem deixar rastro aproveitando a confusão da partida para as férias, o colégio em desordem [...] na Bahia não estava [...] no Rio não a encontraram. [...] foi então o mistério completo, ninguém entendia, profetizavam sua volta próxima, arrependida. (AMADO,1995, p.297 ). Só João Fulgêncio, o dono da Papelaria Modelo, aquele que lhe indicava os livros para ler, não acreditava no seu retorno: “Não volta tenho certeza. Esta vai longe, sabe o que faz”.(Amado,1995, p.297.) Toda a cidade especulou sobre o destino de Malvina. Um escândalo indecente, um mau exemplo. “[...] muitos meses depois, em plena safra do ano seguinte, noticiou-se que ela trabalhava em São Paulo, num escritório, estudando de noite, vivendo sozinha”.(AMADO,1995, p.297, grifo nosso). Um fim incerto e misterioso é destinado à personagem. Como uma fugitiva, ela desaparece. Sabe-se dela meses depois. Uma notícia sem fonte. Um boato. Por outro lado, noticiou-se que ela estava em São Paulo, uma terra prometida, sonhada por Malvina. Dizem que ela estava trabalhando, estudando e vivendo a sós, vivendo a vida imaginada, aquela dos romances proibidos, dos romances franceses. Jorge Amado ao mesmo tempo em que critica a situação da mulher leitora de romances, dando voz a Malvina para bradar contra todo o controle social exercido sobre ela e suas leituras, numa homologia com a história das lutas pela emancipação feminina no Brasil, concebe uma personagem que foge, se liberta, que estuda, trabalha e mora só numa grande cidade. Mas dá a ela um destino impreciso, difuso, não endereçado. Uma posição ambígua, imprecisa, que reforça a imagem instituída pela tradição, pela história - a das mulheres leitoras de romances como mulheres que se desviam do 14 padrão moral e social desejado. Um fim anunciado, cujo caminho se bifurca. Reitera a necessidade do narrador de mostrar as conseqüências maléficas da leitura, e prenuncia um mundo novo, possível, saído das páginas dos romances que lhes foram proibidos. OBRAS CONSULTADAS ABREU, Márcia. Cultura letrada: literatura e leitura. São Paulo: Unesp,2006. ----------.Diferentes formas de ler. Disponível em: www.unicamp.br/iel/memorial/ensaios/inde.html. Acesso em: 15-12-2006. AMADO, Jorge. Gabriela, cravo e canela: crônica de uma cidade do interior. 77 ed. São Paulo: Record, 1995. ARAÚJO, Maria da Conceição Pinheiro. Leituras femininas: armadilhas para a perdição, caminhos para a salvação. Salvador: CEFET, sd. BELO, André. História & livro e leitura. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. FHILADELFIO, Joana Alves. Literatura, indústria cultural e formação humana. Disponível em : http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex&pid=So100- 15742003000300010. Acesso em: 26-12-2006 JENIGAN, Christine Galbreath. As personagens femininas de Jorge Amado - Gabriela, cravo e canela: conduto para as mudanças ou afirmação do status quo? Austin: Universidade do Texas, 1997. LAHIRE, Bernard. Conclusión. Del consumo cultural a las formas de la experiencia literaria. In: ------. Sociologia de la lectura. Barcelona: GEDISA, 2004. LYONS, Martyn. Os novos leitores no século XIX: Mulheres, crianças, operários. In: CAVALLO, G & CHARTIER, R.org. História da leitura no mundo ocidental. São Paulo: Ática, 1999. p.165-202.
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