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Implicações das designações 'interação' e 'interagir' no ensino de espanhol no Brasil, Manuais, Projetos, Pesquisas de Língua Espanhola

Este artigo analisa os sentidos das designações interação/interagir presentes na seção conhecimentos de espanhol das ocem, estabelecendo relações com a seção conhecimentos de língua portuguesa para compreender as implicações desses sentidos para o ensino de língua espanhola nas escolas brasileiras. Ao longo do texto, é discutida a importância da interação no ensino de línguas estrangeiras e como essa temática está presente nas ocem, bem como nas seções de língua portuguesa e língua espanhola dos volumes das orientações. Além disso, é apresentado um panorama do ensino de língua espanhola no brasil e os fatores que motivaram a elaboração das ocem.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2021

Compartilhado em 20/10/2022

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panzeval-rabbitt 🇧🇷

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Baixe Implicações das designações 'interação' e 'interagir' no ensino de espanhol no Brasil e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Língua Espanhola, somente na Docsity! PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 436 INTERAÇÃO E LÍNGUA ESPANHOLA NAS ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO Angélica Ilha Gonçalves1 Maria Tereza Nunes Marchesan2 RESUMO: A legislação que trata sobre a educação no Brasil exemplifica não apenas os diferentes momentos da organização do ensino, como também o reconhecimento (ou não) da importância das línguas estrangeiras. No caso da língua espanhola, foi a Lei nº 11.161, de 05 de agosto de 2005 (revogada com a atual Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017), que possibilitou a conquista do seu espaço na educação brasileira. No ano seguinte a essa lei, foram publicadas as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), com uma seção específica para a língua espanhola a fim de nortear o trabalho que deveria ser desenvolvido. Mesmo diante da revogação da Lei nº 11.161, as OCEM se configuram como um importante documento histórico para o ensino de espanhol no Brasil, se constituindo, ainda hoje, como um documento orientador para a prática dos professores de espanhol. Assim, este artigo tem por objetivo analisar os sentidos das designações interação/interagir presentes na seção Conhecimentos de Espanhol das OCEM, estabelecendo relações com a seção Conhecimentos de Língua Portuguesa e assim compreender as implicações desses sentidos para o ensino de língua espanhola nas escolas. PALAVRAS-CHAVE: OCEM. Línguas. Interação. ABSTRACT: The legislation concerning Education in Brazil exemplifies, not only the different moments of teaching organization, but also the recognition (or not) of the importance of foreign languages. In the case of Spanish, it was Law No. 11.161 of 05 August 2005 (repealed with the current Law No. 13.415, of 16 February 2017), which enabled the conquest of their space in Brazilian education. The following year to the law, the Curriculum Guidelines to Secondary Education (CGSE) were published with a specific section for the Spanish language in order to guide the work that should be developed. Even with the repeal of Law No. 11.161, the CGSE is an important historical document for the teaching of Spanish in Brazil, and is still a guiding document for the practice of Spanish teachers. Thus, this article aims to analyze the meanings of the terms interaction / interact present in the section Spanish Knowledge of CGSE, establishing relations with the section Portuguese Language Knowledge, and in that way, 1 Doutoranda em Letras – Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria/RS/Brasil. E-mail angelllig@yahoo.com.br. 2 Professora Associada do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria/RS/Brasil. E-mail: ttmarchesan@gmail.com. PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 437 achieve the understanding of the implications of these meanings for Spanish language teaching in the schools. KEYWORDS: CGSE. Language. Interaction. Considerações iniciais O percurso histórico das línguas estrangeiras no Brasil é marcado por períodos de grandes discussões, alguns avanços em termos de oferta e implementação, mas também de retrocessos e silenciamentos. Embora o ensino de língua espanhola no país, ao menos no que diz respeito ao ensino formal, tenha quase um século, foi apenas nos últimos anos que começou a ganhar espaço. Um dos fatores que impulsionou essa mudança de cenário foi a Lei nº 11.161/2005. Ao tornar obrigatório o oferecimento de língua espanhola para o ensino médio, a lei possibilitou o aumento da oferta de ensino da língua e, consequentemente, fomentou a necessidade de formação de professores para atuar nas inúmeras escolas públicas e privadas brasileiras. Com a implementação da Lei também foi necessário traçar princípios para nortear o trabalho a ser desenvolvido. É por essa razão que nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), há uma seção intitulada Conhecimentos de Espanhol, destinada especificamente para “sinalizar os rumos que esse ensino deve seguir” (BRASIL, 2006, p. 127). Embora certamente esse contexto passe por modificações nos próximos anos em consequência da revogação da Lei nº 11.161, aprovada por meio da Lei nº 13.415/2017, documentos como as OCEM podem e devem ser analisados como fonte histórica da educação brasileira. Além disso, documentos oficiais como este possibilitam vislumbrar a compreensão de questões fundamentais que guiam o ensino de línguas em um país. Por apresentar um caráter “minimamente regulador”, as Orientações trazem reflexões e referências para o trabalho do professor. Inserida nesse propósito de reflexão sobre o ensino de língua espanhola no Brasil, esta pesquisa toma como cerne para a discussão as OCEM. Essa escolha ocorreu pelo fato dessas Orientações ainda serem norteadoras para a prática docente no ensino médio, em especial para o ensino de língua espanhola, uma vez que corresponde ao primeiro documento oficial que apresentou uma seção específica para essa língua. Dessa forma, PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 440 Na terceira concepção, a linguagem passa a ser compreendida como processo de interação entre os interlocutores, com produção de efeitos de sentido em um contexto sócio- histórico e ideológico. Nessa terceira perspectiva, os sujeitos interagem ocupando lugares sociais, o que para Bakhtin (2006) indica a presença de duas faces para a palavra. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor (BAKTIN, 2006, p. 115, grifos do autor). Essa associação entre um e outro também é explorada por Vygotsky (1998) ao estabelecer relações entre o desenvolvimento e a aprendizagem. Essas relações pressupõem a intervenção pedagógica, pois a aprendizagem é possibilitada por essas interações sociais, as quais o sujeito transforma e é transformado. Na sala de aula, a interação se dará como cooperação ou como uma ação conjunta entre professor-aluno e aluno-aluno (CORACINI, 2005). Para Travaglia (2000), os sujeitos interagem a partir dos lugares sociais que ocupam, realizando ações, atuando e agindo sobre o interlocutor, que pode ser um ouvinte ou mesmo um leitor. É nesse contexto que se desenvolve a construção social do conhecimento. A “construção social de conhecimentos” exige uma comunicação autêntica e autônoma entre todos os participantes do processo. Assim, a língua alvo deve estar no seu papel natural de ferramenta de comunicação, percepção e cognição. Para isso, é importante afastar um pouco a intenção de aprender o idioma e gerar mais atividades (projetos, trabalhos em grupo, jogos etc.) que exigem as habilidades lingüísticas (o tradicional conteúdo da aula) como instrumentos para obter êxito na perseguição de outros objetivos (WEININGER, 2008, p. 54). Dessa forma, o processo de ensino/aprendizagem baseado na interação implica o uso de estratégias que superem o conhecimento exclusivo de gramática ou dos recursos para a comunicação. Nessa concepção, o trabalho desenvolvido pelo professor requer maior atenção às possibilidades de uso da língua, de tal forma que o aluno realmente possa acionar o que está aprendendo. Mas, se por um lado cabe ao professor promover essa interação, por outro, compete ao aluno assumir a sua parte de responsabilidade durante o processo de aprendizagem. PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 441 Ademais dos fatores relacionados à interação, para realizar essa análise é necessário considerar as condições sócio-históricas do espanhol no Brasil. Por isso, na próxima seção é apresentado um panorama do ensino dessa língua no país e os fatores que motivaram a elaboração das OCEM. O ensino de língua estrangeira no Brasil: o caso do espanhol Se, “pela história da constituição da língua e do conhecimento a respeito dela, posso observar a história do país” (ORLANDI, 2002, p. 09), entender a história da língua espanhola em território brasileiro permite identificar as prioridades, os propósitos e as intenções de oportunizar ou não o ensino de língua estrangeira no país. Vincular o estudo da linguagem com a história do ensino de língua espanhola é uma forma de evidenciar como as discussões sobre língua estrangeira sempre estiveram presentes no Brasil, porém com maior valorização em alguns momentos e, em outros, com certo desapreço. Como neste trabalho a análise é realizada a partir das OCEM, publicadas em 2006, é importante e necessário refletir, ainda que brevemente, sobre os fatores que motivaram a sua criação. Para entender as condições de produção desse documento é preciso reportar ao século XX, na tentativa de buscar os fatores que determinaram a sua produção. Ao longo desse século, as instituições de ensino se destacaram por terem sido relevantes para a conquista de um espaço para o espanhol. O Colégio Pedro II, por exemplo, foi a primeira instituição a ofertar a disciplina em 1919 (PARAQUETT, 2009). Essa primeira cadeira de língua espanhola foi ocupada pelo professor Antenor Nascentes, reconhecido pela sua produção em/sobre a língua portuguesa no Brasil e autor da Gramática da língua espanhola para uso dos brasileiros (1920), uma das primeiras referências para o ensino da língua no país. No entanto, foi apenas em 1941 que o espanhol passou a ser estudado em um curso de formação de professores. Com a criação do curso de Letras Neolatinas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o espanhol como língua estrangeira ganhou espaço juntamente com o estudo de francês e de italiano (PARAQUETT, 2009). No ano seguinte, foi assinado o primeiro Decreto-Lei (nº 4.244a) que tornou obrigatória a inclusão da língua espanhola nos currículos PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 442 do chamado Ensino Secundário. Como justificativa para essa mudança, o então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, afirmou que: A reforma introduz o espanhol no grupo das línguas vivas estrangeiras de nossos estudos secundários. Além de ser uma língua de antiga e vigorosa cultura e de grande riqueza bibliográfica para tôdas as modalidades de estudos modernos, é o espanhol a língua nacional do maior número dos países americanos. Adotá-lo no nosso ensino secundário, estudá-lo, não pela rama e autodidaticamente, mas de modo metódico e seguro, é um passo a mais que damos para a nossa maior e mais íntima vinculação espiritual com as nações irmãs do continente (BRASIL, 1942, p. 04). Mesmo relacionando a importância do ensino da língua espanhola com o grande número de países hispanofalantes próximos ao Brasil e ao fato de ser considerada uma “língua de antiga e vigorosa cultura e de grande riqueza bibliográfica”, a inserção do espanhol também foi uma maneira de substituir o alemão do currículo. Com isso, excluía-se a “língua do inimigo” da 2º Guerra Mundial e ainda se tentava “sufocar” as colônias alemãs que residiam no sul do país e mantinham a língua dos seus antepassados (FREITAS; BARRETO, 2007 apud PICANÇO, 2003). Com a Reforma Capanema3, o ensino secundário (dos 12 aos 18 anos) passou a ser dividido em Ginasial (4 anos de duração) e Clássico ou Científico (3 anos de duração). Ainda que essa reforma tenha permitido a inclusão da língua espanhola, a sua carga horária era bastante reduzida se comparada com as demais línguas: no curso clássico era ofertada para a primeira e segunda séries e, no curso científico, apenas para a primeira série. Mesmo havendo uma carga horária desproporcional entre as disciplinas de língua, a Reforma Capanema possibilitou aos alunos o estudo de Latim, Grego, Inglês, Francês, Espanhol e, claro, Português. Esse cenário mudou radicalmente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 19614, em que não há qualquer citação sobre o ensino de línguas estrangeiras. Com essa redação da LDB, o Conselho Federal de Educação (Brasil, 1961) instituiu as línguas estrangeiras como optativas para o currículo do sistema federal, que poderia orientar o sistema estadual, caso este não disponibilizasse de um Conselho Estadual. Rodrigues (2010) assinala que a criação dos Conselhos Estaduais de Educação (CEEs) representaria uma brecha nessa lei, uma vez que esses órgãos poderiam completar o seu quadro 3 Decreto-Lei nº 4.244, de 09 de abril de 1942. Recebeu o nome de Reforma Capanema devido ao ministro que a instituiu, Gustavo Capanema. 4 Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 445 Tecnologias; 2. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e 3. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Como esta pesquisa tem por objetivo analisar os sentidos das designações interação/interagir presentes na seção Conhecimentos de Espanhol, estabelecendo relações com a seção de língua portuguesa, foi utilizado o volume 1 das OCEM. Esse documento é singular por ter uma seção específica para a língua espanhola que remete à questão de sua obrigatoriedade até fevereiro de 2017. Para compreender as implicações dos sentidos dessas designações para o ensino de língua espanhola nas escolas, primeiramente, foram registradas as suas ocorrências na seção de Conhecimentos de Espanhol, que são tomadas como corpus para o trabalho. A partir dessas ocorrências, buscou-se identificar os sentidos que lhes são atribuídos, através de um processo de leitura e releitura (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Além disso, foi necessário identificar sequências que apresentavam noções implícitas para o entendimento sobre interação. A partir dessas análises, foram estabelecidas relações com a concepção de língua e linguagem adotada na seção de língua portuguesa, assim como com as noções exploradas para as designações escolhidas. Isso permitiu evidenciar aspectos semelhantes e distintos entre as duas seções, o que é detalhadamente apresentado a seguir. Interação em Conhecimentos de Espanhol das OCEM As seções de Língua Portuguesa (LP) e Língua Espanhola (LE) das OCEM apresentam em suas introduções a necessidade de serem utilizadas pelos docentes para a reflexão sobre o ensino e a aprendizagem de línguas no ensino médio. Em ambas, há a explicação de que essas orientações não devem ser interpretadas como uma “proposta fechada” ou como uma “solução” para todos os problemas relacionados ao ensino de línguas. Essas introduções deixam claro que uma concepção de ensino ou mesmo de língua poderá ser identificada durante a leitura das duas seções. No caso da LP, salienta-se que essa proposta de orientações só pode ser realizada “por meio da discussão e da defesa de uma concepção de ensino orientadora tanto da emergência de objetos de ensino/estudo quanto das PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 446 abordagens a serem adotadas nessa tarefa (Seção de LP, 2006, p. 17)”. De modo semelhante, a seção de LE afirma que: “Ao longo desta proposta, transparecerão, necessariamente, nossos conceitos de língua, de cultura e das formas de trabalhá-las; do papel educativo que pode ou deve ter o ensino de línguas, em especial do Espanhol (Seção de LE, 2006, p. 129)”. Tais concepções podem efetivamente ser verificadas em ambas as seções, entretanto observa-se que em uma delas (LP) os conceitos são mais evidentes, sendo altamente explorados, enquanto que na outra (LE), as noções não menos notórias. Cabe destacar que a definição de língua é uma pista para a compreensão das relações estabelecidas entre teoria, método, procedimentos analíticos e objeto (ORLANDI, 2002). Assim, as noções expostas nas OCEM indicam o caminho estabelecido por essas orientações para o ensino de línguas no ensino médio. As duas seções apresentam preocupações semelhantes em alguns aspectos como o (re)conhecimento por parte do aluno de diferentes variedades linguísticas, a necessidade da interdisciplinaridade e a formação de cidadãos. Por outro lado, quando se trata da concepção de língua/linguagem adotada em cada uma, identificam-se problematizações a respeito da interação, mas em proporções diferentes. Considerando que, desde a década de 1990, a interação é estudada dentro da área de Linguística Aplicada ao ensino de línguas (WEININGER, 2008), é instigante o fato de poucas vezes aparecer as designações “interação/interagir” na seção de LE. Em contrapartida, na seção de LP a designação interação e outras com o mesmo teor são amplamente abordadas. Ao todo, o termo interação aparece trinta vezes na seção de Conhecimentos de Língua Portuguesa. Ainda há a presença de outros com um sentido semelhante, mas em menor número: interacional (1), interativa (2) e interagir (1). Relacionando com a seção de Conhecimentos de espanhol é notável a diferença. Nessa parte do documento, aparece uma única vez a designação interação, em outros cinco momentos aparece interagir e durante uma citação do Marco Común Europeo se utiliza interactúan por duas vezes. Por se tratar do primeiro documento oficial com uma parte destinada especificamente à LE pensava-se, inicialmente, que questões sobre a interação seriam mais discutidas. Entretanto, essa discussão é largamente realizada quando se trata de LP. Por considerar que “só se aprende na interação com o outro” (CORACINI, 2005, p. 201), é relevante identificar quais sentidos são atribuídos às designações interação/interagir na seção de LE, a partir dos fragmentos em que tais termos aparecem. PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 447 [1] [...] num contexto de formação ampla como o do ensino médio, uma disciplina não se fecha nela mesma, e que é preciso contemplar o todo dessa formação que se pretende oferecer aos nossos estudantes, dentro do qual uma disciplina deve interagir7 com todas as demais para que se obtenham resultados de maior alcance na constituição da cidadania. (LE, p. 130) [2] […] os objetivos do ensino de Línguas Estrangeiras no espaço da escola regular, no qual o ensino da língua estrangeira, reiteramos, não pode nem ser nem ter um fim em si mesmo, mas precisa interagir com outras disciplinas, encontrar interdependências, convergências, de modo a que se restabeleçam as ligações de nossa realidade complexa que os olhares simplificadores tentaram desfazer [...]. (LE, p. 131) Para tratar sobre o papel educativo do ensino de línguas estrangeiras na escola, a designação interagir é utilizada em dois momentos (sequências 1 e 2). Em ambas, o termo é utilizado para mostrar a importância da relação entre a LE e outras disciplinas. Embora se mantenha a ideia de troca recíproca, a designação interagir assume um caráter vinculado à interdisciplinaridade e não aos sujeitos participantes do processo de ensino/aprendizagem. Por outro lado, nas sequências 3 e 4 os termos interaja e interação são utilizados no intuito de demonstrar a relação do sujeito com o outro, representado pela “comunidade” na sequência 3. Nesse caso, há uma aproximação com o que se pressupõe em um modelo de ensino focado na interação, ou seja, no qual a linguagem é compreendida como um processo de interação entre os interlocutores (TRAVAGLIA, 2000). [3] […] o conhecimento que o aluno possui da gramática da língua materna (explícito ou implícito) permite que ele interaja, desde cedo, com a comunidade na qual está inserido. O conhecimento gramatical necessário em língua estrangeira deve levar o estudante a ser capaz de produzir enunciados – simples ou complexos – que tenham uma função discursiva determinada. (LE, p. 144) [4] o desenvolvimento da competência comunicativa vista como um conjunto de componentes lingüísticos, sociolingüísticos e pragmáticos relacionados tanto ao conhecimento e habilidades necessários ao processamento da comunicação quanto à sua organização e acessibilidade, assim como sua relação com o uso em situações 7 Apenas os destaques em negrito foram realizados pelas autoras dessa pesquisa. PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 450 escolhas produzem efeitos de sentido. As sequências 10 e 11 demonstram como os conceitos adotados são explicados e defendidos. [10] [...] a abordagem proposta considera que, se as realidades sociais são produzidas e construídas nas diversas interações sociais, então, as práticas de ensino e de aprendizagem da língua materna devem levar em conta, sempre, as configurações singulares que os diferentes sistemas semióticos adquirem nos eventos de interação nos quais emergem, numa visão integradora, que procure entender o que os sujeitos fazem quando selecionam, estrategicamente, determinados recursos, dentre os disponíveis numa dada linguagem ou na língua. (LP, p. 29) [11] Deve-se ressaltar que a noção de prática de linguagem aqui adotada compreende o processo de inserção dos sujeitos nas práticas sociais, que têm a linguagem como mediadora das ações, tendo em vista os propósitos em jogo. Isso significa que as práticas de linguagem só podem ser pensadas em termos dos espaços sociais (públicos ou privados) em que se configuram, a partir das finalidades que as motivam e dos lugares sociais nelas instaurados. (LP, p. 29-30) Além de apresentar os argumentos pertinentes para essa escolha, a seção de LP expõe como essa abordagem pode ser trabalhada e explorada em sala de aula. Para isso, são utilizados exemplos de propagandas, piadas, anúncios e notícias. A partir dessas materialidades, são propostas análises que consideram os recursos linguísticos, as estratégias textuais, a relação com outros gêneros textuais, o contexto de produção, os valores expressos, enfim demonstram como elementos internos e externos da língua podem ser observados e discutidos, o que favoreceria a formação humanista e crítica do aluno. Ao tratar sobre o interacionismo, a seção de LP apresenta o conceito de interação que permeará as discussões propostas. Nesse caso, a interação é entendida como prática oral e escrita, que ocorre em diferentes instituições sociais e com a qual o sujeito “aprende e apreende as formas de funcionamento da língua e os modos de manifestação da linguagem” (LP, p. 24). [12] Cabe assinalar que, sendo, porém, uma atividade de construção de sentidos, a interação – seja aquela que se dá pelas práticas da oralidade ou intermediada por textos escritos – envolve ações simbólicas (isto é, mediadas por signos), que não são exclusivamente lingüísticas, já que há um conjunto de conhecimentos que contribui para sua elaboração. Nesse conjunto de conhecimentos, há tanto os relativos à própria língua como os referentes a outros sistemas semióticos envolvidos no texto [...]. Além PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 451 desses, devem ser também considerados os conhecimentos sobre as formas pelas quais se estabelecem relações entre sujeitos sociais e, ainda, conhecimentos sobre os modos de conceber o mundo, ligados aos grupos sociais dos quais participamos ou com os quais interagimos. (LP, p. 25) Na sequência 12, o conceito de interação contempla também o conjunto de conhecimentos relativos à própria língua e desenvolvidos por meio das relações sociais. Essa noção pode ser associada ao que Travaglia (2000) apresenta sobre a concepção de linguagem como forma ou processo de interação, em que a atuação ou a ação dos sujeitos derivam dos lugares sociais que ocupam. Com isso, pode-se dizer que a interação ganha maior destaque na seção de LP, sendo exploradas não apenas questões teóricas, como também as possibilidades para a sua promoção em sala de aula, o que viabilizaria o desenvolvimento dos conhecimentos sobre língua e linguagem por parte dos alunos. Já na seção de LE, apesar da interação não ser negada e, de modo semelhante, ser compreendida a partir das relações sociais, não é dada tanta ênfase a sua importância no processo de ensino/aprendizagem da língua. Cabe observar, porém, que a seção de LP é a primeira a ser apresentada nas OCEM. Assim, as noções discutidas mais extensamente nessa seção podem ter adquirido um caráter secundário nas demais, como a de LE. Entretanto, como na sua introdução é afirmado que será possível identificar a concepção adotada, essas relações poderiam ter sido explicitadas para favorecer a compreensão do que se espera e almeja da LE nas escolas. Considerações Finais As abordagens e as metodologias para o ensino de línguas estrangeiras foram se modificando no decorrer das últimas décadas, passando a considerar a importância de elementos externos à língua, do papel histórico e das relações sociais. Segundo Weininger (2008), depois da abordagem comunicativa, um grande número de cursos passou a se apoiar em elementos trazidos por Jean Piaget e Vygotsky. Nesse novo modelo de aula, as interações sociais assumiram um papel fundamental para a construção do conhecimento sobre a língua e a linguagem. PERcursos Linguísticos ● Vitória (ES) ● V. 7 ● N. 14 ● 2017 ● ISSN: 2236-2592 452 Por considerar a importância da interação, este trabalho teve por objetivo analisar os sentidos das designações interação/interagir presentes na seção Conhecimentos de Espanhol das OCEM. A escolha desse documento ocorreu pelo fato de apresentar uma seção específica para a LE, o que representa uma fonte histórica do ensino dessa língua no país. Com isso, foi possível observar que a abordagem interacionista e os aspectos relacionados à interação são amplamente abordados na seção de LP, mas não na de LE. Embora algumas dessas discussões sejam realizadas na seção de LE, a sua presença é menos notória e mais intensificada na seção de LP. Entretanto, por se tratar do primeiro documento oficial com uma seção específica para o espanhol e por ainda ser norteador para o trabalho do professor, seria importante que a seção de LE explicitasse também quais os pressupostos ou conhecimentos embasariam a prática esperada em espanhol. É preciso considerar, ainda, que as OCEM são extensas, tratando não apenas da língua portuguesa e espanhola, mas também das disciplinas de artes, literatura, educação física e, ainda, com uma subdivisão intitulada Conhecimentos de Línguas Estrangeiras, que exigiriam outra análise no intuito de verificar as suas contribuições. Nesse sentido, os esclarecimentos sobre a concepção adotada precisam ser claros em qualquer seção para favorecer o entendimento do trabalho que deve ser realizado, assim como a reflexão sobre as possibilidades de desenvolvê-lo. Tais reflexões podem estendidas a qualquer documento oficial que trate sobre o ensino de línguas no país. Por fim, este trabalho não procura desqualificar as OCEM, já que elas trazem informações, orientações e discussões importantes para o trabalho docente e especificamente para o que deverá ser realizado pelo professor de espanhol. Mas busca apenas refletir sobre algo tão discutido e importante no âmbito das línguas estrangeiras, a interação. Referências AUROUX, S. A questão da origem das línguas, seguido de A historicidade das ciências. Trad. Mariângela Joanilho. Campinas, SP: Ed. RG, 2008. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. BRASIL. Decreto-Lei nº 4.244a, de 09 de abril de 1942. Lei orgânica do ensino secundário. Diário Oficial da União, 10 abr. 1942. Disponível em:
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