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Guias e Dicas
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Livro - A TEORIA DO CRIME E DA PENA EM DURKHEIM.pdf, Resumos de Direito

Livro - A TEORIA DO CRIME E DA PENA EM DURKHEIM.pdf

Tipologia: Resumos

2020

Compartilhado em 30/06/2022

miguel-angelo-silveira-11
miguel-angelo-silveira-11 🇧🇷

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Baixe Livro - A TEORIA DO CRIME E DA PENA EM DURKHEIM.pdf e outras Resumos em PDF para Direito, somente na Docsity! 1 A TEORIA DO CRIME E DA PENA EM DURKHEIM: UMA CONCEPÇÃO PECULIAR DO DELITO Professor Humberto Barrionuevo Fabretti Professor da Faculdade de Direito - UPM INTRODUÇÃO Émile Durkheim, pensador francês, nascido em 1858 foi um dos maiores sociólogos já existentes e, até hoje, é um dos autores mais citados no campo da sociologia criminal e da criminologia. Autor de várias obras, entre elas: “Estudo do Método Sociológico”, “Divisão Social do Trabalho” e “Suicídio”, Durkheim é reconhecido pelo empenho em dar um caráter científico à sociologia, emancipando-a como ciência autônoma e possuidora de métodos próprios. Em suas diversas obras muitos temas foram pesquisados, mas apesar dessa vastidão o presente estudo, como não poderia deixar de ser, buscará uma análise específica, qual seja, a concepção de crime na sociologia de Durkheim, bem como a sua conseqüência lógica, a pena. Entretanto, antes de tratarmos do crime e da pena, imperiosa a contextualização de nosso pensador no tempo e no espaço e, posteriormente, a apresentação e sucinta explicação de alguns conceitos teóricos presentes na sociologia de Durkheim, tais como “fatos sociais”, “sociedade”, “anomia”, “consciência coletiva”, 2 “solidariedades mecânica e orgânica”, e etc, que serão de suma importância para o desenvolvimento da pesquisa. 1- CONTEXTUALIZAÇÃO. Antes de nos aventurarmos no pensamento de É. Durkheim é necessário que o posicionemos historicamente, sob pena de não entendermos o verdadeiro sentido de suas idéias. É. Durkheim desenvolveu seus estudos no final do século XIX e início do século XX, quando já se havia iniciado o Positivismo e Augusto Comte já havia esboçado traços da atual sociologia. Augusto Comte teorizou que o pensamento humano, antes do Positivismo, já havia passado por outros dois momentos: O Teológico e o Metafísico. O Estado Teológico era caracterizado pela crença em divindades e espíritos, através dos quais se explica os fenômenos da natureza. Já o Estado Metafísico era caracterizado por uma abstração maior, com abandono das divindades e espíritos, passando a considerar que existiam forças naturais e leis constantes que organizavam o mundo e as sociedades. O Terceiro Estado é o próprio Positivismo, onde busca-se uma compreensão científica do mundo, com a observação direta dos fatos, inspirando-se na química, física e biologia.1 É nesse contexto positivista que É. Durkheim desenvolve sua sociologia, sempre buscando uma independência e emancipação científica, bem como a definição de objetos e métodos próprios, que ainda não eram visíveis no pensamento de A. Comte. Nesse sentido aponta Cláudia Costa: “Embora Comte seja considerado o pai da sociologia e tenha-lhe dado esse nome, Durkheim é apontado como um de seus 1 MASCARO, Alysson Leandro. Lições de Sociologia do Direito – São Paulo: Quartier Latin, 2007. pág.70. 5 exemplo de sanções espontâneas, qualquer reação negativa da sociedade frente a um comportamento, tal qual, o isolamento de pessoas fumantes e o próprio riso diante uma pessoa que se veste de forma inadequada. A próxima característica é que os fatos sociais são Exteriores aos Indivíduos. Tal caráter tem o sentido de afirmar que os indivíduos ao nascerem já encontram os fatos sociais (regras, costumes, leis, religião e etc.) postos e são obrigados a aceitá-los mediante coerção social, tal qual a educação. Ao indivíduo não é dado o direito de opinar. Mais uma vez, recorremos ao próprio Durkheim: “Quando reparamos nos fatos tais como são, e como sempre foram, salta aos olhos que toda a educação consiste num esforço contínuo para impor (coerção) à criança maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não teria chegado espontaneamente (Exterioridade). Desde os primeiros tempos da sua vida que a obrigamos a comer, a dormir, a beber nas horas certas. Obrigamo-la à limpeza, à calma, à obediência.” (Expressões entre parênteses não constam no original )5. Por fim, a última característica, a Generalidade. Por geral se entende os fatos que se repetem em todos os indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles; o que é comum a todas as sociedades. É. Durkheim afirma: “Porém, dir-se-á que um fenômeno não pode ser coletivo se não for comum a todos os membros da sociedade ou, pelo menos, à maior parte deles, portanto, se não for geral”.6 5 Ibidem. pág. 35. 6 Ibidem. pág. 37. 6 Colocadas as características dos fatos sociais, cumpre-nos ainda trazer à tona algumas recomendações do próprio É. Durkheim para sua análise. No capítulo dois da obra “As Regras do Método Sociológico”, o autor ensina que a regra fundamental para o estudo do fato social é tratá-lo como coisa, no sentido de se afastar todas as noções prévias, separá-los por características exteriores comuns e apreender os fatos de modo isolado de suas manifestações individuais. O Professor Alysson L. Mascaro trata do assunto em sua obra “Lições de Sociologia do Direito”, utilizando-se de uma comparação entre o fato social e o fato jurídico: “O fato social, para Durkheim, é muito distinto daquilo que o jurista chamará por fato jurídico. Para o jurista moderno, determinados eventos têm a repercussão para o direito, outros não. Em geral, ele identifica um fato como sendo jurídico caso ele esteja previsto ou repercuta no sistema de normas do ordenamento estatal. Os fatos sociais, na perspectiva de Durkheim, são muito distintos disso. Os fatos devem ser tratados como coisas, e sobre elas deve incidir uma análise objetiva. Daí que os fatos se apresentam com dados brutos, não qualificados previamente segundo alguma norma ou mesmo segundo algum juízo de valor. O fato jurídico já seria um fato trabalhado a partir de alguma perspectiva, como a normativa. O fato social não. Durkheim o deseja compreender objetivamente, como uma coisa que se apresente ao sociólogo.” 7 Toda essa preocupação metodológica, onde se propõe o total afastamento do sociólogo do objeto de estudo, visa uma análise mais fidedigna do fato social observado, buscando afastá-lo de todo preconceito, paixão ou desejo do próprio cientista. Deve ainda o cientista afastar-se das opiniões e juízos de valor individuais dos envolvidos com o fato social. Assim, afastado de todos os elementos que possam corromper a pesquisa, dispõe o sociólogo de métodos objetivos, como a observação, a descrição, comparação e estatística. 3- A SOCIEDADE Até agora tratamos apenas dos fatos sociais, estudamos suas características e os “métodos” para analisá-lo. Entretanto, surge a seguinte indagação: Qual a finalidade do estudo dos Fatos Sociais? E a resposta não poderia ser outra: o estudo da própria sociedade. Assim, através dos fatos sociais é que É. Durkheim, embebido do positivismo, vai buscar a compreensão da sociedade e de sua coesão. Durkheim considera a sociedade como um organismo vivo e, como tal, apresenta estados que podem ser considerados “normais” ou “patológicos” ou, em uma metáfora com qualquer organismo biológico, estados saudáveis ou doentios. Entretanto, a maior dificuldade se encontra em distinguir quando um fato social teria o caráter “normal” ou “patológico”: “...tal como para os indivíduos, a saúde é boa e desejável também às sociedades, ao contrário da doença, que é coisa má e de se evitar. Se encontrarmos um critério, objetivo, inerente aos próprios fatos, que nos permita distinguir cientificamente a saúde da doença nas diferentes ordens de fenômenos sociais, a ciência estará 10 4- A CONSCIÊNCIA COLETIVA A teoria sociológica de É. Durkheim busca demonstrar que os fatos sociais tem vida própria, independente dos pensamentos e ações individuais dos membros da sociedade, embora de forma alguma negue que cada indivíduo tem sua própria consciência. Entretanto, essa consciência individual, em momento algum se confunde com a “consciência coletiva”, pois apesar de cada pessoa possuir seus próprios pensamentos, há na sociedade padrões de conduta e pensamento. É. Durkheim aborda o tema pela primeira vez em sua obra “Da Divisão do Trabalho Social”, onde conceitua “consciência coletiva” como: “O conjunto de crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem sua vida própria; poderemos chamá-lo: a consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem por substrato um órgão único; é, por definição, difusa em toda a extensão da sociedade; mas não deixa de ter caracteres específicos que fazem dela uma realidade distinta. Com efeito, é independente das condições particulares em que os indivíduos estão colocados; eles passam, ela permanece. 11 Essa consciência não se basearia nos indivíduos e grupos sociais, tampouco seria o simples produto das consciências individuais, mas algo completamente diverso. 11 DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social; As regras do Método Sociológico; O suicídio; As Formas Elementares da Vida Religiosa; seleção de textos de José Arthur Giannotti; tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura.- Os Pensadores – 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. pág. 40. 11 É considerada por Durkheim como o “tipo psíquico da sociedade”, que não muda através das gerações, mas sim que une uma geração à outra. Á “consciência coletiva” é, de certo modo, o estado moral da sociedade, com capacidade para julgar e valorar os atos individuais rotulando-os de imoral, reprovável ou criminoso. Esse aspecto de “termômetro social”, de “régua de valores” vai dar a “consciência coletiva” um poder de coação, de força, que vai variar conforme o grau de desenvolvimento das sociedades. Nesse momento do estudo é que devemos citar a distinção realizada por Durkheim entre a Solidariedade Mecânica e a Solidariedade Orgânica. A Solidariedade Mecânica é típica das sociedades arcaicas pré- capitalistas, é uma solidariedade por semelhança, pois os indivíduos se diferem pouco um dos outros, identificando-se por meio de suas famílias, religião, tradições e costumes. 12 Aos indivíduos pertencentes a essas sociedades falta a personalidade ou mesmo a individualidade, sendo que a “consciência coletiva” é um forte instrumento de coação e, conseqüentemente, “coesão” social. Nas palavras de Durkheim: “A primeira (solidariedade mecânica) só pode ser forte na medida em que as idéias e as tendências comuns a todos os membros da sociedade ultrapassam em número e intensidade as que pertencem pessoalmente a cada um deles... Portanto, esta solidariedade apenas pode crescer na razão inversa da personalidade. Existe em cada uma 12 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2004. pág. 216. 12 de nossas consciências, nós o dissemos, duas consciências: uma é comum com nosso grupo inteiro e, por conseguinte, não somos nós mesmos, mas a sociedade inteira vivendo e agindo dentro de nós. A outra representa, ao contrário, o que temos de pessoal e distinto, o que faz de nós um indivíduo. A solidariedade que deriva das semelhança está em seu maximum quando a consciência coletiva recobre exatamente nossa consciência total e coincide em todos os pontos com ela: mas, neste momento nossa individualidade é nula” A consciência individual, considerada sob esse aspecto, é uma simples dependência do tipo coletivo, que segue todos os seus movimentos. Nas sociedades em que esta solidariedade (mecânica) é muito desenvolvida, o indivíduo não se pertence, pois ele é literalmente uma coisa da qual a sociedade dispõe. 13 Nas sociedades arcaicas, pré-capitalistas, onde não há uma divisão social do trabalho, é a solidariedade mecânica que mantém a coesão social, em virtude da predominância absoluta da consciência coletiva sobre a consciência individual. Já a solidariedade orgânica é típica das sociedades capitalistas, onde em virtude da grande divisão social do trabalho, há maior independência entre os indivíduos. Também, nessas sociedades, obrigatoriamente pós-iluministas, há uma predominância do caráter absolutamente individualista, com o desenvolvimento dos direitos humanos e limitação da ingerência do Estado na órbita privada, resultados obtidos pelas revoluções burguesas. 13 DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social. Os Pensadores – 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. pág. 69. 15 Na obra “Suicídio”, conforme já apontado, Durkheim afirma ser a anomia uma das causas do aumento dos números de suicídios e que este “estado social” ocorre tanto em momentos de profundas crises, quanto em momentos de grande desenvolvimento acelerado, “porque a rapidez com que o sucesso econômico pode ser conseguido coloca em crise o equilíbrio entre o fim e os modelos de comportamento adequados àquele.”17 Assim, já apresentadas simples noções de alguns conceitos da sociologia de Durkheim, podemos passar a análise central do presente estudo. 6- CRIME E PENA O pensamento de Durkheim em relação ao crime foi certamente renovador e trouxe outros pontos de reflexão à sociologia criminal. Completamente discordante de M. Garófalo que foi um dos primeiros autores a tratar da criminologia e dos demais cientistas de seu tempo, Durkheim não dava os crimes um caráter patológico, mas sim os qualificava como fatos sociais, dentro da normalidade (saúde social) principalmente em virtude de sua “generalidade”. Tal concepção de normalidade é resultado da aplicação do método, proposto por Durkheim para análise dos fatos sociais, aos crimes. Tal entendimento foi enunciado na obra “As Regras do Método Sociológico”: “Se há um fato cujo caráter patológico parece incontestável é sem dúvida o crime. Todos os criminólogos estão de 17 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. 3ºed. Editora Revan, Instituto Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro: 2002. pag. 62. 16 acordo sobre esse ponto. Apesar de explicarem esta morbidez de maneira diferentes, são unânimes na sua constatação. Contudo, o problema merecia ser tratado com menos superficialidade.” Com efeito, apliquemos as regras precedentes. O crime não se produz só na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie, mas em todas as sociedades, qualquer que seja o tipo destas. Não há nenhuma em que não haja criminalidade. Muda de forma, os atos assim classificados não são os mesmos em todo o lado; mas em todo o lado e em todos os tempos existiram homens que se conduziram de tal modo que a repressão penal se abateu sobre eles”18 Durkheim discorre que os crimes não diminuem quando se passa de sociedades inferiores para superiores, pelo contrário, cresce. Logo, reafirmada sua normalidade, o crime não é nada mais do que um “fato social” e, ainda, um fato social não patológico, pois nas palavras do sociólogo francês: “Não há, portanto, um fenômeno que apresente de maneira tão irrefutável como a criminalidade todos os sintomas da normalidade, dado que surge como estreitamente ligada às condições da vida coletiva. Transformar o crime numa doença social seria o mesmo que admitir que a doença não é uma coisa acidental mas que, pelo contrário, deriva em certos casos da constituição fundamental do ser vivo; consistiria em eliminar qualquer distinção entre o fisiológico e o patológico. ”19 18 DURKHEIM, É. As Regras do Método. pág. 82. 19 Ibidem. pág. 83 17 Apesar disso, poderíamos afirmar que há alguma forma de a criminalidade se transformar numa doença social? Sim, posto que se essa criminalidade atingir uma taxa exagerada, certamente estaremos diante de uma anormalidade. E o que faz com que o crime seja “normal” e presente em todas as sociedades? Antes de tentarmos responder essa questão devemos saber o que Durkheim entende por crime. Na obra “Da Divisão do Trabalho Social”, especificamente no capítulo sobre a Solidariedade Mecânica, Durkheim conceitua o crime, entretanto o faz de forma fracionada, ou seja, faz uma digressão e desenvolve todo o seu pensamento por várias páginas, ora retirando algo do conceito e ora adicionando. Porém, ao final afirma: “Podemos, pois, resumindo a análise que precede, dizer que um ato é criminoso quando ofende os estados fortes e definidos da consciência coletiva” Entretanto, apesar da literalidade do conceito, acrescenta-se o fato de ser a oposição social que faz o crime, que o precede, que o caracteriza como tal, e não que a oposição social ao fato decorra de ser este criminoso, ou seja, uma ação é considerada criminosa porque ofende a “consciência coletiva” e não que a “consciência coletiva” se sinta ofendida pelo ato ser criminoso. Durkehim, quando explica tal situação, remete-nos a Spinosa, que afirmara que as coisas são boas porque as amamos e não que as amemos porque são boas. O raciocínio é completamente o contrário. 20 vulgares provocarão o mesmo escândalo que o delito normal provoca nas consciências normais”.24 Mas como não poderia deixar de ser pela própria complexidade das idéias, tal verificação é impossível e jamais se conseguiria chegar a tal desenvolvimento e unanimidade das consciências individuais, posto que cada uma delas é forjada de maneira peculiar, desde o ponto biológico, até as influências culturais que se modificam espacial e temporalmente. Inclusive, Durkheim afirma que mesmo nas sociedades pouco desenvolvidas, onde a coesão social é mantida pela solidariedade mecânica e que a diferença entre os indivíduos é muito escassa, em virtude da quase ausência de personalidade, não é possível alcançar tal estado de unanimidade, posto que apesar de quase inexistente, a individualidade não é nula, havendo sempre indivíduos que apresentem certo caráter criminoso. E, mesmo que a “consciência coletiva” fosse forte o suficiente para impedir a manifestação de tal caráter, reagiria de forma enérgica contra qualquer pequeno desvio, mesmo que insignificante, caracterizando-o como criminoso. Desse modo concluí: “O crime é portanto necessário; está ligado às condições fundamentais de qualquer vida social e, precisamente por isso, é útil; porque estas condições a que está ligado são indispensáveis para a evolução normal da moral e do direito”25 Diante dessa afirmativa, podemos então dizer que, na visão de Durkheim, o crime, além de um “fato social”, normal, é útil à sociedade. 24Ibidem. pág. 84 25 Ibidem. pág. 84 21 A utilidade do crime é no sentido de tornar possível a evolução da moral e do próprio direito, haja em vista que o crime desafia a ordem moral vigente e esta, por ser maleável, adquire novas formas, através das mudanças. Durkheim chega a dizer que para que haja evolução é necessário que a originalidade individual se possa manifestar; “ora, para que a originalidade do idealista que ambiciona ultrapassar o seu século se possa manifestar, é preciso que a do criminoso que está aquém do seu tempo o posso igualmente. Não podem existir uma sem a outra”.26 O seguinte trecho de Durkheim é peremptório: “Quantas vezes, com efeito, o crime não é uma simples antecipação da moral futura, um encaminhamento para o mundo do futuro! Segundo o direito ateniense, Sócrates era um criminoso e a sua condenação era justa. Contudo, o seu crime, a saber, a independência de pensamento, era útil não só à humanidade como também à sua pátria, pois servia para preparar uma moral e uma fé novas de que os atenienses necessitavam nesse momento porquanto as tradições em que se tinham apoiado até então já não estavam em harmonia com as condições de existência. Ora, se o caso de Sócrates não é um caso isolado, reproduz-se periodicamente na história. A liberdade de pensamento de que gozamos nuca poderia ter sido proclamada se as regras que a proibiam tivesse sido violadas antes de serem solenemente abolidas. No entanto, nesse momento, esta violação era um crime pois ofendia sentimentos que a generalidade das consciências 26 Ibidem. pág. 86. 22 ainda ressentia vivamente. Contudo, este crime era útil pois era o prelúdio de transformações que de dia para dia se tornavam mais necessárias. A livre filosofia teve como precursores os heréticos de toda a espécie que o braço secular abateu durante toda a Idade Média e até a véspera da época contemporânea.”27 Com essa nova proposição acerca do criminoso e da criminalidade, Durkheim, revendo seu pensamento28, traz para a criminologia de seu tempo “novas luzes”, posto que até o presente momento o delinqüente era visto apenas como um ser desprezível e completamente anti-social, um parasita sem qualquer utilidade. Durkheim dá ao criminoso um novo papel social, o de “agente regulador da vida social”. Por outro lado, nos alerta de que não devemos ficar satisfeitos quando a criminalidade atinge taxas muito abaixo das habituais, pois este progresso aparente é ao mesmo tempo anunciador e corolário de perturbações sociais. E dessa maneira, formulando um novo panorama para o crime, consequentemente, aparece um novo panorama para a pena, inclusive no que se refere à sua função, posto que: “Com efeito, se o crime é uma doença, a pena é o remédio para ele e não pode ser concebida de modo diferente; assim, todas as discussões que levante incidem sobre a questão de saber em que deve consistir para desempenhar seu papel de remédio. Mas, se o crime não tem nada de 27 Ibidem. pág. 86. 28 Importante informar que na obra “Da Divisão do Trabalho Social”, Durkheim vê o crime como algo patológico e desviado e lhe dá a função de aproximar e concentrar as consciências honestas. Na obra “Das Regras do Método Sociológico” é que tal pensamente é atualizado. 25 sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime.”32 Porém, acreditamos que para se manter fiel ao seu método Durkheim não poderia agir de forma diversa, pois se não considera o crime como algo danoso, não pode tentar evitá-lo sempre, mas apenas nos momentos em que excede o limite considerado normal. 8- CONCLUSÃO Podemos, assim, afirmar que o pensamento de Durkheim é deveras rico e na intenção de explicar a sociedade e tornar a sociologia ciência independente trouxe grande contribuição às ciências humanas. No que se refere exatamente ao crime, Durkheim trouxe uma nova concepção, completamente diversa de todas formuladas até o momento, posto que classificando-o como “fato social”, lhe deu o caráter de generalidade e normalidade, afirmando que está presente em todas as sociedades e as faz saudável. Somente dá ao crime o caráter patológico se este atingir taxas muito acima ou muito abaixo das habituais para aquela sociedade. Ainda, além de normal, considerou o crime útil à sociedade, pois lhe inflige renovações. Alterando a visão sobre o crime, o mesmo ocorreu em relação ao criminoso, sendo que Durkheim abandona a visão de que este representa algo “parasitário” e lhe dá a função de “agente regulador da sociedade”. Por fim, com uma nova teoria sobre o crime nasce uma nova teoria sobre a pena, onde Durkheim relega a segundo plano os 32 BONESANA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Tradução de Torrieri Guimarães. Martin Claret. São Paulo. 2001. pág. 49. 26 funções socializadoras e preventivas da pena, acentuando a função retributiva, posto que sustenta que a pena tem a função primordial de restaurar a “consciência coletiva” que se viu aviltada com a prática do delito. Assim, se por uma banda as idéias de Durkheim são completamente progressistas no que se relaciona ao crime e ao criminoso, pois ao primeiro dá o status de normalidade e deixa de adjetivar o último como um “parasitário”, por outro lado, no que tange à pena, a teoria de Durkheim retrocede, pois dá a essa, como função principal, a retribuição, ou seja, o castigo pelo castigo, admitindo que tenha caráter preventivo e educativo apenas de forma subsidiária.
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