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Reflexões sobre Pesquisa de Campo na Antropologia: Universalidade de Conceitos, Notas de aula de Antropologia

Teoria da CulturaMetodologia da PesquisaAntropologia Social

Neste texto, marisa peirano discute a importância da pesquisa de campo na antropologia e sua relação com a teoria. Ela reflete sobre a visão alternativa que a pesquisa de campo aponta para a universalidade de conceitos sociológicos, além de discutir as implicações desta abordagem para o ensino e formação de antropólogos. Peirano examina as ideias de thomas, malinowski, evans-pritchard e radcliffe-brown, e aborda questões relacionadas à trajetória individual dos antropólogos, o impacto da pesquisa sobre o pesquisador e a relação entre o particular e o universal.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância da pesquisa de campo na antropologia?
  • Como a pesquisa de campo influencia a formação de antropólogos?
  • Quais são as ideias de Thomas, Malinowski, Evans-Pritchard e Radcliffe-Brown que Marisa Peirano discute no texto?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Maracana85
Maracana85 🇧🇷

4.2

(62)

132 documentos

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Baixe Reflexões sobre Pesquisa de Campo na Antropologia: Universalidade de Conceitos e outras Notas de aula em PDF para Antropologia, somente na Docsity! Marisa Peirano. A favor da etnografia. Rio de Janeiro, Relume- Dumará, 1995. Irene Maria F. Barbosa Há muito tempo não aparecia na produção da Antropologia no Brasil uma preocupação tão oportuna com a etnografia como ocorre neste trabalho de Marisa Peirano, A favor da etnografia. Uma resenha a respeito de um traba- lho com tal tratamento merece uma abordagem igualmente etnográfica; assim tentarei fazê-lo: a autora apresenta-nos uma obra composta por quatro capítu- los e um posfácio, que, a princípio, parecem independentes e escritos em dife- rentes situações, mas que guardam uma relação decorrente da própria nature- za do trabalho: o confronto de idéias à procura de uma superação, em um debate entre as diversas ciências sociais do ponto de vista da antropologia. No primeiro capítulo, Marisa dialoga com Fábio Wanderley Reis que se mostra preocupado com o conjunturalismo que reina em recentes trabalhos de antropologia e reconhece na inspiração antropológica autores que se li- mitam ao imediatismo da experiência, aquém do estranhamento e da rela- tivização, na tradição da disciplina. Neste capítulo, Marisa reflete a respeito de como a pesquisa de campo na antropologia, fundada no confronto dos conceitos nativos com conceitos ocidentais, aponta para uma visão alternativa, segundo ela talvez mais ge- nuína, da universalidade dos conceitos sociológicos. E, ainda, faz conside- rações a respeito do ensino da antropologia e da formação e do treinamento do antropólogo, da maneira própria de se vincular a teoria e a pesquisa de modo a favorecer novas descobertas. Num processo caracterizado por uma transmissão de conhecimento em que os autores que, depois de considerados ultrapassados e combatidos, são reincorporados a partir de nova releitura às novas reflexões, o que pode ser explicado como “culto aos ancestrais”. Assim, o “conjunturalismo” ao qual Fábio Wanderley Reis se refere como que invadindo a antropologia brasileira é próprio apenas daqueles que não se prendem à tradição da disciplina. - 230 - REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 1997, V. 40 nº 1. Entre as conseqüências das observações feitas anteriormente, Marisa Peirano aponta que não há como ensinar a fazer pesquisa de campo, que o “ treinamento metodológico se faz melhor quando acoplado às monografias clássicas ou aos cursos teóricos.” Que a antropologia não se reproduz por paradigmas estabelecidos, mas por determinada maneira de se vincular à te- oria-e-pesquisa. E que, enquanto houver este vínculo de teoria e pesquisa conduzindo a uma nova reflexão teórica, não há lugar para crises. É o segundo capítulo que vai dar nome ao livro – A favor da etnografia – a propósito da provocação deliberada. Um jovem e bem sucedido antropólogo australiano, Nicholas Thomas, publicou um artigo em revista americana de vanguarda, com o título Contra a etnografia. Este autor “insere-se no grupo pós-moderno com projeto político específico tornando-se um representante da rebeldia dentro do império” e se mostra preocupado e descontente com a ma- neira como os antropólogos têm estudado as sociedades coloniais. Depois de apresentar os argumentos de Thomas, que diz não pretender “condenar toda a disciplina”, mas aponta problemas cruciais ao que consi- dera o modelo canônico”, Marisa Peirano discute esta idéia perguntando : a que modelo canônico ele se refere? O que Thomas critica é a tendência de tratar questões teóricas totalizantes a partir de eventos particulares. Assim, o canônico parece referir-se às ex- periências totalizadoras do exótico. Marisa encontra em Malinowski e Evans-Pritchard os elementos para dis- cutir esta questão, apontando que aquilo que é cobrado por Thomas já esta- va presente nestes autores, e que Malinowski, ao focalizar a co-autoria etno- gráfica, conserva os termos nativos, não por exotismo, mas para manter a fidelidade de uma categoria nativa diferente das categorias ocidentais; a argumentação é reforçada por Evans-Pritchard, com a antropologia compa- rativa, em que era um tradutor, utilizando terminologia ocidental; pretendia tratar de problemas ocidentais, mas para causar um impacto das categorias em seus leitores. O texto etnográfico era, assim, resultado da adequação da ambição universalista da disciplina com dados detectados em determinado contexto etnográfico, combinando a sensibilidade do etnógrafo com o apren- dizado adquirido com a formação do pesquisador. - 233 - REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 1997, V. 40 nº 1. foi o de propor que símbolos rituais não pudessem formar sistemas. Assim, depois de ter detectado o significado das árvores, parte para os significados contextuais que as árvores ocupam nos rituais. A autora esclarece os con- ceitos que permitiram uma combinação de uma análise semântica completa com uma análise pragmática, mostrando que a relação entre os Ndembu e seus ancestrais se apresenta como viva e em constante movimento. Retomando a etnografia de Turner a autora analisa as seqüências dos ri- tuais de aflição, acabando por concluir que são rituais de passagem, tal como pensava Turner, mas com uma diferença importante: Turner via os pacien- tes dos rituais como sujeitos da passagem; para ela, os espíritos é que são submetidos à transformação. A seguir, passa a considerar os rituais de iniciação (ritual é um ato per- formativo, isto é, tem força persuasiva-convencional). Os aspectos referencial e indéxico ligam a ação ritual ao plano da cosmologia Ndembu quanto à estrutura sócio-política da sociedade. É aqui que a análise se encontra com a de Turner e a complementa, e o papel dos ancestrais se esclarece a partir dos rituais. Neste ponto, reconhecendo a competência de Turner, continua a análise mostrando que alguns dos aspectos não trabalhados por ele ajudam a esclarecer que os ritos cons- tituem um ponto de encontro privilegiado entre vivos e mortos. Vivos e mortos constituem duas ordens distintas, mas em comunicação. Marisa avança na análise de Turner sem desvirtuá-la, enfatizando o pa- pel da matrilinearidade, concluindo que os princípios estruturais socioló- gicos são coerentes com a cosmologia Ndembu quando focalizam a rela- ção entre vivos e mortos. O quarto capítulo recebe o nome de “Artimanhas do Acaso” e é resultado de reflexões a propósito de uma série de entrevistas realizadas pela autora com o objetivo de esclarecer aspectos da trajetória de cientistas sociais brasileiros: Florestan Fernandes, Antonio Cândido, Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira. Aí, ela observa que em todos os depoimentos há uma preferência dos cientistas em atribuir ao acaso situações e momentos decisivos na carreira de cada um, em lugar de dar explicações mais amplas para os encontros, influên- cias, convites. O acaso, assim, parece contrapor-se a qualquer explicação globalizante. Dessa forma, estariam tanto evitando explicações relativas a um destino pré-estabelecido, quanto a vontade individual. - 234 - REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 1997, V. 40 nº 1. Há, ainda, um posfácio, onde Marisa procura esclarecer impasses e ques- tões levantadas nos ensaios anteriores e levanta pontos de reflexão a respei- to do ensino da antropologia. Aí, são tratadas questões como a impossibilidade de se ensinar, com re- gras definidas, como se faz pesquisa de campo; sabemos, hoje, que a pes- quisa depende muito da biografia do pesquisado, das opções teóricas, do contexto sócio-histórico mais amplo e das situações imprevisíveis. Retoma novamente Evans-Pritchard, quando afirma que a simples capacidade inte- lectual e formação técnica não são suficientes para formar um bom antropó- logo. “Entre a arte e ciência, defende que a antropologia é mais arte.(...) o antropólogo não é só um cotejador e o intérprete de fontes. É o criador de- las.” Daí a história da antropologia estar vinculada tanto às obras dos cien- tistas quanto a suas trajetórias. Quanto ao ensino da antropologia em cursos introdutórios, mais do que a leitura das monografias clássicas, os estudantes aprendem um ethos para poder identificar a racionalidade do outro, o res- peito à alteridade e a reconhecer o relativismo das sociedades e das ideologi- as, a ausência de distinção fundamental entre primitivos e modernos, a hori- zontalidade das práticas humanas, a afinidade entre ciência e magia, entre magia e religião, e entre religião e ciência. A antropologia é uma disciplina artesanal, interpretativa e microscópica , que liga o particular ao universal, desconstruindo as categorias abstratas da nossa sociedade. Cada estudante de antropologia, uma vez tendo dominado os clássicos, em leitura no original, elege, de acordo com suas inclinações pessoais, certo elen- co de autores, inserindo-se assim em uma linhagem teórica. É uma escolha individual, não pode ser ensinada. É uma liberdade de filiação controlada pelo conhecimento acumulado da disciplina. Marisa discute, então, a questão do relativismo e vê na comparação vista a alavanca que faz ver a cultura alheia nos termos nativos, e, ao mesmo tempo, coloca em perspectiva a eles e a nós. No encontro radical entre as visões nati- vas e a teórico-ocidental, o etnógrafo e a própria teoria sociológica são postos à prova. Os mesmos tipos de recomendações sobre como lidar com a pesquisa antropológica também são dados com relação ao ensino da antropologia. Reflete ainda sobre a história da antropologia, lembrando que a história não é apenas o passado perdido, mas inspiração para solucionar problemas - 235 - REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 1997, V. 40 nº 1. presentes, porque estes já foram enfrentados antes e nem todas as soluções devidamente aproveitadas. Neste contexto, Marisa retoma a questão da prá- tica etnográfica em relação ao ensino da antropologia, denominando de his- tória teórica os autores e monografias que se transformam em linhagem con- sagrada da disciplina – história teoricamente significativa, – que passa a ter legitimidade a partir do debate que incorpora todos os oponentes e, no pro- cesso de transmissão, os cursos de história/teoria ressaltam as diferentes maneiras de se conceber as conquistas teóricas. Assim, a história/teórica explica porque a leitura de alguns é considerada indispensável e a de outros não. Depois de sugerir autores que considera indispensáveis e recomendá- veis, observa que a trajetória individual de cada autor deverá ser considera- da de acordo com as configurações de sua época. Ainda acentua que a recu- peração histórica deve dar atenção aos relatos que a geração nascida nos anos 20 vem produzindo na última década; são depoimentos pessoais que se trans- formam em dados históricos e etnográficos. O livro termina com referências sobre o Brasil, mostrando os questio- namentos pelos quais a antropologia passou, e ainda passa, considerada menos exigente que a sociologia. A autora procura unir diálogos no âmbi- to da antropologia e das ciências sociais brasileiras e de fora. No Brasil, a autora considera que a antropologia passa por momento privilegiado, uma vez que nossa gênese intelectual e institucional esteve vinculada ao projeto das “ciências sociais “, mas, historicamente, recorre ao secular vínculo com outras vertentes européias das chamadas “humanidades”. É um livro que questiona e confronta idéias. Marisa retoma temas da rotina antropológica , e discute com uma roupa- gem instigante, numa linguagem agradável, produzindo interessante cruza- mento de leituras e autores, arejando o debate a respeito da etnografia. A leitura deste livro serve não apenas para discutir a pertinência das crí- ticas que a etnografia tem sofrido, mas para esclarecer aspectos importantes da relação pesquisa/ teoria, tão raramente tratada pela antropologia.
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