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Dialética: A Interação Contraditória na Filosofia de Marx, Notas de estudo de Sociologia

Este texto discute a dialética na filosofia de marx, sua relação com a de hegel, e como ela influenciou a visão de marx sobre o trabalho, a propriedade privada e a natureza humana. O texto também aborda a importância da dialética na história humana e na natureza.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 19/09/2010

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Baixe Dialética: A Interação Contraditória na Filosofia de Marx e outras Notas de estudo em PDF para Sociologia, somente na Docsity! ee a EE Ná e erica dormiam Leandro Konder O QUE E DIALÉTICA 25º edição editora brasiliense ORIGENS DA DIALÉTICA Dialética era, na Grécia antiga, a arte do diálogo. Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão. Aristóteles considerava Zênon de Eléa (aprox. 490-430 a.C.) o fundador da dialética. Outros consideram Sócrates (469-399 a.C.). Numa discussão sobre a função da filosofia (que estava sendo caracterizada como uma atividade inútil), Sócrates desafiou os generais Lachés e Nícias a definirem o que era a bravura e o político Caliclés a definir o que era a política e a justiça, para demonstrar a eles que só a filosofia - por meio da dialética - podia lhes proporcionar os instrumentos indispensáveis para entenderem a essência daquilo que faziam, das atividades profissionais a que se dedicavam. 8 Leandro Konder Na acepção moderna, entretanto, dialética significa outra coisa: é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. No sentido moderno da palavra, o pensador dialético mais radical da Grécia antiga foi, sem dúvida, Heráclito de Efeso (aprox. 540-480 a.C.). Nos fragmentos deixados por Heráclito, pode-se ler que tudo existe em constante mudança, que o conflito é o pai e o rei de todas as coisas. Lê-se também que vida ou morte, sono ou vigília, juventude ou velhice são realidades que se transformam umas nas outras. O fragmento nº 91, em especial, tornou-se famoso: nele se lê que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio. Por quê? Porque da segunda vez não será o mesmo homem e nem estará se banhando no mesmo rio (ambos terão mudado). Os gregos acharam essa concepção de Heráclito muito abstrata, muito unilateral. Chamaram o filósofo de Heráclito, o Obscuro. Havia certa perplexidade em relação ao problema do movimento, da mudança. O que é que explicava que os seres se transformassem, que eles deixassem de ser aquilo que eram e passassem a ser algo que antes não eram? Heráclito respondia a. essa pergunta de maneira muito perturbadora, negando a existência de qualquer estabilidade no ser. Os gregos preferiram a resposta que era dada por O que é Dialética 9 um outro pensador da mesma época: Parmênides. Parmênides ensinava que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento (a mudança) era um fenômeno de superfície. Essa linha de pensamento - que podemos chamar de metafísica - acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito. A meta física não impediu que se desenvolvesse o conhecimento científico dos aspectos mais estáveis da realidade (embora dificultasse bastante o aprofundamento do conhecimento científico dos aspectos mais dinâmicos e mais instáveis da realidade). De maneira geral, independentemente das intenções dos filósofos, a concepção metafísica prevaleceu, ao longo da história, porque correspondia, nas sociedades divididas em classes, aos interesses das classes dominantes, sempre preocupadas em organizar duradouramente o que já está funcionando, sempre interessadas em "amarrar" bem tanto os valores e conceitos como as instituições existentes, para impedir que os homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente. A concepção dialética foi reprimida, historicamente: foi empurrada para posições secundárias, condenada a exercer uma influência limitada. A metafísica se tornou hegemônica. Mas a dialética não desapareceu. Para sobreviver, precisou renunciar às suas expressões mais drásticas, preci- 12 Leandro Konder dominado pelo imperialismo da teologia (ideologia dominante, na época). Um dos ideólogos mais famosos do Século XI, Petrus Damianus (1007-1072), dizia que, para o ser humano, a única coisa importante era a salvação da sua alma; que a maneira mais segura de salvar a alma era se tornar monge; e que um monge não precisava " de filosofia. O árabe Averróes e o francês Abelardo' procuraram, por caminhos muito diferentes, defender o espaço da filosofia, sem desafiar a teologia. Averróes (1126-1198), apoiando-se em Aristóteles, afirmou que a versão filosófica da Verdade não precisava coincidir, de maneira imediata e total, com sua versão teológica. E Abelardo (1079-1142) conseguiu discutir longamente sobre as relações entre as categorias universais e as coisas singulares em termos de pura lógica, -mostrando assim, na prática, que existiam problemas importantes cuja abordagem não precisava da teologia. ' No Século XIV, a vida começou a se modificar, o comércio se desenvolveu e sacudiu os hábitos da sociedade feudal. 'Os filósofos refletem isso. Guilherme de Occam (aprox. 1285-1349) é típico da nova situação que estava surgindo; sua vida é bem mais movimentada que a da maioria dos filósofos medievais: ele estudou na Inglaterra (em Oxford), viveu na França (em Avignon), andou às turras com o Papa, fugiu para Pisa (na Itália) e acabou morrendo em Munique (na O que é Dialética 13 Alemanha). Occam sustentava que, exatamente porque Deus é todo-poderoso e porque a vontade de Deus não pode ter limites, tudo no mundo é contingente, tudo poderia ser diferente do que é (se Deus quisesse); por isso, a teologia (que tratava de Deus) não devia interferir - segundo Occam - no estudo das coisas contingentes do mundo empírico. A chamada "revolução comercial", esboçada no Século XIV, deflagrou-se no Século XV e suas conseqüências marcaram profundamente o Século XVI. Foi a época do Renascimento e da descoberta da América. As artes e as ciências se insurgiram contra os hábitos mentais da Idade Média: mostraram que o universo era muito maior e mais complicado do que os ideólogos medievais pensavam; e mostraram que o ser humano era potencialmente muito mais livre do que eles imaginavam. O movimento voltou a se impor à reflexão e ao debate, tornou- se outra vez um tema fundamental. O astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) descobriu que Ptolomeu tinha- se enganado, que a Terra nem era imóvel nem era o centro do universo, que ela girava em torno do Sol. Galileu (1564-1642) e Descartes (1596-1650) descobriram que a condição natural dos corpos era o movimento e não o estado de repouso. A maneira de conceber o ser humano também sofreu importantes alterações. Pico de Ia Mirandola 14 Leandro Konder (1463-1494) sustentou que o fato de o homem ser "inacabado" e, portanto, poder evoluir lhe conferia uma dignidade especial e lhe dava até certa vantagem em comparação com os deuses e anjos (que são eternos, perfeitos e por isso não mudam). E Giordano Bruno (1548-1600) exaltou o homo faber, quer dizer, o homem capaz de dominar as forças naturais e de modificar criadoramente o mundo. Com o Renascimento, a dialética pôde sair dos sobterrâneos em que tinha sido obrigada a viver durante vários séculos: deixou o seu refúgio e veio à luz do dia. Conquistou posições que conseguiu manter nos séculos seguintes. O caráter instável, dinâmico e contraditório da condição humana foi corajosamente reconhecido por um pensador místico e conservador, como Pascal (1623-1654). Outro filósofo conservador, o. italiano Giambattista Vico (1680-1744), também ajudou a dialética a se fortalecer. Vico achava que o homem não podia conhecer a natureza, que tinha sido feita por Deus e só por Deus podia ser efetivamente conhecida; mas sustentava que o homem podia conhecer sua própria história, já que a realidade histórica é obra humana, é criada por nós. Essa formulação constituiu um poderoso estímulo à busca de um método adequado à correta compreensão da realidade histórica (quer dizer, à elaboração do método dialético). Elementos de dialética se encontram no pensa- O que é Dialética 17 No Sonho de D'Alembert, imaginou que D'Alembert, seu amigo, sonhando dizia coisas tais como: "Todos os seres circulam uns nos outros. Tudo é um fluxo perpétuo. O que é um ser? A soma de um certo número de tendências. E a vida? A vida é uma sucessão de ações e reações. Nascer, viver e passar é mudar de formas". D' Alembert ficou chocado com a "loucura" que Diderot tinha escrito e o texto, redigido em 1769, acabou só sendo publicado em 1830. No Suplemento à Viagem de Bougainville, publicado em 1796, Diderot aconselhava seus leitores: "Examinem todas as instituições políticas, civis e religiosas; ou muito me engano ou vocês verão nelas o gênero humano subjugado, a cada século mais submetido ao jugo de um punhado de meliantes", E recomendava: "Desconfiem de quem quer impor a ordem". Uma das obras mais famosas de Diderot é O Sobrinho de Rameau, que relata uma conversa entre o filósofo e um jovem vigarista, sobrinho de um músico célebre: Diderot se coloca, habilmente, numa posição moderada, mas coloca na boca do seu interlocutor uma argumentação brilhante, uma defesa altamente perturbadora da vigarice, de modo que a moral vigente fica bastante abalada em seus fundamentos, no fim do diálogo. Diderot assume os elementos conservadores que sabe existirem no seu pensamento, mas permite ao jovem vigarista que desenvolva seus 18 Leandro Konder pontos de vista com extraordinária desenvoltura; o resultado é um confronto fascinante, que Hegel e Marx consideraram um primor de dialética. Ao lado de Diderot, quem deu a maior contribuição à dialética na segunda metade do Século XVIII foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ao contrário dos iluministas, Rousseau não tinha confiança na razão humana: preferia confiar mais fia natureza. Segundo ele, os homens nasciam livres, a natureza lhes dava a vida com liberdade, mas a organização da sociedade lhes tolhia o exercício da liberdade natural. O problema com que Rousseau se defrontava, então, era o de assegurar bases para um contrato social que permitisse aos indivíduos terem na vida social uma liberdade capaz de compensar o sacrifício da liberdade com que nasceram. Observando a estrutura da sociedade do seu tempo e suas contradições, Rousseau concluiu que os conflitos de interesses entre os indivíduos tinham-se tornado exagerados, que a propriedade estava muito mal distribuída, o poder estava concentrado em poucas mãos, as pessoas estavam escravizadas ao egoísmo delas. Rousseau considerava necessária uma democratização da vida social; para ele, as comunidades efetivamente democráticas não poderiam basear-se em critérios formais, puramente quantitativos (a vontade de todos): precisariam apoiar-se numa vontade geral criada por um movimento de convergência que levaria os O que é Dialética 19 indivíduos a superarem a estreiteza do egoísmo deles, que os levaria a se reconhecerem concretamente uns nos outros e a adotarem uma perspectiva universal (verdadeiramente livre) no encaminhamento de soluções para seus problemas. Os caminhos que deveriam ser seguidos para que os homens chegassem a essa "convergência", a essa "universalidade", exigiriam a remoção de muitos obstáculos. Rousseau sabia que as mudanças sociais profundas, realizadas por sujeitos coletivos, não costumam ser tranqüilas; sabia que as transformações necessárias por ele apontadas deveriam ser um tanto tumultuadas. Mas achava que "um pouco de agitação retempera as almas; e o que faz avançar a humanidade é menos a paz do que a liberdade". Embora divergisse de Diderot em várias coisas, ele concordava num ponto cru dai: nenhum dos dois se deixava intimidar pela "ideologia da ordem", de conteúdo nitidamente conservador. Por isso se entende que no Século XX um conservador radical - Maurice Barres - tenha escrito que Diderot e Rousseau (duas "forças de desordem") são responsáveis por muitos dos . males que nos afligem. 22 Leandro Konder poderiam ser expulsas do pensamento humano por nenhuma lógica. Outro filósofo alemão, de uma geração posterior, demonstrou que a contradição não era apenas uma dimensão essencial na consciência do sujeito do conhecimento, conforme Kant tinha concluído; era um princípio básico que não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva. Esse novo pensador, que se chamava Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), sustentava que a questão central da filosofia era a questão do ser, mesmo, e não a do conhecimento. Contra Kant, ele argumentou: se eu pergunto o que é o conhecimento, já na palavra é está em jogo uma certa concepção de ser; a questão do conhecimento, daquilo que o conhecimento é, só pode ser concretamente discutida a partir da questão do ser. . Hegel concordava com Kant num ponto essencial: no reconhecimento de que o sujeito humano é essencialmente' ativo e está sempre interferindo na realidade. Na época da Revolução Francesa, entusiasmado com a tomada da Bastilha pelo povo e com a derrubada de instituições antiqüíssimas (que pareciam eternas), Hegel - então com 19 anos - plantou uma "árvore da liberdade" em Tübingen, onde morava, em homenagem à França. Naquele momento, o poder humano de intervir na realidade lhe pareceu quase ilimitado; o sujeito humano lhe pareceu quase onipotente. O que é Dialética 23 Logo, porém, a vida se encarregou de jogar água fria no entusiasmo do filósofo. A Revolução Francesa atravessou uma fase de terror, com a guilhotina cortando inúmeras cabeças, e depois veio a ser controlada por Napoleão Bonaparte (mas o próprio Napoleão foi derrotado e a Europa se viu dominada pela política ultraconservadora da Santa Aliança). Além disso, a Alemanha, país onde o pensador vivia, era tão atrasada que nem sequer tinha conseguido alcançar a sua unidade como nação estava dividida em governos regionais, cada um mais reacionário que o outro. Hegel descobriu, então, com amargura, que o homem transforma ativamente a realidade, mas quem impõe o ritmo e as condições dessa transformação ao sujeito é, em última análise, a realidade objetiva. Para avaliar de maneira realista as possibilidades do sujeito humano, Hegel procurou estudar seus movimentos no plano objetivo -- das atividades políticas e econômicas. Dedicou-se à leitura e ao exame dos escritos de Adam Smith e dos teóricos da economia política inglesa clássica. Lukács mostrou, em seu livro sobre O Jovem Hegel, que na base do pensamento de Hegel está não só uma reflexão aprofundada sobre a Revolução Francesa como também uma reflexão radical sobre a chamada revolução industrial, que vinha se realizando na Inglaterra. Hegel percebe que o trabalho é a mola que impulsiona o desenvolvimento humano; é no trabalho que o homem 24 Leandro Konder se produz a si mesmo; o trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas da atividade criadora do sujeito humano. No trabalho se acha tanto a resistência do objeto (que nunca pode ser ignorada) como o poder do sujeito, a capacidade que o sujeito tem de encaminhar, com habilidade e persistência, uma superação dessa resistência. Foi com o trabalho que o ser humano "desgrudou" um pouco da natureza e pôde, pela primeira vez, contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não fosse o trabalho, não existiria a relação sujeito-objeto. O trabalho criou para o homem a possibilidade de ir além da pura natureza “A natureza, como tal, não cria nada de propriamente humano", observa o filósofo soviético Evald Iliênkov. O homem não deixa de ser um animal, de pertencer à natureza; porém já não pertence inteiramente a ela. Os animais agem apenas em função das necessidades imediatas e se guiam pelos instintos (que são forças naturais); o ser humano, contudo, é capaz de antecipar na sua cabeça os resultados das suas ações, é capaz de escolher os caminhos que vai seguir para tentar alcançar suas finalidades. A natureza dita o comportamento aos animais; o homem, no entanto, conquistou certa autonomia diante dela. O trabalho permitiu ao homem dominar algumas das energias da natureza; permitiu-lhe - como escreveu o brasileiro José O que é Dialética 27 em sua forma natural), mas ao mesmo tempo é "conservada" (quer dizer, é aproveitada) e assume uma forma nova, modificada, correspondente aos objetivos humanos (quer dizer, é "elevada" em seu valor). É o que se vê, por exemplo, no uso do trigo para o fabrico do pão: o trigo é triturado, transformado em pasta, porém não desaparece de todo, passa a fazer parte do pão, que vai ao forno e - depois de assado - se torna humanamente comestível. Boa parte da obscuridade de Hegel resultava do fato de ele ser idealista. Hegel subordinava os movimentos da realidade material à lógica de um princípio que ele chamava de Idéia Absoluta; como essa Idéia Absoluta era um princípio inevitavelmente nebuloso, os movimentos da realidade material eram, freqüentemente, descritos pelo filósofo de maneira bastante vaga. No caminho aberto por Hegel, entretanto, surgiu outro pensador alemão, Karl Marx (1818-1883), materialista, que superou - dialeticamente - as posições de seu mestre. Marx escreveu que em Hegel a dialética estava, por assim dizer, de cabeça para baixo; decidiu, então, colocá-la sobre seus próprios pés. Marx teve uma vida muito atribulada: ligou-se bem cedo ao movimento operário e socialista, lutou na política do lado dos trabalhadores, viveu na pobreza e passou a maior parte de sua vida 28 Leandro Konder no exílio (na Inglaterra). A solidariedade ativa que o ligou aos trabalhadores contribuiu, certamente, para que ele tivesse do trabalho uma compreensão diferente daquela que tinha sido exposta pelo velho Hegel, cuja existência transcorrera quase toda entre as quatro paredes da biblioteca e da sala de aulas. Marx concordou plenamente com a observação de Hegel de que o trabalho era a mola que impulsionava o desenvolvimento humano, porém criticou a unilateral idade da concepção hegeliana do trabalho, sustentando que Hegel dava importância demais ao trabalho intelectual e não enxergava a significação do trabalho físico, material. "O único trabalho que Hegel conhece e reconhece" observou Marx em 1844 - "é o trabalho abstrato do espírito”. Essa concepção abstrata do trabalho levava Hegel a fixar sua atenção exclusivamente na criatividade do trabalho, ignorando o lado negativo dele, as deformações a que ele era submetido em sua realização material, social. Por isso Hegel não foi capaz de analisar seriamente os problemas ligados à alienação do trabalho nas sociedades divididas em classes sociais (especialmente na sociedade capitalista). A ALIENAÇÃO o trabalho - admite Marx - é a atividade pela qual o homem domina as forças naturais, humaniza a natureza; é a atividade pela qual o homem se cria a si mesmo. Como, então, o trabalho - de condição natural para a realização do homem - chegou a tornar-se o seu algoz? Como ele chegou a se transformar em "uma atividade que é sofrimento, uma força que é impotência, uma procriação que é castração"? Uma primeira causa dessa deformação monstruosa se encontra na divisão social do trabalho, na apropriação privada das fontes de produção, no aparecimento das classes sociais. Alguns homens passaram a dispor de meios para explorar o trabalho dos outros; passaram a impor aos trabalhadores condições de trabalho que não eram livremente assumidas por estes. Introduziu-se, assim, um novo tipo de contradição no interior 32 Leandro Konder a reconhecer que ela existia e procurou extrair as conseqüências da sua existência. Antes de Marx, diversos autores já tinham enxergado a questão. James Madison, ex-Presidente dos Estados Unidos, por exemplo, escreveu, em 1787: "Proprietários e não proprietários sempre formaram interesses diversos dentro da sociedade". Marx, porém, foi mais longe do que Madison; com a ajuda de Friedrich Engels (1820-1895), Marx reexaminou a história social da humanidade e concluiu, em 1848, no Manifesto Comunista, que toda a história transcorrida até então tinha sido uma história de 14tas de classes. As lutas de classes assumem formas extraordinariamente variadas: às vezes são fáceis de ser reconhecidas, são mais ou menos diretas; às vezes, contudo, elas se tornam extremamente complexas e não cabem em interpretações simplistas. Nas sociedades capitalistas, as lutas de classes tendem a assumir formas políticas cada vez mais complicadas. Examinando o modo de produção capitalista, em seu livro O Capital, Marx notou que com ele se criou uma situação política nova, sem precedentes, na história das lutas de classes. O capitalismo é como aquele aprendiz de feiticeiro que colocou em movimento forças que em seguida escaparam ao seu controle: com o capitalismo, desenvolveu-se notavelmente a tecnologia, as forças produtivas tiveram um crescimento excepcional e o capita- O que é Dialética 33 lismo vem tendo dificuldades cada vez maiores para aproveitá- las. A competição desenfreada dos capitalistas uns com os outros, em torno da busca do maior lucro, acarreta um grave desperdício de recursos. Na competição, os empresários mais poderosos vão impondo a lei deles, os mais fracos vão sendo sacrificados e acabam prevalecendo os monopólios. Por outro lado, para poder explorá-los, o capital reúne os operários em suas indústrias, mas essa massa trabalhadora aglomerada se organiza, toma consciência de sua força, passa a reivindicar com maior firmeza as coisas que lhe convêm, até poder liderar uma revolução social e criar uma organização socialista para a sociedade. "A socialização do trabalho e a centralização de seus recursos materiais" - escreve Marx "chegam a um ponto no qual não cabem mais no envoltório capitalista." Nunca tinha sido criada na história da humanidade, antes do capitalismo, uma situação como essa: pela primeira vez existe uma classe social - o proletariado moderno - que não lidera um movimento destinado a substituir um modo de produção baseado numa -forma de propriedade privada por outro modo de produção baseado em outra forma de propriedade privada. Pela primeira vez os anseios e ideais igualitários, coletivistas, socialistas, comunistas, dispõem de um portador material capaz de colocá-los em prática, através de uma prolongada luta política. A superação 34 Leandro Konder da divisão social do trabalho deixou de ser um sonho: passou a ser um programa que - em princípio - pode ser executado. E essa é, na análise de Marx, a segunda causa da deformação que ele viu na situação do trabalho (que, em vez de servir para o ser humano realizar-se, servia para aliená-lo). Se a primeira causa da "anomalia" era antiga - a propriedade privada, a existência das classes sociais -, a segunda, mais recente, estava no agravamento da exploração do trabalho sob o capitalismo. O mercado capitalista vive em permanente expansão, o capital tende a ocupar todos os espaços que possam lhe proporcionar lucros. E as leis do mercado vão dominando a sociedade inteira: todos os valores humanos autênticos vão sendo destruídos pelo dinheiro, tudo vira mercadoria, tudo pode ser comercializado, todas as coisas podem ser vendidas ou compradas por um determinado preço. A força de trabalho do ser humano - é claro - não podia deixar de ser arrastada nessa onda; ela também se transforma em mercadoria e seu preço passa a sofrer as pressões e flutuações do mercado. Os trabalhadores, além de viverem sob a ameaça da perda do emprego, são obrigados a se organizar e a lutar para defender seus salários; e o fato de tomarem consciência de que já existe uma alternativa socialista e de que a organização da produção poderia ser diferente é um fato que só pode agravar o mal-estar que sentem no trabalho. O que é Dialética 37 a uma verdade limitada (transformando-a em mentira), prejudicando a nossa compreensão de uma verdade mais gera!. Exemplo disso: alguém observa que o capitalista X é um homem generoso, progressista, sinceramente preocupado com seus operários. Essa observação pode ser correta. No entanto, é necessário entendê-la dentro de seus limites, para não perdermos de vista o fato de que ela nunca pode ser usada para pretender invalidar outra observação mais abrangente: a de que o sistema capitalista, por sua própria essência, impele os capitalistas em geral, quaisquer que sejam as qualidades humanas deles, a extraírem mais-valia do trabalho de seus operários. A visão de conjunto - ressalve-se - é sempre provisória e nunca pode pretender esgotar a realidade a que ele se refere. A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que a gente tem dela. Há sempre algo que escapa às nossas sínteses; isso, porém, não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses, se quisermos entender melhor a nossa realidade. A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada. E é essa estrutura significativa - que a visãú de conjunto proporciona - que é chamada de totalidade. A totalidade é mais do que a soma das partes que a constituem. No trabalho, por exemplo, 38 Leandro Konder dez pessoas bem entrosadas produzem mais do que a soma das produções individuais de cada uma delas, isoladamente considerada. Na maneira de se articularem e de constituírem uma totalidade, os elementos individuais assumem características que não teriam, caso permanecessem fora do conjunto. Há totalidades mais abrangentes e totalidades menos abrangentes: as menos abrangentes, é claro, fazem parte das outras. A maior ou menor abrangência de uma totalidade depende do nível' de generalização do pensamento e dos objetivos concretos dos homens em cada situação dada. Se eu estou empenhado em analisar as questões políticas que estão sendo vividas pelo meu país, o nível de totalização que me é necessário é o da visão de conjunto da sociedade brasileira, da sua economia, da sua história, das suas contradições atuais. Se, porém, eu quiser aprofundar a minha análise e quiser entender a situação do Brasil no quadro mundial, vou precisar de um nível de totalização mais abrangente: vou precisar de uma visão de conjunto do capitalismo, da sua gênese, da sua evolução, dos seus impasses no mundo de hoje. E, se eu quiser elevar a minha análise a um plano filosófico, precisarei ter, então, uma visão de conjunto da história da humanidade, quer dizer, tia dinâmica realidade humana como um todo (nível máximo de abrangência da totalização dialética). O que é Dialética 39 E evidente que, na prática, a vida coloca diante de mim problemas que eu tenho de resolver, em geral, sem necessidade de recorrer a cada passo a considerações de filosofia da história (isto é, ao nível de totalização mais abrangente). De certo modo, contudo, mesmo no dia-a-dia, nós estamos sempre, implicitamente, totalizando; estamos sempre trabalhando com totalidades de maior ou menor abrangência. Para trabalhar dialeticamente com o conceito de totalidade, é muito importante sabermos qual é o nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas com que estamos nos defrontando; e é muito importante, também, nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de um processo de totalização (que, conforme já advertimos, nunca alcança uma etapa definitiva e acabada). Afinal, a dialética - maneira de pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na realidade humana - negar-se- ia a si mesma, caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses, recusando-se a revê-las, mesmo em face de situações modificadas. A modificação do todo só se realiza, de fato, após um acúmulo de mudanças nas partes que o compõem. Processam-se alterações setoriais, - quantitativas, até que se alcança um ponto crítico que assinala a transformação qualitativa da totalidade. É a lei dialética da transformação da 42 Leandro Konder capitalista, no Brasil? Ele apresenta sinais de que está na iminência de sofrer alguma alteração qualitativa? Está na iminência de ser modificado como totalidade,? Em vão, os revolucionários impacientes, acicatados pela pressa pequeno- burguesa, cansam-se na busca de indícios de que a "grande crise" do modo de produção capitalista no Brasil está próxima; tudo indica que esse modo de produção continua bastante forte. Temos, então, três totalidades, elaboradas em três níveis diversos, exprimindo três processos diferentes de totalização e nos revelando três aspectos distintos (todos três importantíssimos) da mesma realidade brasileira. A CONTRADIÇÃO E A MEDIAÇÃO A esta altura da nossa exposição, o leitor pode indagar: como é que eu posso ter certeza de que estou trabalhando com a totalidade correta, de que estou fazendo a totalização adequada à situação em que me encontro? A única resposta possível a esta pergunta se arrisca a ser decepcionante: não há, no plano puramente teórico, solução para o problema. A teoria é necessária e nos ajuda muito, mas por si só não fornece os critérios suficientes para nós estarmos seguros de agir com acerto. Nenhuma teoria pode ser tão boa a ponto de nos evitar erros. A gente depende, em última análise, da prática - especialmente da prática social - para verificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos (e com as totalizações). A teoria nos ajuda, fornecendo importantes indicações. Em relação à totalidade, por exemplo, a 44 Leandro Konder teoria dialética recomenda que nós prestemos atenção ao "recheio" de cada síntese, quer dizer, às contradições e mediações concretas que a síntese encerra. Na investigação científica da realidade, a gente começa trabalhando com conceitos que são, ainda, sínteses muito abstratas. Marx dá o exemplo da população. A população é um todo, mas o conceito de população permanece vago se nós não conhecemos as classes de que a população se compõe. Só podemos conhecer concretamente as classeS, entretanto, se estudarmos os elementos sobre os quais elas se apóiam, na existência delas, tais corno o trabalho assalariado, o capital, etc. Tais elementos, por sua vez, supõem o comércio, a divisão do trabalho, os preços, etc. "Se começo pela população, portanto, tenho uma representação caótica do conjunto; depois, através de uma determinação mais precisa, por meio de análises, chego a conceitos cada vez mais simples. Alcançado tal ponto, faço a viagem de volta e retorno à população. Dessa vez, contudo, não terei sob os olhos um amálgama caótico e sim uma totalidade rica em determinações, em relações complexas." Esse texto de Marx é de grande interesse para nós. O ponto de partida - observemos - não é um conceito rudimentar: é uma expressão que designa, ainda confusamente, uma realidade complicada. A análise, portanto, só pode ser orientada com base em uma síntese (mesmo O que é Dialética 47 Para que o nosso conhecimento avance e o nosso laborioso (e interminável) descobrimento da realidade se aprofunde - quer dizer: para nós podermos ir além das aparências e penetrar na essência dos fenômenos - precisamos realizar operações de síntese e de análise que esclareçam não só a dimensão imediata como também e, sobretudo, a dimensão mediata delas. A experiência nos ensina que em todos os objetos com os quais lidamos existe uma dimensão imediata (que nós percebemos imediatamente) e existe uma dimensão mediata (que a gente vai descobrindo, construindo ou reconstruindo aos poucos). Vejamos, por exemplo, este livrinho sobre a dialética que está nas mãos do leitor: é uma realidade imediata, palpável, legível; um conjunto de folhas impressas com símbolos gráficos. Mas não é só isso. Se o leitor parar um pouco para pensar sobre ele, verificará que o fato de p livro estar em suas mãos passa por uma série de mediações, é um fato que está mediatizado por outros fatos e por diversas ações humanas. A mediação mais próxima a ser reconstituída é a do deslocamento do livro: como foi que ele veio parar nas mãos do leitor? O leitor comprou-o numa livraria? Recebeu-o de presente? Está lendo o volume numa biblioteca? Há também uma mediação subjetiva: qual foi o motivo que levou o leitor a se interessar pelo livrinho? Por que este livro e não outro? Quando e como o leitor passou 48 Leandro Konder a ter a impressão ou a convicção de que o assunto do livro era digno de atenção e valia a pena lê-lo? Quais foram as experiências pessoais e os condicionamentos culturais que o levaram a isso? Somente levando em conta essas (e outras) mediações é que poderemos avaliar corretamente toda a significação do fato de o livro estar, agora, neste imediato momento, nas mãos' do leitor. As mediações, entretanto, obrigam-nos a refletir sobre outro elemento insuprimível da realidade: as contradições. Há muita confusão em torno da palavra contradição. Desde que Hegel expôs pela primeira vez os fundamentos do método dialético, uma das principais objeções formuladas contra ele - uma objeção até hoje repetida - é a de que o conceito de contradição usado pelos dialéticos estaria errado. Durante séculos, a hegemonia do pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos somente um tipo de contradição: a contradição lógica. A lógica, como toda ciência, ocupa-se da realidade apenas em um determinado nível; para alcançar resultados rigorosos, ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade. As leis da lógica são certamente válidas, no campo delas; e - nesse campo de validade - a contradição é a manifestação de um defeito no raciocínio. Existem, porém, dimensões da realidade humana que não se esgotam na disciplina das leis lógicas. Existem aspectos da realidade humana que não O que é Dialética 49 podem ser compreendidos isoladamente: se queremos começar a entendê-los, precisamos observar a conexão íntima que existe entre eles e aquilo que eles não são. Henri Lefebvre escreveu, com razão: "Não podemos dizer ao mesmo tempo que determinado objeto é redondo e é quadrado. Mas devemos dizer que o mais só se define com o menos, que a dívida só se define pelo empréstimo". As conexões íntimas que existem entre realidades diferentes criam unidades contraditórias. Em tais unidades, a contradição é essencial: não é um mero defeito do raciocínio. Num sentido amplo, filosófico, que não se confunde com o sentido que a lógica confere ao termo, a contradição é reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem. A dialética não se contrapõe à lógica, mas vai além da lógica, desbravando um espaço que a lógica não consegue ocupar. Para desbravar esse novo espaço, a dialética modifica os instrumentos conceituais de que dispõe: passa a trabalhar, freqüentemente, com determinações reflexivas e procura promover uma "fluidificação dos conceitos". Não se assuste com essas expressões, leitor; vamos explicá-las no próximo capítulo. 52 Leandro Konder conhecimento trabalha precisam aprender a ser "fluidos". Hegel, com a dialética dele, lançou as bases para a "fluidificação" dos conceitos; em Hegel, no entanto, a "fluidificação" ficava limitada pelo caráter excessivamente abstrato do quadro global (totalidade) da história humana. Isso se vê, por exemplo, no uso do conceito de natureza humana: em Hegel, o ser humano que promovia o movimento da história era uma abstrata "autoconsciência", ligada à tal da Idéia Absoluta, praticamente desvinculada dos problemas que afetam o corpo dos homens, de modo que a "natureza humana", tal como Hegel a entendia, era idealizada, tinha muito pouco de "natureza" e por isso lhe faltava uma dimensão histórica mais concreta. Marx, por sua vez, conseguiu "fluidificar” muito mais radicalmente o conceito de natureza humana. Para Marx, o homem tinha um corpo, uma dimensão concretamente "natural", e por isso a natureza humana se modificava materialmente, na sua atividade física sobre o mundo: "ao atuar sobre a natureza exterior, o homem modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza". O movimento autotransformador da natureza humana, para Marx, não é um movimento espiritual (como em Hegel) e sim um movimento material, que abrange a modificação não só das formas de trabalho e organização prática de vida, mas também dos próprios órgãos dos sentidos: o olho humano passou à ver coisas que não O que é Dialética 53 enxergava antes, o ouvido humano foi educado pela música para ouvir coisas que não escutava antes, etc. "A formação dos cinco sentidos" escreveu Marx - "é trabalho de toda a história passada." A natureza humana, por conseguinte, conforme o conceito que Marx tem dela, só existe na história, num processo global de transformação, que abarca todos os seus aspectos. E a história, em seu conjunto, "não é outra coisa senão uma transformação contínua da natureza humana" (conforme se lê na Miséria da Filosofia). A essa altura da nossa explicação do conceito marxista de natureza humana, entretanto, uma pergunta se impõe: se a natureza humana se transforma globalmente e de modo contínuo ao longo da história, por que continuar a empregar o conceito de natureza humana? Como ele poderia corresponder a algo de constante, capaz de justificá-lo? Como poderia haver algo em comum entre nós, homens do Século XX, e, por exemplo, os gregos do Século V antes de Cristo? Marx não reconhece a existência de nenhum aspecto da realidade humana situado acima da história ou fora dela; mas admite que determinados aspectos da realidade humana perduram na história. Exatamente porque o movimento da história é marcado por superações dialéticas, em todas as grandes mudanças há uma negação, mas ao mesmo tempo uma preservação (e uma elevação a nível 54 Leandro Konder superior) daquilo que tinha sido estabelecido antes. Mudança e permanência são categorias reflexivas, isto é, uma não pode ser pensada sem a outra. Assim como não podemos ter uma visão correta de nenhum aspecto estável da realidade humana se não soubermos situá-lo dentro do processo geral de transformação a que ele pertence (dentro da totalidade dinâmica de que ele faz parte), também não podemos avaliar nenhuma mudança concreta se não a reconhecermos como mudança de um ser (quer dizer, de uma realidade articulada e provida de certa capacidade de durar). Marx não era Heráclito, o Obscuro. Ele sabia que, quando um homem se banha duas vezes num determinado rio, é inegável que ~a segunda vez o homem terá mudado, o rio também terá sofrido alterações, mas apesar das modificações o homem será o mesmo homem (e não um outro indivíduo qualquer) e o rio será o mesmo rio (e não um outro rio qualquer). Por isso, Marx empregou o conceito de natureza humana. Para Marx, a "fluidificação" dialética dos conceitos não tinha nada a ver com o "relativismo” e não podia, em nenhum momento, ser confundida com ele. Num escrito de 1857, Marx lembrou o caso da arte grega do Século V a.C. que refletia as condições sociais de Atenas, naquele momento, e no entanto continuava a ter algo a dizer a seres humanos que viviam em outros países, em outros tempos, com outro nível de desenvolvimento AS LEIS DA DIALÉTICA Nos últimos anos de vida de Marx, enquanto ele se esforçava para tentar acabar de escrever O Capital, seu amigo Engels redigiu diversas anotações sobre questões que nos interessam, relativas à dialética. Marx apoiou Engels nas observações que este desenvolvia. (e que continuou a desenvolver após a morte do autor do Capital). A grande preocupação de Engels era defender o caráter materialista da dialética, tal como Marx e ele a concebiam. Era preciso evitar que a dialética da história humana fosse analisada como se não tivesse absolutamente nada a ver com a natureza, como se o homem não tivesse uma dimensão irredutivelmente natural e não tivesse começado sua trajetória na natureza. Uma certa dialética na natureza (ou pelo menos uma pré-dialética) era, para Marx e para Engels, uma condição prévia para que pudesse existir a dialética humana. 58 Leandro Konder Engels concentrou, então, sua atenção no exame dos princípios daquilo que ele chamou de "dialética da natureza" e chegou à conclusão de que as leis gerais da dialética (comuns tanto à história humana como à natureza) podiam ser reduzidas, no essencial, a três: 1) lei da passagem da quantidade à qual idade (e vive-versa); 2) lei da interpenetração dos contrários; 3) lei da negação da negação. A primeira lei se refere ao fato de que, ao mudarem, as coisas não mudam sempre no mesmo ritmo; o processo de transformação por meio do qual elas existem passa por períodos lentos (nos quais se sucedem pequenas alterações quantitativas) e porr períodos de aceleração (que precipitam alterações qualitativas, isto é, "saltos", modificações radicais), Engels dá o exemplo da água que vai esquentando, vai esquentando, até alcançar cem graus centígrados e ferver, quando se precipita' a sua passagem do estado líquido ao estado gasoso. A segunda lei é aquela que nos lembra que tudo tem a ver com tudo, os diversos aspectos da realidade se entrelaçam e, em diferentes níveis, dependem uns dos outros, de modo que as coisas não podem ser compreendidas isoladamente, uma por uma, sem levarmos em conta a conexão que cada uma delas mantém com coisas diferentes. Conforme as conexões (quer dizer, conforme o O que é Dialética 59 contexto em que ela esteja situada), prevalece, 'na coisa, um lado ou o outro da sua realidade (que é intrinsecamente contraditória). Os dois lados se opõem e, no entanto, constituem uma unidade (e por isso esta lei já foi também chamada de unidade e luta dos contrários). A terceira lei dá conta do fato de que o movimento geral da realidade faz sentido, quer dizer, não é absurdo, não se esgota em contradições irracionais, ininteligíveis, nem se perde na eterna repetição do conflito entre teses e antíteses, entre afirmações e negações. A afirmação engendra necessariamente a sua negação, porém a negação não prevalece como tal: tanto a afirmação como a negação são superadas e o que acaba' por prevalecer é uma síntese, é a negação da negação. Essas leis já se achavam em Hegel; Engels procurou resgatá-las do idealismo hegeliano e dar-lhes um sentido claramente materialista. Expondo, simplificadamente, algumas das noções básicas da dialética, Engels teve um imenso êxito e exerceu uma influência notável no pensamento de várias gerações de operários conscientes e militantes socialistas. A polêmica de Engels contra Dühring se tornou um marco na história das idéias do movimento operário. A experiência que foi sendo adquirida pelo movimento socialista ao longo do Século XX mostrou que as formulações de Engels - embora brilhantes e didáticas - possuem certas limitações. 62 Leandro Konder perceberemos que ambos são casos de passagem da quantidade à qualidade, porém são fenômenos de natureza muito diferente. No caso da água, temos um fenômeno físico, que não depende da vontade humana. No caso do confronto das duas cavalarias, temos um processo que depende da organização, isto é, depende de fatores subjetivos, de decisões e escolhas. Um processo que comporta alternativas e depende de iniciativas. O SUJEITO E A HISTÓRIA Depois da morte de Marx (em 1883) e de Engels (em 1895), o desenvolvimento do pensamento dialético não se interrompeu e prosseguiu seu acidentado caminho. No final do século passado, o socialista alemão Eduard Bernstein (1850 -1932) passou a criticar os escritos de Marx, sustentando que o capitalismo estava mais forte do que nunca, que as previsões do Manifesto Comunista (de 1848) tinham falhado, de modo que era preciso submeter a uma rigorosa revisão os princípios que Marx tinha defendido. E a dialética, segundo o revisionista Bernstein, era "o elemento pérfido na doutrina marxista, o obstáculo que impede qualquer apreciação lógica das coisas". Bernstein preconizou, então, um abandono da dialética, da herança "hegeliana do marxismo, e um retorno a Kant. Na ocasião, as posições de Bernstein foram 64 Leandro Konder criticadas e recusadas pela direção do principal partido socialista do começo do nosso século: o Partido Social- Democrático Alemão. As posições que venceram no debate foram as de Karl Kautsky (1854-1938). Mas Kautsky também não era um autêntico dialético: ele confundia a dialética com o evolucionismo e às vezes se mostrava muito mais um discípulo de Darwin do que um discípulo de Marx (e tendia a considerar a história da humanidade uma mera parte da história global da natureza). A primeira geração de teóricos socialistas que veio depois da geração de Marx e Engels não conseguiu assimilar a dialética. O próprio genro de Marx, o cubano Paul Lafargue (1842-1911), publicou um livro intitulado O Determinismo Econômico de Karl Marx, que contribuiu para o fortalecimento, na consciência dos socialistas, de uma versão antidialética da concepção materialista da história. Nas' duas primeiras décadas do Século XX, difundiu-se entre os socialistas a idéia - falsa - de que, segundo Marx, os "fatores econômicos" provocavam, de maneira mais ou menos automática, a evolução da sociedade (sem que os homens - sujeitos do efetivo movimento da história tivessem um espaço significativo para tomarem suas iniciativas). Essa concepção facilitava a infiltração de tendências políticas oportunistas no movimento socialista: quem. não enxerga O que é Dialética 67 de Hegel, nenhum marxista poderia entender inteiramente O Capital de Marx. Os estudos da obra de Hegel e as reflexões sobre o método dialético foram de grande valia para Lênin em' sua análise do imperialismo e na elaboração. estratégica que o levou a liderar a tomada do poder na Rússia, em 1917, pelos bolchevistas. O novo poder soviético despertou entusiasmo em círculos revolucionários e progressistas do mundo inteiro: era uma demonstração prática das possibilidades concretas que estavam ao alcance do sujeito humano disposto a transformar o mundo. Importantes marxistas dos anos vinte e trinta encontraram nas idéias de Lênin e sobretudo em suas realizações práticas elementos que os impulsionaram em seus esforços para levar adiante o desenvolvimento da dialética. Esboçou-se um vigoroso movimento teórico que pretendia superar definitivamente as deformações antidialéticas a que tinham sido submetidas certas concepções de Marx no começo do nosso século. As tentativas de confundir o marxismo com o "materialismo vulgar" ou com o "determinismo econômico" foram inteligentemente criticadas. . O húngaro Georg Lukács (1885-1971) advertiu: "Não é a predominância dos motivos econômicos na explicação da história que distingue decisivamente o marxismo da ciência burguesa: é o ponto de vista da totalidade". Somente o ponto de vista 68 Leandro Konder da totalidade, segundo Lukács, permite à dialética enxergar, por" trás da aparência das "coisas", os processos e inter- relações de que se compõe a realidade. Somente o ponto de vista da totalidade permite que se veja no real um "jorrar ininterrupto de novidade qualitativa". O italiano Antonio Gramsci (1891-1937) caracterizou o marxismo como um "historicismo absoluto", Para ele, o fatalismo determinista pode se tornar uma força de resistência moral, pode ajudar o revolucionário a perseverar na luta, pode ajudar a organização revolucionária a manter a sua coesão interna, nos períodos marcados por uma sucessão de graves derrotas". Nesse sentido, Gramsci se dispõe até a fazer-lhe um "elogio fúnebre", reconhecendo a função histórica do determinismo, porém "enterrando-o com todas as honras", pois se o determinismo persistir dificultará sempre o desenvolvimento do espírito crítico e da criatividade entre os revolucionários. O materialismo histórico de Marx e Engels é constatativo e não normativo: ele reconhece que, nas condições de insuficiente desenvolvimento das forças produtivas humanas e de divisão da sociedade em classes, a economia tem imposto, em última análise, opções estreitas aos homens que fazem a história. Isso não significa que a economia seja o sujeito da história, que a economia vai dominar eternamente os movimentos do O que é Dialética 69 e Georg Lukács 72 Leandro Konder meia, o advérbio "objetivamente" e o adjetivo "objetivo" (ou "objetiva"), precisamente porque ele não encarava dialeticamente a questão do papel da subjetividade: na história e tendia a identificar (de modo positivista) "subjetivo" com "arbitrário" e. "objetivo" com "científico". Para se ter uma idéia de como esse modo de pensar e de agir era diferente do de Lênin, basta lembrarmos que Zínoviev, Kamenev, Trótsky e Bukhárln divergiram de Lênin em questões importantíssimas e nem por isso Lênin os liquidou. Tal como Engels, Stálin tinha talento para as simplificações didáticas; faltava-lhe, entretanto, a sólida base cultural e teórica de Engels. Stálin retomou de Engels o esquema das "três leis" da dialética, mas "corrigiu-o". Em seu trabalho Sobre Q Materialismo Dialético e o Materialismo Histórico (1938), Stálin sustentou que o método dialético não possuía propriamente três leis gerais e sim "quatro traços fundamentais", que eram: 1) a conexão universal e interdependência dos fenômenos; 2) o movimento, a transformação e o desenvolvimento; 3) a passagem de um estado qualitativo a outro; e 4) a luta dos contrários como fonte interna do desenvolvimento. Para Stálin, a expressão "negação da negação", usada por Engels, era muito hegeliana, muito abstrata: não correspondia claramente a um processo que se realizava sempre "do simples ao complexo, do inferior ao superior". Não bastava que a síntese O que é Dialética 73 (a "negação da negação") fosse qualitativamente distinta tanto da afirmação (tese) como da negação (antítese): ela devia assumir um conteúdo nitidamente positivo, para poder ser aproveitada propagandisticamente, na luta política. Nos esquemas de Stálin era assim mesmo: as categorias da reflexão, do estudo e da investigação científica deveriam estar sempre preparadas para ser postas a serviço da propaganda. A deformação antidialética do marxismo, característica dos tempos de Stálin, influiu poderosamente na educação ideológica de pelo menos duas gerações de comunistas, no mundo inteiro. Essa influência está longe de ter sido suficientemente analisada em suas origens e suprimida em suas conseqüências. Nikita Khruschov, quando era secretário-geral do PC da URSS, denunciou, em 1956, o sistema do "culto à personalidade" e as "graves violações da legalidade socialista", mas não contribuiu em nada para a elaboração de uma interpretação marxista das causas e da exata natureza dos fenômenos que abordava. Os métodos de Stálin foram condenados em termos éticos e passaram a ser combatidos em termos políticos pragmáticos. Como, porém, eles se baseiam numa crassa subestimação da teoria, nunca poderão ser efetivamente superados enquanto não for plenamente recuperada a seriedade do trabalho teórico; e essa seriedade só estará comprovada no dia em que as deformações impostas à dialética 74 Leandro Konder marxista no período de Stálin tiverem sido submetidas a uma análise científica e filosófica, a uma investigação historiográfica profunda e convincente. O que é Dialética 77 nização deixa de ser o lugar onde suas forças se multiplicam e passa a ser um lugar onde elas são neutralizadas ou instrumentalizadas por outras forças, orientadas em função de outros objetivos. (Lembremos a frase de Sartre colocada como epígrafe no começo deste Iivrinho:"A dialética, como lógica viva da ação, não pode aparecer a . uma razão contemplativa. (...) No curso da ação, o indivíduo descobre a dialética como transparência racional enquanto ele a faz, e como necessidade absoluta enquanto ela lhe escapa, quer dizer, simplesmente, enquanto os outros a fazem".) Para um marxista contemporâneo - mesmo que seja posta de lado a questão da herança stalinista é extremamente difícil enxergar uma "transparência racional" de suá própria ação no conflito entre a China e a União Soviética, na invasão da Tcheco-Eslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia, na invasão do Cambodja pelo Vietnã, na invasão do Vietnã pela China, etc. Qualquer que seja o seu ponto de vista pessoal, ele é levado a ter a impressão de que os acontecimentos estão se precipitando fora do alcance do seu poder de intervir neles como indivíduo. Por isso se compreende que um marxista como Louis Althusser tenha chegado a se convencer de que a história é um processo sem finalidade(s) e sem sujeito (s), isto é, um processo mais ou menos automático, cujos movimentos são deter- Leandro Konder minados por estruturas nas quais não existe, concretamente, espaço para as iniciativas do sujeito humano. Essa concepção - ressalvada a honestidade subjetiva do filósofo francês - reflete uma impotência em face da necessidade de pensarmos dialeticamente as coisas que existem à nossa volta. Se a história. ainda está sendo feita, em medida inaceitável, pelos outros, então o problema está em passarmos a fazê-la mais decisivamente nós mesmos. E, se as formas de organização criadas para isso estão funcionando de maneira insatisfatória, o problema está em ativá-las ou em mudá-las, conferindo-lhes a eficácia que deveriam ter. Althusser preocupou-se sinceramente, ao longo de muitos anos, com essas questões; mas sua concepção da história, que é uma concepção antidialética, não o ajudou a encaminhar nenhuma solução para elas. O processo de superação do capitalismo pelo socialismo tem assumido formas bem mais complexas do que Marx ou Engels poderiam imaginar. Provavelmente, tais formas ainda vão se tornar mais complicadas nesse final de século. E o encaminhamento de soluções dialéticas eficazes para os problemas dessa superação vai depender de opções ainda não realizadas, de caminhos imprevisíveis. Quaisquer que sejam os caminhos que venham a ser trilhados, entretanto, os indivi'duos precisarão se empenhar em elevar o seu nível da consciência O que é Dialética 79 crítica, para poderem participar mais efetiva e conscientemente' do movimento de transformação . da sociedade; e para isso precisarão assimilar melhor e aprofundar o pensamento dialético. Os indivíduos, evidentemente, não existem à margem da sociedade. O próprio Robinson Crusoé, antes de poder sobreviver isolado na sua ilha, precisou formar-se no convívio organizado com outras pessoas: teve que se socializar, aprendendo uma série de coisas imprescindíveis à sua capacidade de subsistir, sozinho. Uma criança, até para nascer, precisa de um pai e de uma mãe; e, se for abandonada e ninguém cuidar dela, morre. O indivíduo, então, como dizia Marx, é o ser social; e é tão intrinsecamente social que somente ao longo da sua história em sociedade é que o homem, depois de muitos séculos, chegou. a se individualizar (já que, nas comunidades mais primitivas, os indivíduos não contavam e existiam exclusivamente em função da coletividade a que pertenciam). Mas a vida social, nos tempos atuais, já pressupõe a existência de indivíduos que alcançaram um razoável grau de autonomia. Algumas comunidades alienadas ainda conseguem, em determinadas circunstâncias, absorver e diluir grande número de indivíduos (fanatizados) no interior delas; mas já avançou bastante nas pessoas a consciência de que cada uma delas tem responsabilidades em relação às outras (e à sociedade em gera!), porém 82 Leandro Konder combinam, na mesma pessoa, com sentimentos bastante reacionários e com preconceitos surpreendentemente conservadores. Por isso, não são raros os casos de revolucionários que tendem a transformar a organização em que desenvolvem suas atividades políticas numa espécie de ídolo sagrado, que não pode ser submetido a críticas profundas e. que deve merecer todos os sacrifícios. Essa atitude, alienada, causa graves prejuízos tanto aos indivíduos como à organização: os revolucionários que "fetichizam" a organização em que atuam deixam de contribuir para que ela se renove e acabam facilitando o agravamento de suas deformações. Na medida em que não aprofundam suficientemente nem o espírito crítico nem a luta permanente pela democratização de todas as relações humanas, esses indivíduos mostram ser, em última análise, maus revolucionários. SEMENTE DE DRAGÕES Uma das características essenciais da dialética é o espírito crítico e auto-crítico. Assim como examinam constantemente o mundo em que atuam, os dialéticos devem estar sempre dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar. Quando a filha de Marx pediu ao pai para responder a um questionário organizado por ela e lhe perguntou qual era o lema que ele preferia, Marx respondeu: "Duvidar de tudo". Para homens engajados num combate permanente, como os marxistas, é difícil colocar em prática esse lema. Com freqüência se manifesta entre os marxistas uma tendência que os leva a substituir a análise concreta das situações concretas por um conjunto de fórmulas especulativas, por um esquema geral no qual as coisas são enquadradas forçadamente, precipitadamente. Essa tan- 84 Leandro Konder dência se manifestava já em Hegel, que era idealista, e continuou a se manifestar entre os marxistas. Na medida em que se deixam influenciar pela tendência mencionada acima, os revolucionários passam a querer transformar o mundo sem se preocuparem suficientemente com a transformação deles mesmos. Com isso, perdem muito da capacidade autocrítica e não conseguem se renovar tanto quanto é necessário. Diversos críticos, hostis à dialética, têm aproveitado essas deficiências para sustentar que o pensamento dialético despreza o rigor da análise e se presta a "acrobacias" intelectuais. José Guilherme Merquior ainda foi mais longe e chamou a dialética de "dama de costumes fáceis". Os defensores da dialética não podem se limitar a explicar para o Merquior o verdadeiro alcance dos princípios de Hegel e de Marx; precisam saber aplicar esses princípios, de maneira conseqüente, a uma realidade que - conforme reconhecemos - está sempre mudando. A dialétiea não dá "boa consciência" a ninguém. Sua função não é tornar determinadas pessoas plenamente satisfeitas com elas mesmas. O método dialético nos incita a revermos o passado à luz do que está acontecendo no presente; ele questiona o presente em nome do futuro, o que está sendo e,m nome do que "ainda não é" (Ernst Bloch). Um espírito agudamente dialético como o poeta Bertolt Brecht disse uma vez: "O que é, exatamente O que é Dialética 87 utilizadas. Mas a reação potencialmente mais eficaz contra essa deformação é a que provém da autêntica "dialética, que está sempre alerta para enfrentar as imposturas cometidas em seu nome; com o espírito rebelde que lhe é peculiar. A dialética - observa o filósofo brasileiro Gerd Bornheim – “é fundamentalmente contestadora". Ninguém conseguirá jamais domesticá-la. Em sua inspiração mais profunda, ela existe tanto para fustigar o conservadorismo dos conservadores como para sacudir o conservadorismo dos próprios revolucionários. O método dialético não se presta para criar cachorrinhos amestrados. Ele é, como disse o argentino Carlos Astrada, "semente de dragões". Os dragões semeados pela dialética vão assustar muita gente pelo mundo afora, talvez causem tumulto, mas não são baderneiros inconseqüentes; a presença deles na consciência das pessoas é necessária para que não seja esquecida a essência do pensamento dialético, enunciada por Marx na décima- primeira tese sobre Feuerbach: “os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo; trata-se, no entanto, de transformá-lo." Sobre o autor Leandro Konder nasceu em Petrópolis em janeiro de 1936. Formou-se em direito no Rio em 1958 e doutorou-se em filosofia pela UFRJ em 1987. Leciona no departamento de educação da PUC-RJ e no departamento de história da UFF. Entre seus livros mais recentes figuram Walter Benjamin. o Marxismo da Melancolia (Vozes, 1989) e Hegel, a Razão Quase Enlouquecida (Vozes. 1990).
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