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Guias e Dicas
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Ordens militares em Portugal, Esquemas de História

Ordens militares em Portugal: Ordem de Cristo

Tipologia: Esquemas

2024

Compartilhado em 18/06/2024

fabio-ferreira-092
fabio-ferreira-092 🇵🇹

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Baixe Ordens militares em Portugal e outras Esquemas em PDF para História, somente na Docsity! 79 O R D E N S M I L I T A R E S E F R O N T E I R A : U M D E S E M P E N H O M I L I T A R , J U R I S D I C I O N A L …Revista da Faculdade de Letras HISTÓRIA Porto, III Série, vol. 7, 2006, pp. 79-91 Paula Maria de Carvalho Pinto Costa* Ordens Militares e Fronteira: um Desempenho Militar, Jurisdicional e Político em Tempos Medievais R E S U M O A análise do caso das Ordens Religioso-Militares presentes em Portugal nos tempos medievais em função da interpretação da fronteira, entendida numa dimensão que ultrapassa a linha de demarcação político-diplomática, e nos remete para o plano social, religioso e económico, parece- nos paradigmática. Assim, o nosso objectivo prioritário centra-se no papel desenvolvido por estas instituições ao nível da estruturação da fronteira medieval portuguesa, tanto na sua vertente territorial como no domínio da afirmação estratégica dos interesses e da soberania do reino1. A avaliação da polivalência da fronteira, através do enfoque proposto, implica a observação de horizontes para além do reino, que vão desde o Mediterrâneo e a Europa do sul até às zonas mais setentrionais deste continente. Numa primeira fase, é necessário atender à instalação destas instituições no reino português, à localização concreta dos seus bens e à sua participação no projecto de reconquista territorial. Neste sentido, interessa identificar as primeiras doações régias em seu benefício, as motivações que a elas presidiram, bem como observar a sintonia entre o avanço da “linha” de reconquista e a cadência da outorga de benesses que viabilizam a configuração senhorial destes institutos. No plano conceptual, a questão da estruturação da fronteira contou com a participação das Ordens Militares e reveste-se de contornos complexos. As Ordens Religioso-Militares, criadas para defesa da Cristandade, obedecem a uma lógica típica de guerra santa, o que lhes dá uma configuração própria e as identifica com diversas exigências colocadas no contexto da reconquista A aplicação da cruzada ao território ibérico dá lugar à cooperação das Ordens Militares com a monarquia no alargamento do território e gera uma sintonia de interesses em benefício destas instituições, cujos efeitos se prolongarão para além do período da reconquista. Neste sentido, há uma evolução do desempenho das Ordens Militares desde a sua participação na definição da fronteira territorial (sécs. XII-XIII) à construção da fronteira caracterizada pela projecção estratégica (sécs. XIV-XV), estruturada em dois vectores de orientação: norte-Canal da Mancha (Santiago e Avis) e sul-Mediterrânico e Atlântico (Hospital e Cristo). * Professora Auxiliar da FLUP e membro do Centro de Investigação Histórica - FLUP (Linha de Ordens Militares). 1 Pela sua actualidade e porque representam uma reflexão sobre a fronteira ibérica medieval, chamamos a atenção para As relações de fronteira no século de Alcanices. Actas das IV Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval. “Revista da Faculdade de Letras. História”, Porto, Faculdade de Letras, II Série, Vol. XV, tomo 1 e 2, 1998; do ponto de vista mais específico das Ordens Militares, destaque-se FOREY, 1994 e VANOLI, 2001. 80 P A U L A M A R I A D E C A R V A L H O P I N T O C O S T A peninsular. Ao seu carácter único e à peculiaridade da sua acção está inerente uma afirmação marcada por pressupostos de alteridade, assinalados pelo uso de hábito próprio e pela prática de preceitos normativos, inscritos nos textos que definem a vida dos homens que ingressam neste modo de vida, entre outros elementos que marcam a sua singularidade. Na medida em que lutam contra o Islão, tentando controlar territórios que ficariam sob a alçada dos reinos cristãos, às Ordens Militares fica associado um conceito de fronteira, definido enquanto horizonte de actuação e de domínio, fundamentado na diferença religiosa e cultural, proposta pelo ambiente cruzadístico. Com efeito, a intencionalidade do programa político-militar dos nossos primeiros monarcas faz com que estes institutos sejam canalizados, à partida, para territórios avançados, que garantem potenciais económicos e de afirmação de poder muito elevados, em função de uma série de objectivos conseguidos no campo de batalha. No caso particular de Portugal, esta situação adquire especial significado, dado que a monarquia promove o projecto de reconquista, exactamente, nos anos em que esta categoria de Ordens se instala no território português. Os motivos que justificam o patrocínio dado pela monarquia a estes institutos são diversos, tanto mais que estamos perante instituições que divergem entre si quanto às circunstâncias e ao local de origem, bem como ao âmbito geográfico de influência. Se à implantação da Ordem do Hospital em Portugal presidiram os critérios da prática da assistência, ficando para um segundo momento os requisitos militares2, de resto, características que pautavam a globalidade desta Ordem, já em relação às outras instituições similares o objectivo delineado desde o início era de perfil militar, como se poderá confirmar pelos casos que mais à frente mencionaremos. Para além destes factores, parece-nos pertinente entrar em linha de conta com a atitude das Ordens face à dimensão político-diplomática da fronteira com outros reinos peninsulares, como a Galiza, Leão e Castela, já que existem vínculos orgânicos que ligam os freires portugueses aos conventos centrais destas organizações sediados em outros reinos ibéricos, os quais são responsáveis por uma interpretação sui generis da pretensa rigidez desta demarcação. Recordamos que todas as Ordens Militares presentes em Portugal, à excepção da de Cristo, e à qual presidem razões muito próprias, estão umbilicalmente ligadas a outros conventos situados em reinos, geografica- mente confinantes, ou não, com Portugal, o que promove a transposição da linha diplomática estabelecida entre os diversos Estados peninsulares. 2 GARCÍA-GUIJARRO RAMOS, 1995: 142-148, faz um ponto da situação em relação à militarização da Ordem do Hospital, reportando-se a autores como Delaville de Roulx e E. J. King, que apontam como cronologia provável os anos 20 do séc. XII, Alan Forey, que situa esta transformação nos anos 30 da mesma centúria, e Riley- Smith, que defende a segunda metade do século. García-Guijarro Ramos opta por afirmar que, apesar de já haver acções de pendor militar na primeira metade do séc. XII, será apenas na primeira metade da centúria seguinte que se deu o apogeu da militarização desta instituição. Segundo este autor, nos pontificados posteriores a Alexandre III verifica-se na documentação a referência ao papel defensivo do Hospital, a par da perpetuação da sua função tradicional, isto é, a assistência. O assumir das tarefas militares faz-se de forma gradual, a avaliar pela abordagem faseada deste assunto nos textos normativos. Assim, são etapas importantes o final da década de 60 do séc. XII, altura em que a Ordem mantém a sua essência assistencial, mas já manifesta um comportamento militar incipiente nas campanhas de Amalarico I (rei de Jerusalém: 1163-1174) contra o Egípto, cujo lhe valeu uma advertência por parte do Papa Alexandre III, no sentido de não descurarem as tarefas hospitalares. 83 O R D E N S M I L I T A R E S E F R O N T E I R A : U M D E S E M P E N H O M I L I T A R , J U R I S D I C I O N A L … metade do séc. XII, podemos associar a Ordem de S. João de Jerusalém a uma certa permeabilidade fronteiriça no quadro do noroeste peninsular, na medida em que D. Aires era Prior da Galiza e de Portugal20. Esta abrangência territorial está relacionada, provavelmente, com uma incipiente organização e com a dimensão assistencial dos freires, evidente no contexto da atracção exercida por Santiago de Compostela enquanto destino de peregrinação. No caso desta Ordem, o exercício de uma jurisdição de âmbito peninsular irá ser uma constante mesmo em épocas posteriores, como se pode comprovar com as actuações de Gonçalo Pires Pereira (séc. XIII) e Garcia Martins (séc. XIII-XIV), ambos Grão-comendadores nos Cinco Reinos de Espanha, ou com Álvaro Pinto (séc. XVI) e Cristóvão de Cernache Pereira (séc. XVI), ambos Grão-chanceleres, ou seja, a dignidade adstrita à circunscrição administrativa conjunta de Castela e Portugal no âmbito da organização sanjoanina. Retomando o enquadramento da reconquista e a colaboração prestada pelas Ordens Militares no campo das operações bélicas, convém esclarecer que o serviço prestado à monarquia, de uma forma geral, foi o motivo frequentemente aludido nos documentos escritos, para justificar as concessões outorgadas em benefício dos freires. Neste sentido, em muitas ocasiões verificou-se uma sintonia entre o avanço da linha de reconquista e as doações feitas às Ordens21. Por outro lado, foi notória a acção destas instituições ao nível do potencial reforço do espaço de rectaguarda, à partida, já distante da linha de perigo, ou mesmo o papel que desempenharam em épocas posteriores à reconquista. Por exemplo, a implantação raiana em Trás-os-Montes (sobretudo, por parte da Ordem do Templo), exactamente numa zona caracterizada pela rarefacção popupacional e por uma fraca incidência das estruturas administrativas que emanam do poder régio, tem certamente uma expressão considerável na demarcação com o reino vizinho, por vezes questionada pelas solidariedades e interesses económicos locais que não se compadecem com as delimitações geo-políticas definidas pelo poder central. De uma maneira geral, a capacidade de captação de bens por parte das Ordens Militares deriva de todo um conjunto de factores como o empenho da concretização do ideal de cruzada, o seu prestígio, nomeadamente das que tiveram origem na Terra Santa e tinham expressão física para além da fronteira territorial do reino, a proximidade em relação ao papado e a influência que exerciam junto de outras monarquias onde estavam igualmente presentes, a ligação a estratos nobilitados da sociedade, especialmente no caso de algumas delas, e a capacidade de participação em campanhas militares, sobretudo pela organização possuiam e pela sua acção enquanto agentes de mobilização (eventualmente, das milícias concelhias). Pelos motivos aduzidos, as Ordens Militares ficam ao serviço da monarquia, possibilitando a concretização dos seus projectos, nomeadamente ao nível da reconquista territorial, o que tem implicações na estruturação da fronteira e no povoamento, sendo significativa a concessão das cartas de foral pelas próprias Ordens às terras em que exercem jurisdição. 20 IAN/TT - Gav. VI, m. ún., nº 29 e L.N., Guadiana, l. 1, fls. 123v-124 e publ. As Gavetas da Torre do Tombo, introdução de A. da Silva Rego, vol. 12, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1977, p. 458-461 e publ. Livro dos forais ..., vol. 3, doc. 292, p. 28-29. 21 MARQUES, 1995: 62, onde se pode observar a representação cartográfica do avanço territorial registado nos sécs. XII-XIII. 84 P A U L A M A R I A D E C A R V A L H O P I N T O C O S T A O património adquirido por doação constitui a esmagadora maioria dos bens que ingressaram na posse das milícias, fruto da iniciativa dos diferentes monarcas, secundada pela benevolência de muitos particulares. Esta situação proporciona uma elevada acumulação de bens imóveis e, concomitantemente, uma optimização da dinâmica senhorial destes institutos. A concessão de cartas de foral pelas Ordens às terras que estão sob o seu senhorio e os ritmos de organização do espaço, observados através de uma aproximada cronologia da instalação de uma rede de comendas, constituem dois indicadores na avaliação dos aspectos que pretendemos aferir. Nesta análise, a data de 1249, ou seja, o ano em que teve lugar a conquista de Faro, foi utilizada como referência, porque representa o final da reconquista efectiva do território a oeste do Guadiana até então sob administração muçulmana. Neste sentido, os meados do séc. XIII são definidos como ponto de chegada da reconquista, mas não como limite da interpretação do envolvimento das Ordens Militares na polivalência da fronteira. A ocupação e organização do espaço, como suporte à própria consistência da fronteira, foi um dos aspectos em que as Ordens se empenharam bastante. Com efeito, até 1249, está documentada a concessão de diversos forais por parte do Templo (Redinha, Tomar, Castelo da Foz do Zêzere, Ferreira [do Zêzere], Pombal, Castelo Branco, Proença-a-Velha, Touro e Ega), do Hospital (Crato e Proença- a-Nova), de Avis (Benavente e Ericeira) e de Santiago (Canha e Setúbal). A diferença numérica subjacente à identidade que outorga estes diplomas, pode estar relacionada com a simples questão de conservação dos documentos escritos, ou, por outro lado, ser significativa de uma política de povoamento mais concertada por parte dos Templários, certamente reflexo da própria natureza dos territórios estão sob sua alçada. É, no entanto, de ressalvar, que os Santiaguistas desenvolveram um inegável esforço guerreiro em terras do Alentejo e Algarve e desempenharam um importante papel repovoador das mesmas, na segunda metade do séc. XIII, com a atribuição de forais a algumas localidades como Setúbal, Aljustrel, Mértola e Garvão22. Em contrapartida, após uma análise da geografia das comendas identificadas até meados do séc. XIII, verifica-se que há notícia de 15 núcleos para o Hospital, 9 para Santiago e 4 para Avis, não sendo possível aferir elementos exactos para o Templo, dada a carência de um trabalho sistemático sobre a presença destes freires em Portugal. Porém, no caso de Santiago, chamamos a atenção para o facto único de, até 1288, o ramo português constituir uma comenda no âmbito da organização peninsular Espatária, o que explica a existência de uma relação de comendas apenas a partir do mestrado de D. Pedro Escacho23. Por sua vez, a concentração nas mãos dos Hospitalários de uma rede de comendas mais ampla, pelo menos até meados do séc. XIII, pode dever-se a parâmetros como uma acentuada dispersão de bens ou mesmo a uma implementação de práticas de gestão mais rígidas definidas pelos órgãos conventuais sediados além-fronteira. Depois de traçado este panorama no âmbito da reconquista territorial, torna-se fundamental prolongar a observação dos acontecimentos para além de meados do séc. XIII. As razões prendem- -se, sobretudo, com as tarefas militares, para as quais estes institutos eram frequentemente requisitados, mesmo em tempos posteriores à conclusão da reconquista, com a defesa de interesses 22 COELHO, 1995: 567-582 e CUNHA, 1988: 69-94. 23 CUNHA, 1991: 164-169 e 214-230, onde consta esta relação de comendas datada de 1327. 85 O R D E N S M I L I T A R E S E F R O N T E I R A : U M D E S E M P E N H O M I L I T A R , J U R I S D I C I O N A L … económicos, na medida em que possibilitou uma estreita cooperação entre as Ordens e a monarquia, como foi o caso de Santiago com a exploração do sal e a sua orientação comercial no quadro da Europa setentrional, e, por fim, com o seu envolvimento na projecção estratégica da soberania de Portugal em territórios onde a nossa presença passará a constituir uma referência nas décadas seguintes. Embora o final da reconquista (projecto para o qual tinham sido especificamente direccionadas) pudesse ser evocado, no plano teórico, como justificativo da cessação da actividade das Ordens Militares, na prática elas vão permanecer no reino, sendo, em contrapartida, alvo do apertado controlo monárquico, uma vez que eram detentoras de vastos domínios patrimoniais, aos quais correspondia um exercício jurisdicional muito forte. Como é sabido, com a tomada de Faro não se definiu a configuração da linha divisória entre os reinos vizinhos nem se encerrou a discussão em torno deste tema. Neste contexto, surgiu a célebre questão do Algarve, momento em que Portugal e Castela disputam entre si a jurisdição sobre o território algarvio recém conquistado. A dupla doação de Albufeira à Ordem de Avis, tanto por parte de Afonso III como de Afonso X, é paradigmática deste jogo de poderes protagonizado por estes reinos ibéricos e que coloca as Ordens no centro dos interesses políticos de então. A este nível, o caso de Avis é bastante sugestivo, pois mantinha-se o vínculo orgânico dos freires de Évora à vizinha casa de Calatrava24. Outros factos de maior amplitude na interpretação das competências jurisdicionais de ambos os reinos implicam o envolvimento das Ordens Militares. Enumeremos apenas alguns deles. Em primeiro lugar, a Ordem de Santiago, no ano de 1255, recebe de D. Afonso III os castelos de Cacela com o seu termo, e o de Aiamonte, bem como a confirmação dos de Sesimbra, Alcácer do Sal, Palmela, Almada e Arruda25, sobressaindo uma estratégia política que pretende atrair o espatário Paio Pires Correia, se bem que a sua Ordem estivesse sediada em Uclés. Em segundo, em 1267, assina-se o Tratado de Badajoz, que devolveu a Afonso III a plenitude jurídica sobre o Algarve, sendo indiscutível o interesse deste acordo para os Espatários26. Em terceiro, nos anos de 1271-72, tem lugar uma nova fase do relacionamento de Afonso III com estes cavaleiros, assinalada por episódios desfavoráveis à Ordem, que limitam a sua influência no Algarve27. Com efeito, pretendia-se controlar aqueles territórios e eximi-los à jurisdição de uma instituição religiosa sediada em outro reino. Paio Pires Correia, comendador de Alcácer entre 1235 e 1241 e titular do Mestrado de Portugal de 1242 até 1275, poderia também representar os interesses castelhanos, dado o seu desempenho como comendador de Uclés nos anos de 1241 e 1242 e a sua íntima relação com aquela Corte, comprovada na sua activa participação na 24 CUNHA e PIMENTA, 1985: 7-8. 25 CUNHA, 1991: 89. 26 Sobre o Tratado de Badajoz, veja-se, MARQUES, 1995: 49-53. 27 Em 30 de Dezembro de 1271, foi assinada uma concórdia entre o monarca e o comendador e procurador da Ordem de Santiago, deixando transparecer problemas por causa de Tavira, Cacela, Castro Marim, Aveiras, do direito de padroado sobre as igrejas (recorde-se que a jurisdição eclesiástica sobre o Algarve pertencia a Afonso X) e de problemas com certos produtos agrícolas que os moradores de Mértola levavam pelo rio Guadiana. A decisão final destes diferendos foi dada a conhecer em 4 de Janeiro de 1272 e era desfavorável à Ordem, limitando a sua influência no Algarve e levando os Espatários a renunciar às doações de Tavira, Cacela, Castro Marim e seus termos, em favor de D. Afonso III. MARQUES, 1986. 88 P A U L A M A R I A D E C A R V A L H O P I N T O C O S T A Ao modelo explicativo acima referido vai ajustar-se a operacionalidade das Ordens Militares, como comprovam alguns exemplos. Fernando Afonso de Albuquerque, Mestre de Santiago, é um dos diplomatas que assina o Tratado de Windsor, sobressaindo os objectivos económicos da sua Ordem no Atlântico, como resultado da experiência adquirida no estuário do Rio Sado39. D. João, Mestre de Avis, e mais tarde rei de Portugal, casado com a inglesa Filipa de Lencastre, congrega, em 1385, os interesses do reino, garantindo-nos uma firme projecção no reino consorte. A própria Ordem do Hospital, na sua dimensão supra-nacional e com os órgãos conventuais situados sucessivamente nas ilhas de Rodes e de Malta, é o baluarte defensivo da Europa cristã frente ao avanço dos turco-otomanos no Mediterrâneo40. Neste sentido, reveste-se de especial simbolismo a participação do Prior do Hospital ao lado do capitão mor de Portugal numa missão diplomática, realizada em 1412, e que pretendia apurar as possibilidades de um assalto a Ceuta41, bem como as celebrações religiosas, que têm lugar no mosteiro de Leça do Balio já na segunda metade do séc. XVI, e que têm por objectivo o sufrágio das almas daqueles que alcançaram a vitória contra os turcos, evidenciando o confronto de dois credos e de duas culturas42. Em síntese, se durante a fase da reconquista territorial, que decorreu até meados do séc. XIII, as Ordens Militares tiveram um elevado desempenho na progressão da linha de fronteira, após os meados desta centúria vão estar associadas à afirmação estratégica de Portugal frente a outros espaços. A Ordem de Santiago mostrou-se, assim, mais vocacionada para a área setentrional, nomeadamente, a que se desenha em torno do Canal da Mancha. Com algumas reservas, dada a falta de elementos documentais que confirmem claramente esta hipótese, podemos integrar a Ordem de Avis neste perfil norte europeu, em função da ligação do rei D. João I a Inglaterra e a este instituto, mantida desde os tempos em que foi Mestre da milícia. Num plano complementar, caracterizado por coordenadas meridionais, respectivamente de orientação atlântica e mediter- rânica, a Ordem de Cristo assume a projecção externa de Portugal, personificada no Infante D. Henrique, que foi figura de proa do nosso programa marítimo e governador desta Ordem, e o Hospital empenha-se na contenção do avanço turco, o que lhe valeu o reforço do apoio de algumas casas monárquicas. político-estratégica”. Por volta de 1319-1320, por diversas razões que o autor aduz, nomeadamente com a criação da Ordem de Cristo, a monarquia define uma política militar para o reino, relacionada com”“uma nova fronteira: com a passagem da continentalidade ao mar, a guerra marítima e o corso adquirem a dimensão de cruzada”. Define-se, então “uma fronteira estratégica meridional”, completada, nos finais do séc. XIV, com “uma fronteira estratégica setentrional”, resultante da assinatura do Tratado de Windsor. 39 FONSECA, 1986: 49-55, paralelamente sublinha o papel das cidades marítimas de Lisboa e Porto na assinatura deste tratado. 40 A questão do relançamento da cruzada e do empenho de Portugal na luta contra o Turco é um ponto fundamental no âmbito das relações entre a monarquia portuguesa e a Santa Sé e da definição do nosso posicionamento estratégico nos espaços mediterrânico e atlântico, na transição do séc. XV para a centúria seguinte, como explica FONSECA, 2001: 227-247. 41 Monumenta Henricina, vol. II, doc. 10, p. 49-53. 42 Pedia-se aos capelães do mosteiro, ao donato e às merceeiras que rogassem a Deus pelos defuntos que morreram na batalha contra os turcos, pelo que se lhes dava um almude de vinho bom e uma rosca de pão de trigo. A pregação, caso ficasse confiada ao cura do mosteiro, teria de incluir uma menção à vitória alcançada contra os inimigos da fé de Cristo. Era, também, recomendado a cada um dos fregueses que oferecessem a Deus e a Nossa Senhora um Pai Nosso e uma Avé Maria, pelas almas dos fiéis cristãos. Arquivo Distrital do Porto - Bailiagem de Leça, nº 3593, fls. 433v-435. 89 O R D E N S M I L I T A R E S E F R O N T E I R A : U M D E S E M P E N H O M I L I T A R , J U R I S D I C I O N A L … Fontes e bibliografia citadas Arquivo Distrital do Porto, Bailiagem de Leça, nº 3593. As Gavetas da Torre do Tombo, introdução de A. da Silva Rego, vol. 12, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1977. As relações de fronteira no século de Alcanices. Actas das IV Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval. “Revista da Faculdade de Letras. História”, Porto, Faculdade de Letras, II série, Vol. XV, tomo 1 e 2, 1998. AYALA MARTÍNEZ, Carlos de, 1999 – Frontera castellano-portuguesa y Órdenes Militares. Problemas de jurisdicción (ss. XII-XIII) in “Jornadas de Cultura Hispano-portuguesa”, ed. Científica V. 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