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Ramiro, Imparcialidade e neutralidade: Identidade?, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

O presente artigo versa sobre a questão da imparcialidade do juiz, com enfoque especial para a distinação entre esta e a neutralidade.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 08/08/2009

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douglas-roberto-winkel-santin-8 🇧🇷

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Baixe Ramiro, Imparcialidade e neutralidade: Identidade? e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Direito, somente na Docsity! 1 IMPARCIALIDADE E NEUTRALIDADE: IDENTIDADE? Caio Henrique Lopes Ramiro* Resumo: O Direito contém em seu bojo inúmeros princípios que devem ser respeitados, bem como possível se encontrar no ordenamento jurídico inúmeros dogmas, assim como o princípio da segurança e certeza jurídicas, por exemplo. Tais princípios devem ser observados pelo aplicador do Direito, contudo, no que se refere à sua atuação, vigora em nosso ordenamento jurídico instrumental, o princípio da imparcialidade do juiz que, trata-se também de um pressuposto processual. Não obstante, o princípio da imparcialidade do juiz é por vezes confundido, quiçá propositalmente, com a neutralidade absoluta do julgador no momento de decidir o litígio. A teoria, ou visão tradicional, faz com que se acredite em tal situação com o objetivo precípuo de manter a opressão da classe trabalhadora, dominação feita por uma minoria que detém o poder econômico e político e, invariavelmente, encontra-se inserida no poder legiferante. Destarte, o magistrado deve se livrar da crença de sua neutralidade absoluta, aceitando as inúmeras formas de motivação de seu julgado no momento da ratio decidendi. Palavras chave: 1. Motivação da sentença. 2. Fundamentação da sentença. 3. Imparcialidade. 4. Neutralidade. 5. Identidade. 1. Introdução O presente artigo apresenta discussão acerca da imparcialidade e da neutralidade dos julgadores. A proposta intencionou a feitura de reflexão acerca do princípio da imparcialidade do juiz, com o objetivo de seu desmembramento para, posterior, entendimento acerca do que se possa entender por imparcialidade e, se esta é sinônima de neutralidade (plena). Em um primeiro momento, buscou-se distinguir motivação e fundamentação das decisões judiciais, sendo referida distinção de grande importância, tendo em vista que é no terreno da motivação que o magistrado encontra sua razão de decidir, bem como é nesta fase do raciocínio que ele pode (e deve) trazer a tona os valores e princípios que são o norte da sentença. Doravante, em um segundo estágio da reflexão, trabalhou-se com a investigação acerca da imparcialidade. A imparcialidade não deve ser confundida * Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília (UNIVEM). Pesquisador do CNPq com atuação no grupo de estudos e pesquisas “As Formas do Processo e as Formas da Política: Cidadania, Poder e Jurisdição no Estado de Direto”. Advogado. E-mail: caioramiro@yahoo.com.br. 2 com a neutralidade absoluta do julgador, tendo em vista que a primeira se liga às partes como tais e ao objeto do processo. Não obstante, nessa linha de raciocínio, no ponto posterior, discutiu-se a neutralidade. Como fundamento para o argumento, aqui objetivado, de que a neutralidade plena do jurista e, do julgador, não se sustentam face à condição humana do magistrado, valemo-nos das lições de Hilton Japiassu a respeito da teoria das ciências, bem como se chegou a conclusão de que é impossível um magistrado neutro como uma máquina, ou seja, sem sentimentos, apolítico e acrítico, alheio a todos os acontecimentos sociais, haja vista que o juiz está inserido na sociedade. Destarte, com a transposição do mito da neutralidade do julgador, este último poderá vislumbrar certa identidade com seu julgado, ou seja, poderá reconhecer em sua razão de decidir se está do lado da classe burguesa ou da classe trabalhadora, pois, não existe ser humano e, assim, um Judiciário neutro, destarte, ou ele é comprometido com o grupo dominante ou com os oprimidos. A esperança de que seja vencido o mito da neutralidade deve-se ao fato de os magistrados reconhecerem as desigualdades sociais e se postarem ao lado dos débeis, pugnando por uma vida digna para todos. 2. Motivação e Fundamentação das Decisões Judiciais Antes mesmo de abordarmos a questão da imparcialidade e da neutralidade dos julgadores, é mister uma reflexão acerca da motivação e fundamentação das sentenças, tendo em vista que muito se diz a respeito das decisões, contudo, não se faz uma distinção clara do que significa motivação e fundamentação das decisões judiciais. A atividade do juiz se concentra na decisão, sendo a fase decisória a mais importante para as partes da relação jurídica processual que buscam a tutela de seus direitos materiais através da prestação da atividade jurisdicional, que deve ser tempestiva e efetiva, não obstante, o agir do julgador deve ser pautado por uma discussão, ponderação, motivação e determinação, tendo como base à consciência social e a razoabilidade. 5 recebendo pesadas críticas, perduram, no direito contemporâneo, máximas como “Dar a cada um o que é seu”. É latente o idealismo jurídico da visão tradicional para que haja uma manutenção do “status quo”. Isto significa que o direito deve proteger aqueles para quem ele foi criado pelos princípios já relacionados, dos quais o da imparcialidade (ou alheabilidade) faz parte. Nesse sentido, manifesta-se Rui Portanova6 afirmando que o que o direito tem assegurado é a ordem imposta pela dominação capitalista, machista, racista e heterossexual, por exemplo. O princípio da imparcialidade do juiz, ou mesmo, a imparcialidade como é entendida, ou melhor, pretendida, como idéia de um técnico conhecedor do ordenamento jurídico e neutro na realização de todos os seus atos, não pode ser confundida com a neutralidade absoluta, ou seja, não pode ser confundida com uma neutralidade axiológica total. Na visão de Ada Pelegrini Grinover7: O caráter de imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. O juiz coloca-se entre as partes e acima delas: esta é a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo [...] É nesse sentido que se diz que o órgão jurisdicional deve ser subjetivamente capaz 8. Realmente, é devido aos jurisdicionados um processo justo que busque o ideal do Direito que é a justiça. Para tanto devem os jurisdicionados ser julgados por terceira pessoa, investida de jurisdição. Entretanto, a imparcialidade dos julgadores não pode ser tamanha a ponto de não conseguirem vislumbrar os dilemas, os anseios e as desigualdades existentes em nosso país, nem se devem colocar acima das partes. A sociedade é dividida em classes e a desigualdade entre elas existe de forma bem evidente, assim, Habermas9 escreve que uma justiça orientada por princípios jurídicos suprapositivados deve formar um contrapeso ao ‘positivismo 6 PORTANOVA, 2003, p. 62 7 GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria Geral do Processo. 18 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p 51-52. 8 GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria Geral do Processo. 18 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p 51-52. 9 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factividade e validade. Vol 2. Rio de Janeiro: Tempo Brasiliense, 1997, p212. 6 do poder e dos fins’ das maiorias irrefletidas, amedrontadas ou violentadas, incapazes de vislumbrar o direito. A imparcialidade, contudo, é confundida com a neutralidade, haja vista à existência daqueles que desejam a manutenção do “status quo”, assim a imparcialidade sendo entendida como neutralidade dos julgadores para os acontecimentos sociais, irá sempre beneficiar a minoria que detém o poder e dita as regras que produz nosso direito pátrio, sendo este influenciado pela ideologia burguesa. A respeito da influência da ideologia liberal/burguesa que assola o ordenamento jurídico contemporâneo, estamos com Benedito Cerezzo Pereira Filho10 quando afirma que: o papel reservado ao Judiciário pela classe detentora do poder econômico (burguesia) desde a Revolução Francesa que, sem dúvida, foi um marco relevante que influenciou e influencia até os dias hodiernos a juridicidade moderna. A propriedade foi considerada como principal objetivo desse direito burguês11. Nesse sentido, há muito tempo registrava Trasímaco12 afirmando que a justiça consiste em fazer o que é conveniente para o mais poderoso. Sob outro aspecto, no que diz respeito à imparcialidade, o julgador deve atentar para os impedimentos e para a suspeição, previstos nos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil. Significa isto dizer que o juiz não deve ter interesse econômico ou particular com o objeto do processo, ou seja, não pode o julgador enriquecer por meio do processo, bem como não pode ser parente das partes. Sendo assim, a imparcialidade do juiz significa uma atitude omissiva do julgador para com as partes do processo, podendo o julgador preocupar-se unicamente com a obtenção da justiça para o caso posto em litígio. A imparcialidade do julgador pode ser entendida como uma atitude omissiva do juiz para com o objeto do processo e as partes, com o intuito de 10 PEREIRA FILHO, Benedito Cerezzo. O poder do juiz: ontem e hoje. Artigo publicado nos anais do XIV encontro nacional do Conpedi, 2005. 11 PEREIRA FILHO, Benedito Cerezzo. O poder do juiz: ontem e hoje. Artigo publicado nos anais do XIV encontro nacional do Conpedi, 2005. 12 Platão.A República. Coleção Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1973, p. 25. 7 garantir o contraditório e ampla defesa, sendo que ambas as partes devem ter a possibilidade de por à baila razões, que lhes fundamentam a pretensão de direito. Nesta seara, Plauto Faraco de Azevedo13 manifesta-se: Para que a imparcialidade, que consiste no abrir-se o juiz cuidadosa e honestamente às versões em confronto no processo, se possa configurar, é indispensável que possam as partes exprimi-las de modo tão cabal quanto possível, o que não se pode dar exaurindo-se seu exame de igualdade formal dos interesses em confronto14. 4. Neutralidade A neutralidade do julgador é, muitas vezes, entendida como imparcialidade, como já foi afirmado precedentemente. Todavia, judiciosa se faz à lição de Hilton Japiassu, quando este, discutindo as teorias cientificas, afirma que em epistemologia: discute-se contemporaneamente a pretensa neutralidade do conhecimento científico. A ciência seria neutra na medida em que é factual, descritiva, isto é, preocupa-se com a descrição e a explicação dos fenômenos, sem emitir juízos de valor, sem fazer prescrições. Porém, deve-se reconhecer que o conhecimento científico, situado em um contexto histórico–social, corresponde a interesses, valores, preconceitos, dos próprios indivíduos e grupos que produzem esse conhecimento e da sociedade que os aplica e utiliza. A ciência não estaria assim imune a elementos ideológicos, não poderia ser neutra15. Ocorre que, a nosso ver, em direito não é diferente, o direito e seus agentes não estariam imunes a elementos ideológicos e, à imparcialidade do juiz 13 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, apud Dworkin, p. 150. 14 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, apud Dworkin, p. 150. 15 JAPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4º ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2006. 10 entendida como uma conduta omissiva para com estes; a neutralidade leva o julgador a um comportamento comprometido, ou seja, parcial, comportamento de compromisso com o ideal maior do Direito, que é a busca incessante da justiça. Acerca do tema, diz Dalmo de Abreu Dallari22 que por diversos motivos, muitos juízes – a maioria deles, sem dúvida – afirmam que são apolíticos, considerando que isso é indispensável para o reconhecimento de sua imparcialidade e independência. Ainda, feita esta consideração, Dallari23 assevera que no tocante as motivações ideológicas, o fato é que todos os juízes fazem opções político- eleitorais, sendo preferível reconhecer isso do que fingir uma neutralidade absoluta, que seria sinônimo de indiferença pelos destinos do país e da comunidade, inaceitável em qualquer cidadão. Nesse diapasão, o problema é que, na maioria das vezes, é muito difícil o juiz reconhecer que sua sentença foi ideologicamente motivada, ou seja, que ele se deixou motivar por seus valores, por aquilo em que acredita, por sua experiência. Assim, parece indispensável que o juiz deixe consignado expressamente, na motivação de sua decisão, ou seja, na ratio decidendi, qual ou quais circunstâncias sociais, políticas e econômicas o levaram a decidir. Ademais, o Código de Processo Civil no art. 458, inciso II, prescreve: Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: [...] II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; Ocorre que o legislador se “esqueceu” de mencionar o requisito valor no inciso II do artigo 458 do CPC, pois como é cediço, para que seja Direito ele deve se constituir de fato, valor e norma, conforme a teoria tridimensional do direito realeana. 22 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 187. 23 DALLARI, 2002, p. 89 11 O julgador, na parte que se refere à motivação de seu julgamento, deve analisar as questões de fato e de direito, na concepção do legislador, entendido como lei, de forma crítica, enxergando os conflitos e desigualdades sociais, de forma que exponha, também, os valores de seu entendimento, ou melhor, as próprias motivações subjacentes ao julgamento emitido de uma ou de outra maneira. Ainda é salutar a lição de Rui Portanova29 que vai no sentido de que a fundamentação, em verdade, é a face externa da dimensão valorativa: é a revelação do conhecimento pelo juiz não só do fato, mas também do Direito e de seu valor. Portanto, a neutralidade total do julgador, não querendo enxergar os conflitos sociais, não querendo enxergar até mesmo a falta de neutralidade da lei, do direito burguês posto se mostra como uma patologia e é um óbice para se conseguir alcançar a democracia e uma sociedade efetivamente mais justa. Enfatiza Hilton Japiassu a respeito dos que se valem da neutralidade: Quanto àqueles que se escudam na neutralidade ética e ideológica ou se refugiam na segurança protetora da “ciência pura”, têm, nessa “consciência tranqüila”, um álibi para seu descompromisso social, pois pretendem isentar-se por completo de qualquer responsabilidade quanto à utilização de seus conhecimentos24. Não devem os julgadores se escusar de sua maior tarefa, qual seja, a de distribuir a justiça, pois, eles é que devem pugnar por uma sociedade mais justa e democrática. Para tanto, precisam vencer o mito de sua neutralidade plena, acabando por julgar os casos postos em litígio, sejam “fáceis” ou “casos difíceis”, com mais criatividade, valendo-se de legislação criada para proteger o cidadão comum que, na sua grande maioria, não consegue vislumbrar seus direitos, porque se encontra à margem de direitos, sendo totalmente oprimido por uma minoria elitista, que segue os ideais do neocapitalismo, em que se mostra como um de seus pilares, o individualismo. Dessa forma, para que se possa construir uma sociedade mais justa e com respeito à dignidade do ser humano, o julgador deve demonstrar, na motivação de suas decisões, os axiomas ideológicos que motivaram sua sentença e deve, 24 JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975, p. 114. 12 sempre, ter os olhos postos na realidade social de sua época, ou seja, colocar o seu saber, a sua atuação em favor das massas oprimidas. Assim, o que se espera dos julgadores é uma postura comprometida, parcial mais transformadora, libertando-se de certos mitos e dogmas que existem somente para que seja mantido o “status quo”, para aqueles que detém o poder (a minoria ou alguns grupos sociais) não o percam. Se o que foi precedentemente refletido não for compreendido e mudado pelos julgadores, o direito vai continuar sendo instrumento de dominação do modelo sócio-econômico capitalista, como o é esse direito neoliberal burguês que se encontra positivado. Logo, quanto ao julgador somente ele pode valorar, prever, decidir, prover e transformar25. Sobre a questão da neutralidade plena, assevera o jurista baiano, J. J. Calmon de Passos26 que nenhum ato humano é gratuito, porque a ele sempre se associa (salvo situações patológicas ou excepcionais) uma escolha que vincula o agente ao resultado de sua atividade. Dessa forma, não é aceitável falar-se em uma neutralidade pura, absoluta, como se o julgador fosse máquina, sem sentimentos, sem passar por angústias, acrítico, que simplesmente atua ditando a letra morta da lei, pois, a ele é dada a tarefa de dar vida à letra da lei. Para tanto necessita fazê-lo de forma reflexiva e crítica, valendo-se das lacunas deixadas pelo legislador burguês no ordenamento jurídico, sob pena de não conseguir alcançar justiça em suas decisões. 5. Conclusão Pugnar pela existência de uma neutralidade absoluta mostra-se um tanto quanto equivocado pelo simples fato de se pensar que o julgador é um ser humano. No que tange à imparcialidade, o julgador, como já foi dito, deve tomar uma atitude omissiva, portanto, ele é imparcial por não poder julgar pela cor da pele, por uma oferta em dinheiro, mas, é parcial partindo do pressuposto de que 25 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 1998, 12. 26 Ibid, p. 13
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