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Schopenhauer e o Budhismo: A Interação entre a Filosofia Ocidental e Oriental, Manuais, Projetos, Pesquisas de Filosofia

A influência do budhismo na filosofia de schopenhauer, destacando as ideias de vontade, representação, māyā e dukkha. O autor explora como a filosofia indiana facilitou o diálogo entre as tradições ocidentais e orientais, e como schopenhauer incorporou conceitos budistas em sua teoria. O texto também discute a importância da filosofia indiana na alemanha do século xix.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Baixe Schopenhauer e o Budhismo: A Interação entre a Filosofia Ocidental e Oriental e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Filosofia, somente na Docsity! Religare 7 (1), 3-16, Março de 2010 3 SCHOPENHAUER E O PENSAMENTO ORIENTAL ENTRE O HINDUÍSMO E O BUDISMO SCHOPENHAUER AND EASTERN THOUGHT. BETWEEN HINDUISM AND BUDDHISM Deyve Redyson Universidade Federal da Paraíba ______________________________________________________________________ Resumo: A filosofia de Schopenhauer se apresenta como uma metafísica da vontade, fundada nos aspectos de representação e de sua objetidade. Sua filosofia sofreu uma forte influência do pensamento oriental, em especial da cultura indiana e do budismo, que possibilitou, pela primeira vez, o diálogo entre as filosofias oriental e ocidental. Sua obra está repleta de citações que diretamente propõe a unidade do pensar através do ocidente e do oriente relacionando a vontade com as principais manifestações como Māyā e Dukkha. Estabelece assim que o pensamento vindo do oriente não é simplesmente espiritualidade e sim que é possível fazer filosofia em todas as suas esferas. Palavras-chave: Vontade; Representação; Māyā; Dukkha. Abstract: Schopenhauer's philosophy comes as metaphysics of the will, founded in the representation aspects and of its objectivity. Its philosophy suffered a strong influence of the eastern thought, especially of the culture indians and of the Buddhism, that facilitated, for the first time, the dialogue among the philosophies eastern and western. Is its work replete of citations that directly proposes the unit of thinking through the occident and of the east relating the will with the main manifestations as Māyā and Dukkha. It establishes the coming thought of the east as soon as it is not simply spirituality and yes that is possible to do philosophy in whole its spheres. Keywords: Will; Representation; Māyā; Dukkha _____________________________________________________________________________ Foi um tempo de uma densidade extraordinária. Na China viviam Confúcio e Lao-Tsé, e surgiram também todas as correntes da filosofia chinesa... Buda nascia na Índia, surgiam as Upanishads, e se desenvolviam as mais diferentes escolas filosóficas, tais possíveis, tais como: na China o ceticismo, o materialismo, a sofistica e o niilismo... Tudo o que se relaciona com esses nomes se desenvolveu nesses poucos séculos, ao mesmo tempo, na China, na Índia e o ocidente, sem que houvesse conhecimento mútuo (Karl Jaspers, Vom Ursprung und Ziel der Geschichte) Introdução As palavras do filósofo alemão Karl Jaspers inauguram uma espécie de tempo-eixo ou era axial de empregar em sentido amplo uma interpretação européia do pensamento oriental. Para Jaspers, a filosofia tem seu início em três lugares distintos no mundo, isto é: China, Índia e Grécia. Arthur Schopenhauer (1788-1860), que poderá ter influenciado o pensamento oriental de Jaspers, foi um dos primeiros filósofos ocidentais a perceber a profundidade do pensamento oriental e a propor uma leitura de seus principais aspectos, realizando assim uma contínua ligação entre a filosofia oriental e a filosofia ocidental. Em toda a história do pensamento filosófico sempre ficou claro que a filosofia teve seu nascedouro e sua aurora no ocidente, assim o escreveram filósofos como Hegel e Heidegger, por exemplo, onde não era possível admitir outra origem senão aquela. Schopenhauer, no entanto, segue outro caminho, demonstra o quanto a filosofia dita “ocidental” deve a estrutura do pensamento filosófico oriental. Religare 7 (1), 3-16, Março de 2010 4 Fazendo com que entendamos que Confúcio, Buda, Lao Tsé, são mais do que mestres em espiritualidade, são, na verdade, mestres da filosofia. Schopenhauer, autor de uma das obras mais importantes do século XIX, O Mundo como Vontade e como Representação, sofreu uma forte influência de todas as características da filosofia oriental, em especial as filosofias indianas e chinesas. No momento de formação de seu edifício filosófico, Schopenhauer viu a grandiosidade metafísica que estas religiões traziam em forma de conceitos e doutrinas, sua teoria fundada na vontade como coisa-em-si, na representação como sustentáculo da objetidade, o princípio da compaixão e finalmente a teoria da vontade de viver, estariam carregadas de fortes experiências com a filosofia oriental. Schopenhauer enaltece as religiões hindu e budista e parte para uma crítica aos fundamentos das religiões judaica e cristã. Schopenhauer toma uma atitude atípica para o pensamento ocidental, quando descreve sua filosofia fundada em princípios que estão na filosofia oriental. Assim Schopenhauer vem representar até hoje uma das grandes referências, senão a única no século XIX, para se fazer uma comparação entre o pensamento ocidental e oriental. As duas principais formas do pensamento oriental aos quais Schopenhauer se aproximou de imediato foram às filosofias ligadas ao hinduísmo e a filosofia chinesa. Segundo os livros de Valle, Gosvami e Shattuck, existem vários períodos desta filosofia 1 ; iniciado no período do vale do Indo (c. 7000-1500 a. C.), seguindo pelo período védico (c. 1500-600 a. C.); período épico ou clássico (c. 600 a. C.-200 d. C.) e período dos seis sistemas (c. 200 d. C.) onde existe uma cosmologia, uma ética, uma metafísica, uma teodicéia e uma psicologia 1.Para uma periodização da literatura sânscrita e o mundo védico ver: POSSEBON, Fabricio. O mundo védico: mitos e ritos. In IDEM. Rig-Veda. A sabedoria das estrofes. João Pessoa. Ed. UFPB/Idéia. 2006, p. 20. própria que envolve ainda o jainismo e o budismo 2 . A filosofia chinesa, segundo Bauer, Cheng, Granet e Lai terá seus inícios com a dinastia Xia (c. 2070-1600 a. C.) desenvolvendo não somente uma filosofia, mais uma sabedoria que compreendem diversas formas de pensar a moralidade e o ceticismo através do confucionismo, moismo, daoismo, legalismo e o budismo chinês. Será um pensar filosofante e ao mesmo tempo uma riquíssima experiência interior 3 . Muitos, até hoje, se interrogam se podemos falar em uma filosofia ou um pensamento chinês, pois por muito tempo o termo filosofia ficou legado aos caracteres gregos. O pensamento oriental na formação da filosofia de Schopenhauer Schopenhauer tem seus primeiros contatos com a cultura oriental ainda em sua juventude, a partir da moda oriental que se impregnou na Alemanha no século XIX. Grande parte dessa forma de pensar se origina na tese do filósofo romântico Friedrich Schlegel (1772-1829) de que uma considerável parte do ocidente teria se originado no oriente, fazendo assim um efervescente renascimento oriental entre os alemães. Foi um reencontro de um tesouro que por muito tempo ficou desconhecido. A perspectiva de Schlegel somente fez com que Schopenhauer se motivasse no espírito investigador e transformador da filosofia oriental. Schopenhauer elevou o pensamento oriental e a partir desse conceito até se poderia dizer que o inovou, pois partia de uma perspectiva mais 2. Cf. VALLE, Gabriel. Filosofia Indiana. São Paulo. Loyola, p.15-22; SHATTUCK, Cybelle. Hinduísmo. Lisboa. Edições 70, 2008, p. 08-09; GOSVAMI, Satsvarupa Dasa. Introdução à Filosofia védica. São Paulo. The Bhaktivedanta Books Trust. 1986, p. 16. 3. BAUER, Wolfgang. Historia de la filosofia china. Barcelona. Herder, 2009, p. 41-44; CHENG, Anne. História do pensamento chinês. Petrópolis. Vozes, 2008, p. 21-22; GRANET, Marcel. O Pensamento Chinês. Rio de Janeiro. Contraponto, 1997, p. 13-14; LAI, Karyn L. Introdução à Filosofia chinesa. São Paulo. Madras, 2009, p. 13-14. Religare 7 (1), 3-16, Março de 2010 7 destruidor ou renovador. E claro que não há renovação sem criação nesse caso as três pessoas estão sempre manifestadas juntamente 11 . Em uma das notas de Schopenhauer aos cursos de Heeren podemos verificar a preocupação que o filósofo já desenvolvia com possíveis controvérsias nos textos que estava lendo: Brahmā, Krishna e Vixnu são as três principais divindades; elas são chamadas de trindade indiana e estão representadas juntas em uma pintura. De acordo com a opinião de alguns, Brahmā é a criação, Krishna a preservação, e Vixnu o princípio de destruição. Mas isso não é certamente aquilo que é corretamente concebido 12 . Existe uma diferença nos próprios textos de juventude de Schopenhauer na constituição da Trimurti divina hindu. Em outros manuscritos o filósofo de Danzig recoloca-os numa outra composição, figurando assim Brahmā, Krishna e Siva, pois Schopenhauer já começa a verificar a ligação que há entre a sabedoria hindu e o princípio de sua teoria da vontade de vida, isto é, Schopenhauer já está compreendendo os princípios que nortearam sua filosofia, haja vista: geração (Zeugung), conservação (Erhaltung) e destruição (Zerstörung). Finalmente numa passagem de seus manuscritos póstumos, Schopenhauer, ainda baseado nos Oupnek‟hat nos diz: Eu digo que no suicídio a Vontade de vida aparece na confortável auto-preservação e também no intenso prazer de procriação. Este é o intimo significado da unidade da trimurti, na qual cada um de nós está em cada pedaço, e também no fato de que ela é precisamente Siva, a qual tem linga como atributo 13 . O atributo de Siva é o Linga, isto é, um phallus (órgão reprodutor masculino) que faz de 11. Cf. SHATTUCK, Cybelle. Hinduísmo. Lisboa. Ediçõa 70, 2008, p. 42-48; SIVA SAMHITA. Trad/Com. Carlos Alberto Tinoco. São Paulo. Madras, 2009, p. 11-16. 12. SCHOPENHAUER, Arthur. Der Handschriftliche Nachlaß. Kritische Auseinandersetzungen, p. 30. 13. SCHOPENAHUER, Arthur. Der Handschriftliche Nachlaß. I, 474, p. 317. Consulte-se também a tradução italiana I Manoscritti Giovanili 1804-1818. Scritti Postumi, I Trad. Sandro Barbera. Milano. Adelphi, 1996, p. 425. Siva uma divindade especial, pois ao mesmo tempo em que destrói, mata, pode criar e gerar vida. Assim a divindade Siva é em si contraditória, pois carrega dentro de si as características de destruição e criação. É como se para Schopenhauer Siva fosse a entidade de nutrição da trimurti assim faz dela sua principal representação na característica da vontade de vida. Vale ressaltar que Schopenhauer compreende a sabedoria dos hindus de que a criação da trimurti se configura com as características que estão presentes no mundo e que o grande mérito desta tríade é a explicação da geração até a destruição. Fato, também é, que no decorrer de sua obra ainda ocorreram diversas outras referências a divindades orientais. Para um mapeamento detalhado das citações de deuses, divindades, invocações e dos principais livros orientais citados na extensão das obras de Schopenhauer veja-se o texto de Nicholls onde a autora apresenta um apêndice situando o tema as passagens 14 . O véu de Maja (Māyā) Segundo as Upanishades, Māyā é ilusão, pura imaginação, fantasia, isto é, tudo é ilusão, Maia. Para muitos orientalistas, a divindade Māyā se apresenta de forma confusa e até contraditória, pois carrega consigo as características de criação e ao mesmo tempo ilusão. No hinduísmo o mutável é irreal e o imutável é o real, portanto o transitório é falso e apenas uma miragem fantasiosa. Partindo do caráter transitório do mundo Māyā se expressa como sua causa e efeito, por isso Māyā é a causa do mundo, é a mãe do universo graças a seu poder de criar. Dessa forma todos os seres estão enraizados em sua criação, que muitas das vezes é comparável a uma teia de aranha, que captura os seres que nela se enredam e, ao mesmo tempo, também, os gera e os mantém em um eterno devir. A teia de Māyā representa assim a incapacidade do homem de libertar-se dela Māyā. Os seres são enganados pelo poder de atração de Māyā e nessa impossibilidade de livrar-se dela caem numa 14. NICHOLLS, Moira, The Influences of Eastern Thought on Schopenhauer‟s Doctrine of the Thing-in-Itself, in The Cambridge Companion to Schopenhauer, edited by Christopher Janaway, Cambridge University Press, 1999, p. 197-204. Religare 7 (1), 3-16, Março de 2010 8 ilusória realidade (uma irrealidade) que se mostra como um véu que encobre a visão de todos, por esse motivo muito se utiliza a expressão o véu de Māyā 15 . Schopenhauer no princípio de sua obra magna já trás este conceito de Māyā partindo dos Vedas e dos Puranas: Trata-se de MAIA, o véu da ilusão, que envolve os olhos dos mortais, deixando-lhes ver um mundo do qual não se pode falar que é nem que não é, pois se assemelha ao sonho, ou ao reflexo do sol sobre a areia tomado a distância pelo andarilho como água, ou pedaço de corda no chão que ele toma como serpente 16 . Māyā colabora, dessa forma, para Schopenhauer fundamentar o fato das causas da representação não residir nas próprias representações, pois para Schopenhauer o mundo é a minha representação. Partindo da afirmação de que o mundo é aparente e toda a responsabilidade por seu nascimento é Māyā, Schopenhauer claramente chega a inevitável identificação de que a deusa é ilusão e aproxima das duas expressões alemães véu (Schleier) e ilusão (Schein), a realidade mutável, pois a leitura schopenhaueriana segue o Śvetāśvatara Upanishades e o Kainalya Upanishades que fazem alusão a Māyā como ilusão e que a mente e a matéria, o senhor e o servo ambas existem desde tempos sem início. Maya, que as une, também existe desde tempos sem início. Quando todas as três: a mente, a matéria e Maya são conhecidas como unas com Brahman, percebe-se então que o Eu é infinito e não participa da ação. Revela-se então que o Eu é tudo 17 . Partindo desta realidade percebemos que Schopenhauer está apresentando seu conceito de representação (Vorstellung) a partir do problema da coisa-em-si kantiana e seu movimento fenomênico, desde sua tese de doutorado, examina 15. Na história do pensamento oriental Māyā nem sempre é compreendida em um sentido negativo, existem textos dos Vedas em que a figura desta deusa se demonstra como ato criador, um poder mágico. 16. SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. § 3. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp. 2005, p. 49. 17. Utilizamos a seguinte edição das Upanishades. Upanishads. Sopro vital do eterno. São Paulo. Pensamento. 1980, p. 71, e da edição interpretada de TINÔCO, Carlos Alberto. As Upanishads. São Paulo. Ibrasa. 1996. minuciosamente as formas de conhecer a priori no devir, ser e agir, dessa forma, Schopenhauer está, então, realizando a compreensão do fenômeno na ilusão do mundo que retrata sua representação. Kant, em sua obra, não nos falaria de ilusão e sim de aparência. Será em uma anotação de 1814 que pela primeira vez o nome da deusa Māyā aparecerá no escritos de Schopenhauer. Weimar 1814 Esta (realização da Vontade) ocorre através do melhor conhecimento, e assim o Oupnek‟hat, volume II, p. 216 disse: tempore quo cognitio simul advenit amor e medio supersurrexit; - “O momento do conhecimento aparece na cena, ao mesmo tempo, o amor surgiu no seio das coisas” - aqui o amor (desejo) significa Māyā, que é justamente aquela Vontade, aquele amor (por objetos), de quem a objetidade ou a aparência é o mundo 18 . Schopenhauer neste manuscrito irá entender Māyā como amor eterno, pois a ideia da objetivação da vontade é o que transporta o filósofo a compreensão do mundo como representação. O amor surgiu no seio das coisas, esta será a inventiva schopenhaueriana para dizer que o amor é Māyā. Vemos, dessa forma, que desde as Upanishades, Māyā pode ser compreendida de modo bastante diversificado, pois ela se apresenta como amor eterno, como verdade, imutável, amor ilusório e falso e principalmente relacionado a Brahman. Numa segunda passagem, ainda nos manuscritos de juventude do filósofo, vemos que a perene ideia de Māyā, continua por sustentar o princípio de razão suficiente, identificando Māyā com o fenômeno kantiano. Dresdem 1814 Ele é Māyā. // Nós, então, distinguimos três coisas: 1) a Vontade de vida por si mesma, 2) Objetidade perfeita dela que são as idéias (platônicas) e, 3) a aparência fenomênica dessas idéias platônicas que forma a expressão é o princípio de razão suficiente, isto é, o mundo atual, o fenômeno kantiano, o Māyā dos Indianos.” 19 . 18. SCHOPENHAUER, Arthur. Der Handschriftliche Nachlaß. I, 213, p. 120. Consulte-se também a tradução italiana I Manoscritti Giovanili 1804-1818. Scritti Postumi, I Trad. Sandro Barbera. Milano. Adelphi, 1996, p. 158-159. 19. Idem, 359, p. 225, trad. Italiana, p. 301. Religare 7 (1), 3-16, Março de 2010 9 Māyā aqui está lado a lado, segundo Schopenhauer, das representações intuitivas e abstratas e se encontra numa correlação profunda com o fenômeno descrito por Kant. Māyā não está em correlação com as ideias platônicas nem com a coisa em si kantiana, Māyā, aqui, terá uma representação metafísica diferenciada de Platão ou de Kant, simplesmente esta característica de Māyā é assegurada e demonstrada na sabedoria dos Vedas. Isso fica claro no manuscrito de 1816 ainda na cidade de Dresden, onde Schopenhauer explica suas ideias de ordem metafísicas, estéticas e morais; nas ideias metafísicas Māyā surge com a representação das ideias dos Vedas e propõe uma equiparação entre a deusa hindu e as ideais platônicas e a aparência (fenômeno) em Kant. Dresden 1816 20 Universal Particular M et af ís ic a Idéias Platônicas Coisa em si Kantiana Sabedoria dos Vedas É que é, mas não é Aparência Māyā No primeiro prefácio escrito em 1818 para O Mundo como vontade e como representação, Schopenhauer já advertia que sua obra terá implicações tanto kantiana como recorrentes a milenar sabedoria indiana e que o leitor que já tiver familiaridade com ambos, compreenderá melhor sua obra 21 . No apêndice, referido a crítica da filosofia kantiana, da mesma obra, Schopenhauer confessa: “(...) confesso que o melhor do meu próprio desenvolvimento se deve à impressão das obras de Kant, ao lado da impressão do mundo intuitivo, dos escritos sagrados dos hindus e à impressão de Platão” 22 . Naturalmente, ao evoluir sua teoria, Schopenhauer também vai evoluindo no sentido de compreensão de Māyā, partindo do aprofundamento que foi realizando na cultura 20. Idem, 578, p. 392, trad. Italiana, p. 577. 21. Cf. SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo..., op. cit, p. 23. 22. Idem, O Mundo... p. 525. indiana. Ainda em 1815, quando em suas anotações, publicadas póstumas, ainda circundavam a ideia da objetidade da vontade, Schopenhauer quer tratar do impulso sexual como um dos mais antigos impulsos ligados ao conhecimento, por isso afirma que a Māyā dos indianos significa a objetidade da vontade, fenômeno kantiano, conhecimento de acordo com o princípio de razão suficiente 23 . Em 1816, Schopenhauer em diversos manuscritos introduz a deusa Māyā em sua filosofia: A visão de inumeráveis sofrimentos, acompanhados por uma penetração do princípio de individuação ou de Māyā, determina a vontade que ao mesmo tempo tenta aliviar os sofrimentos e renunciar os prazeres. 24 Para o homem que pratica atos de amor, o véu de Māyā cai de seus olhos e a ilusão do princípio de individuação o deixa 25 No Mundo como Vontade e como Representação, Schopenhauer continua com a firme ideia de que Māyā representa a ilusão que como um véu cai sobre os olhos dos homens, também, decerto, Schopenhauer conhecendo as diversas outras formas de compreender Māyā, expressa para a divindade hindu um correlato de enormes proporções que desaguaram no princípio de compaixão, que estão presentes no Principium Individuationis outro norteamento da filosofia do filósofo alemão: “Decerto, para o conhecimento, nos moldes em que se apresenta a serviço da Vontade e como chega ao indivíduo enquanto tal, o mundo não aparece naquela forma em que finalmente é desvelado ao investigador, ou seja, como a objetidade de uma única e mesma Vontade de vida, que é o investigador mesmo; mas, como dizem os indianos, o Véu de Māyā turva o olhar do indivíduo comum. A este se mostra, em vez da coisa-em-si, meramente o fenômeno no tempo e no espaço, no principio individuationis e nas demais figuras do princípio de razão... Ora, ele mesmo, em ímpeto veemente da Vontade, que é a 23. Cf. SCHOPENHAUER, Arthur. Der Handschriftliche Nachlaß. I, 461, op cit. p, 303, trad. Italiana, p. 406. 24. IDEM, op. cit, 601, p. 404, trad. Italiana, p. 543-544. 25. IDEM, 626, trad italiana, p. 570. Religare 7 (1), 3-16, Março de 2010 12 insatisfatoriedade (dukkha); (iii) insubstancialidade ou „não-eu‟, „não-é-eu‟ (ausência de uma essência permanente e imutável) (anattā). O objetivo final do ensinamento do Buda sendo eliminação do sofrimento/insatisfatoriedade (e a cessação) dos renascimentos por meio do atingimento do Nirvana 37 . Em Schopenhauer a ideia de insatisfatoriedade está relacionada com o local onde permanece a vontade, pois o filósofo alemão entende que: Fenômeno se chama representação, e nada mais. Toda representação, não importa seu tipo, todo objeto é fenômeno. Coisa-em-si, entretanto, é apenas a vontade 38. A vontade em Schopenhauer é una como aquilo que se encontra fora do espaço e do tempo, exterior ao principium individuationis, isto é, a possibilidade da pluralidade. Este princípio está também ligado ao do Karma, que em tese significa uma lei universal da conseqüência. O sentido primordial é “ação” ou “efeito”, disto segue o significado prático de feito como expressão da vontade de quem faz, dessa forma cada ser “herda” seu próprio karma, e também continua a produzir mais karma. O ato de negação da vontade é chamado por Schopenhauer de nirvana que literalmente nos transporta a uma realidade metafísica onde a vontade e a representação substancialmente co-existem e significam uma e mesma objetidade. Por Nirvana entendemos o que Cohen sintetiza: Literalmente a palavra tanto pode significar „ser extinguido‟ (extinção), „cessar por sopro‟, quanto „resfriar por sopro‟. O nirvana constitui a mais elevada e última meta de todas as aspirações budistas, a extinção do „fogo‟ de, ou o resfriamento da „febre‟ da avidez, ódio e desilusão (os três principais males no pensamento budista); e com estes também a libertação última e absoluta de todo renascimento futuro, velhice e morte, de todo sofrimento e miséria” 39 . Schopenhauer seguindo esta ideia nos diz em O Mundo como vontade e como representação: 37. COHEN, Nissim. Ensinamentos do Buda, op. cit, p. 169. 38. SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo... § 21, op. cit, p. 168. 39. Cohen, Nissam. Nirvana in Glossário. Dhammapada. A senda da virtude. Trad. Nissam Cohen. São Paulo. Palas Athena, 2004, p. 251. (...) ou como os budistas, que não admitem nem vedas nem castas, exprimem-se: Tu deves atingir o nirvana, ou seja, um estado no qual não existem quatro coisas, a saber, nascimento, velhice, doença e morte” 40 . Também aqui podemos fazer uso do dualismo metafísico que impregnado na doutrina budista se faz realidade no edifício filosófico schopenhaueriano, que apresenta em consonância ao busdismo, o é (Ser); o não é (Não-Ser); é e não-é (simultaneamente); e nem é, nem não é. Esta última categoria é totalmente desconhecida no ocidente, pois se eleva ao intuito da superação do dualismo lógico e ao mesmo tempo chega a ideia da existência e do vir-a-ser, de forma que Bhava (existência) é derivada da raiz bhu, que significa “vir-a-ser”, “tornar-se”, assim a existência é o vir-a-ser. Toda existência é estado de vir-a-ser, isto é, também pode ser chamado de samsara (a roda da existência), movimento e existência. A Samsara é “o oceano do vir-a-ser” 41 . Schopenhauer também se aproximou do pensamento chinês e de seus princípios, como o yin yang e o insondável Tao, tem como mestres de verdadeira devoção Confúcio e Lao Tsé. Em O Mundo como vontade e como representação nos diz o quanto este pensamento contribuiu a relação com a objetidade da vontade: Na china, todavia, esse conhecimento é corrente desde os tempos mais remotos no ensinamento da oposição entre YIN e YANG. – Sim, justamente porque todas as coisas do mundo são a objetidade de uma única e mesma Vontade, conseguintemente idênticas segundo a sua essência íntima, não apenas tem de haver entre elas aquela analogia inegável, mas também em cada coisa menos perfeita já tem de se mostrar o vestígio, a alusão, o dispositivo das coisas mais perfeitas. Contudo, visto que todas essas formas pertencem apenas ao mundo como REPRESENTAÇÃO, é até possível assumir que, mesmo nas formas mais universais da representação, nos vigamentos propriamente ditos do mundo fenomênico, portanto no espaço e no tempo, pode-se encontrar e demonstrar o tipo fundamental, a indicação, o 40. SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo... § 63, op. cit, p, 455. 41. Samsara segundo Cohen “Ciclo ou roda de renascimento”, literalmente, “perambular perpétuo”. O termo refere-se á noção de se andar através de uma vida após a outra, num processo que parece infindável e inexorável. O Budismo argumenta que para apreciar adequadamente a verdade de dukkha (sofrimento) envolvido em toda existência, não é suficiente considerar um só tempo de vida, no qual dukkha poderá ou não ser imediatamente aparente. COHEN, Nissim. Samsara in Glossário. Dhammapada op. cit. p, 253. Religare 7 (1), 3-16, Março de 2010 13 dispositivo de tudo aquilo que preenche as formas. Parece que foi uma noção obscura disso que deu origem à cabala e a toda filosofia matemática dos pitagóricos, bem como à filosofia chinesa do I-Ching. 42 Podemos, dessa forma, concluir que, Schopenhauer aprecia as religiões orientais, especialmente o budismo e o hinduísmo, por causa de verdadeiras e presumíveis coincidências ou concordâncias com a sua própria filosofia. Considera-as exatamente como a sua doutrina, idealistas e pessimistas, numa franca oposição às religiões monoteístas, e concretamente ao judaísmo e ao islamismo, que encaram com otimismo o seu mundo representativo como real. Finalizamos este breve estudo com as sábias palavras do grande indólogo alemão Heinrich Zimmer (1890-1943), quando expressa no inicio de sua grande obra a repercussão, no ocidente, das grandes trajetórias, mitos, sutras e histórias orientais: Neste sentido, a filosofia indiana tem laços mais estreitos com a religião do que o pensamento crítico e secularizado do ocidente moderno. Está mais próxima dos filósofos antigos como Pitágoras, Empédocles, Platão, os estóicos, Epicuro e seus seguidores, Plotino e os pensadores neoplatônicos. Encontramos, novamente, este ponto de vista em S. Agostinho, nos místicos medievais como Mestre Eckhart e nos místicos posteriores como Jacob Boehme de Silésia, nos filósofos românticos reaparece em Schopenhauer. 43 Finalizamos com as palavras de filósofo francês Maurice Merleau-Ponty que assevera com exatidão o que representa pensar a Índia hoje: (...) algo para nos ensinar, ainda que fosse a estreiteza de nossas idéias adultas. Entre o Oriente e o Ocidente, assim como entre a criança e o adulto, a relação não é a da ignorância com o saber, da não filosofia com a filosofia; ela é muito mais sutil, admite, da parte do Oriente, todas as antecipações, todas as “prematurações”. A unidade do espírito humano não se realizará por adesão simples e subordinação da “não-filosofia” à filosofia verdadeira. Ela já existe nas relações laterais de cada cultura com as outras, nos ecos que uma desperta na outra. (...) A filosofia ocidental pode aprender com elas (filosofias orientais) a reencontrar a relação com o ser, a opção inicial de que 42. SCHOPENHAUER, 2005, § 27, p. 207-208. 43. ZIMMER, Heinrich. As Filosofias da Índia. São Paulo: Palas Athena. 1986, p. 19. nasceu, a medir as possibilidades para as quais nos fechamos tornando-nos “ocidentais” e, talvez, reabri-las. É por isso que devemos fazer o Oriente comparecer ao museu das filosofias célebres, e, não podendo dar-lhe o espaço que um estudo detalhado exigiria, preferimos às generalidades algumas amostras um tanto precisas, nas quais o leitor discernirá talvez a secreta, a surda contribuição do Oriente à filosofia. 44 Referências APP, Urs. Schopenhauer´s Índia Notes of 1811 in Schopenhauer Jarhbuch. Frankfurt am Main. 2006. BAUER, Wolfgang. Historia de la filosofia china. Barcelona. Herder, 2009. BRUM, Alberto. A Libertação do Sofrimento no budismo tibetano Gelugpa. São Paulo. Teosófica. 1992. CHENG, Anne. História do pensamento chinês. Petrópolis. Vozes, 2008. FREIBERGER, Mário J. Ação e tempo na Bhagavad-Gita. Porto Alegre. Edipucrs. 1996. GRANET, Marcel. 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