Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

UFSC - Rastreamento, Check up e Prevenção Quaternária, Resumos de Medicina Preventiva

Este curso traz os aspectos essenciais dos rastreamentos (screenings, também conhecidos como check-ups), uma forma de prevenção cada vez mais utilizada na atenção primária à saúde (APS) e apresenta as melhores evidências e práticas para que o profissional da saúde possa recomendar (e também deixar de recomendar) rastreamentos para seus pacientes, adultos e crianças, nas mais variadas situações.

Tipologia: Resumos

2019

Compartilhado em 03/10/2019

yuri-araujo-21
yuri-araujo-21 🇧🇷

4.8

(5)

1 documento

1 / 156

Toggle sidebar

Outros estudantes também baixaram


Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe UFSC - Rastreamento, Check up e Prevenção Quaternária e outras Resumos em PDF para Medicina Preventiva, somente na Docsity! [po To o fo ford Armando Henrique Norman Charles Dalcanale Tesser E UP E also Dou doa of Nuno de Mattos Capeletti 2 F l o r i a n ó p o l i s , S C U F S C 2 0 1 7 5 60 horas• Possibilitar a reflexão crítica sobre a literatura científica a partir dos conceitos da epidemiologia clínica e medicina baseada em evidências. • Apresentar conceitos básicos sobre rastreamento, check-up, detecção precoce e prevenção quaternária. • Discutir as atuais recomendações de rastreamento na população. • Possibilitar a reflexão crítica sobre a realização de todo escopo de estratégias de rastreamento e a organização do processo de trabalho na atenção primária. Objetivos do módulo Carga horária recomendada para este módulo 6 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária ......................................................................................11 1.1 Introdução: o que são os rastreamentos e seus tipos ............................................................................... 12 1.2 Rastreamento e prevenção: relacionando classificações e conceitos ..................................................... 16 1.2.1 Prevenção primária, secundária, terciária e quaternária (P4) .......................................................... 17 1.2.2 Prevenção redutiva e aditiva ............................................................................................................... 20 1.2.3 Estratégias preventivas de alto risco e de abordagem populacional ............................................... 21 1.3 Importância da P4 na recomendação dos rastreamentos ......................................................................... 27 1.3.1 Diferenças entre prevenção (incluindo rastreamentos) e cuidado clínico aos adoecidos ............ 27 1.3.2 Consequências atitudinais para com os rastreamentos .................................................................. 29 1.3.3 Para entender os danos iatrogêncios dos rastreamentos ................................................................ 34 1.3.4 Vieses dos rastreamentos .................................................................................................................. 37 1.4 Considerações finais: síntese para a abordagem dos rastreamentos na APS ............................................ 43 1.5 Resumo da unidade ......................................................................................................................................... 45 1.6 Recomendação de leituras complementares ................................................................................................. 46 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos ..........................................................................47 2.1 ‘Doutor, quero fazer um check-up’ .............................................................................................................. 47 2.2 Rastreamento de condições crônicas do estilo de vida ............................................................................. 49 2.2.1 Dislipidemia e Avaliação Global do Risco Cardiovascular (RCV) .................................................... 49 Sumário 7 Sumário 2.2.2 Hipertensão arterial (HAS) .................................................................................................................. 55 2.2.3 Diabetes Mellitus tipo 2 (DM) ............................................................................................................. 58 2.2.4 Uso de tabaco ...................................................................................................................................... 61 2.2.5 Uso arriscado de álcool ...................................................................................................................... 61 2.2.6 Sobrepeso e Obesidade ...................................................................................................................... 62 2.3 Rastreamento e prevenção do câncer ......................................................................................................... 63 2.3.1 Câncer de colo de útero ...................................................................................................................... 63 2.3.2 Câncer de cólon e reto ........................................................................................................................ 66 2.3.3 Câncer de mama ................................................................................................................................. 67 2.4 Rastreamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) ............................................................. 72 2.4.1 HIV ........................................................................................................................................................ 72 2.4.2 Sífilis .................................................................................................................................................... 72 2.4.3 Hepatite B ............................................................................................................................................ 74 2.4.4 Hepatite C ............................................................................................................................................ 75 2.4.5 Clamídia e Gonorreia ........................................................................................................................... 75 2.5 Rastreios não recomendados ...................................................................................................................... 76 2.5.1 Câncer de próstata .............................................................................................................................. 76 2.5.2 Câncer de pele ..................................................................................................................................... 78 2.5.3 Câncer de boca .................................................................................................................................... 78 2.5.4 Câncer de pulmão ............................................................................................................................... 79 2.5.5 Câncer de ovário .................................................................................................................................. 80 10 Sumário 4.4.1 Acolhimento ....................................................................................................................................... 128 4.4.2 Análise da demanda .......................................................................................................................... 129 4.4.3 Organização da agenda .................................................................................................................... 130 4.4.4 Ferramentas de organização das ações de rastreamento ............................................................. 135 4.5 Resumo da unidade .................................................................................................................................... 137 4.6 Recomendação de leituras complementares ........................................................................................... 138 Encerramento do módulo .......................................................................................................................... 139 Referências .............................................................................................................................................. 140 Minicurrículo dos autores ......................................................................................................................... 154 11 Esta unidade apresenta e discute aspectos essenciais dos rastreamentos ou screenings, também conhecidos como check-ups, uma forma de prevenção cada vez mais utilizada na atenção primária à saúde (APS). A existência de algumas diretrizes oficiais que mencionam a prevenção como prioritária nesse ambiente de saúde tende a construir uma cultura acrítica que supervaloriza ações e cuidados preventivos. Entretanto, nesta unidade você vai entender que os rastreamentos são uma forma particularmente problemática e complexa de ação preventiva que exige muito cuidado na sua recomendação, tanto por parte dos gestores do sistema como dos profissionais da APS. Embora os rastreamentos tenham o potencial de produzir benefícios às pessoas e à coletividade – e pareçam ser simples de implementar, devido ao aspecto protocolar de suas recomendações – a maioria deles tende a produzir danos. Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária Figura 1 – Rastreamento: como proceder adequadamente? Entender esses danos, muitos deles difíceis de serem reconhecidos pelos usuários e por você, profissional da saúde, é um prerrequisito para que se possa evitar ao máximo situações e práticas que facilitam sua ocorrência. Isso requer uma mudança atitudinal para a prática da prevenção quaternária (P4), que tem por objetivo evitar o excesso de intervenções que possam causar mais mal do que bem. A P4 é muito importante 12 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária no caso do manejo das recomendações e das demandas por rastreamentos. Esperamos que você possa usufruir desta unidade e com ela ter mais clareza, segurança e competência para manejar as situações e pressões cada vez mais frequentes na APS, em que ações preventivas, e particularmente os rastreamentos, estão envolvidos. Boa leitura! Nossos objetivos educacionais são: • apresentar conceitos básicos sobre “Rastreamento e Prevenção Quaternária”; • facilitar a reflexão crítica sobre a realização de rastreamentos e a organização do processo de trabalho na atenção primária à saúde. O objetivo desta unidade, portanto, é apresentar conceitos fundamentais sobre rastreamento e prevenção quaternária. Pretendemos favorecer a reflexão crítica quanto às decisões e orientações dos profissionais aos usuários do SUS sobre a realização de rastreamentos, bem como sua organização no processo de trabalho na atenção primária à saúde (APS). Isso é importante para que você e seus colegas, no dia a dia de trabalho, possam construir uma postura equilibrada na organização da rotina assistencial e na interação com os usuários. Começaremos pelo conceito de rastreamento e sua relação com algumas classificações das ações de prevenção, incluindo a prevenção quaternária, importantes para o manejo criterioso dos rastreamentos na APS. 1.1 Introdução: o que são os rastreamentos e seus tipos Os rastreamentos são definidos como a aplicação de testes ou procedimentos biomédicos em pessoas assintomáticas, de grupos populacionais definidos, com o propósito de dividi-las em dois subgrupos: aquelas que podem vir a ser beneficiadas pela intervenção diagnóstica e terapêutica precoce, e aquelas que não (GATES, 2001) Note que o rastreamento é uma intervenção em pessoas a princípio saudáveis, que visa reduzir a morbimortalidade atribuída a uma doença específica, em que o diagnóstico precoce é apenas um instrumento, um meio, e não um fim. Muitas pessoas assintomáticas deverão ser submetidas a sequências de intervenções para que apenas algumas delas sejam beneficiadas, de modo a impactar a morbimortalidade nos grupos populacionais. A palavra em inglês para rastreamento é screening, que deriva do substantivo screen, que significa tela. Tela, no seu sentido original e na sua raiz etimológica significa peneira. No espanhol ocorreu uma tradução mais próxima à do inglês, tamizaje, que 15 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária Como os rastreamentos são ações aplicadas em pessoas assintomáticas, é necessário que haja um controle de qualidade de cada uma das etapas devido aos potenciais danos dos falsos positivos, falsos negativos e dos seguimentos das situações de indeterminação, tais como ASCUS, BIRADS III, hipotireoidismo subclínico, intolerância à glicose etc. No caso da leitura de mamografias, há a necessidade de dupla leitura cegada (leitura de mamografia por profissionais independentes) para diminuir as chances de falsos positivos e falsos negativos. Assim, o rastreamento requer, por princípio ético, uma padronização dos equipamentos e dos laboratórios de patologia, a fim de reduzir potenciais danos. Toda essa complexidade fez com que países como Canadá, Reino Unido, Holanda, entre outros, organizassem programas de rastreamento com certificação de qualidade (RAFFLE; GRAY, 2007). O rastreamento pode ser classificado em dois tipos polares: • programas organizados de rastreamento com certificação de qualidade; • programas “não organizados” de rastreamento. O primeiro refere-se a uma política de saúde pública que segue a lógica de uma “linha de produção”, em que se avalia todas as etapas críticas do programa de rastreamento. No Brasil, o rastreamento do câncer de colo uterino é o que mais busca se aproximar de um programa organizado. Entretanto, nacionalmente existem enormes iniquidades, tanto em termos de padrão de qualidade como de cobertura. Por exemplo, a mortalidade atribuída ao câncer de colo uterino é maior na região Norte, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil, refletindo a baixa cobertura do rastreamento de câncer de colo de útero, quando comparado com as regiões sul e sudeste (INCA, 2017). Figura 3 – Mamografia: necessidade de dupla leitura cegada 16 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária Os programas “não organizados”, também chamados de rastreamento oportunístico, carecem de processos avaliativos bem estruturados de cada etapa e de seguimento dos pacientes desde a fase inicial do rastreamento (convite) até as fases de diagnóstico e tratamento da patologia em questão. Assim, os programas não organizados de rastreamento têm potencial iatrogênico maior quando comparados com os programas organizados (BRASIL, 2010). de forma oportunística (por livre procura do paciente ou por indicação pelo profissional durante uma consulta qualquer), sem um programa adequado e organizado de garantia de qualidade. Isso leva a uma falta de controle de qualidade em relação às indicações dos testes, ao modo de rastrear, ao acesso rápido ao exame de rastreio, à complementação diagnóstica e ao tratamento. Isso pode fazer com que mesmo os rastreamentos cujas recomendações sejam bem fundamentadas passem a causar mais danos que benéficos. Para você entender a complexidade e as consequências do rastreamento nos programas organizados e nas práticas oportunísticas, vamos dar um passo atrás e fazer uma breve revisão sobre conceitos e classificações de ações preventivas e suas características e relações. 1.2 Rastreamento e prevenção: relacionando classificações e conceitos Prevenir significa, grosso modo, agir ou comportar-se no presente para evitar eventos indesejáveis no futuro. No caso do binômio saúde-doença, pretende-se impedir adoecimentos, suas consequências/complicações e mortes evitáveis. São quatro as classificações das ações preventivas que merecem ser conhecidas pelos profissionais da APS: RASTREAMENTO ORGANIZADO Os exames são solicitados de uma forma sistemática para uma popu- lação de risco, dentro de um progra- ma estruturado. Deve garantir a cobertura a todas as pessoas con- sideradas de risco. Um programa só é efetivo se atingir pelo menos 70% da população-alvo e fizer parte do programa a oferta de diagnóstico, tratamento e seguimento efetivo. RASTREAMENTO OPORTUNÍSTICO Solicitação de exames de rastreamento de forma não sistemáti- ca, ou seja, solicitados em uma consulta rea- lizada pelo paciente por algum outro motivo ou em consul- ta de rotina. No Brasil, na grande maioria das vezes realizamos rastreamento 17 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária 1.2.1 Prevenção primária, secundária, terciária e quaternária (P4) A prevenção primária é a ação preventiva que ocorre antes do adoecimento e visa evitá- lo ou atenuá-lo (LEAVELL; CLARK, 1976). Alguns exemplos típicos são as vacinações, escovar os dentes, fluoretar a água potável. A prevenção secundária visa detectar o adoecimento precocemente para tratá-lo com cura, sobrevida e/ou qualidade de vida para o indivíduo (BRASIL, 2010). Atualmente, todavia, tem-se preferido cada vez mais falar em ‘diagnóstico oportuno’ em vez de detecção precoce, porque a diagnose precoce nem sempre é vantajosa para o paciente. Diagnóstico oportuno implica uma abordagem mais centrada na pessoa, no seu cuidado ao longo do tempo, visando benefícios e evitando danos. O processo de diagnóstico é uma ponderação de muitos fatores diferentes, variando entre pacientes e dependendo das suas singularidades. Frequentemente o diagnóstico não é um evento único, mas um processo em evolução, que deve viabilizar diagnose no momento certo para o paciente em particular em circunstâncias específicas. Portanto, é algo bem diferente do significado de diagnóstico precoce em geral e no sentido cronológico. Infelizmente, os dois termos frequentemente são usados PAG 7 AÇÕES PREVENTIVAS Prevenção quaternária , complementar aos três níveis clássicos de pre- venção, mas que deve permear todos os ante- riores Estratégia de alto risco e abordagem populacional. Prevenções redu- tiva e aditiva. Níveis de prevenção: primária, secundária e terciária, elaborados por Leavell e Clark (1976) mais efetividade, maior brevidade, menor sofrimento e menores danos. Os protótipos da prevenção secundária são os rastreamentos e o diagnóstico (ou detecção) precoce. Este último visa fomentar a conscientização e a percepção precoce dos sinais de problemas de saúde entre usuários e profissionais. Seu pressuposto é de que a detecção de doenças em fase inicial oferece maiores chances de 20 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária sobretudo em exames de imagem de alta resolução, que em aproximadamente 80% das vezes não têm consequências clínicas (MARIÑO, 2015); • os sobrediagnósticos – diagnósticos corretos de doenças (inclusive câncer) que não teriam repercussão na vida da pessoa, mas que geram tratamentos, devido à impossibilidade de distinção entre casos que evoluiriam para uma doença clinicamente manifesta e aqueles que permaneceriam em estado de “latência” (TESSER; D’ÁVILA, 2016). Tais exemplos, cada vez mais comuns, são potenciais geradores de significativos danos iatrogênicos e de medicalização excessiva, devido às suas múltiplas cascatas de intervenções. Eles demandam fortemente P4. 1.2.2 Prevenção redutiva e aditiva A prevenção redutiva é a ação que diminui riscos e exposições (já aumentados) decorrentes dos modos de vida modernos, urbanos e industrializados, coletivos e/ou individuais. Trata-se de reduzir a exposição aos produtos químicos na alimentação, o multiprocessamento dos alimentos, o sedentarismo da vida urbana, os riscos e a contaminação química tóxica ambiental e ocupacional, a privação e a iniquidade socioeconômicas (hoje, sabidamente, um risco e um determinante geral para a saúde-doença), o estresse, a privação do sono, o cansaço excessivo, o excesso de bebidas alcoólicas, o tabagismo, a obesidade etc. Figura 4 – Prevenção: vida saudável Exemplos de prevenção redutiva: estimular a mobilidade sustentável que implique em atividade física rotineira, orientar individualmente (e fomentar/viabilizar social e economicamente) uma alimentação diversificada sem agrotóxicos e com o mínimo de multiprocessamento industrial, aconselhar individualmente a redução do excesso de bebidas alcoólicas e proibir sua propaganda em 21 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária horário infantil na mídia, apoiar a redução do tabagismo individual, social e culturalmente, promover maior igualdade socioeconômica etc ROSE, 1993, 2010; PICKET; WILKINSON, 2009, 2015; WILKINSON; PICKETT (2009). A prevenção redutiva é operacionalizada por meio de medidas individuais e coletivas de proteção e redução desses riscos, através de intervenções de várias naturezas, individuais, populacionais, sociais, legais, institucionais, econômicas etc., cujo núcleo conceitual comum é a redução dos riscos acima mencionados e o restabelecimento de condições e modos de viver mais saudáveis, sustentáveis, ecológicos e normais, para pessoas e coletividades. Tais intervenções são sinérgicas com os saberes científicos e as evidências disponíveis, além de estarem coerentes com a maioria das tradições culturais e populares “leigas”. Por essas características, esse tipo de medida pode ser considerado seguro, com potencial de dano nulo ou mínimo e com amplos benefícios. A prevenção aditiva, de acordo com Rose (2010), consiste na introdução de um fator ou produto artificial (físico ou químico) aplicado nas pessoas ou no ambiente, que visa conferir proteção de algum evento mórbido futuro. São exemplos típicos: vacinas, rastreamentos, tratamentos preventivos farmacológicos de fatores de risco (por exemplo, reduzir o colesterol com a prescrição de estatinas). É fácil entender que por seu caráter invasivo e artificial esse tipo de ação preventiva pode gerar danos significativos para as pessoas ou o ambiente, e demanda intensamente P4. Nesse caso, são exigidas provas científicas contundentes, idôneas e de alta qualidade de sua efetividade e também de sua segurança (ou seja, sobre os danos serem nulos ou mínimos) (TESSER; NORMAN, 2016). 1.2.3 Estratégias preventivas de alto risco e de abordagem populacional Outra classificação desenvolvida por Rose (1992, 2010) refere-se a duas estratégias preventivas na saúde pública: uma que se dirige a um grupo restrito e selecionado de pessoas com alto risco de algum adoecimento, denominada estratégia de alto risco; outra dirigida ao conjunto da população, sem distinguir entre grupos, chamada abordagem populacional. Na estratégia de alto risco há necessidade de se identificar e convidar as pessoas pertencentes ao grupo de alto risco para intervenções preventivas, deixando em paz o restante da população considerada normal. Essa estratégia tende a ser mais custo-efetiva, pois os recursos são alocados somente para aqueles que mais necessitam. Além do mais, pessoas de maior risco costumam ser 22 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária mais facilmente convencidas a adotarem as medidas preventivas. Entretanto, a estratégia de alto risco tende a medicalizar as pessoas ao converter assintomáticos em doentes, que necessitam de cuidados vitalícios em saúde. Por exemplo, note o caso dos hipertensos, cujo tratamento é todo baseado na lógica e na abordagem preventiva de alto risco (Rose, 2010), porém todos os tratados se consideram (e são tratados) como doentes. Esse processo é facilmente absorvido pela rotina dos serviços médicos, que apenas ganham mais pessoas para tratar, ou mais condições/riscos nas mesmas pessoas. Rose (2010) mostrou que a estratégia de alto risco tem cinco grandes inconvenientes, apesar de ser cada vez mais praticada (NORMAN; TESSER, 2015.), acompanhe ao lado. A estratégia de abordagem populacional visa reduzir o risco de um adoecimento em toda a população. Ela é muito adequada e potente quando o risco é distribuído universalmente, pois uma pequena redução de risco gera grande impacto tanto para a morbimortalidade coletiva como para o grupo de alto risco, devido ao formato mais comum da curva de distribuição do risco entre os indivíduos, em forma de sino (ROSE, 2010). Essa abordagem compreende uma fase inicial de introdução da medida, que precisa envolver a sociedade ou a população como um todo, e por 1) A prevenção torna-se medicalização, com custos institucio- nais, sociais e psicológicos decorrentes das intervenções: transformação da subjetividade e comportamento das pessoas, que passam a se considerar doentes. 2) É comportamentalmente inadequada, pois demanda das pes- soas de alto risco comportamentos muito distintos de seu entorno social, por vezes inviáveis ou muito difíceis devido às suas condições socioeconômicas e culturais. 3) Tem problemas de custo, porque demanda a identificação e o tratamento dos indivíduos de alto risco. Esse processo envolve, por vezes, rastreamentos (que costumam ser caros) e o tratamento individual, que comumente envolve o uso de medicamentos e a monitorização das pessoas por meio de exames repetidos vitalícios. Por não impactar os determinan- tes sociais dos adoecimentos, essa estratégia tem que ser mantida geração após geração, consumindo enormes quan- tidades de recursos em saúde. 4) Tem baixo impacto na saúde-doença da população e na mor- bimortalidade coletiva, pois um grande número de pessoas de baixo risco gera mais eventos de doença e morte do que um pequeno número de pessoas de alto risco que recebe a inter- venção. 5) Tem alto potencial de dano iatrogênico, pela necessidade de repetidos procedimentos de rastreamento, monitorização e tratamento dos riscos, comumente com ações preventivas adi- tivas. 25 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária mais danos clínico-sanitários iatrogênicos e maiores custos para os sistemas de saúde. Isso demanda cada vez mais a prática da P4, pelos gestores dos sistemas e serviços de saúde e pelos profissionais da APS. Figura 5 – Tecnologias preventivas aditivas podem ampliar os danos potenciais aos usuários dos sistemas de saúde O impacto populacional de uma intervenção tem forte relação com a susceptibilidade prévia à intervenção, isto é, o risco basal de sofrer um evento mórbido. Comumente, os profissionais de saúde não compreendem a diferença entre as medidas relativas (Risco Relativo [RR] e Redução do Risco Relativo [RRR]) e as medidas absolutas (Risco Absoluto [RA], Redução do Risco Absoluto [RRA] e Número Necessário para Tratar [NNT]) mais usadas nas pesquisas envolvendo a eficácia das ações preventivas nos ensaios clínicos. Esse desconhecimento faz com que indústrias farmacêuticas e seus propagandistas promovam drogas e intervenções modernas e caras, mas muito pouco efetivas para a melhoria da vida do paciente (GOTZSCHE, 2016). Em um ensaio clínico aleatorizado, um conjunto de indivíduos é selecionado e uma intervenção é aplicada (aleatoriamente) apenas a um grupo dessas pessoas (grupo rastreados e tratados); o outro grupo é o controle (não sofre a intervenção). A tabela a seguir exemplifica o que acontece em um ensaio clínico em que a intervenção é um rastreamento-tratamento para diferentes populações (A, B e C). Essa situação hipotética poderia ocorrer para populações diferentes e também para doenças na mesma população. 26 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária Tabela 1 – Medidas de intervenção: números relativos, absolutos e NNT POPULAÇÃO A B C Mortalidade (Tratamento/Controle ≠ 1) Risco Absoluto grupo controle (%) RA-c Risco Absoluto grupo rastreado (%) (RA-r) Relativo (%) (1- (RA-r /RA-c)) Absoluto (%) (RA-c – RA-r) NNR (1/RRA) 5 4 20 1001 0,5 0,4 20 10000,1 0,05 0,04 20 100000,01 Redução do Risco qual o risco pré-intervenção do paciente, que nas populações A, B e C estudadas é respectivamente de 5%, 0,5% e 0,05%. A redução do risco absoluto (RRA), que é a diferença entre o Risco Absoluto no grupo controle e no grupo rastreado (RRA = RA-c – RA-r) determina se a intervenção produz um impacto significativo na população estudada. O inverso da RRA (1/RRA) gera o NNT ou, no caso do rastreamento, o NNR. Tanto o NNT como NNR oferecem uma estimativa de quantas pessoas são necessários tratar ou rastrear para que uma vida seja salva (respectivamente, 100, 1000 e 10000). O reverso do NNT é o NND (Número Necessário para causar Dano) ou NNH (do inglês Number needed to Harm). Entretanto, os números relativos tendem a superestimar o benefício da intervenção. Na Tabela 1 a redução do risco relativo é constante (20%), Fonte: adaptado de Rembold (1998). Note que a relação entre o risco de morrer (mortalidade) no grupo controle e no grupo rastreado é diferente de 1 (RR = RA-c/RA-r ≠ 1) para todos as populações, indicando que a intervenção produziu efeito. Posteriormente à verificação de efeito da intervenção (RR ≠ 1), parte-se para a análise das medidas absolutas, que são de fato as medidas clinicamente importantes. A tabela demonstra a relevância de se saber 27 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária representando reduções absolutas da ordem de 1%, 0.1% e 0.01%, respectivamente. Isso mostra que o impacto da intervenção será completamente diferente em cada grupo populacional. Por isso, a indústria farmacêutica e seus representantes preferem apresentar números relativos em vez de números absolutos. • a agenda do que deve ser pesquisado; • a manipulação dos dados e processos de condução das pesquisas; • a não publicação de resultados negativos dos estudos; • as classificações e a criação de doenças e pré-doenças, bem como o rebaixamento dos pontos de corte para a definição de fatores de risco (GREENHALGH et al., 2014). Isso tende a anular a distinção entre prevenção e cura, convertendo pessoas assintomáticas em doentes e desviando a atenção clínica e os recursos sanitários dos doentes para os saudáveis, dos idosos para os jovens e dos pobres para os ricos (HEATH, 2005, 2006, 2007; STARFIELD et al., 2008). Como o rastreamento é uma das ações preventivas que mais gera iniquidades em saúde, medicalização excessiva e danos iatrogênicos, a P4 se torna cada vez mais uma importante atividade de prevenção no SUS e na APS (NORMAN; TESSER, 2009). 1.3 Importância da P4 na recomendação dos rastreamentos Para entendermos a importância da P4 nos rastreamentos é necessário considerarmos: • as diferenças entre as ações preventivas e as ações de cuidado clínico aos adoecidos; • as consequências atitudinais dessas diferenças para o manejo da prevenção em geral e dos rastreamentos em particular, e • os danos e vieses derivados dos rastreamentos. 1.3.1 Diferenças entre prevenção (incluindo rastreamentos) e cuidado clínico aos adoecidos As diferenças entre as práticas preventivas e o cuidado aos adoecidos são O site “The NNT”, de livre acesso, resume didaticamente os benefícios de várias intervenções fornecendo seus respectivos NNT e NNH. Disponível em: http://www.thennt.com/. A comunidade cientifica está cada vez mais ciente dos interesses das indústrias farmacêuticas e de biotecnologia sobre a produção do conhecimento médico-sanitário (MIGUELOTE; CAMARGO JR., 2010), que influenciam fortemente: 30 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária estão saudáveis e não há sofrimento sentido, a disposição para ação deve ser oposta: a inação ou a resistência à ação protege os usuários (primado da não- maleficiência), e só devem ser consideradas para recomendação ações que se provarem amplamente benéficas, com nulo ou muito pouco dano. Esta mudança atitudinal é especialmente importante e difícil para os profissionais da APS porque demanda uma postura oposta àquela da cuidado ao adoecido que domina a grosso do cotidiano Figura 6 – Reposição hormonal (TRH) em mulheres menopausadas Quando não existem evidências biomédicas de boa qualidade sobre uma intervenção em particular, podemos confiar no saber acumulado individual e coletivo, nas teorias biomédicas, na experiência clínica dos especialistas, aplicando- os no cotidiano do trabalho clínico na APS, na expectiva de beneficiar os doentes. de trabalho. Se não formos forçados por evidências de boa qualidade sobre resultados finais, devemos ser resistentes a adotar ou recomendar ações preventivas aditivas como os rastreamentos. Nesse caso, o saber biomédico decorrente da tradição e da experiência clínica não tem utilidade, não é recomendado e não é aceitável para a tomada de decisão, já que na prevenção aditiva e nos rastreamentos devemos desconfiar radicalmente dele. Essa desconfiança é necessária porque os modelos teóricos fisiopatológicos e biomédicos são sempre parciais e limitados, e portanto os resultados finais das ações preventivas podem contradizê-los. Um exemplo marcante e relativamente recente foi o uso de reposição hormonal (TRH) em mulheres menopausadas, estimulado pelo suposto benefício preventivo da melhora no perfil lipídico e na densidade óssea produzidos pela TRH. Isso gerou a prescrição da TRH preventiva em mulheres assintomáticas e oligossintomáticas para milhões de mulheres por vários anos. Foi necessário um grande ensaio clínico para mostrar que a TRH associa-se a um maior número de mortes cardiovasculares, ao contrário do que se esperava a partir da melhora do perfil lipídico (um resultado intermediário) (SACKETT, 2002). 31 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária Certa tolerância ao intervencionismo, que vem da tradição biomédica associada com a pressão por cura/alívio do sofrimento Forte resistência ao intervencionismo, decorrente da ausência de pressão assistencial (inexiste sofri- mento e a priori as pessoas estão saudáveis), pre- valecendo a precaução e a não-maleficência Disposição para a ação Clínica do adoecido Situações Diferenças em relação à: Prevenção aditiva (rastreamentos) Confiança, derivada da tradição médica e sua legitimidade social Desconfiança radical, pois elas não têm validade: a decisão para adoção de um rastreamento depende exclusivamente das evidências de alta qualidade sobre resultados finais Tradição, ao saber, e à experiência clínica biomédica Não obstrui a ação, embora sejam cada vez mais exigidas evidências de boa qualidade Não se deve recomendar ação preventiva ou rastrea- mento, devido ao grande potencial de dano iatrogê- nico e ao primado da não-maleficência Ausência de evidências científicas de ótima qualidade sobre desfe- chos finais Nas ações preventivas aditivas e nos rastreamentos se exige um ceticismo rigoroso e científico, dependente exclusivamente dos resultados de estudos epidemiológicos (ensaios clínicos) de alta qualidade que avaliam desfechos finais que interessam aos usuários (redução da morbimortalidade, melhoria na qualidade de vida, efeitos Quadro 3 – Diferenças atitudinais entre o cuidado aos adoecidos e a prevenção aditiva iatrogênicos da intervenção). Não devem ser aceitas garantias teóricas (fisiopatológicas) nem evidências sobre desfechos ou resultados intermediários (por exemplo, redução dos níveis de colesterol e sobrevida em 5 ou 10 anos) como base para a sua recomendação. Essas diferenças atitudinais estão sintetisadas no quadro a seguir. 32 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária Nas decisões sobre prevenção aditiva e nos rastreamentos devem ser valorizados apenas os resultados finais, as chamadas evidências que importam aos pacientes – POEM (pacient oriented evidences that matter), tais como: mortalidade, morbidade, qualidade de vida etc., confrontadas com os danos envolvidos. Não são relevantes as evidências e saberes sobre eventos e desfechos intermediários (patologias, diagnósticos, níveis de indicadores séricos, parâmetros bioquímicos etc.), as chamadas evidências orientadas para as doenças – DOE (disease oriented evidences) (SHAUGHNESSY et al., 1993; SLAWSON et al., 1994). O senso comum e profissional, a experiência clínica dos profissionais (mesmo os mais competentes e ou especializados) e o saber teórico (incluindo o mais recente) não permitem concluir sobre o balanço entre danos e benefícios dos rastreamentos, e por isso não devem ser levados em consideração. A decisão e implementação de rastreamentos, devem estar fundamentadas em ensaios clínicos randomizados de alta qualidade e suas meta-análises. Somente esses estudos podem fornecer com segurança a resposta sobre se a intervenção produz mais danos ou benefícios. Apenas uma ampla e consensual margem de benefício com mínimos danos pode fundamentar a adoção de rastreamentos e ações preventivas aditivas em geral (ROSE, 2010; RAFFLE; GRAY, 2007). Além disso, após implantado um programa organizado, estudos observacionais devem avaliar a sua eficácia na morbimortalidade da população, já que o efeito benéfico nos ensaios clínicos é geralmente maior do que esse efeito nas condições reais das instituições e serviços de saúde (PORZSOLT et al., 2015). Pequenos benefícios em ensaios clínicos podem não ser observados na aplicação do rastreamento na sociedade; quando, então, a balança danos versus benefícios pode ficar duvidosa ou não favorável ao rastreamento. Esse é o caso do rastreamento mamográfico do câncer de mama (TESSER; D’ÁVILA CAMPOS, 2016, 2016b). Sintetizando essas considerações, a figura a seguir esquematiza as diferenças situacionais e atitudinais necessárias diante de propostas de rastreamentos. Por essas razões surgiram “forças- tarefas” no início da década de 1990 para analisar a qualidade dos estudos e oferecer recomendações para os serviços de saúde sobre a relevância de se adotar ou não medidas preventivas. A força-tarefa norte-americana (United States Preventive Services Task Force – USPSTF), a base 35 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária usual em que um grupo grande de pessoas é exposto a intervenções pode sofrer danos iatrogênicos e medicalização acentuada sem nenhum potencial de benefícios (GRAY, 2004), como ilustrado no quadro a seguir. Quadro 4 – Possibilidades na prevenção específica em assintomáticos estudos populacionais e a projeção dos seus benefícios para um indivíduo em particular é bastante problemática, dada a baixa suscetibilidade individual (BAUER, 2013). Além disso, devido à relativamente baixa incidência da maioria das doenças, incluindo cânceres, o grupo D do Quadro 4 pode ser muito significativo e mesmo maior que a soma dos grupos A e C. Por isso, os efeitos adversos das ações preventivas aditivas e dos rastreamentos podem ser proporcionalmente significativos, tanto quantitativamente quanto qualitativamente (TESSER; NORMAN, 2016). Os danos mais comuns nos rastreamentos são gerados pelos falsos-positivos. As características operacionais do exame – sensibilidade e especificidade – são apenas um dos fatores na produção dos falsos- positivos e falsos-negativos. Os valores preditivos positivos (VPP) e negativos (VPN) também contribuem nesse processo. O Efeito adverso da ação preventiva (dano)* Adoecimento no futuro Presente Não ocorre A C B DOcorre Ausente * Exemplos: falsos-positivos, incidentalomas, sobrediagnósticos, reação adversa a vacina ou medicamento, situações limítrofes, cascata diagnós- tica, complicações de exames, tais como infecção, reações alérgicas a fármaco ou contraste, acidente em biópsia, endoscopia com perfuração de víscera etc. Fonte: Tesser; Norman (2016). Na prevenção o adoecimento está projetado no futuro e o balanço entre danos e benefícios da intervenção é hipotético/ probabilístico. A prevenção está ancorada em VPP traduz a proporção das pessoas com exame positivo que são portadores da patologia. O VPN refere-se à proporção das pessoas com exame negativo que não têm a doença. Os VPP e VPN dependem, por sua vez, da prevalência da doença na população rastreada. A baixa prevalência das doenças Figura 8 – Os danos mais comuns nos rastreamentos são gerados pelos falsos-positivos 36 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária nas pessoas assintomáticas, mesmo com um teste com alta sensibilidade e especificidade, faz com que a sua performance nos rastreamentos seja prejudicada, reduzindo seu valor preditivo positivo, gerando grandes proporções de falsos-positivos. Isso tem consequências psicológicas e sociais consideráveis, pois as pessoas tendem a acreditar nos resultados dos exames, apesar das explicações quanto ao seu significado. Esses estresses e ansiedades são arrastados até os novos passos de confirmação diagnóstica. Por exemplo, no caso do câncer de mama, a cada 2 mil mulheres rastreadas por 10 anos, 200 experimentarão importante estresse psicológico incluindo ansiedade e incerteza de¬vido a falsos-positivos (GOTZSCHE; JØRGENSEN, 2013) e apenas uma terá sua vida salva pelo rastrea¬mento. Além disso, a chance de um resultado falso- positivo aumenta progressivamente com a repetição dos rastreamentos ao longo da vida, o que ocorre sistematicamente. Uma revisão Cochrane sobre o rastreamento do câncer de mama concluiu que a chance acu¬mulada de um falso-positivo em 10 mamografias variou de 20 a 60% (GOTZSCHE; JORGENSEN, 2013). Também os falsos-negativos implicam problemas psicossociais, na medida em que geram falsa segurança, pois uma parcela dos rastreados com testes negativos estão com a condição. Raffle e Gray (2007) ilustram esse problema na síndrome de Down, em que vários testes combinados são oferecidos para seu rastreamento. Esses testes, associados à idade materna, resultam em uma estimativa de risco de um bebê ser afetado. Mesmo se forem realizados com alto padrão de qualidade, a maioria das mulheres com rastreamento positivo (alto risco) não têm seu filho afetado pela síndrome. A peneira dos testes pega mais casos potenciais do que deveria. Da mesma forma, uma pequena, mas significativa, parte das que têm rastreamento negativo (risco baixo) têm filho com síndrome de Down. A peneira deixa passar casos sem serem detectados. Aproximadamente, para cada 41 mães cujo rastreamento é positivo, 1 terá filho com síndrome de Down e 40 não. Para cada 4 mães cujos filhos são diagnosticados com síndrome de Down, aproximadamente 3 tiveram seu rastreamento positivo e 1 negativo. Figura 9 – Síndrome de Down 37 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária Há ainda os danos decorrentes dos efeitos adversos e complicações dos testes de rastreamento e dos tratamentos deles decorrentes, que podem ser em pequenas ou altas proporções, tais como: acidentes anestésicos em biópsias e endoscopias, reações alérgicas, perfurações de vasos ou tecidos com riscos de infecção e suas complicações, perfuração de vísceras e/ou alças intestinais, internação, outros efeitos adversos específicos dos tratamentos etc. Isso se estende também ao seguimento dos pacientes com testes em situações limítrofes. Por último há os danos decorrentes dos sobrediagnósticos, que são discutidos no próximo tópico, particularmente significativos e muito frequentes em rastreamentos de câncer. Adicionalmente, na maior parte das vezes os danos atribuídos aos rastreamentos dos cânceres não são devidamente avaliados (HELENO et al., 2013) e quando estes são mensurados em ensaios clínicos e meta-análises, dificilmente são mencionados nos artigos científicos que referenciam essas revisões. Este contexto evidencia os conflitos de interesses na produção do conhecimento científico-biomédico (RASMUSSEM et al., 2013). Portanto, os danos iatrogênicos dos rastreamentos são frequentemente pouco reconhecidos pelos profissionais e usuários do sistema de saúde, mesmo nas avaliações científicas. Vários fatores complexos, técnicos e sociais, contribuem para superestimar os benefícios do rastreamento, como os vieses dos rastreamentos, a seguir sintetizados. 1.3.4 Vieses dos rastreamentos Explicaremos a seguir os principais vieses implicados nos programas de rastreamento: (1) viés de seleção; (2) viés de tempo de antecipação; (3) viés de tempo de duração; e (4) viés do sobrediagnóstico. Vieses do rastreamento viés de seleção viés de tempo de antecipação viés de tempo de duração viés do sobrediagnóstico 40 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária Como ilustra a figura 10, antes dos rastreamentos, um grupo de pessoas da população adoecia de uma doença e elas eram tratadas. O ideal da prevenção era que ao antecipar, via rastreamentos periódicos, o diagnóstico e o tratamento da doença nesse grupo, ele fosse beneficiado com tratamentos mais efetivos e menos iatrogênicos (sobretudo nos cânceres). Contudo, após anos de aplicação dos rastreamentos, verificou-se para vários deles que os mesmos geraram aumento artificial da incidência, sem redução proporcional da mortalidade específica ou da proporção de casos avançados (no caso dos cânceres). A única explicação para isso é que parte dessas doenças rastreadas não teria significado clínico no futuro. No momento do diagnóstico via rastreamento não é possível diferenciar os casos em que os cânceres irão se os sobretratamentos representam “vidas salvas” para todos os envolvidos, o que é ilusório, mas gera o chamado paradoxo da popularidade. O paradoxo da popularidade deriva de que muitos indivíduos são lesados para que uma única pessoa seja beneficiada pelo rastreamento, porém todos os rastreados e tratados acreditam que foram salvos pela intervenção. Assim, alimenta-se uma cultura de medo que favorece políticas e/ou campanhas de rastreamento em massa com base em uma crença ingênua e comum de que os rastreamentos são apenas benéficos e devem ser realizados generalizadamente (WELCH, 2011). O Ministério da Saúde, assim como a Organização Mundial da Saúde (OMS), não recomenda que se realize o rastreamento do câncer de próstata, ou seja, não é indicado que homens sem sinais ou sintomas façam exames. É sempre preciso O conjunto desses vieses é altamente antiintuitivo, tanto para os usuários como para os profissionais de saúde, especialmente o sobrediagnóstico. É difícil aceitar as doenças como fenômenos heterogêneos (mesmo os cânceres) e que podem estar presentes, mas não evoluírem. Todavia, pesquisas sobre os rastreamentos, sobretudo de câncer de próstata, tireóide e de mama, vêm mostrando que grande parte dos diagnósticos gerados pelos rastreamentos não teriam consequências clínicas, sendo, portanto, sobrediagnósticos (ILLICH et al., 2013; GOTZSCHE; JØRGENSEN, 2013; WELCH; FISHER, 2017). desenvolver (WELCH, 2011). Por isso, todos os pacientes sobrediagnosticados são (ou tendem a ser) sobretratados, o que significa puro dano para o usuário e desperdício de recursos para o sistema de saúde. Como esse fenômeno não é possível de ser percebido por profissionais e usuários, 41 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária avaliar criticamente as campanhas de rastreamento, ponderando os seus potenciais efeitos negativos e positivos. No caso do câncer de próstata, apesar de campanhas como o Novembro Azul reforçarem essencialmente seu efeito benéfico, o balanço danos vs. benefícios claramente pende para os danos (USPSTF, 2017). Os danos iatrogênicos incluem infertilidade vitalícia, incontinência urinária e impotência, que acometem grandes proporções dos homens sobretratados, aproximadamente 20 sobrediagnosticados para cada beneficiado (ILLICH et al., 2013; WELCH et al., 2009). Homens saudáveis são expostos a possíveis complicações de biópsias de próstata, inclusive com internações (ILLICH et al., 2013). No rastreamento do câncer de mama, os danos incluem mutilação cirúrgica, quimioterapia ou radioterapia em uma grande proporção de mulheres sobretratadas, que varia de três (JORGENSEN et al., 2009) a 10 mulheres sobrediagnosticadas para cada morte evitada por tratamento precoce (GOTZSCHE et al., 2013). Devido à radioterapia, mulheres com baixa susceptibilidade são expostas a uma maior mortalidade por doença cardíaca e câncer de pulmão. A estimativa é de que a cada 2000 mulheres rastreadas por Figura 11 – Rastreamento do câncer de mama 10 anos, uma mulher terá sua vida salva pelo rastreamento; 10 serão sobrediagnosticadas e sobretratadas (GOTZSCHE et al., 2013). 42 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária Além disso, os rastreamentos produzem uma gama de efeitos pouco quantificáveis nas subjetividades, em que podem ocorrer sofrimentos psicológicos devido às incertezas dos falsos positivos, falsa segurança dos falsos negativos e das situações limítrofes. Estas últimas requerem monitoramento por longo prazo, como as Neoplasias Intra-epiteliais Cervicais (NIC I, II e III), hipotireoidismo subclínico, intolerância à glicose etc. Além disso, quando os profissionais de saúde falam sobre o maior risco a seus pacientes, podem estar “derramando uma gota de tinta na água cristalina de suas identidades, que poderá não mais ser clareada” (SWEENEY, 2005, p. 222). Medidas preventivas podem gerar abalos das capacidades culturais e in¬dividuais para lidar com a doença, a dor e a morte, e aumento de medos previamente inexistentes (GÉRVAS; STARFIELD; HEATH, 2008). Por sua vez, o rastreamento de condições que não câncer (diabetes, hipertensão, osteoporose, hipotireoidismo, obesidade) gera intervenções em assintomáticos “pré- clínicos” e contribui também para a produção de efeitos adversos, principalmente pelo uso preventivo de fármacos, comumente vitalício, estendido a grandes contingentes de usuários devido às mudanças nos pontos de corte para diagnóstico/intervenção. Ao se associar ao envelhecimento populacional, o Para auxiliar na compreensão desse tópico, disponibilizamos para você uma entrevista de cinco minutos sobre o rastreamento do câncer de mama com Peter GOTZSCHE, um dos maiores pesquisadores mundiais sobre o tema: https:// www.youtube.com/watch?v=XvdEj9d7XDU. rastreamento gera maior multimorbidade e maior carga de problemas crônicos, induzindo a polifarmácia e amplificando assim os efeitos adversos medicamentosos, sobretudo nos idosos (GÓMEZ SANTANA et al., 2015). Figura 12 – O rastreamento pode contribuir para a produção de efeitos adversos, principalmente pelo uso preventivo de fármacos 45 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária 1.5 Resumo da unidade O rastreamento é uma forma de prevenção secundária que consiste na aplicação de uma sequência de testes biomédicos em pessoas assintomáticas, pertencentes a grupos populacionais específicos, com o objetivo de reduzir a morbimortalidade nesses grupos. Geralmente envolve medidas preventivas aditivas manejadas profissionalmente que introduzem um fator artificial de proteção (biológico, físico ou químico), os quais têm alto potencial de dano. Além disso, a situação preventiva, em especial os rastreamentos, tem a característica peculiar de ser a única em que um grande grupo de pessoas é exposto a intervenções sem potencial de receber benefícios, mas com potencial de danos. Soma-se a isso as diferenças qualitativas importantes da prevenção em relação ao cuidado ao adoecido: maior das tradições dos especialistas e das teorias biomédicas. Tal mudança exige que nos rastreamentos (e na prevenção aditiva em geral) sejam considerados relevantes unicamente evidências científicas de boa qualidade e idôneas sobre o balanço danos x benefícios referentes aos desfechos finais dos adoecimentos (mortalidade, morbidade, qualidade de vida). Não se deve adotar recomendações de rastreamento com base em desfechos intermediários, tais como diagnóstico precoce de doenças, parâmetros bioquímicos etc. Nesse sentido, é fundamental que se priorize medidas preventivas e rastreamentos que envolvam ações preventivas redutivas (por meio da salutogênese) e rigoroso escrutínio das propostas de rastreamento que impliquem em prevenção aditiva. Os rastreamentos, portanto, não são uma prioridade ou um imperativo da saúde exigência de garantia de benefícios, menor tolerância aos danos e um manejo da incerteza mais rigoroso (primado da não- maleficência). Os rastreamentos apresentam vieses importantes de seleção, de duração, de antecipação e do sobrediagnóstico que fazem com que seja difícil e complexo avaliar seus resultados. Devido ao grande potencial iatrogênico dos rastreamentos e check- ups, existe a necessidade de altas doses de prevenção quaternária na clínica dos cuidados preventivos. A P4 é conceituada como a identificação de pessoas e situações com maior risco de intervenções desnecessárias, hipermedicalização e danos iatrogênicos. Mais especificamente, P4 na abordagem dos rastreamentos requer uma mudança atitudinal dos profissionais e sistema de saúde: uma desconfiança radical, questionadora e cientificista dos saberes e percepções acumulados dos profissionais, 46 Unidade 1 Rastreamento, check-up, e prevenção quaternária pública, se a condição rastreada afetar o indivíduo sem comprometer a coletividade. Devem ser considerados com rigor e cautela levando-se em conta o respeito à autonomia dos indivíduos. Exigem grande habilidade de comunicação e atualização dos profissionais para informarem com respeito e precisão os seus danos e benefícios, de modo a fomentar decisões conscientes e informadas por parte dos usuários. 1.6 Recomendação de leituras complementares Vale a pena conhecer e consultar os endereços de instituições reconhecidas pela sua credibilidade e que produzem recomendações de rastreamentos baseados em evidências de boa qualidade: • United States Preventive Services Task Force (USPSTF): https://www. uspreventiveservicestaskforce.org/ • Canadian Task Force (CTF): http:// canadiantaskforce.ca • National Institute for Health and Care Excellence (NICE): https://www.nice.org. uk/ • Colaboração Cochrane, que tem um endereço brasileiro: http://brazil. cochrane.org/ Há escassez de literatura científica sobre rastreamento no Brasil. O primeiro texto estruturado sobre o assunto que conhecemos é o Caderno de Atenção Primária nº 29 do Ministério da Saúde, sobre Rastreamento, que vale a pena ler. Ele traz também uma boa discussão das principais recomendações ministeriais, algumas das quais foram atualizadas em outros documentos posteriores. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/ publicacoes/cadernos_ab/abcad29.pdf>. Um livro em português que contém um capítulo sobre o tema do Rastreamento de Doenças é o Tratado de Medicina de Família e Comunidade: NORMAN, A. H.; TESSER, C.D, Rastreamento de doenças, in: Tratado de Medicina de Família e Comunidade: 2 Volumes: Princípios, Formação e Prática, Porto Alegre: Artmed Editora, 2012, p. 521–532. Um livro estrangeiro que recomendamos sobre rastreamento: RAFFLE, A. E.; GRAY, J. A. M. Screening: evidence and practice. Oxford: Oxford University, 2007.   47 2.1 ‘Doutor, quero fazer um check-up’ A saúde das populações depende do nível e distribuição justa da riqueza, o grau de democracia, acesso à habitação e trabalho decente, e acima de tudo, o fornecimento e purificação da água, educação e vacinas básicas. Juan Gervás “É melhor prevenir do que remediar”, “doenças devem ser detectadas o quanto antes, para que haja sucesso no tratamento” e “faço meus exames de rotina todo ano e isso me ajuda a prevenir doenças” – essas afirmativas são comuns nos meios de comunicação e nas conversas entre amigos, e também entre muitos profissionais de saúde. Apesar de parecem incontestáveis, acumulam-se evidências de que a maior parte das consultas para somente realizar exames de rotina/check-up não são efetivas ou necessárias, e não reduzem morbidade Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos ou mortalidade, seja geral, por doenças cardiovasculares ou câncer (BRASIL, 2010; KROGSBØLL, 2012; GØTZSCHE, 2014). Figura 15 – “Doutor, quero fazer um check-up” Somente realize qualquer exame de rastreamento se os testes tenham potencial de melhorar os resultados de morbimortalidade e de qualidade de vida 50 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos maior risco de desenvolver um evento cardiovascular maior (como um AVC ou IAM). Por muito tempo tratamos fatores de RCV como doenças isoladas. HAS, DM e outros fatores de risco se somam e se inter-relacionam devendo ser abordados de forma abrangente e integrada. O estudo Framingham Heart Study e outros conseguiram demonstrar que idade, sexo, uso de tabaco, valor de HDL ou colesterol total, presença ou não de diabetes e níveis de pressão sanguínea podem ser combinados para estimar o RCV de uma pessoa ter uma DCV fatal ou não (GREENLAND, 2010). A partir do cálculo e classificação do RCV, você irá ou não propor diferentes tratamentos. O Royal Australian College of General Practitioners recomenda não iniciar tratamento medicamentoso para HAS ou Doença renal crônica ou nefropatia diabéti- ca ou outro problema renal De acordo com o QRisk2 (qrisk.org/2016/): se Taxa de Filtração Glomerular Estimada < 30 ml/min/1.73 m2 Retinopatia diabética Hipercolesterolemia familiar confirmada ou LDL > 190 mg/dL confirmado Aneurisma da Aorta Abdominal (AAA) Doença Cardiovascular (DCV) estabelecida História pessoal conhecida e confirmada de IAM, angina ou insuficiência cardíaca, AVC ou AIT* prévios ou doença arterial periférica dislipidemia sem primeiro avaliar e calcular o RCV do paciente. Por exemplo, você não deve indicar tratamento para pacientes com HAS estágio 1 ou dislipidemia que tenham RCV < 10% em 5 anos (de acordo com modelo para cálculo de RCV da National Vascular Disease Prevention Alliance da Austrália), vide <http://www.choosingwisely.org.au/ recommendations/racgp#collapse-2)>. • Quais pacientes já são considerados de alto RCV (> 20%) sem realizar o cálculo? Determinadas condições clínicas já definem os pacientes como de alto RCV e, portanto, não necessitam ter seu RCV calculado (quadro a seguir). Quanto ao diabetes tipo 1 e 2, há controvérsias se todo paciente com DM deve ou não ser considerado de alto risco. O Reino Unido desenvolveu uma calculadora de RCV para DM tipo 2 ‘UK Prospective Diabetes Quadro 6 – Não necessitam calcular o RCV pois são clinicamente considerados de alto RCV *AIT = acidente isquêmico transitório Fonte: Wilson (2015); Brasil (2010); Wierzbicki (2008) Study (UKPDS) engine’ (<https://www.dtu. ox.ac.uk/riskengine/download.php>). Veja as diferenças no quadro a seguir. 51 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos Muito alto risco: DM tipo 1 ou 2 com lesão em órgão- -alvo ou fatores de risco maiores Alto risco: Todo DM tipo 2; DM tipo 1, exceto em jovem sem outros fatores de risco maiores (uso de tabaco, hipercolesterolemia significante) Alto risco se DM e um dos seguintes: ≥ 40 anos idade; > 15 anos duração e ≥ 30 anos idade; Doença micro- vascular. Alto risco: DM tipo 1 (principalmente se: > 40 anos de idade, DM há > 10 anos, nefropatia, tenha outros fatores de RCV) Alto risco: Todo paciente com DM CLASSIFICAÇÃO DE RCV DO PACIENTE DIABÉTICOSOCIEDADE European Society of Cardiology (ESC) Canadian Cardio- vascular Society (CCS) National Lipid Association (NLA) National collabora- tion centre for chronic conditions (NICE) Caderno de Ras- treamento do Ministério da Saúde Guidelines for pre- ventive activities in general practice (RACGP) Alto risco: DM e > 60 anos Muito alto risco: DM com ≥ 2 fatores de RCV maiores ou lesão de órgão-alvo Alto risco: Todo DM Quadro 7 – Diabetes: diferenças Fonte: Nice (2014); Brasil (2010); RACGP (2016); Dynamed (2016) • Quando calcular o RCV de seus pacientes? Existem evidências robustas para rastrear pessoas ≥ 40 anos. Geralmente, o RCV em adultos jovens, mesmo com fatores de risco significativos, é baixo e há um menor número de eventos coronarianos (GREENLAND, 2010; CHOU, 2016). Por outro lado, determinados fatores de RCV têm maior ou menor papel em aumentar o RCV em < 40 anos ao longo do tempo. Alguns guidelines recomenda avaliar e calcular o RCV, e perfil lipídico, de pacientes ≥ 20 anos (GREENLAND, 2010). Não existem evidências robustas de quando parar de calcular o RCV. A maioria dos estudos foram realizados em pessoas < 75-80 anos. (WILSON; CULLETON, 2010) • Qual estratégia usar para calcular o RCV de seus pacientes? A escolha do modelo de cálculo do RCV deve ser individualizada e personalizada com base nas características do paciente (WILSON; CULLETON, 2010). Desde a década de 90 foram desenvolvidos diversos instrumentos para calcular o RCV (GREENLAND, 2010). O mais conhecido é o Escore de Framingham. Outros dois conceituados são: QRisk2 (Inglaterra), e o SCORE (European Society of Cardiology). Todos os instrumentos têm vantagens e desvantagens (subestimando ou sobrestimando o RCV), nenhum comprovou superioridade em relação ao outro 52 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos para ser usado em todos os seus pacientes (WILSON; CULLETON, 2010; SIONTIS, 2012; DAMEN, 2016). Ainda precisamos de pesquisas de validação dos instrumentos, sua comparação e, então adaptá-los à realidade local (BRASIL, 2010). Nos quadros a seguir você encontra uma comparação entre as diferentes recomendações, e as principais calculadoras de RCV. Quadro 8 – Comparação entre as principais recomendações das sociedades e associações médicas para o cálculo do RCV QUEM RECOMENDA COMO QUANDO PERIODICIDADE American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) 2013 Calculadora de ris- co ACC/AHA pooled cohort hard CVD risk calculator (2013) Adultos entre 20-79 anos sem DCV confirmada 4-6 anos National Institute for Clinical Excellence (NICE) 2014 QRisk2 Adultos entre 40-84 anos Pelo menos a cada 5 anos Canadian Cardiovas- cular Society (CCS) 2012 Calculadora baseada no Escore de Framin- gham 2008 Rastreia dislipidemia em homens ≥ 40 anos, mulheres ≥ 50 anos (mais precoce se origem sul-asiática), ou em qualquer idade se tabagismo, HAS, HIV, DPOC. Recomenda rastrear dislipidemia em homens ≥ 40 anos ou mulheres ≥ 50 anos (ou após menopausa) ou considerar rastrear mais precocemente se origem sul-asiática. Também orienta levar em consideração fatores de RCV modificáveis (tabagismo, diabetes, HAS, obesidade) ao decidir rastrear em qualquer idade, e recomenda ainda rastrear em qualquer idade se: evidência clínica de aterosteclorose ou aneurisma da aorta abdominal, DPOC, HIV, doença renal crônica, disfunção erétil, doença inflamatória intestinal, lupus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide ou artrite psoriática. Recomenda calcular RCV se homem entre 40-75 anos ou mulher entre 50-75 anos. Se mais jovens considera cálculo para motivação de mudança de estilo de vida. Orienta que se a história familiar de morte prematura (pais ou irmãos homem < 55 anos ou mulher < 65 anos) multiplicar por 2x o resultado percentual. A cada 3-5 anos European Society of Cardiology (ESC) 2016 SCORE Adultos sem fatores de RCV: homens > 40 anos e mulheres > 50 anos Adultos com história familiar de morte prematura por DCV, hipercolesterolemia familiar, fatores de RCV, comor- bidades que aumentam o RCV A cada 5 anos 55 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos ou planar, xantelasmas e arco corneal antes dos 45 anos; exclua diagnósticos diferenciais - como segue no texto; discuta medicamentos que causem dislipidemia - como anticioncepcionais orais, corticóides, betabloqueadores; diabetes descompensado; hipotireoidismo descompensado; doença hepática ou renal; HIV: use julgamento clínico para decidir investigação complementar), sugere-se iniciar investigação complementar solicitando TSH. Quanto aos triglicerídeos, se ≥ 500mg/ dL, considere causas secundárias, oriente mudanças de estilo de vida e considere tratamento medicamentoso (fibrato) para reduzir risco de pancreatite aguda (BMJ BEST PRACTICE, 2016b). Doença autoimune como Lupus Eritematoso Sistêmico (LES). Toda equipe deve entrar em acordo sobre o modelo de avaliação de RCV e as condutas em relação aos pacientes evitando informações desencontradas Escolha qual(is) estratégia(s) e qual(is) calculadora(s) usar Faça uma revisão de prontuários. Defina quais pacientes são de alto risco e não necessitam calcular seu RCV. Escolha como classificar pacientes diabéticos, avalie outros fatores de RCV e use julgamento clínico para classificar esses pacientes. Anote na lista de problemas Nos pacientes que calcular o RCV: solicite colesterol total, HDL e triglicerídeos, ou utilize valo- res prévios do prontuário, ou simule valores Use calculadora para simular resultados, tratamentos e suas consequências, e faça uma tomada de decisão compartilhada sobre como manejar o RCV. Leve em conta que os resulta- dos podem sobrestimar ou subestimar RCV. O resultado é uma estimativa, não pode prever o que vai acontecer com cada indivíduo Atue sobre fatores de RCV modificáveis (tabagismo, alimentação saudável, atividade física aeróbica, perda de peso) Evite solicitar perfil lipídico sem indicação ou usar resultados isolados, decidindo metas e tra- tamento. Essa prática perpetua a cultura equivocada, sem benefício comprovado. Não solici- te ECG de rotina, outros testes de avaliação de RCV (proteína C reativa, homocisteína, outras frações colesterol) para rastreamento (SOKOL, 2016) ou encaminhe para cardiologista para completar/confirmar diagnóstico) e outros diagnósticos diferenciais (uso de álcool ou • Recomendações para a prática 2.2.2 Hipertensão arterial (HAS) • Por que rastrear? A HAS é um fator de RCV relacionado com IAM ou AVC, fatal ou não, e com o desenvolvimento de doença renal crônica. Influencia isoladamente e em conjunto com outros fatores de RCV (BRASIL, 2010; CLARK, 2017; WILSON, 2015). 56 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos • Quem e quando rastrear? Você deve rastrear HAS em todas as pessoas ≥ 18 anos. É uma recomendação com evidências robustas (GRAU DE RECOMENDAÇÃO A PELO USPSTF) (PIPER, 2014). Em relação à periodicidade para repetir o rastreio, deve-se levar em conta que medir a PA deve fazer parte da rotina de avaliação global do RCV de seus pacientes. De modo geral você irá repetir a cada 2 anos para seus pacientes adultos (> 18 anos). • Como rastrear? Fique atento ao fato de que a medida da PA é uma variável que altera com uma série de condições. A equipe deve conhecer essa variabilidade nas diversas situações, desmistificar práticas culturais em relação à PA e manter os equipamentos de aferição calibrados. Use a técnica mais adequada para medir a PA. Embora a medida da pressão arterial no consultório ainda seja o alicerce do diagnóstico e o seguimento do tratamento do paciente hipertenso, suas limitações são conhecidas (poucas medidas realizadas de maneira isolada não necessariamente representam o comportamento da PA ao longo do tempo; reações de alerta decorrentes do ato de mediar a pressão arterial ou provocado pelo ambiente – efeito do avental branco). O US Preventive Services Task Force recomenda MAPA (Monitorização ambulatorial da pressão arterial) de rotina antes do diagnóstico de hipertensão. Sendo aceitável a MRPA (monitorização residencial da pressão arterial) se MAPA não disponível. A MAPA e a MRPA são também indicadas para diagnóstico diferencial de HAS do Jaleco Branco. De acordo com o US Preventive Services Task Force, a MAPA (ou MRPA) deve ser solicitada após 3 medidas de PA em consultório em ocasiões distintas com valores ≥ 140/90 mmHg (PIPER, 2014). Porém, na realidade de boa parte das equipes de Atenção Primária no país, não está definido e disponível o uso da MAPA (ou MRPA) para o diagnóstico de HAS. • Como interpretar? Diagnostique hipertensão se PA ≥ 140/90 confirmada em pelo menos 3 ocasiões distintas espaçadas em ≥ 1 semana cada. Se foi utilizado MAPA ou MRPA, o diagnóstico de HAS é estabelecido com base no resultado da média de PA (PIPER, 2014). Nunca estabeleça o diagnóstico de HAS baseado em uma medida isolada. Se o paciente não-negro < 30 anos e IMC < 30 sem história familiar de HAS; ou se > de 55 anos com PA ≥ 180/120 mmHg: considere HAS secundária (TEXTOR, 2015). O valor da PA e o diagnóstico de HAS também devem fazer parte da rotina de 57 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos avaliação de RCV. Vai ser a partir do cálculo do RCV que você irá decidir sobre o tratamento da HAS com PA sistólica < 160 e diastólica < 100 (KAPLAN, 2016). Em relação às metas e tratamento de HAS existem diversas controvérsias entre os guidelines e protocolos (MANN; HILGERS, 2013). Aprofunde-se no assunto. • Recomendações para a prática Não promova a cultura de medir PA rotineiramente em hipertensos. Mesmo no diagnóstico que demanda pelo menos 3 medidas ocasionais, faça a medida na primeira consulta, uma medida em outro momento e nova medida na consulta de retorno. Oriente que a PA pode sofrer variação com diversas situações. Medidas rotineiras e constantes de PA não melhoram desfechos clínicos e criam ansiedade desnecessária. Quadro 10 – Guidelines para rastreamento GUIDELINE RECOMENDAÇÃO USPSTF 2015 • Adultos entre 40 a 70 anos com IMC ≥ 25 (grau de recomendação B pelo USPSTF) • Se adultos < 40 anos ou com IMC < 25 considerar rastreamento ou reduzir intervalo de ras- treamento se paciente tiver pelo menos 1 (um) fator de alto risco para desenvolver DM: certos grupos étnicos (americanos com ascendência africana, asiática, hispânicos ou latinos), história familiar de diabetes em parentes de primeiro grau, história de Diabetes Mellitus Gestacional ou Síndrome do Ovário Policístico. • O intervalo de rastreamento é incerto, mas sugere a cada 3 anos. Os testes podem ser: gli- cemia de jejum, teste de tolerância oral à glicose ou Hemoglobina Glicosada (HbA1C). E para o diagnóstico recomenda-se repetir o mesmo método do primeiro teste em um dia diferente. American Diabetes Association (ADA) Adultos < 45 anos e com IMC ≥ 25 (se descendência asiática, considerar IMC ≥ 23) e com mais de 1 (um) dos fatores de alto risco para desenvolver DM: • Alteração em teste glicêmico prévio • Parente de primeiro grau com diabetes • Certos grupos étnicos (americanos com ascendência africana ou asiática, latinos) • História prévia de DMG • História de DCV • HAS • HDL < 35 ou triglicerídeos > 250 • SOP • Sedentarismo • Acantose nigrans • Obesidade severa • HIV Todos os adultos ≥ 45 anos. Recomenda o rastreamento de pré-diabetes e diabetes. O intervalo recomendado é de no mínimo a cada 3 anos. Anual se pré-diabetes. Os testes podem ser: glice- mia de jejum, teste de tolerância oral à glicose ou HbA1C. <http://professional.diabetes.org/sites/professional.diabetes.org/files/media/dc_40_s1_final.pdf> 60 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos de promover o entendimento de que um fator de risco para o desenvolvimento de outro fator de risco, que é a diabetes, seja encarado como uma doença ou uma iminência desta, estigmatizando. Mais da metade dos pacientes que recebem esse diagnóstico não terão diabetes em 10 anos. Mesmo entre os que são diagnosticados com glicemia de jejum alterada, 2/3 não terão diabetes em 10 anos (YUDKIN; MONTORI, 2014). O tratamento de escolha para pacientes com IFG, IGT e HBA1c limítrofe é a mudança de estilo de vida. Não existem evidências robustas de que antidiabéticos como metformina ou mesmo mudanças de estilo de vida evitem o desenvolvimento de diabetes nesses pacientes (MCCULLOCH; ROBERTSON, 2016). • Recomendações para a prática Direcione esforços para pacientes com diabetes, estão em maior risco e se beneficiam mais de intervenções médicas que os pacientes com IFG, IGT e HBA1c limítrofe. Evite controle glicêmico muito rígido e intensivo. O controle glicêmico intensivo durante anos pode reduzir complicações microvasculares como cegueira, necessidade de diálise renal. Por outro lado, não reduz complicações macrovasculares como AVC, IAM, ou a mortalidade (BRASIL, 2010; MCCULLOCH, 2017b; SPENCE, 2013). Trate o DM em conjunto com os demais fatores de RCV, como a OMS Glicemia de jejum alterada: glicemia de jejum 110-125 mg/dL HbA1C limítrofe: 6.0-6.4% Tolerância diminuída à glicose: glicemia após 2h de 75g de glicose 140-199 mg/dL ADA Glicemia de jejum 100-125 mg/dL HbA1C limítrofe: 5.7-6.4% Tolerância diminuída à glicose: glicemia após 2h de 75g de glicose 140-199 mg/dL Pré- diabetes Quadro 13 – OMS/ADA Em 2010 a ADA sugeriu o uso da categoria pré-diabetes juntando as três definições de sub-diabetes: glicemia de jejum alterada (impared fasting glucose – IFG), tolerância diminuída à glicose (impaired glucose tolerance – IGT) e HbA1C limítrofe. Sendo o limiar de HbA1C e Glicemia de Jejum utilizado 5,7% e 100mg/dL, respectivamente. Foi ponderado que o uso da categoria pré-diabetes causa uma sobreposição imperfeita, criando uma categoria grande, não bem definida e heterogênea, com poucas evidências sobre os benefícios de usar essa categoria em detrimento das demais. Além 61 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos pressão arterial e nunca esqueça de orientar cessão de tabagismo e investir fortemente na perda de peso. 2.2.4 Uso de tabaco • Por que rastrear? Se existe alguma atividade preventiva que tem impacto na população é o rastreamento e o tratamento do tabagismo. É a principal causa de morte que pode ser rastreada e prevenida de forma fácil e efetiva, e sem danos relevantes associados. Também é inegável o benefício do abandono do fumo pelas gestantes, melhorando indicadores de morbimortalidade materno fetal (BRASIL, 2010). • Quem, quando e como rastrear? Pergunte em todas as suas consultas e para todos os seus pacientes adultos, incluindo as gestantes, sobre o hábito de fumar. E sempre ofereça tratamento para que abandonem o fumo (Grau de recomendação A pelo USPSTF) (SIU, 2015). Recomendações para a prática: toda equipe deve conhecer e usar técnicas de entrevista motivacional e aprimorar suas habilidades de comunicação. A entrevista motivacional é uma ferramenta para tornar a abordagem do tabagismo mais eficaz. Saber em que estágio de mudança o paciente se encontra para poder oferecer a melhor abordagem é fundamental. Conheça mais, leia o livro ‘Entrevista Motivacional no Cuidado da Saúde: Ajudando pacientes a mudar o comportamento’ (Stephen Rollnick; William R. Miller; Christopher C. Butler). Leia o documento do INCA – Abordagem e Tratamento do Fumante – Consenso 2001: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/files. do?evento=download&urlArqPlc=consenso- inca-2001.pdf>. 2.2.5 Uso arriscado de álcool • Por que rastrear? O uso arriscado de álcool está associado uma série de doenças, acidentes, incapacidades, violência e problemas de ordem social e familiar. Existem boas evidências para rastrear e oferecer técnicas de abordagem breve e desintoxicação ambulatorial, tanto na APS quanto nos CAPS e outros serviços (BRASIL, 2010). • Quem, quando e como rastrear Pergunte para todos os seus pacientes adultos, incluindo as gestantes, sobre o uso arriscado de álcool e sempre ofereça tratamento para que abandonem o uso (Grau de recomendação A pelo USPSTF) (JONAS, 2012). Não existem evidências para definir um intervalo adequado para rastrear. Alguns pacientes têm maior risco: adultos jovens e tabagistas, por exemplo. Sugere-se que você utilize o CAGE e/ou o AUDIT como instrumentos para o rastreio. Na rotina de consultas recomendamos o uso do CAGE por ser rápido e fácil de aplicar: 62 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos 2.2.6 Sobrepeso e Obesidade • Por que rastrear? A obesidade é um fator de RCV modificável que pode prevenir seus pacientes de desenvolverem DCV e AVC, além de outros fatores de RCV como hipertensão arterial e DM II. Também está associada a uma série • Você já sentiu necessidade de parar de beber? • Você já se sentiu chateado por críticas que os outros fazem pelo seu modo de beber? • Você já se sentiu culpado sobre seu jeito de beber? • Você já teve que beber para iniciar o dia e “firmar o pulso”? Se duas ou mais respostas forem afirmativas, considera-se o rastrea- mento como sendo positivo. O usu- ário deve ser aconselhado e acom- panhado. CAGE Recomendações para a prática: identifique em qual estágio de mudança o paciente se encontra para oferecer a melhor abordagem. Utilize técnicas de entrevista motivacional. O AUDIT é um instrumento que também pode ser usado por sua equipe. Ele pode estar disponível na sala de espera ou ser entregue para o paciente para auto aplicação e posterior discussão com você sobre os resultados. Baixe o aplicativo (https://www. ufrgs.br/telessauders/desenvolvimento/aplicativos/ alcool/) ou baixe o instrumento (http://www.fct.unesp. br/Home/Administracao/TecSaude-UNAMOS/audit_ com_escore_para_entrevistador-1.pdf). Após a aplicação do AUDIT, classifique o nível do uso de álcool e aplique o nível de intervenção mais adequado, conforme o quadro abaixo: Nível de risco Intervenção Escores Zona I: Uso de baixo risco Prevenção 0-7 Zona II: Usuários de risco Orientação Básica 8-15 Zona III: Uso nocivo Intervenção breve e monitoramen- to 16-19 Zona IV: Dependência Encaminhamento para o servi- ço especializado e coordenação do cuidado 20-40 Fonte: BRASÍLIA, 2017 Para aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto “intervenção breve”, entre neste link e leia os capítulos correspondentes: (https://www.supera. org.br/@/material/mtd/pdf/SUP/SUP_Mod4.pdf) Todos os módulos estão disponíveis em: (https:// www.supera.org.br/material/) Estratégias de comunicação (telefones uteis, whatsapp, email, etc) com equipes do CAPS AD e grupos de apoio interinstitucional (AA, por exemplo) devem ser adotadas pela equipe para potencializar a integralidade e acesso do usuário. Conhecer outros recursos que podem ser oferecidos aos pacientes como grupos de autoajuda, Alcoólicos Anônimos (AA). de tipos de câncer, apneia do sono, redução da qualidade (BRASIL, 2010). • Quem, quando e como rastrear? Calcule o IMC de todos os seus pacientes adultos. Ofereça tratamento para perda de peso (Grau de recomendação A pelo USPSTF) (LEBLANC, 2011). Não há evidências suficientes para estabelecer uma periodicidade. 65 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos ASC-US (células escamosas atípicas de significado inde- terminado) Se ≥ 30 anos: repetir em 6 meses. Se normal, repetir novamente em 6 meses e então seguir rotina de rastreamento. Se segundo exame manter alterado: encaminhar colposcopia. Se < 30 anos: repetir em 12 meses. Se normal, repetir novamente em 6 meses e então seguir rotina de rastreamento. Se segundo exame manter ASC-US: encaminhar colposcopia. ASC-H (células escamosas atípicas de significado inde- terminado não podendo excluir lesão intraepitelial de alto grau) Colposcopia. LSIL (lesão intraepitelial escamosa de baixo grau) Repetir em 6 meses. Se normal, repetir novamente em 6 meses e então seguir rotina de rastreamento. Se segundo exame manter alterado: colposcopia. HSIL (lesão intraepitelial escamosa de alto grau) Colposcopia AGC (células glandulares atípicas) Colposcopia AOI (cálulas atípicas de origem indeterminada) Colposcopia Lesão intraepitelial de alto grau não podendo excluir mi- croinvasão Colposcopia Carcinoma escamoso invasor Colposcopia AIS (adenocarcinoma in situ) ou invasor Colposcopia Fonte: INCA (2016). 66 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos • Recomendações para a prática Discuta com sua equipe sobre o câncer de colo do útero, os mitos sobre o rastreamento e avaliem como o exame é oferecido. Respondam, em equipe, a seguinte pergunta: “estamos, de fato, dando acesso à coleta de citopatológico de colo uterino?”. Organizações de agenda que preconizam dias específicos para a coleta, mutirões ou oferta somente em consultas Para maiores detalhes sobre indicação e interpretação do rastreamento do câncer de colo de útero acesse as Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero: <http:// www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/DDiretrizes_ para_o_Rastreamento_do_cancer_do_colo_do_ utero_2016_corrigido.pdf>. Também acesse o Protocolo de Saúde das Mulheres ‘Quadro 2 – Síntese de prevenção do câncer de colo de útero’: <http://189.28.128.100/dab/docs/ portaldab/publicacoes/protocolo_saude_mulher.pdf>. de ‘saúde da mulher’ que duram entre 30- 40 minutos são práticas pouco eficazes e dificultam o acesso ao exame para quem mais precisa. Por exemplo, se uma mulher vier consultar no final do seu dia de trabalho com dor nas costas e último Papanicolau tiver acontecido há mais de 3 anos, o exame deve ser ofertado no mesmo dia. A coleta em si pode durar 5-10 minutos e não vai atrapalhar a rotina da equipe. Para isso, deixe o material de coleta e formulários organizados previamente. Organize o rastreamento objetivando uma cobertura mínima de 80%. 2.3.2 Câncer de cólon e reto • Por que rastrear? O câncer de cólon e reto (colorretal) em países desenvolvidos chega a ser o terceiro câncer mais comum em homens e o segundo em mulheres (INCA, 2015). Quanto mais cedo diagnosticado, maior a sobrevida. Pode ser detectado por lesões benignas – pólipos adenomatosos que demoram de 10-15 anos para evoluírem para câncer, sendo possível prevenir o câncer ao se retirar os pólipos. Detectar estágio inicial e tratar pode levar a cura e evitar a morte de 90% dos pacientes (BRASIL, 2010). Existe evidência de redução de 25% do risco relativo de mortalidade por câncer de cólon e reto em paciente > 50 anos que realizam o rastreamento com sangue oculto em fezes. A estimativa é que o rastreamento possa prevenir 1 em 6 mortes por câncer colorretal, porém não há redução da mortalidade geral (por todas as causas) (HEWITSON, 2008). • Quem, quando e como rastrear? Realize o rastreamento de câncer colorretal em todos os seus pacientes entre 50-75 anos (ou até que a expectativa de 67 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos vida do paciente seja < 10 anos) (Grau de recomendação A pelo USPSTF) (LIN, 2016) com pesquisa de sangue oculto nas fezes a cada 2 anos (CTFPHC, 2016). Se resultado positivo você deve oferecer colonoscopia ou retossigmoidoscopia, e um hemograma para quantificar a perda sanguínea (SOF, 2009). Se ≥ 40 anos e 2 ou mais parentes de 1º grau com câncer colorretal em qualquer idade, ou 1 parente de 1º grau com câncer de cólon ou pólipos adenomatosos antes dos 60: solicite colonoscopia a cada 5 anos até os 75 anos (BMJ BEST PRACTICE, 2016a). • Recomendações para a prática Até 80% dos testes de pesquisa de sangue oculto nas fezes podem ser falso-positivos (BRASIL, 2010): hemorroidas, diverticulose, doença inflamatória intestinal (ACS, 2017). Para minimizar falso- positivos recomende coletar 3 amostras e realizar preparo: abster- se por 72h de anti-inflamatórios (ibuprofeno, diclofenaco, AAS etc.), carne vermelha, ovos, banana, espinafre, antiácidos, antidiarreicos, vitamina C (ACS, 2017; SOF, 2009). Antes de propor o rastreamento considere acesso à colonoscopia. Considere a necessidade de alta cobertura do rastreamento para que tenha realmente impacto sobre a população. No Brasil ainda não existe recomendação clara para o rastreamento por causa de sua viabilidade e custo-efetividade (BRASIL, 2010). Conheça sinais de alerta para quando suspeitar de câncer colorretal: Esse câncer é considerado uma ‘doença do estilo de vida’, associado ao consumo excessivo de carne vermelha e processada, baixo consumo de frutas e verduras, excesso de peso, sedentarismo, consumo de álcool e tabaco (INCA, 2015). 2.3.3 Câncer de mama O câncer de mama é o câncer mais frequente e de maior mortalidade entre as mulheres. É a primeira causa de morte por • Mudanças não explicadas nos hábitos intestinais (maior frequência, perda de fezes). • Dor abdominal não explicada. • Sangue nas fezes. Sinais de alerta para suspeita de câncer colorretal 70 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos O rastreamento com ressonância nuclear magnética das mamas não é recomendado (CTFPHC, 2011; BRASIL, 2015a). Uso de silicone não traz diferenças em relação às recomendações de como e quando rastrear. Não há diferenças em relação ao exame clínico das mamas (SOF, 2013). Apesar de o exame clínico das mamas (ECM) ser recomendado em alguns programas de rastreamento, revisões demonstram ‘ausência de recomendação: o balanço entre possíveis danos e benefícios é incerto’ (BRASIL, 2015a). O ECM não tem benefício estabelecido para ser usado como rastreamento. Por outro lado, tem inegável valor no diagnóstico diferencial de lesões palpáveis da mama (BRASIL, 2015a; BRASIL, 2016). Conheça os sinais de alerta para o câncer de mama, vide esquema a seguir: • Qualquer nódulo mamário em mulheres com mais de 50 anos • Nódulo mamário em mulheres com mais de 30 anos, que persistem por mais de um ciclo menstrual • Nódulo mamário de consistência endurecida e fixo ou que vem aumentando de tamanho, qualquer idade • Descarga papilar sanguinolenta unilateral • Lesão eczematosa da pele não explicada que não res- ponde a tratamentos tópicos • Homens com mais de 50 anos com tumoração palpá- vel unilateral • Presença de linfadenopatia axilar não explicada • Aumento progressivo da mama com a presença de sinais de edema, como pele com aspecto de casca de laranja • Retração na pele da mama • Mudança no formato do mamilo Fonte: Brasil (2015a). Os resultados são classificados e manejados conforme quadro a seguir: Quadro 15 – Resultados e classificação BIRADS ZERO (incon- clusivo) Complementar com ultras- sonografia ou outra mamo- grafia ou revisar mamogra- fias anteriores. BIRADS 1 (negativo) ou 2 (achado benigno – fibroadenomas, cistos, calcificações de parên- quima ou vasculares) Seguimento de rotina. BIRADS 3 (provavel- mente benigno, risco de malignidade é < 2 %) Repita cada 6 meses por 1 ano, então anualmente por 2 anos. Se normal após esse período: segue rotina. Dependendo da avaliação clínica considere comple- mentar investigação com ultrassonografia ou realizar a investigação em interva- los menores. 71 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos Texto em português sobre os benefícios e riscos do rastreamento do câncer de mama: <http://nordic.cochrane.org/sites/nordic. cochrane.org/files/public/uploads/images/ mammography/mammography-pt.pdf>. Texto da médica de família e editora da revista The BMJ, Dra Iona Health, ‘It is not wrong to say no’: <http://www.bmj.com/content/338/bmj.b2529>. Ferramentas para discussão dos riscos e benefícios do rastreamento com o paciente, conforme a faixa etária: <http://canadiantaskforce. ca/category/tools/breast-cancer/>. Pictograma em inglês sobre os riscos e benefícios do rastreamento do câncer de mama: <https://www.harding-center.mpg.de/en/health- information/fact-boxes/early-detection-of- cancer/breast-cancer-early-detection>. Baseie encaminhamentos e exames em protocolos que regulem o acesso de forma custo- efetiva. Conheça o Protocolo de Encaminhamento para Mastologia desenvolvido pelo TelessaúdeRS: <ht tps ://www.uf rgs .br/ te lessauders/ documentos/protocolos_resumos/protocolo_ encaminhamento_mastologia_20160324.pdf>. BIRADS 4 A (chance de malignidade entre 2 a 9%) Encaminhe para considerar investigações adicionais. BIRADS 4 B (chance de malignidade entre 10 a 49%) Solicite biópsia por agulha grossa e encaminhe. BIRADS 4 C (chance de malignidade entre 50 a 94%) Solicite biópsia por agulha grossa e encaminhe. BIRADS 5 (chance de malignidade entre 95 a 100%) Solicite biópsia por agulha grossa e encaminhe. BIRADS 6 (diagnóstico de câncer) Encaminhe para especialista. Fonte: Venkataraman; Slanetz (2016) Procure saber na rede de atenção a saúde da sua cidade, sobre a fila de espera para o serviço de mastologia. • Recomendações para a prática Desencoraje o autoexame sistemático das mamas. O autoexame sistemático das mamas leva a aumento dos falso-positivos, biópsias desnecessários e não melhora a detecção precoce do câncer (FACINA, 2016; SANTOS, 2015). Conscientize sobre o conhecimento do próprio corpo, saúde das mamas e sinais/ sintomas mais comuns do câncer de mama. Não recomende ativamente o rastreamento mamográfico. Se solicitado, informe que há a recomendação do Ministério da Saúde e INCA mencionada anteriormente no texto. Informe claramente sobre possíveis benefícios e danos mencionados. Os danos mais frequentes são os falsos-positivos e os mais importantes e graves são os sobrediagnósticos que levam a sobretratamentos (explique ambos os termos com palavras simples). Use uma proporção simples para quantificar os sobrediagnósticos: para cada 1 mulher salva pelo rasteamento, cerca de 3 são diagnosticadas e tratadas de um câncer que não ameaçaria sua vida. Procure fazer uma tomada de decisão compartilhada sobre os riscos e benefícios do rastreamento para o câncer de mama. 72 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos Promova a prevenção primária do câncer de mama atuando sobre os fatores de risco modificáveis. Reduzir o consumo de bebidas alcoólicas, cessar o tabagismo (BRASIL, 2016), evitar uso de terapia de reposição hormonal pós-menopausa por mais de 5 anos (MARTIN, 2017) e promover do aleitamento materno (INCA, 2015). Aproveite o Outubro Rosa para discutir a saúde da mulher em geral, debater a necessidade de uma tomada de decisão baseada em riscos e benefícios da mamografia para o rastreio do câncer de mama, ao invés de perpetuar o medo. Fique atento aos materiais informativos, eles podem conter informações desencontradas e não baseadas em evidências como: rastreamento com mamografia fora da faixa etária dos 50- 69 anos, recomendar autoexame das mamas, outros exames não comprovados para o rastreio como ultrassonografia ou ressonância. 2.4 Rastreamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) 2.4.1 HIV • Por que rastrear? Diagnosticar e tratar precocemente seus pacientes assintomático com HIV reduz o risco de desenvolvimento de AIDS e sua morbimortalidade. Além disso, se o paciente tratado alcançar uma carga viral indetectável ele deixa de transmitir o HIV. (USPSTF, 2013) O rastreamento no pré-natal reduz o risco da transmissão materno-fetal. (USPSTF, 2013) • Quem, quando e como rastrear? Você deve ofertar o rastreamento para todos os seus pacientes dos 15 aos 65 anos, (< 15 anos ou > 65 anos em risco também devem ser rastreados) e todas as suas pacientes gestantes (Grau de recomendação A pelo USPSTF) (USPSTF, 2013). O rastreamento pode ser feito com testes rápidos ou exames de laboratório. O intervalo deve ser anual para pacientes de mais alto risco (como HSH – Homens que fazem Sexo com Homens e UDI – Usuários de Drogas Injetáveis), cada 3-5 anos para os demais ou em intervalos menores para os em risco, ou pode não ser necessário repetir se não tiver comportamento de risco após o 1º teste (USPSTF, 2013). • Recomendações para a prática O teste de HIV deve ser amplamente oferecido por você e sua equipe, indique como exame de rotina. Ofereça teste rápido. Acesse o site do TeleLab que oferece cursos para profissionais de saúde, como sobre o teste rápido de HIV e outras ISTs: <http://telelab.aids.gov.br/>. Ofereça a Profilaxia Pós-Exposição (PEP): <http:// www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/ publicacao/2015/58168/pcdt_pep_20_10_1.pdf>. 75 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos • Recomendações para a prática Ofereça vacina contra hepatite B regularmente para todos os seus pacientes adultos. 2.4.4 Hepatite C • Por que rastrear? O rastreamento de Hepatite C pode identificar pacientes em estágio inicial da doença antes deles desenvolverem danos hepáticos sérios e irreversíveis. Apesar de não existirem evidências diretas de que o rastreio reduza morbimortalidade, o diagnóstico precoce da infecção assintomática por hepatite C melhora desfechos clínicos e reduz risco de transmissão ao discutir formas de preveni-la. Além disso, os novos e mais eficazes regimes de tratamento da hepatite C somados ao rastreamento com identificação precoce da infecção são uma aposta na diminuição de mortalidade geral e relacionada à doença hepática (carcinoma) (CHOU, 2013). • Quem, quando e como rastrear? Você deve oferecer o rastreamento de hepatite C para todos seus pacientes com risco para infecção por hepatite C (Grau de Recomendação B pelo USPSTF) (CHOU, 2013). O principal fator de risco para transmissão de hepatite C é o uso atual ou passado de drogas injetáveis. Outros são uso de drogas inaladas (como cocaína), exposições percutâneas, hemodiálise, tatuagens e piercings. A exposição sexual de risco, apesar de menores chances de transmissão, também é um fator de risco (CHOU, 2013). Também ofereça investigar para: nascidos antes de 1975, receptores de transfusão de sangue e hemoderivados ou transplantes de órgãos antes de 1993, mãe portadora de hepatite C, contatos domiciliares de portadores, pacientes em hemodiálise (BRASIL, 2015b). O intervalo entre os rastreios vai depender se a pessoa está ou não continuamente se expondo a riscos. Não há recomendações precisas de periodicidade. O rastreio é feito pelo anti-HCV (teste rápido ou laboratorial), que devem ser confirmado com RNA para identificar portadores de hepatite C crônica. 2.4.5 Clamídia e Gonorreia • Por que rastrear? A infecção por clamídia e gonorreia é umas das mais frequentes ISTs e na grande maioria das vezes é assintomática. Para maiores detalhes sobre a interpretação do teste acesse o ‘O Manual Técnico para o Diagnóstico das Hepatites Virais’ em <http://www.aids.gov.br/sites/default/ files/anexos/publicacao/2015/58551/manual_ tecnico_hv_pdf_75405.pdf>. 76 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos Figura 17 – A infecção por clamídia e gonorreia é umas das mais frequentes ISTs procedimento de média complexidade, necessitando que cada município escolha oferecer ou não o teste na Atenção Básica. • Recomendações para a prática Verifique se em seu município está disponível a captura híbrida ou outro teste para o rastreamento de clamídia e gonorreia. Se não estiverem disponíveis, a principal estratégia será o tratamento das parcerias sexuais de portadores de uretrite ou cervicite (BRASIL, 2015c). 2.5 Rastreios não recomendados 2.5.1 Câncer de próstata O câncer de próstata é o segundo câncer mais comum em homens. A sua incidência vem aumentando no Brasil, tanto por alterações no contexto social, econômico e de saúde com aumento da expectativa de vida (que pode levar a um aumento de 60% em relação aos casos), quanto pela melhoria Mulheres com infecção assintomática podem ter complicações sérias e transmitir para suas parcerias. Entre as complicações está: infertilidade, doença inflamatória pélvica (DIP), dor pélvica e gravidez ectópica (NELSON, 2014; BRASIL, 2015c). O rastreamento tem potencial para identificar e tratar mulheres infectadas, reduzindo as complicações (NELSON, 2014). Quem, quando e como rastrear? Você deve rastrear todas as mulheres ≤ 24 anos e as com > 24 anos que tenham fatores de risco (GRAU DE RECOMENDAÇÃO B PELO USPSTF): comunidades com alta prevalência, história prévia de IST, novos ou múltiplos parceiros sexuais, uso irregular de preservativo, profissionais do sexo ou uso de drogas injetáveis (NELSON, 2014), HSH – Homens que fazem Sexo com Homens (SOKOL, 2016). O intervalo de rastreamento não está bem estabelecido. Sugere-se repetir se o paciente tem um comportamento sexual de risco (NELSON, 2014). O rastreio deve ser realizado por testes de amplificação de ácidos nucleicos (NAATs), que detectam pequenas amostras de DNA ou RNA, que podem ser realizados com swabs endocervical e uretral ou em amostras de urina, possibilitando que a coleta seja feita pela própria paciente (NELSON, 2014). Pelo SUS está disponível a captura híbrida, que é um outro método de biologia molecular (BRASIL, 2015c), porém como 77 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos da qualidade dos sistemas de informação do SUS e também pela disseminação do rastreamento levando ao sobrediagnóstico de câncer de próstata. Os principais fatores de risco, segundo o INCA (2015), são: O câncer de próstata é considerado um câncer de bom prognóstico se diagnosticado e tratado de forma oportuna (INCA, 2015). O rastreamento de câncer de próstata usando toque retal e/ou dosagem sérica do PSA vem sendo motivo de diversos debates no país e no mundo. Não há evidências robustas de que os benefícios do rastreio de rotina se sobreponham aos riscos (BRASIL, 2010). Tanto no Brasil, como na Austrália, Canadá e Reino Unido não se recomendam a organização de programas de rastreamento para o câncer de próstata (INCA, 2015). Não há efeitos significativos de rastrear câncer de próstata na redução absoluta da mortalidade por essa doença ou na mortalidade em geral. A ações para controlar a doença devem focar na prevenção primária e diagnóstico oportuno (INCA, 2015; BELL, 2014; LIN, 2011). • Recomendações para a prática A decisão de rastrear ou não deve se basear nas preferências do paciente, possíveis desfechos e prognósticos (HOFFMAN, 2017; BMJ BEST PRACTICE, 2016a). Oriente sobre os sintomas de alerta e investigue: necessidade de urinar com maior frequência principalmente à noite, dificuldade para iniciar a micção, dor ao urinar, jato urinário fraco, sensação de bexiga cheia após urinar. Esses sintomas são relacionados a alguma patologia prostática, na maioria das vezes benigna. Pag31 Idade: é o único fator de risco bem estabelecido em relação ao câncer de próstata. A grande maioria dos casos ocorre acima dos 65 anos e menos 1% antes dos 50 anos. História familiar: cerca de 25% têm história familiar de câncer de próstata, sendo que se seu paciente tem pai ou irmão com câncer de próstata seu risco aumenta 2-3 vezes, sendo maior (cerca de 11 vezes) se o diagnóstico em pai ou irmão tiver ocorrido antes do 40 anos. Etnia/cor da pele: homens negros têm 1,6 vezes mais chances de desenvolver câncer de prósta- ta que homens brancos, porém essa diferença pode ter relação ao estilo de vida e fatores associados à detecção da doença. Excesso de peso corporal e consumo excessivo de carne vermelha. Fonte: INCA (2015). 80 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos custo de sua implementação usando TCBD, quanto pelo custo dos diversos exames adicionais desnecessários para investigar resultados falso-positivos da TCBD (DEFFEBACH; HUMPHREY, 2017). • Recomendações para a prática A melhor e única estratégia comprovada para reduzir a incidência e morte por câncer de pulmão é parar de fumar (DEFFEBACH; HUMPHREY, 2017). Não existem recomendações nacionais para o rastreio do câncer de pulmão. 2.5.5 Câncer de ovário Existem evidências robustas que orientam contra o rastreamento de câncer de ovário (MOYER, 2012; CARLSON, 2017). Rastrear mulheres assintomáticas, seja na pré-menopausa ou na menopausa, usando ultrassonografia pélvica e/ou exame laboratorial do antígeno tumoral CA-125 não pelo paciente. O rastreamento pode levar a resultados falso-positivos que levam a exames desnecessários e ansiedade do paciente por conviver com uma alteração que poderia ter sido um câncer (LIN; SHARANGPANI, 2010; ILIC; MISSO, 2011). 2.5.7 Osteoporose Existem controvérsias sobre os benefícios do rastreamento populacional de osteoporose. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda que ‘até que se tenham estudos mais fundamentados sobre a mortalidade e os riscos associados à intervenção medicamentosa de longo prazo, não está indicado o rastreamento universal da osteoporose em mulheres de qualquer idade’ (BRASIL, 2010). Não há evidências sobre o rastreamento rotineiro de osteoporose em homens diminui mortalidade por câncer de ovário. O rastreamento leva a aproximadamente 10% de falso-positivos, sendo que 1/3 das mulheres com falso-positivos sofrem a retirada desnecessária do(s) ovário(s) com complicações pelo procedimento cirúrgico (o índice gira em torno de 21 complicações para cada 100 cirurgias) (MOYER, 2012; CARLSON, 2017). 2.5.6 Câncer de testículo O câncer de testículo afeta principalmente homens entre 20-35 anos, representando cerca de 1% dos cânceres no homem. Seu prognóstico é normalmente bom, com boas chances de cura (LIN; SHARANGPANI, 2010; ILIC; MISSO, 2011). Não existem evidências para o rastreamento do câncer de testículo, seja por meio do exame físico realizado pelo profissional, seja pelo autoexame realizado 81 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos (KLEEREKOPER, 2017). Sem quedas, traumatismos, não há fratura! Invista na prevenção de queda. Os principais fatores de risco são: artrose, obesidade, doenças neurológicas e psiquiátricas, sedentarismo, baixa acuidade visual, uso medicamentos (como benzodiazepínicos). e benefícios dos exames de rastreamento, temos que considerar qual a expectativa de vida do paciente e qual o intervalo de tempo que um determinado exame de rastreamento leva para produzir um efeito benéfico. Por exemplo, o rastreamento de câncer colorretal para ser eficaz necessita que se rastreiem 1000 pessoas ao longo de 10 anos para que uma morte por esse tipo de câncer seja evitada. Se o paciente tem expectativa de vida menor que 10 anos, provavelmente não irá se beneficiar do rastreamento (HEFLIN, 2017). Fique atento à idade limite recomendada para o término dos rastreamentos. Acima dos 75 anos as intervenções de rastreamento em geral cessam (BRASIL, 2010). Algumas recomendações sobre abordagens preventivas que podem ser benéficas para idosos: 2.6 O rastreamento no idoso Em pacientes idosos, além das ponderações já comentadas sobre os riscos • Rastreio de sedentarismo e promoção de atividades físicas • Rastreio de tabagismo e aconselhamento/tratamento para parar de fumar • Rastreio para o uso arriscado de álcool • Avaliação geriátrica funcional (como avaliação do ris- co de quedas...) • Pesquisa sobre quedas e risco delas • Questionamento sobre incontinência urinária • Questionamento sobre problemas na audição ou visuais • Questionamentos sobre medicamentos em uso, pos- síveis interações e avaliação de ‘polifarmácia’. Consi- derar desprescrição de medicamentos possivelmente danosos • Questionamento sobre direção de veículos automoti- vos e fatores de risco para acidentes (como disfunções de memória, audição, visão) • Questionamento e investigação de maus tratos e ne- gligência Leia mais sobre como a osteoporose e outras patologias passaram de uma alteração fisiológica à categoria de ‘doença’, com seu mercado próprio e ‘fabricação de novos doentes’: <http:// alertaindependente.blogspot.com.br/2012/11/>. Também recomendamos a seguinte leitura: <https:// www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/867>. 82 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos A Médica de Família (MFC) Izabel chama sua primeira paciente agendada do dia. A paciente chama-se Catarina e tem 70 anos. Ela está acom- panhada pela filha Joana. A MFC Izabel inicia a consulta com uma pergunta aberta – ‘qual o moti- vo da consulta da senhora hoje?’. Catarina respon- de que está bem, mas sua filha anda preocupada e agendou a consulta. Joana então explicita as demandas para a consulta: quer fazer exames de rotina para sua mãe, solicitar exames de coleste- rol, para diabetes, mamografia, preventivo do cân- cer de colo de útero e para osteoporose. A MFC Izabel faz uma anamnese e um exame físico vol- tados a conhecer a história clínica passada e atual de Catarina, assim como explora as preocupações, ideias e expectativas dela e de sua filha com per- guntas como – ‘quais são as preocupações suas e de sua filha sobre a sua saúde?’, ‘como vocês acre- ditam que esses exames podem ajudar?’ e ‘o que vocês acreditam que a senhora possa ter?’. Com essa abordagem, a MFC Izabel coleta as seguintes informações: ‘Catarina é uma senhora de 70 anos, aposentada, trabalhava como agricultora. Mora sozinha há pelo menos 2 anos, sendo que morou a vida toda com o marido. Ele faleceu há 2 anos, aos 65 anos, de câncer de estômago. Ela conta que ele bebia muito e se alimentava mal. Catarina, por sua vez, diz não gostar de beber álcool. Catarina tem 3 irmãos, 2 vivos e 1 falecida por IAM aos 68 anos. O pai de Catarina morreu de câncer de pulmão aos 68 anos e a mãe de Catarina teve um AVC aos 69 anos e faleceu de complicações aos 71 anos. Nega his- tória de câncer de cólon e reto na família. Catarina nunca fumou, nem seu marido. Ela tem diagnósti- co de hipertensão desde os 55 anos. Atualmente está em uso de 1 comprimido de hidroclorotiazida ao dia, sendo que sua PA medida na consulta está 135/85mmHg. Fez exames de rotina para hiperten- são há 8 meses, sendo que sua glicemia de jejum estava 106 e seu RCV é intermediário (a MFC usou o Escore de Framigham de 2008). Ela fez seu úl- timo citopatológico para câncer de útero aos 64 anos, fazia de rotina no passado, e nunca teve alte- rações. A última mamografia que realizou foi há 1 ano, o resultado foi BIRADS 1. Não tem história de câncer de mama em mãe, irmã ou filha. Seu exame físico cardiovascular está sem alterações, seu IMC é 26. Ao ser perguntada sobre perda de urina ela nega. Usa óculos, conta ter ido ao oftalmologista há 1 anos e meio, nega piora da visão desde então. Nega problemas de audição ou marcha. O único medicamento que usa é o da pressão e faz uso ocasional de paracetamol para dores articulares episódicas. Ela não tem grandes preocupações sobre sua saúde, conta que está bem e que sua filha é muito preocupada. A filha tem medo que sua mãe possa cair e sofrer uma fratura, quer prevenir osteoporose. Também acredita que ela precisa de exames de sangue para ‘ver se não tem anemia’ e tem medo de que ela tenha câncer. Conta que re- centemente a mãe de uma amiga do trabalho teve câncer de mama aos 55 anos.’ A partir desse contexto, a MFC Izabel então orienta Catarina e sua filha: - Quanto à preocupação em relação à anemia, Ca- tarina tem um exame físico normal e não tem quei- xas que possam significar anemia, portanto não há necessidade de realizar um exame de sangue, hemograma, para isso no momento. - Quanto à preocupação com o colesterol e o dia- betes, orienta que Catarina está com seus exames em dia. Explica que esses exames são realizados anualmente porque Catarina tem hipertensão e servem para descartar diabetes e avaliar o risco cardiovascular dela. Aproveita para orientar que não irá perseguir determinado valor de coleste- rol e sim que o valor serve para calcular o risco cardiovascular e com esse cálculo intensificar 11 1 85 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos potireoidismo, e tem medo de ter algum problema de saúde pois está iniciando novo relacionamento.’ Com base nesses dados João faz as seguintes orien- tações para Rita e busca acordar quais serão os exa- mes de rastreamento necessário para o momento: - Em relação aos exames de colesterol João expli- ca que existem diversas controvérsias sobre quan- do se deve solicitar exames de colesterol e que os valores dos exames devem ser interpretados usan- do uma calculadora de risco cardiovascular (RCV). Sendo assim propõe que ela traga os resultados prévios dos exames para ele calcular o RCV dela numa próxima consulta e que de qualquer forma, ela deve procurar prevenir problemas cardiovas- culares reduzindo o peso (ela tem sobrepeso com IMC 25), melhorando sua dieta e retomando uma atividade física. João então incentiva Rita a reto- mar as aulas de aeróbico e entrega um informativo sobre mudanças de estilo de vida para prevenção de doenças cardiovasculares. Aproveita também para tranquilizá-la pois sua PA está normal e ela não tem hipertensão. - Em relação a diabetes, devido a sua idade e seu IMC de 25 ela tem indicação de realizar glicemia de jejum pelo menos a cada 3 anos. Como ela realizou o exame ano passado, combina que tra- ga o resultado junto com o do colesterol para eles reavaliarem a necessidade de rastrear novamente. - Em relação ao exame para anemia, explica que ela não tem alterações no exame físico ou na anamne- se que indiquem risco de anemia, portanto não há necessidade de se solicitar um hemograma. - Em relação ao exame de tireoide, explica que, mesmo que sua mãe tenha hipotireoidismo, não há indicação de fazer um exame de rotina para iden- tificar problemas de tireoide em pessoas que não tem queixas típicas. Fazer exames de tireoide des- necessariamente pode inclusive levar a problemas como sobrediagnóstico e sobretratamento. João então entrega um panfleto informativo para que ela leia contendo informações sobre problemas de ti- reoide e porque não rastrear. Pede que na próxima consulta eles retomem o assunto para reavaliar a necessidade do exame se preciso. - Quanto ao exame de rastreamento de câncer de mama orienta que não há indicação de realizar ma- mografia antes dos 50 anos e que o ultrassom de mama não é o método mais adequado para detec- tar câncer de mama. Aproveita para orientar sobre os sinais de alerta e oferece enviar um e-mail para ela com alguns materiais sobre câncer de mama e mamografia para ela. - Quanto ao rastreio para câncer de colo de útero, orienta que o exame deve ser feito a cada 3 anos, não havendo benefício de ser realizado em inter- valo menor. - Quanto ao ultrassom transvaginal e exames hor- monais, orienta que o mesmo não tem indicação de ser realizado em mulheres assintomáticas pois não há benefício em relação à detecção precoce de câncer. - Os exames mais indicados para o caso são as sorologias para sífilis, hepatite C e HIV, visto que ela teve relações desprotegidas há alguns meses e nova parceria. O MFC aproveita para orientar uso de preservativo e discutir prática sexual segura. 22 2 86 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos identificar colesterol elevado, ou exames de rastreamento de câncer de próstata com evidências pouco robustas, em vez ao invés de focar nas principais causas de morbimortalidade, na mudança do estilo de vida e na ampliação do acesso dos pacientes aos cuidados primários (como a ampliação de abertura do horário do Centro de Saúde). Dez anos depois o MFC João chama à consulta a paciente Rita. Rita, agora com 50 anos, é pacien- te do MFC João desde há 10 anos. Ela vem para consulta de rotina. João conhece Rita muito bem, e desde há 10 anos vem acompanhando Rita. Ela está casada há 10 anos, seu segundo casamento. Com base na história já conhecida de Rita e sua idade atual de 50 anos o MFC João recomenda os seguintes rastreios: - Avaliação do RCV: João tem seguido a recomen- dação da USPSTF 2016 e realizado o cálculo do RCV a cada 5 anos. - Hipertensão: rastreio cada 2 anos. - Diabetes: João tem seguido a recomendação da USPSTF 2015 e realizado o rastreio com glicemia de jejum a cada 3 anos pois Rita mantém-se com IMC alternando entre 25 e 26. - Câncer de colo de útero: rastreio a cada 3 anos. - Câncer de mama: desde a primeira consulta com Rita há 10 anos, João propôs para ela o rastreio somente a partir dos 50 anos e ao longo de sua re- lação ambos discutiram sobre os benefícios e pro- blemas relacionados ao rastreamento de câncer de mama. Nessa consulta, Rita vem para solicitar o rastreamento com mamografia e ambos concor- dam em iniciar o rastreio com 50 anos. - Câncer de cólon e reto: com 50 anos Rita iniciará o rastreamento com sangue oculto de fezes cada 2 anos. - Sorologias: ambos concordam em realizar o ras- treamento anual de HIV, sífilis e hepatite C pois Rita está casada e não usam preservativos. O ca- sal tem uma boa relação, mas já passou por perío- dos de crise conjugal. 33 2.8 O rastreamento em homens Os homens são uma população com dificuldade de acesso aos serviços, principalmente se considerarmos que a maioria dos Centros de Saúde ainda não funciona fora do horário comercial. A tendência recente é reduzir a saúde do homem à questão do câncer de próstata ou problemas sexuais, porém os principais problemas de saúde entre homens são as doenças do aparelho circulatório (como IAM, AVC) e causas externas (violência e acidentes de trânsito (BRASIL, 2010). Muitas vezes, indicamos exames de rotina desnecessários para, por exemplo, Figura 19 – Rastreamento em homens 87 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos Igor, 50 anos procura o Centro de Saúde Nova Espe- rança para um consulta com o MFC Gustavo. Igor veio após insistência da esposa que pediu para ele fazer exames de rotina e em especial o exame do câncer de próstata que viu na TV em novembro. O MFC Gustavo realiza anamnese e exame físico e coleta os seguintes dados: ‘Igor é motorista de ônibus, mora com a esposa e um filho de 17 anos. Ele é casado há 20 anos. Tem um irmão de 55 anos e uma irmã de 60 anos, ambos têm hipertensão e diabetes. Seu pai fale- ceu aos 70 anos de câncer de pulmão, ele fumava desde adolescência. Sua mãe é viva, tem 80 anos e tem hipertensão e diabetes. Nega história fami- liar de câncer de intestino ou próstata. Igor é taba- gista, fuma 29 cigarros ao dia há 15 anos, nunca tentou parar e está ambivalente sobre isso. Faz uso de uma a três latinhas de cerveja nos finais de semana. Ao fazer as 4 perguntas do CAGE Igor responde negativamente as 4. Nega relações se- xuais extraconjugais. Refere que não faz uso de preservativo com a esposa e que ela usa anticon- cepcional. Refere que nunca fez sorologias e não sabe se tem vacinação contra hepatite B. Nega sintomas. Ao exame físico está sem alterações na ausculta cardíaca e pulmonar, seu IMC é 24, sua PA é 120/85. Nega preocupações sobre atuais so- bre sua saúde.’ O MFC Gustavo então orienta os seguintes exames para Igor: - Para avaliação do RCV o MFC Gustavo segue as recomendações da USPSTF 2016, portanto solicita entre 40 e 75 anos, a cada 5 anos, colesterol total, HDL e triglicerídeos para calcular o RCV. Para isso, utiliza o Escore de Framingham de 2008. - Para rastreio de diabetes o MFC Gustavo segue as recomendações do da USPSTF 2015. No caso do Igor, ele não tem IMC maior ou igual a 25, mas tem parentes de primeiro grau com diabetes. Por- tanto, o MFC Gustavo solicita rastreio com glice- mia de jejum. - Para rastreio de HAS ele realiza a medida da PA. Como a PA de Igor está normal, ele orienta nova medida em 2 anos. - Para rastreio de câncer de cólon e reto solicita sangue oculto em fezes. Se o rastreio for negati- vo ele deverá ser repetido a cada 2 anos até os 75 anos. - Para rastreio de HIV, Gustavo oferece testagem anual para seus pacientes sexualmente ativos en- tre 15 e 65 anos. Como o mesmo nunca rastreou hepatites e sífilis, não tem certeza sobre vacinas contra hepatite B e tem parceria fixa mas não usa preservativos, Gustavo solicita rastreio de hepatite C, sífilis e hepatite B. - Quanto ao rastreamento de câncer de próstata, o MFC Gustavo explica ao paciente Igor que o ras- treamento é controverso entre os médicos. Que no caso dele, que não tem fatores de risco elevados para câncer de próstata (como raça negra, pai ou irmão com câncer de próstata, principalmente an- tes dos 65 anos) eles poderiam discutir os bene- fícios e os riscos de rastrear entre 55 e 69 anos. O MFC mostra um pictograma sobre os riscos e benefícios do rastreio e entrega um panfleto expli- cativo para que Igor leia, mostre para a esposa e na próxima consulta eles possam voltar a conversar sobre o rastreamento. O MFC Gustavo aproveita a consulta para refor- çar as principais medidas que Igor pode fazer para prevenir doenças e problemas de saúde. Ele 4 4 4 90 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos A travesti se relaciona com o mundo no gênero feminino, no que diz respeito às aparências e formas assumidas por meio do uso de hormônios feminilizantes e/ou aplicações de silicone, tendo como característica marcante a mistura das características femininas e masculinas em um mesmo corpo. Entre travestis e mulheres trans (gênero de nascimento são comuns o uso abusivo de hormônios femininos e a aplicação de silicone industrial em diversas partes do corpo (‘bombadei- ras’). Entre homens trans, é comum o uso de testosterona (anabolizantes esteroides), até mesmo para uso veterinário. Nos que fizerem uso de hormônios é importante avaliar o possível aumento do Risco Cardiovascular (RCV), principalmente em mulheres transexuais pelo uso de hormônios a base de estrogênio. O ideal é atuar nos fatores de risco modificáveis como tabagismo (maior prevalência nessa população). Pode ocorrer automutilação decorrente do sofrimento por ter um corpo com o qual não tem identificação, autoamputação do pênis ou testículos (mulheres transexuais) e até das mamas (homens trans). Rastreamento de câncer de mama em mulheres trans: não há indicação de rastreio com mamografia. O risco de câncer de mama é muito baixo porque não há progesterona no seu tratamento hormonal. Se paciente fez esquemas de tratamento hormonal não supervisionados que incluíam progesterona (que aumenta o risco de câncer em nascidos biologicamente femininos sob terapia de reposição hormonal), discuta com especilista sobre a necessidade rastreamento. Ser mulher trans não é um fator de risco que indique rastreamento de câncer de próstata diferente da população masculina em geral. Rastreamento de câncer de mama em homens trans: segue a mesma rotina da população em geral. Se mastectomia: risco é muito pequeno e está relacionado a casos raros em tecido mamário preservado na cirurgia. Rastreamento de câncer de colo de útero em mulheres transexuais com neovagina não é necessário. Rastreamento de câncer de colo de útero em homens transexuais com cervix intacto: segue a mesma rotina da população em geral (pode ser traumático e deve ser discutido em relação aos riscos e benefícios em pacientes que não fizeram sexo vaginal com penetração mas mantém outras práticas que o HPV possa ser transmitido). FONTE: Feldman; Deutsch (2016). 91 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos Tais, 35 anos, chega para sua primeira consulta com o MFC Ricardo. Enquanto aguarda na sala de espera, Tais está preocupada de como será esse primeiro encontro, pois ela nasceu como João Otávio, segundo filho de um casal de professores e hoje é uma mulher trans. Já sentiu o preconceito de profissionais de saúde outras vezes. Seu gêne- ro biológico masculino já a colocou em situações constrangedoras, sendo chamada por ‘senhor’ ou ‘senhor João Otávio’ em locais em que o prontuá- rio somente continha espaço para o nome de sua certidão de nascimento. Outras vezes, quando procurou atendimento de urgência por uma sim- ples dor de garganta, na qual o fato de ser ou não uma mulher trans não fazia qualquer diferença acabou sendo colocado em foco na consulta sem que ela quisesse. Após aguardar uns 15 minutos o MFC Ricardo abre a porta do consultório e chama pelo seu nome: ‘Tais’. Aliviada levanta e vai até o consultório. Tais sente-se mais confortável quando, durante a con- sulta, o MFC Ricardo respeitosamente pergunta a ela como quer que a chame e a mencione em pe- didos de exames e encaminhamentos. O MFC Ricardo então pergunta sobre o motivo da consulta e Tais responde que ‘vim para exames de rotina, fico preocupada com câncer de mama e também com o câncer de próstata... e quero ver como anda minha tireoide’. Ricardo procede com a anamnese e exame físico de Tais e coleta as se- guintes informações: ‘Tais tem 35 anos, é uma mulher trans que sem- pre usou e usa terapias hormonais sob supervisão médica. Ela tem mamas e uma neovagina. Fez uso de hormonioterapia. Tem um irmão homem de 40 anos, saudável. Seu pai tem hipertensão e sua mãe tem hipotireoidismo. Nega história familiar de câncer de próstata, mama ou de intestino. Tais é fumante desde os 20 anos, fuma 20 cigarros ao dia. Responde negativamente ao rastreio de uso de álcool usando o CAGE. Ela faz atividade físi- ca 3 vezes na semana, costuma correr. Tem uma nova parceria sexual que está se relacionando há 3 meses. Suas últimas sorologias foram há 2 anos. Tem vacinação completa contra hepatite B. Sua PA é 120/75 e seu IMC é 23. Suas preocupa- ções, ideias e expectativas esta relacionadas prin- cipalmente em medo de câncer de mama, próstata e problemas de tireoide pois sua mãe tem hipoti- reoidismo.’ Com essa informações Ricardo orienta Tais: - De acordo com a história e exame físico há in- dicação de fazer rastreamento para HIV, sífilis e hepatite C. - Quanto ao rastreamento de câncer de mama, Ricardo explica que não é indicado em mulheres trans que fizeram terapia hormonal supervisiona- da sem uso de progesterona. - Quanto ao rastreamento de câncer de próstata, orienta que a idade de 35 anos não é uma idade para se considerar rastreamento e que existem controvérsias sobre o rastreamento mesmo na faixa etária entre 55 e 69 anos. Ricardo entrega al- guns informativos para Tais ler e num próximo en- contro eles voltarem a conversar sobre o assunto. - Ricardo explica que pelo fato de a hormoniote- rapia conter estrogenos isso é um fator de risco cardiovascular, que se soma ao fato de Tais fu- mar. Por outro lado, Ricardo parabeniza Tais por ter um peso adequado e manter-se ativa. Orienta que aos 40 anos, seguindo as recomendações da 5 5 5 92 Unidade 2 Recomendações sobre rastreamento em adultos e idosos USPSTF 2016, seja calculado o RCV de Tais e para isso será necessário solicitar colesterol total, HDL e triglicerídeos. Para o momento, Ricardo reforça a importância de parar de fumar – ‘essa é a princi- pal atitude que você pode tomar para reduzir seu RCV’, explica. Pergunta se Tais tem interesse em tentar e ela diz que vai pensar no assunto. Ricardo entrega um panfleto e pede para ela agendar uma consulta com a enfermeira da equipe que tem fei- to consultas motivacionais e tratamento para ta- bagismo. - Orienta que pela idade, seu IMC e sua história clínica não há indicação de rastreamento para dia- betes (o MFC Ricardo segue as recomendações da USPSTF 2015). - O MFC também aproveita para orientar que pelo fato de Tais não ter um colo de útero, não há ne- cessidade de rastrear câncer de colo uterino. 5 Felipe, 50 anos, é um homem trans. Ele acom- panha há 5 anos com a MFC Paula no Centro de Saúde Trindade. Seu vínculo com Paula é muito importante para ele pois ela conhece sua história, preferências e tem uma postura respeitosa. Vem à essa consulta para solicitar um check-up. A MFC Paula já conhece sua história: ‘Felipe não tem comorbidades, nunca fumou e não usa álcool. Tem feito caminhadas diárias. Não tem história familiar de câncer. Tem feito exames de HIV, sífilis e hepatite C anuais e avalia seu RCV a cada 5 anos pois esse é baixo (a MFC Paula se- gue as recomendações da USPSTF 2016 e utiliza o Escore de Framningham para calcular o RCV). Tem medido a PA a cada 2 anos. Seu IMC é 25. Devido ao IMC, desde os 40 anos, rastreia diabetes com glicemia de jejum a cada 3 anos (recomendações da USPSTF 2015). Ele fez mastectomia bilateral, ooforectomia, histerectomia (sem preservar o colo de útero) e faloplastia há mais de 10 anos. Como ele retirou o útero e ovários há alguns anos, não há necessidade de rastreio de câncer de colo de útero.’ Chegando aos 50 anos a MFC Paula então faz as seguintes recomendações para Felipe: - Iniciar o rastreamento para câncer de cólon e reto com pesquisa de sangue oculto em fezes. A MFC Paula explica o que será feito se resultado der positivo, e se der negativo. Felipe concorda em fazer o rastreio e a MFC solicita o exame e entrega um panfleto informativo. - Orienta que não há necessidade de qualquer tipo de rastreio de câncer de mama pois ele tem mas- tectomia total e são raros os casos em que resta tecido mamário remanescente. 6 6 95 Unidade 3 Recomendações sobre rastreamento na criança atenção primária à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), é bem mais complexo que a simples análise sequencial de índices antropométricos, padrões alimentares e status vacinal. Dessa forma, entra em cena a equipe multiprofissional, que retira do acompanhamento de rotina da criança a visão médico-centrada e que gera uma nova dinâmica no atendimento. Uma expressão clara desta divisão de tarefas entres os diferentes profissionais é a introdução do profissional de enfermagem assumindo a condução de consultas de puericultura em parceria com o médico, diferente do que é habitual na concepção de muitos pacientes e profissionais de saúde, que remetem ao pediatra a função de conduzir este acompanhamento. Tanto esta mudança é verdadeira que o pediatra hoje faz parte, no SUS, do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), designando-o uma atuação de forma conjunta, sendo referência para os casos que fogem à rotina, para os que demandam atenção especializada e para ajudar na elaboração de planos terapêuticos singulares de casos específicos (SUCUPIRA, 2012), delegando assim o acompanhamento rotineiro aos profissionais que acompanham de forma mais contínua a criança e sua família, podendo assim adaptar melhor as condutas à realidade de cada paciente. A justificativa para este cronograma é de que estes momentos são oportunos para verificação de agravos neonatais (como doenças congênitas e malformações), oferta de imunizações, orientações alimentares e monitorização de crescimento e desenvolvimento (BRASIL, 2012b; SUCUPIRA, 2012). Apesar de consagradas na prática clínica, não há estudos bem delineados avaliando o real impacto das consultas (nem seu número ideal) na vida de crianças assintomáticas. Segundo o Ministério da Saúde brasileiro, há recomendação de sete consultas no primeiro ano de vida (na 1ª semana e nos meses 1, 2, 4, 6, 9 e 12), duas no segundo ano (aos 18 e 24 meses de vida) e em seguida anualmente (BRASIL, 2012b). Outro ponto importante diz respeito ao compartilhamento da puericultura entre os profissionais da equipe, havendo respaldo Leia de forma mais aprofundada a evolução do cuidado à saúde da criança na atenção primária brasileira, além de propostas racionais aplicáveis à prática clínica, no Capítulo 74 (Saúde da Criança) do primeiro volume do seguinte livro: GUSSO, G.; LOPES, J. M. C. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. Artmed Editora, 2012. 96 Unidade 3 Recomendações sobre rastreamento na criança na literatura sobre o acompanhamento do médico ser preferencial nas consultas dos primeiros 2 meses e em casos de alto risco, permitindo assim que o enfermeiro conduza as demais consultas de rotina. Além disso, outro profissional que entra em coparticipação neste acompanhamento é o auxiliar/técnico de enfermagem, que pode responsabilizar-se pela verificação de peso e altura em casos de demanda familiar nos períodos entre as consultas programadas (SUCUPIRA, 2012). A seguir, será descrita experiência ocorrida no Centro de Saúde (CS) Carianos, em Florianópolis. Tendo como ponto de partida o fato de que a agen- da da pediatra que atua no CS pelo NASF estava cronicamente preenchida por retornos e pela alta taxa de consultas com crianças de baixo risco acompanhadas exclusiva e rotineiramente pela especialista, foi proposta uma reorganização do calendário de puericultura das crianças atendi- das pelas duas equipes que compõem este CS. Com base no estabelecido pela literatura, foi em- pregado um calendário contendo as consultas de rotina a serem realizadas. Inicialmente, foram designadas à pediatra as consultas apenas de 1, 6 e 12 meses, deixando aos Médicos de Família e Comunidade (MFC) as consultas de recém-nas- cido (preferencialmente até 7 dias de vida), e, de forma alternada com as Enfermeiras, as demais consultas (2, 4, 9, 18 e 24 meses). Após iniciativa da Pediatra em reunião geral da unidade, foi então pactuada nova reformulação deste calendário, de- signando todas as consultas apenas para os MFC e enfermeiras das equipes e priorizando a agenda da pediatra para discussão de casos, atendimento de pacientes com patologias ou situações que as equipes julgarem necessárias e realização de pla- nos terapêuticos com suporte especializado nos casos complexos. Dessa forma, o acompanhamento de rotina ficou mais dinâmico, facilitando a organização do ser- viço, a busca pela prevenção quaternária – na medida em que procura proteger as crianças de intervenções desnecessárias – e o estímulo à equidade, pois busca garantir o acesso à atenção especializada aos pacientes que realmente a ne- cessitam. Isso ajudou ainda no monitoramento da situação de saúde das crianças acompanhadas, já que tem devolvido às equipes o papel central na atenção das crianças da área de abrangência. Esta unidade tem o objetivo de mostrar a você os principais testes de rastreamento de patologias realizados atualmente na infância e ainda fazer ponderações à luz das evidências atualmente disponíveis sobre estas avaliações, para que você não apenas tenha o conhecimento do que é feito, 97 Unidade 3 Recomendações sobre rastreamento na criança mas também para lhe ajudar a ter um olhar mais crítico sobre cada conduta preconizada pelas mais diversas organizações de saúde que se dedicam a este tema. 3.1. Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) Um item primordial que você deve verificar na primeira consulta do recém-nascido é a realização do popularmente conhecido Teste do Pezinho. No Brasil, em 2001, por meio da Portaria GM/MS nº 822, foram estabelecidas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), ações para triagem de todos os nascidos vivos que compõem o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), popularmente conhecido como Teste do Pezinho. Este tem por objetivo identificar alguns distúrbios endocrinológicos e metabólicos do recém-nascido, mesmo antes do surgimento de sinais ou sintomas das doenças investigadas, em tempo hábil para a realização de acompanhamento e intervenção adequados, de maneira a contribuir com a diminuição da morbimortalidade que as doenças avaliadas podem infligir aos indivíduos afetados e, em última análise, melhorar sua qualidade de vida (BRASIL, 2016). O exame é feito por meio da coleta de sangue por punção do calcanhar da criança, com posterior fixação do sangue obtido na área do papel filtro contida no cartão de coleta. Figura 22 – Forma correta de coleta do Teste do Pezinho e sua impressão no cartão de coleta Fonte: BRASIL (2016).
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved