Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Reconhecimento da Autonomia do Direito de Trabalho Português: Despedidos e Inadaptação, Notas de estudo de Direito do Trabalho

Direito ConstitucionalDireito LaboralDireito Administrativo

Este documento discute sobre a reconhecibilidade da autonomia dogmática do direito de trabalho português, com ênfase nos despedidos e na inadaptação. Ele compara o sistema legal português com o espanhol e búlgaro, abordando causas de despedidos, proteção do trabalhador e princípios de gestão. O texto também discute sobre a cessação do contrato de trabalho no direito espanhol e búlgaro.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância da inadaptação do trabalhador ao posto de trabalho?
  • Quais são as consequências legais para o empregador em caso de despedido ilegal?
  • Como se diferenciam as causas de despedidos no direito de trabalho português, espanhol e búlgaro?
  • Quais são as proteções legais para o trabalhador em caso de despedido?
  • Quais são as causas legítimas de despedidos no direito de trabalho português?

Tipologia: Notas de estudo

2019

Compartilhado em 19/04/2022

richard-harrison-1
richard-harrison-1 🇧🇷

3

(1)

4 documentos

1 / 55

Toggle sidebar

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe Reconhecimento da Autonomia do Direito de Trabalho Português: Despedidos e Inadaptação e outras Notas de estudo em PDF para Direito do Trabalho, somente na Docsity! Despedimento com justa causa objetiva. Em especial, a inadaptação* cláudiA MAdAleNo** 1. O contrato de trabalho e a satisfação do interesse do credor I. O contrato de trabalho é um negócio jurídico de Direito privado1, ainda que a sua especificidade justifique a consagração de um regime * O presente trabalho insere-se no âmbito dos Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, um dos mais insignes Mestres de Direito, sendo para nós uma honra podermos associar-nos a esta homenagem. São utilizadas neste estudo as seguintes abreviaturas: art. / Art. – artigo / Artigo; CC – Código Civil; Cf. – Conferir; CRP – Constituição da República Portuguesa; CT – Código do Trabalho; LCT – Regime do Contrato Individual de Trabalho (Decreto-Lei n.º 49.408, de 21 de novembro de 1969); MEFP – Memorando de Políticas Económicas e Financeiras (Memorandum of Economic and Financial Policies); MoU – Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica (Memorandum of Understanding); OIT – Organização Internacional do Trabalho; p. / pp. – página / páginas; STJ – Supremo Tribunal de Justiça; TC – Tribunal Constitucional. ** Mestre em Direito. Assistente Convidada da Faculdade de Direito da Universi- dade de Lisboa. 1 O Direito do trabalho é Direito privado especial. Neste sentido, cf. ANtóNio MeNezeS cordeiro, Manual de Direito do Trabalho. Dogmática básica e princípios gerais. Direito colectivo do trabalho. Direito individual do trabalho, Coimbra, Almedina, 1997, p. 64; Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, 6.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 46 e 57. Considerando que o Direito do trabalho tem por objeto “as situações jurídico- -privadas de trabalho subordinado”, cf. luíS MANuel teleS de MeNezeS leitão, Direito do Trabalho, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2014, p. 12; MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 19 e seguintes; berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de P. furtAdo MArtiNS / 510 CLÁUDIA MADALENO jurídico autónomo e especial2. Através do contrato, uma ou ambas as partes comprometem-se à realização de uma determinada prestação, com a qual pretendem satisfazer um interesse da contraparte3, situação que se verifica igualmente no contrato de trabalho. Esse interesse é realizado pela execução da prestação, que consubstancia o cumprimento da obrigação. II. No quadro do Direito privado, para que haja cumprimento, é neces- sário que a prestação efetuada pelo devedor corresponda ao acordado, quer em termos qualitativos quer em termos quantitativos4. Assim, o cumprimento pressupõe conformidade, ou seja: / A. NuNeS de cArVAlho / joANA VAScoNceloS / tAtiANA guerrA de AlMeidA, Lis- boa, Verbo, 2011, pp. 33 e seguintes e pp. 51 e seguintes; joão leAl AMAdo, Contrato de trabalho, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra editora, 2014, p. 20; júlio MANuel VieirA goMeS, Direito do Trabalho, Volume I – Relações individuais de trabalho, Coimbra, Coimbra editora, 2007, pp. 25 e seguintes; ANtóNio MoNteiro ferNANdeS, Direito do Trabalho, 15.ª edição, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 11 e seguintes. 2 MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2000, em especial as pp. 961 e seguintes, onde assinala a “inevitabilidade do reconhecimento da autonomia dogmática do direito do trabalho português”, assente em princípios ou valorações materiais que se diferenciam do sistema de direito civil, com destaque para o contrato de trabalho, a convenção coletiva e a greve e ainda para os princípios da proteção do trabalhador, da salvaguarda dos interesses de gestão do empregador, da igualdade de tratamento entre trabalhadores e da autonomia coletiva. Da mesma Autora, cf. também Tratado de Direito do Trabalho, Parte I – Dog- mática Geral, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 121 e seguintes. 3 O interesse do credor deve ser digno de proteção legal, nos termos do n.º 2 do artigo 398.º do CC. Por sua vez, o artigo 124.º do CT estabelece que, se o contrato tiver por objeto ou fim uma atividade contrária à lei ou à ordem pública, a parte que conhecia a ilicitude perde, a favor do serviço responsável pela gestão financeira do orçamento da segurança social, as vantagens auferidas decorrentes do contrato. Assim, naturalmente, será nulo o contrato pelo qual alguém se obrigue, por exemplo, a cometer um crime, ainda que sujeito ao poder de direção e ao poder disciplinar do credor. Acerca do contrato e da satisfação do interesse do credor, cf.: ANtóNio MeNezeS cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, VII – Direito das Obrigações, Contratos. Negócios unilaterais, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 183 e seguintes; luíS MANuel teleS de MeNezeS leitão, Direito das Obrigações, Volume I – Introdução. Da constituição das obrigações, 10.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 169 e seguintes; joão de MAtoS ANtuNeS VArelA, Das obrigações em geral, Vol. I, 10.ª edição, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 211 e seguin- tes; iNocêNcio gAlVão telleS, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra, Coimbra editora, 1997, pp. 58 e seguintes. 4 Sobre o cumprimento, cf.: ANtóNio MeNezeS cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II – Direito das Obrigações, Tomo IV – Cumprimento e não cumprimento. 513 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO de direito (artigo 798.º do CC e, no caso de resolução por iniciativa do trabalhador, o disposto no artigo 396.º do CT), devendo o lesado demonstrar quais os danos que sofreu em consequência desse incumprimento. III. Para que a resolução do contrato de trabalho possa ter lugar, a lei exige que se verifique uma justa causa11. Porém, esta pode ser con- figurada em termos subjetivos ou objetivos12: a) Em termos subjetivos, trata-se do incumprimento da prestação ou da impossibilidade culposa de cumprimento; b) Em termos objetivos, pode estar em causa uma situação não impu- tável à atuação de nenhuma das partes mas que, ainda assim, torna inexigível a continuação da relação contratual, ou seja, por fatores que lhe são externos. IV. A resolução do contrato por iniciativa do trabalhador encontra-se hoje prevista nos artigos 394.º e seguintes do CT, sendo admitida quer em caso de justa causa subjetiva, quer de justa causa objetiva13. 11 Sobre o tema, de forma pioneira, cf. berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, ob. cit., em especial as pp. 72 e seguintes. 12 Neste sentido, cf.: ANtóNio MeNezeS cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 801 e seguintes; Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 906 e seguintes; luíS MANuel teleS de MeNezeS leitão, Direito do Trabalho, ob. cit., p. 387; MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, ob. cit., pp. 894 e seguintes e pp. 949 e seguintes; berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Manual de Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 729 e seguintes; júlio MANuel VieirA goMeS, Direito do Trabalho, Volume I – Relações individuais de trabalho, ob. cit., pp. 944 e seguintes; joão leAl AMAdo, Contrato de trabalho, ob. cit., pp. 369 e seguintes; ANtóNio MoNteiro ferNANdeS, Direito do Tra- balho, ob. cit., pp. 584 e seguintes. 13 Acerca do direito de resolução do trabalhador, cf., entre outros: ANtóNio MeNezeS cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 853 e seguintes; Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 967 e seguintes; luíS MANuel teleS de MeNezeS leitão, Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 411 e seguintes; MAriA do roSá- rio PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, ob. cit., pp. 1090 e seguintes; berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Manual de Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 817 e seguintes; júlio MANuel VieirA goMeS, Direito do Trabalho, Volume I – Relações individuais de trabalho, ob. cit., pp. 1038 e seguintes; joão leAl AMAdo, Contrato de trabalho, ob. cit., pp. 448 e seguintes; joANA VAScoNceloS, em anotação ao artigo 394.º, Pedro roMANo MArtiNez (Coord.), Código 514 CLÁUDIA MADALENO O n.º 2 do artigo 394.º do CT exemplifica algumas das situações que são suscetíveis de constituir justa causa subjetiva, sendo esta entendida como uma conduta ilícita e culposa por parte do empregador, suficientemente grave para pôr em crise, de forma definitiva, o interesse do trabalhador na subsistência da relação de trabalho. Em complemento, o artigo 396.º, n.º 1, do CT confere-lhe o direito a ser indemnizado pelos danos sofridos. No entanto, encontra-se aqui uma particularidade em relação ao regime comum de Direito civil, na medida em que neste a indemnização é pelos danos concretamente sofridos, os quais devem ser demonstrados pelo lesado nos termos gerais (cf. artigos 342.º, n.º 1, e 562.º e seguintes do CC). Diferentemente, o n.º 1 do art. 396.º do CT atribui ao trabalhador sempre o direito a uma indemnização, a qual terá um montante mínimo correspondente a três meses de retribuição base e diuturnidades14. V. Já a justa causa objetiva assume um significado mais restrito, uma vez que o n.º 3 do art. 394.º do CT enumera, de forma fechada, as três situações em que ao trabalhador é permitido resolver o contrato sem que tenha havido uma conduta ilícita e culposa do empregador. Acresce que, nesta hipótese, o trabalhador não terá direito a qualquer valor a título de indemnização, mesmo que tenha sofrido danos, uma vez que o empre- gador não praticou qualquer ilícito e não existe norma que estabeleça obrigação de indemnizar por facto lícito. VI. Por sua vez, o despedimento configura uma forma de resolução por iniciativa do empregador15. Será aplicável em caso de incumprimento do trabalhador, quando se trate de justa causa subjetiva, mas não assume do Trabalho Anotado, ob. cit., pp. 829 e seguintes; ANtóNio MoNteiro ferNANdeS, Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 648 e seguintes. 14 joANA VAScoNceloS, em anotação ao artigo 396.º, Pedro roMANo MArtiNez (Coord.), Código do Trabalho Anotado, ob. cit., pp. 837 e seguintes. A Autora salienta que a revisão do CT de 2009 “reformulou a norma constante do seu articulado origi- nário, submetendo – necessária e, num primeiro relance, exclusivamente – a fixação do valor da indemnização nela prevista aos referidos parâmetros, opção que se defronta com evidentes dificuldades na sua aplicação, com destaque para o sentido a atribuir ao ‘valor da retribuição’”. 15 Assim também berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Da Justa Causa de Despedi- mento no Contrato de Trabalho, ob. cit., p. 27, ainda que proceda à caracterização, em termos técnicos, como uma denúncia unilateral. 515 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO necessariamente esse fundamento16. Encontram-se presentes nesta forma de cessação do contrato as seguintes características: a) Exigência de um motivo (justa causa subjetiva ou objetiva)17; b) Cessação por iniciativa de apenas uma das partes; c) Mediante declaração à contraparte (art. 432.º, n.º 1, do CC); d) Eficácia não retroativa da cessação (em atenção ao disposto no art. 434.º, n.º 2, do CC). É esta a forma de resolução que vai ocupar a nossa atenção neste estudo, com especial destaque para a figura da inadaptação e as recentes alterações legislativas que a mesma sofreu. 3. A proibição dos despedimentos sem justa causa 3.1. Direito interno I. O contrato de trabalho tem em vista o estabelecimento de uma relação estável, com tendência para perdurar no tempo por um período indeterminado. Todavia, em regra, a ordem jurídica é avessa a relações de natureza ad eternum, pelo que, quando um contrato é celebrado nestes moldes, é comum a atribuição às partes do direito de denúncia. A denúncia mostra-se apropriada para a cessação deste tipo de contratos, já que apenas produz efeitos para o futuro e é imotivada, isto é, opera independentemente da invocação de qualquer motivo justificativo18. 16 Neste sentido, cf. Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, ob. cit., p. 906, considerando que se utiliza o termo “despedimento”, “como modalidade de resolução”. Do mesmo Autor, cf. ainda Apontamentos sobre a cessação do contrato de trabalho à luz do Código do Trabalho, Lisboa, AAFDL, 2005, pp. 85 e seguintes. Também se pronuncia assim luíS MANuel teleS de MeNezeS leitão, Direito do Trabalho, ob. cit., p. 387. Cf. ainda Pedro roMANo MArtiNez, em anotação ao artigo 340.º, Pedro roMANo MArtiNez (Coord.), Código do Trabalho Anotado, ob. cit., pp. 729 e seguintes; Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, 3.ª edição, Cascais, Princípia, 2012, pp. 149 e seguintes. 17 De referir que a Lei n.º 1962 determinava, no seu artigo 11.º, que a justa causa deveria ser entendida como “qualquer facto ou circunstância grave que torne prática e imediatamente impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe”. 18 Acerca da denúncia como forma de extinção dos contratos, cf. Pedro roMANo MArtiNez, Da cessação do contrato, ob. cit., pp. 116 e seguintes. 518 CLÁUDIA MADALENO 3.2. Direito internacional e Direito europeu I. A proibição dos despedimentos sem justa causa é um princípio reconhecido e consagrado em muitos instrumentos internacionais, com destaque para o artigo 30.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nos termos do qual “Todos os trabalhadores têm direito a proteção contra os despedimentos sem justa causa, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais”. II. O primeiro documento relevante neste domínio foi a Recomendação n.º 119 da OIT de 1963 sobre a cessação da relação de trabalho, que determinava, no seu ponto II (1), que a cessação de uma relação de tra- balho só poderia ocorrer se existisse um motivo válido relacionado com um motivo, que poderia ser: ainda que economicamente viável, quando tem interesse em restringir as suas atividades. Não cabe ao tribunal apreciar o mérito de tais decisões, porque o empresário é livre de empreender um caminho ruinoso; o tribunal só tem de verificar se o empregador não está a agir em abuso de direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado”. Também MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, ob. cit., pp. 1031 e seguintes considera que é necessário que se verifique um dos motivos previstos na lei, ou seja, uma situação de crise empresarial ou um objetivo de reorientação estratégica da empresa, tratando-se por isso de “uma actuação vinculada” do empregador, baseada obrigatoriamente numa destas razões, mas sendo que “o quadro de apreciação destes motivos deve ser o da própria empresa” e ainda que “as decisões económicas do empregador, que estão na base desta modalidade de despedimento, são dificilmente sindicáveis pelo tribunal”. berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Manual de Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 787 e seguintes, em especial na p. 790, onde assinala que se trata de uma “decisão de ges- tão, para a qual a lei dá uma cobertura considerável”. Cf. também, do mesmo Autor, O despedimento colectivo no dimensionamento da empresa, Lisboa, Verbo, 2000, pp. 584 e seguintes. Na p. 585, admite que o trabalhador impugne o despedimento, com base na inexistência, incongruência ou irrelevância de alguns ou de todos os motivos invocados aquando do despedimento. Ou seja, não o poderá fazer com base apenas numa discordância da decisão tomada pelo empregador, uma vez que o juiz deve “respeitar os critérios de gestão da empresa”. Cf. ainda j. j. goMeS cANotilho / / VitAl MoreirA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, ob. cit., em particular a p. 710, onde os Autores referem que deve tratar-se de situações “fundadas em causas adequadamente determináveis e submetidas a um apropriado procedimento de controlo (não bastando a decisão da entidade patronal), de modo a impedir que a via dos despedimentos colectivos se transforme, através de discrimina- ções individualizadas, em instrumento de despedimentos individuais”. 519 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO a) Capacidade ou conduta do trabalhador; b) Exigências operacionais do estabelecimento ou serviço. Observando a primeira possibilidade, constata-se, desde logo, que a inaptidão ou incapacidade para prestar a atividade poderia constituir motivo justificativo do despedimento na aceção deste preceito, na medida em que, como veremos melhor adiante, não se exige uma conduta culposa por parte do trabalhador. Acresce que, no caso de incapacidade e/ou falta de produtividade, a OIT recomendava já então que fosse feito um aviso ao trabalhador com indicação das possíveis consequências, se não melhorasse a qualidade, dando-lhe a oportunidade para tal. Assim, estabelecia o ponto II.7 (7) (8) que deveria ser concedido ao trabalhador um aviso prévio razoável, durante o qual este deveria dispor de crédito de horas. De referir que este era um elenco open-ended no que respeita aos motivos, isto é, poderiam ser invocados outros fundamentos justifica- tivos para o despedimento, desde que em todo o caso se mostrassem suficientemente válidos para que não fosse exigível ao empregador a manutenção da relação de trabalho. III. Após esta recomendação, foi adotada pela OIT a Convenção n.º 158, de 1982, sobre a cessação da relação de trabalho por iniciativa do empregador, aplicável a todos os ramos de atividade económica e a todos os trabalhadores (artigo 2.º)27. Esta convenção estabelece no seu artigo 4.º o seguinte: “Um trabalhador não deverá ser despedido sem que exista um motivo válido de despedimento relacionado com a aptidão ou com o comportamento do trabalhador, ou baseado nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.” Ainda rele- vante é o disposto no artigo 7.º, nos termos do qual “um trabalhador não deverá ser despedido por motivos ligados ao seu comportamento ou ao seu trabalho antes de lhe terem facultado a possibilidade de se defender contra as alegações formuladas, salvo se não se puder razoavelmente esperar que o empregador lhe faculte essa oportunidade”. Finalmente, o artigo 11.º determina que o despedimento deve ser, em princípio, pre- cedido de um pré-aviso razoável, ou de uma indemnização que faça as suas vezes, exceto em caso de falta grave do trabalhador. 27 Esta Convenção foi ratificada por Portugal, através do Decreto n.º 68/94, de 27.8.94, tendo sido publicada no DR, I Série n.º 198, de 27.8.94. 520 CLÁUDIA MADALENO IV. Por sua vez, a Recomendação da OIT n.º 166, de 1982, relativa à Convenção n.º 158, estabelece: a) No ponto 19 que, em caso de despedimento com fundamentos económicos, tecnológicos, estruturais ou outros similares, todas as partes envolvidas se devem empenhar no sentido de minimizar, tanto quanto possível, o número de despedimentos, sem prejuízo para o bom funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço, bem como devem procurar mitigar os efeitos destes despedimentos em relação aos trabalhadores abrangidos; b) No ponto 20, que o empregador que pretenda introduzir mudanças significativas na produção, programa, organização, estrutura ou tecnologia que sejam suscetíveis de implicar despedimentos, deve consultar os representantes dos trabalhadores o quanto antes, com vista a discutir o conteúdo dessas mudanças e a mitigar os seus efeitos nos trabalhadores, devendo fornecer-lhes toda a informação adequada; c) No ponto 21, relativo às medidas que têm em vista a redução do número de despedimentos com motivos económicos, estruturais ou tecnológicos, as quais incluem restrições à contratação, redução da força de trabalho durante um certo período de tempo, transferên- cias internas, formação profissional e requalificação profissional, reforma antecipada voluntária, restrição ao trabalho suplementar e redução do período normal de trabalho. V. Em contrapartida, não se encontra no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos uma especial preocupação sobre este tema28. Diversamente, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais29 consagra um conjunto de normas especialmente dirigidas à regulação da relação laboral, com destaque para o seu artigo 6.º, nos termos de cujo n.º 1 “Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito que têm todas as pes- soas de assegurar a possibilidade de ganhar a sua vida por meio de um 28 Adotado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, pela Resolução n.º 2200-A (XXI), de 16 de dezembro de 1966, tendo entrado em vigor em 23 de março de 1976. Portugal ratificou este Pacto através da Lei n.º 29/76, de 12 de junho. 29 Adotado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, pela Resolução n.º 2200-A (XXI), de 16 de dezembro de 1966, tendo entrado em vigor em 3 de janeiro de 1976. Portugal ratificou este Pacto através da Lei n.º 45/78, de 11 de julho. 523 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO 4. Notas de Direito comparado35/36 Referimos de seguida breves considerações acerca da cessação do contrato de trabalho assente em motivos de ordem objetiva em ordens jurídicas próximas da portuguesa. 4.1. Espanha I. Em Espanha, o artigo 49.º do Estatuto de los Trabajadores determina as causas de cessação do contrato de trabalho, entre as quais se contam as previstas validamente no próprio contrato, “salvo que las mismas constituyan abuso de derecho manifiesto por parte del empresario”, bem como, entre outras37: a) A cessação por força maior, que impossibilite definitivamente a prestação de trabalho, prevista na alínea h), a qual deverá nesse caso ser atestada nos termos do artigo 51.º § 7 do Estatuto; b) A cessação por despedimento coletivo, fundado em causas econó- micas, técnicas, organizativas ou de produção, prevista na alínea i); 35 No Reino Unido, segundo o Employments Rights Act, pode haver despedimento fundado em (a) incapacidade ou falta de qualificação para o trabalho prestado, (b) infração do trabalhador, (c) motivos económicos (redundancy) ou (d) outras razões substanciais. 36 O art. 328.º do Labour Code da Bulgária admite o despedimento com aviso prévio baseado em (a) encerramento da empresa, (b) encerramento parcial da empresa ou cortes de pessoal (staff cuts), (c) redução do volume de trabalho, (d) paralisação do trabalho por mais de 15 dias de trabalho, (e) falta das qualidades necessárias para um trabalho eficiente por parte do trabalhador, (f) falta da formação ou treino adequado ao trabalho prestado por parte do trabalhador, (g) recusa do trabalhador em acompanhar a mudança de localização da empresa, (h) reocupação do posto que o trabalhador ocupa por trabalhador cujo despedimento foi declarado ilícito, (i) Regresso de trabalhador com contrato suspenso que antes ocupara aquela função, (j) quando o trabalhador possa ser reformado por já ter preenchido esses requisitos ou, no caso de professores e investi- gadores, após completar 68 anos, (k) quando os requisitos para o trabalho tenham sido alterados e o trabalhador não se qualifique para os mesmos, (l) quando seja impossível, por razões objetivas, manter o contrato de trabalho e (m) devido à conclusão de um enterprise management contract. 37 Sobre a cessação do contrato de trabalho no Direito espanhol: frANciSco jAVier torollo goNzález, Despidos individuales (disciplinarios y por causas objetivas), em Alfredo MoNtoyA MelgAr / joAquíN gArcíA MurciA (Direção), Comentario a la Reforma Laboral de 2012, Madrid, Navarra, Editorial Aranzadi, 2012, pp. 207 e seguintes; Alfredo MoNtoyA MelgAr, Derecho del Trabajo, 32.ª edição, Madrid, Tecnos, 2011, pp. 455 e seguintes; MANuel AloNSo oleA / MAriA eMiliA cASAS bAAMoNde, Derecho del Trabajo, 19.ª edição, Madrid, Civitas, 2001, pp. 419 e seguintes. 524 CLÁUDIA MADALENO c) A cessação fundada em “causas objetivas legalmente procedentes”, prevista na alínea l). Este preceito contempla igualmente a cessação por mútuo acordo [prevista na alínea a) do n.º 1], por decurso do prazo estipulado [alínea c) do n.º 1], por denúncia do trabalhador [alínea d) do n.º 1], por morte ou incapacidade absoluta e permanente do trabalhador [alínea e) do n.º 1] ou ainda por reforma deste [alínea f) do n.º 1] e ainda a resolução com justa causa pelo trabalhador [alínea j) do n.º 1]38. II. O Estatuto de los Trabajadores permite, no seu artigo 52.º, o despedimento por inadaptação nos seguintes casos39: a) Inaptidão do trabalhador, conhecida ou que tenha surgido após a sua vinculação efetiva à empresa. Assim, a inaptidão existente aquando do período experimental não pode ser alegada após o decurso deste mesmo período40; b) Falta de adaptação do trabalhador às modificações técnicas ocorri- das no posto de trabalho, desde que as mesmas sejam razoáveis e tenham decorrido pelo menos dois meses após a sua introdução41. O contrato de trabalho poderá ser suspenso pelo período de tempo necessário, até ao máximo de três meses, quando a empresa ofereça 38 Refira-se ainda o disposto na alínea m) do n.º 1, que estabelece a cessação “por decisión de la trabajadora que se vea obligada a abandonar definitivamente su puesto de trabajo como consecuencia de ser víctima de violencia de género”. 39 Sobre este preceito, MANuel AloNSo oleA / MAriA eMiliA cASAS bAAMoNde, Derecho del Trabajo, ob. cit., pp. 438 e seguintes. 40 É o seguinte o conteúdo deste artigo: “Por ineptitud del trabajador conocida o sobrevenida con posterioridad a su colocación efectiva en la empresa. La ineptitud existente con anterioridad al cumplimiento de un período de prueba no podrá alegarse con posterioridad a dicho cumplimiento.” 41 É o seguinte o conteúdo deste artigo: “Por falta de adaptación del trabajador a las modificaciones técnicas operadas en su puesto de trabajo, cuando dichos cambios sean razonables. Previamente el empresario deberá ofrecer al trabajador un curso dirigido a facilitar la adaptación a las modificaciones operadas. El tiempo destinado a la formación se considerará en todo caso tiempo de trabajo efectivo y el empresario abonará al trabajador el salario medio que viniera percibiendo. La extinción no podrá ser acordada por el empresario hasta que hayan transcurrido, como mínimo, dos meses desde que se introdujo la modificación o desde que finalizó la formación dirigida a la adaptación.” 525 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO um curso de reconversão ou de aperfeiçoamento profissional42, a cargo de um organismo oficial ou competente para esse efeito, que confira a adaptação necessária, devendo o trabalhar auferir o salário normal durante o período do curso; c) Quando ocorra uma situação que possa gerar despedimento coletivo e a extinção afete um número inferior de trabalhadores ao fixado para o recurso a este mecanismo43; d) Por faltas ao trabalho, ainda que justificadas ou intermitentes44, que atinjam 20% dos dias de trabalho em dois meses consecutivos (sempre que o total de faltas nos doze meses anteriores alcance 5% dos dias de trabalho) ou 25% em quatro meses não consecutivos, num período de 12 meses45/46. Para este efeito, não contam como faltas as ausências devido a greve legal, atividades de representação 42 frANciSco jAVier torollo goNzález, Despidos individuales (disciplinarios y por causas objetivas), ob. cit., p. 215, salienta que esta novidade foi inserida pela reforma laboral de 2012. 43 É o seguinte o conteúdo deste artigo: “Cuando concurra alguna de las causas previstas en el artículo 51.1 de esta Ley y la extinción afecte a un número inferior al establecido en el mismo.” De referir que o artigo 51.º determina que é admissível o despedimento coletivo quando o contrato cesse devido a causas económicas, técnicas, organizativas ou de produção, desde que, num período de 90 dias, a extinção afete, pelo menos: a) Dez trabalhadores, nas empresas com menos de cem trabalhadores; b) 10% do número de trabalhadores da empresa, nas empresas com cem a trezentos trabalhadores; c) Trinta trabalhadores, nas empresas com mais de trezentos trabalhadores. 44 Alfredo MoNtoyA MelgAr, Derecho del Trabajo, ob. cit., pp. 489 e 490, assinala que, embora possa estar em causa qualquer tipo de falta justificada, a referência particular às faltas devido a doença faz com que esta seja uma regra especialmente dura e alvo de crítica. O Autor salienta ainda que não podem conduzir a este tipo de despedimento as faltas justificadas com base numa greve legal, tempo dedicado pelos representantes dos trabalhadores à sua função representativa, licenças e férias, situações de acidente de trabalho, situações de doença certificadas pelos serviços oficiais com duração superior a vinte dias consecutivos, situações de ausência devido a maternidade, paternidade, risco durante a gravidez, lactância e ainda situações decorrentes de violência de género, declaradas pelos serviços sociais ou de saúde competentes. 45 É o seguinte o conteúdo deste artigo: “Por faltas de asistencia al trabajo, aun justificadas pero intermitentes, que alcancen el 20% de las jornadas hábiles en dos meses consecutivos siempre que el total de faltas de asistencia en los doce meses ante- riores alcance el cinco por ciento de las jornadas hábiles, o el 25% en cuatro meses discontinuos dentro de un periodo de doce meses.” 46 frANciSco jAVier torollo goNzález, Despidos individuales (disciplinarios y por causas objetivas), ob. cit., p. 219, relaciona este fundamento com os objetivos de luta contra o absentismo. O Autor assinala ainda, a pp. 219 e 220, a eliminação da parte final desta norma, através da Reforma de 2012, deixando agora de se comparar as 528 CLÁUDIA MADALENO b) Imputável ao trabalhador (mas não culposa): no sentido de que não é devido a falta de formação profissional, nem a falta de ordens ou condições técnicas; c) Não voluntária por parte do trabalhador: causa objetiva, indepen- dente de culpa, em que o contrato cessa apenas por incapacidade profissional do trabalhador; d) Carácter permanente ou definitivo da inaptidão: no entanto, em princípio não é absoluta (se o fosse, conduziria à caducidade do contrato). 4.2. França I. Em França, o Code du Travail estabelece, no artigo L1232-1, que “Tout licenciement pour motif personnel est motivé dans les conditions définies par le présent chapitre. Il est justifié par une cause réelle et sérieuse”. Assim, não pode haver um despedimento sem que se verifique um motivo, o qual deve ser real e sério53, ou seja, assente em critérios de ordem objetiva e não por capricho do empregador ou por uma sua conveniência pessoal e suficientemente grave para justificar a cessação da relação laboral. Esse motivo sério é apreciado tendo em atenção tanto os motivos da empresa, como a situação do próprio trabalhador54. A doutrina considera que um despedimento com base num facto do trabalhador não é, necessariamente, um despedimento disciplinar55, podendo fundamentar-se em ausências prolongadas e justificadas do trabalhador, ou em ausências frequentes e repetidas, com a condição de que tais ausências perturbem o funcionamento da empresa e obriguem a 53 Sobre a cessação do contrato de trabalho no Direito francês: ANtoiNe MAzeAud, Droit du Travail, 8.ª edição, Paris, LGDJ, 2012, pp. 389 e seguintes; Michel MiNé, Droit du Travail em Pratique, 25.ª edição, Saint-German, Eyrolles, 2013, pp. 269 e seguintes; AlAiN coeret / berNArd gAuriAu / Michel MiNé, Droit du Travail, 2.ª edição, Paris, Dalloz, 2009, pp. 325 e seguintes; frANçoiS gAudu, Droit du Travail, 4.ª edição, Paris, Dalloz, 2011, pp. 201 e seguintes; brigitte heSS-fAlloN / SANdriNe MAillArd-PiNoN / / ANNe-MArie SiMoN, Droit du Travail, 23.ª edição, Paris, Sirey, 2013, pp. 141 e seguin- tes; frANçoiS duqueSNe, Droit du Travail, 4.ª edição, Paris, Lextenso Éditions, 2010, pp. 247 e seguintes; jeAN-eMMANuel rAy, Droit du Travail. Droit Vivant, 22.ª edição, Rueil-Malmaison, Éditions Liaisons, 2013, pp. 260 e seguintes; jeAN PéliSSier / gilleS Auzero / eMMANuel docKèS, Droit du Travail, 26.ª edição, Paris, Dalloz, 2011, pp. 453 e seguintes. 54 ANtoiNe MAzeAud, Droit du Travail, ob. cit., p. 401. 55 Assim também frANçoiS gAudu, Droit du Travail, ob. cit., p. 210. 529 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO fazer uma substituição definitiva, pela contratação de outro trabalhador. De igual modo, o despedimento pode assentar numa inaptidão física do trabalhador, constatada pelo médico do trabalho, quando não seja possível a sua reclassificação56. A Cassation tem ainda admitido como fundamento (não disciplinar) de despedimento a insuficiência profissional, nomeadamente em termos de resultados57/58. Portanto, deve em qualquer caso tratar-se de um comportamento do trabalhador que se revele ser prejudicial ao bom funcionamento da empresa59. Nos artigos L1226 e seguintes60 é definido o regime aplicável em caso de incapacidade (inaptitude) posterior a uma doença ou acidente não profissional. O artigo L1226-2 estabelece que, logo que depois de um período de suspensão do contrato de trabalho na sequência de uma doença ou acidente que não seja de trabalho, o trabalhador seja declarado incapaz, por médico do trabalho, para reocupar o emprego que ocupava anterior- mente, o empregador deve propor-lhe um outro emprego, apropriado às suas capacidades61. Mais se estabelece que esta proposta deve ter em consideração as conclusões escritas do médico do trabalho, bem como as indicações que este formule sobre a capacidade do trabalhador para exercer alguma das tarefas existentes na empresa. Acresce que o posto proposto pelo empregador deve ser o mais próximo possível do anterior- mente ocupado pelo trabalhador, ainda que com modificações a nível da atividade ou da duração do tempo de trabalho. 56 ANtoiNe MAzeAud, Droit du Travail, ob. cit., p. 405. 57 ANtoiNe MAzeAud, Droit du Travail, ob. cit., p. 405. 58 frANçoiS duqueSNe, Droit du Travail, ob. cit., p. 253, assinala que, neste caso, o juiz deve averiguar que os objetivos previamente definidos são suscetíveis de ser alcançados, ou seja, que não eram inacessíveis, bem como que a sua não obtenção se deveu a facto imputável ao trabalhador. Assim também jeAN-eMMANuel rAy, Droit du Travail. Droit Vivant, ob. cit., p. 291. 59 brigitte heSS-fAlloN / SANdriNe MAillArd-PiNoN / ANNe-MArie SiMoN, Droit du Travail, ob. cit., p. 141. 60 Para mais desenvolvimentos acerca deste regime, cf. beNjAMiN MArceliS / AgNèS roSet / yVeS Struillou / lySiANe tholy, Le Code du Travail Annoté, 33.ª edição, Paris, Groupe Revue Fiduciaire, 2013, pp. 103 e seguintes. 61 beNjAMiN MArceliS / AgNèS roSet / yVeS Struillou / lySiANe tholy, Le Code du Travail Annoté, ob. cit., p. 107, salientam precisamente a obrigação do empregador de propor ao trabalhador um posto de trabalho, com vista à sua reclassificação, ainda que sem instituir uma sanção para o caso de incumprimento. 530 CLÁUDIA MADALENO O artigo L1226-3 determina, de seguida, que o contrato de trabalho do trabalhador declarado inapto pode ser suspenso, de forma a permitir-lhe a respetiva reclassificação profissional. De acordo com o artigo L1226-4, decorrido um mês a contar da data do exame médico na data do regresso ao trabalho, se o trabalhador declarado inapto não for reclassificado na empresa ou não for alvo de despedimento, o empregador deve pagar-lhe, até ao termo deste prazo, o salário correspondente ao salário que o mesmo ocupava antes da suspensão do seu contrato. De referir ainda que, nos termos do mesmo preceito, este regime se aplica igualmente a outros casos de incapacidade para o posto de trabalho, desde que constatados pelo médico do trabalho. Ocorrendo despedimento, o pré-aviso não é obrigatório e o contrato cessa na data da comunicação. Porém, a duração do pré-aviso que seria aplicável é tida em conta para cálculo da compensação devida ao traba- lhador (artigo L1226-4, 3.º parágrafo). Havendo lugar ao despedimento, o artigo L1226-4-1 determina que as indemnizações devidas ao trabalhador pela cessação são pagas pelo empregador ou pelo fundo de mutualização que este haja subscrito. Este regime é ainda aplicável em caso de con- trato a termo, sendo que, a este respeito, o artigo L1226-4-3 determina que o trabalhador tem direito, em caso de cessação do seu contrato por incapacidade, a uma indemnização cujo montante não pode ser inferior ao previsto no artigo L1234-962. 4.3. Itália I. O artigo 2119.º do Codice Civile Italiano prevê que qualquer um dos contraentes pode resolver o contrato de trabalho, com justa causa, quando se verifique um motivo que não admita a continuação, ainda que a título provisório, da relação63. 62 É o seguinte o teor deste artigo: “Le salarié titulaire d’un contrat de travail à durée indéterminée, licencié alors qu’il compte une année d’ancienneté ininterrompue au service du même employeur, a droit, sauf en cas de faute grave, à une indemnité de licenciement. Les modalités de calcul de cette indemnité sont fonction de la rémunération brute dont le salarié bénéficiait antérieurement à la rupture du contrat de travail. Ce taux et ces modalités sont déterminés par voie réglementaire.” 63 Sobre a cessação do contrato de trabalho no Direito italiano: roberto PeSSi, Lezioni di Diritto del Lavoro, 5.ª edição, Torino, G. Giapichelli Editore, 2012, pp. 351 e seguintes; giAMPiero fAlAScA, Manuale di Diritto del Lavoro. Costituzione, svolgimento e risoluzione del rapporto di lavoro, 5.ª edição, Milão, Gruppo24ore, 2013, pp. 275 e seguintes; reNAto ScoNAMiglio, Diritto del Lavoro, 2.ª edição, Nápoles, Jovene Editore, 533 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO conclusão nao é alheio o art. 2110.º do Codice, no âmbito da impossibi- lidade superveniente, o qual manda atender a juízos de equidade. 4.4. Alemanha I. Na Alemanha, o regime do PADA – Kündigungsschutzgesetz (pro- teção contra despedimentos), estabelece que o despedimento deve ter um aviso prévio e ser fundado em motivos específicos (artigo 1.º, § 1, PADA), que podem ser76: a) Relacionados com a pessoa do trabalhador (sendo um dos exemplos a situação de doença frequente do trabalhador); b) Relacionados com a conduta do trabalhador (infração disciplinar); c) Razões de ordem operacional (racionalização e/ou reorganização empresarial). II. Contudo, no que concerne aos motivos relacionados com a pessoa do trabalhador, o Supremo Tribunal Alemão tem entendido que tal apenas pode ocorrer em duas situações: por um lado, se, no momento do despe- dimento, for claro que a doença é permanente e/ou incurável num futuro próximo e isto originar consequências que são irrazoáveis ao empregador; ou, por outro, em caso de doença com risco de aparecimento subsequente ou com fases futuras que já tenha originado sucessivas faltas ao trabalho no passado e não seja previsível melhoria do seu estado, de forma que o empregador tem de contar com frequentes faltas do trabalhador devido a doença, constituindo um encargo operacional ou económico. 4.5. Bélgica I. O Code du Travail da Bélgica estabelece, no artigo L. 124-1177, que é abusivo e economicamente anormal o despedimento que seja con- 76 Sobre o regime jurídico na Alemanha, cf.: MANfred löWiSch / georg cASPerS / / SteffeN KluMPP, Arbeitsrecht. Ein studienbuch, Munique, Verlag Franz Vahlen, 2012, pp. 158 e seguintes; MANfred lieb / MAtthiAS jAcobS, Arbeitsrecht, Heidelberg, C. F. Müller Verlag, 2006, pp. 128 e seguintes. 77 Nos termos do primeiro parágrafo deste artigo, “(1) Est abusif et constitue un acte socialement et économiquement anormal, le licenciement qui est contraire à la loi ou qui n’est pas fondé sur des motifs réels et sérieux liés à l’aptitude ou à la conduite du salarié ou fondé sur les nécessités du fonctionnement de l’entreprise, de l’établissement ou du service. Il en est de même lorsque le licenciement est contraire aux critères généraux visés à l’article L. 423-1, sous 3.” 534 CLÁUDIA MADALENO trário à lei ou que não seja fundado em motivos reais e sérios, ligados à aptidão ou à conduta do trabalhador, ou ainda em motivos ligados ao funcionamento da empresa, do estabelecimento ou do serviço. Assim, como o despedimento se considera abusivo se não tiver por fundamento um motivo real e sério ligado à inaptidão ou à conduta do trabalhador ou às necessidades de funcionamento da empresa, isso significa que a cessação carece de uma justa causa. II. De referir que o último parágrafo do artigo L. 124-10 do Código do Trabalho Belga expressamente exclui o despedimento em caso de inaptidão do trabalhador para ocupar um posto de trabalho atestada por um médico do trabalho (cf. artigo L. 326-9)78. Neste caso, o empregador deve, na medida do possível, afetar o trabalhado declarado inapto a um outro posto de trabalho. Ele tem, no entanto, a obrigação de o fazer, se empregar regularmente pelo menos cinquenta trabalhadores e o trabalhador declarado inapto se encontrar há dez anos na empresa. 4.6. Holanda I. Até 1945, o ordenamento jurídico holandês caracterizava-se pela liberdade de cessação do contrato por iniciativa do empregador; a partir desta data, passou a vigorar a proibição dos despedimentos sem justa causa e um sistema dual (“dual just cause dismissal system”), em que o despedimento carecia de uma autorização prévia, administrativa ou judicial, salvo durante o período experimental, em caso de revogação, caducidade ou dissolução pelo tribunal. II. O despedimento carece sempre de um justo motivo, sendo admitidas três categorias: despedimento com autorização prévia da autoridade administrativa (UWV WERKbedrijf, conhecida por CWI); 78 Sendo que, em regra, a constatação desta inaptidão só pode ter lugar após um exame de pelo menos duas semanas. Com efeito, nos termos do artigo L. 326-9: (2) “Sauf dans les cas où le maintien du salarié à son poste de travail entraîne un danger immédiat pour la santé ou la sécurité du salarié ou celles de tiers, le médecin du travail ne peut constater l’inaptitude du salarié à son poste de travail qu’après une étude de ce poste et des conditions de travail et, le cas échéant, un réexamen du salarié après deux semaines. L’étude du poste comporte une visite du poste faite en présence du salarié et de l’employeur si l’étude des conditions de travail l’exige.” 535 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO despedimento judicial por important reasons; despedimento sumário (summary dismissal). No primeiro caso, podem constituir motivo para despedimento as razões económicas, a incompetência do trabalhador, razões de consciência, infração disciplinar, perturbação da relação de trabalho ou incapacidade para prestar trabalho. Já em caso de rescisão judicial, são consideradas razões importantes as circunstâncias que poderiam garantir uma cessação do emprego com efeito imediato por uma causa urgente ou modificação de circunstâncias de tal natureza que o contrato deve, com justiça, ser imediatamente ou a curto prazo cessado. A última modalidade é o despedimento urgente, decorrente de conduta do trabalhador. III. Nos termos dos pontos 4:1 a 4:5 do Dismissal Decree, são con- siderados motivos económicos para o despedimento os relacionados com redundancy, ou seja, quando, devido a novas circunstâncias, os trabalhadores se tornaram excessivos, o que pode resultar de problemas financeiros, redução do trabalho e/ou do volume de negócios, mudanças tecnológicas, reorganização, que pode ser devido à má situação econó- mica em que o empregador se encontra, ou para prevenir tal situação, encerramento de empresa, mudança de localização de empresa79. Neste caso, o empregador deve apresentar um plano para dois anos e indicar as expetativas que resultam da medida para os seis meses seguintes. Quando o despedimento atingir mais de vinte trabalhadores, a intervenção administrativa prévia é dispensada, mas apenas se houver acordo dos sindicatos. Até 2006 vigorava a regra last in, first out, a qual foi entretanto substituída pelo principle of reflection, permitindo ao empregador selecionar os trabalhadores mais adequados ao lugar com base na qualidade do trabalho prestado. Porém, o empregador deve considerar todas as hipóteses de recolocação antes de despedir. IV. Segundo o ponto 5:1.1, o despedimento com base em unsa- tisfactory performance (culposa ou não culposa) é considerado um despedimento por incapacidade do trabalhador, que se verifica sempre que haja: 79 Para mais detalhes, consultar: http://www.ilo.org/dyn/eplex/termmain.showCountry?p_lang=en&p_country_id=10. 538 CLÁUDIA MADALENO 5. O despedimento com justa causa objetiva em Portugal 5.1. Breve nota de evolução legislativa I. Apesar do exigente conceito de justa causa vigente no ordenamento jurídico português, é de assinalar que foi desde logo muito cedo conce- dida ao empregador a possibilidade de cessar o contrato com fundamento em motivos objetivos, abstraindo de qualquer conduta ilícita por parte do trabalhador e mesmo em certos casos que hoje em dia são bastante polémicos nos países que ainda os consagram, como é o caso de faltas justificadas80. Assim, de acordo com o § único da alínea 1) do artigo 11.º da Lei n.º 1952, de 10 de março de 193781, que estabelecia as bases a que deviam obedecer os contratos de trabalho, a doença prolongada do trabalhador era considerada justa causa para o empregador cessar o contrato de tra- balho82. Neste caso, o fundamento para o despedimento eram as faltas justificadas, com base na ideia de que não caberia ao empregador suportar o risco de doença prolongada83. Para que o despedimento procedesse, o empregador devia, contudo, demonstrar que a ausência do trabalhador lhe causava um prejuízo imediato para o processo produtivo, o que justificava a imediata perda de interesse. O despedimento poderia ter 80 Para uma perspetiva evolutiva sobre o despedimento coletivo em especial, mas que refere igualmente outros tipos de despedimento, berNArdo dA gAMA lobo XAVier, O despedimento colectivo no dimensionamento da empresa, ob. cit., pp. 43 e seguintes. 81 Acerca desta lei, cf. ANtóNio MeNezeS cordeiro, Manual de Direito do Traba- lho, ob. cit., pp. 803 e seguintes; rAúl VeNturA, Extinção das Relações Jurídicas de Trabalho, ob. cit., pp. 248 e seguintes. 82 Era o seguinte o teor deste preceito: “A existência de justa causa para a rescisão ou denúncia do contrato por qualquer das partes será apreciada pelo juiz, segundo o seu prudente arbítrio, tendo sempre em atenção o carácter das relações entre dirigentes e subordinados, a condição social e o grau de educação de uns e outros e as demais circunstâncias do caso. § único. Considera-se justa causa qualquer facto ou circunstância grave que torne prática e imediatamente impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, e em especial: 1) Moléstia contagiosa ou doença prolongada do empregado que o impeça de continuar prestando o serviço ajustado; 2) Ofensas à honra, dignidade ou interêsses de qualquer das partes, considerando-se como patrões, para êste efeito, aqueles que os representem na direcção da emprêsa; 3) Falência ou insolvência civil, judicialmente verificadas, da entidade patronal ou a sua manifesta falta de recursos para promover a exploração comercial ou industrial.” 83 Sobre o tema, cf. berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Da Justa Causa de Despe- dimento no Contrato de Trabalho, ob. cit., pp. 156 e seguintes. 539 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO lugar nalguns casos mesmo sem aviso prévio. No fundo, haveria aqui uma cessação assente na impossibilidade de o trabalhador prestar a sua atividade, devido a uma causa de força maior: não obstante a inexistência de responsabilidade por parte do trabalhador, a consideração dos prejuízos que a empresa pode sofrer fundamenta a justa causa84. A doutrina discutia, a este respeito, o que entender por doença prolon- gada: tudo depende, como bem assinala lobo XAVier, das características da atividade e da própria empresa, bem como do papel que o trabalhador representava no processo produtivo, uma vez que, em certos casos, a ausência de certo trabalhador poderia implicar paralisação absoluta da atividade85. Este conceito de despedimento parecia aproximar-se da ideia de perda objetiva do interesse do credor, hoje prevista no artigo 808.º, n.º 1, do CC, ou seja, uma situação de tal ordem grave que fazia com que o credor perdesse de imediato o seu interesse na continuidade da relação, podendo afirmar-se que, qualquer pessoa média colocada no seu lugar, perderia, do mesmo modo, esse mesmo interesse86. No entanto, dele se diferen- ciava por abstrair de qualquer conduta culposa por parte do trabalhador. Contudo, com lobo XAVier, parece de afirmar que, neste ponto, a lei “mostrou maior cuidado pelos prejuízos das empresas que pela situação do trabalhador doente, arranjo de interesses que não corresponde ao espírito actual do direito do trabalho”87. 84 berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, ob. cit., p. 156. 85 berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, ob. cit., p. 157, concluindo que “A doença será pois prolongada quando durar por tanto tempo que não permita à entidade patronal outra solução senão o despedimento imediato do enfermo”. 86 Acerca do disposto no artigo 808.º do CC, cf.: iNocêNcio gAlVão telleS, Direito das Obrigações, ob. cit., pp. 327 e seguintes; joão de MAtoS ANtuNeS VArelA, Das obrigações em geral, Vol. II, ob. cit., pp. 63 e seguintes; ANtóNio MeNezeS cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II – Direito das Obrigações, Tomo IV – Cumprimento e não cumprimento. Transmissão. Modificação e extinção. Garantias, ob. cit., pp. 135 e seguintes; luíS MANuel teleS de MeNezeS leitão, Direito das Obrigações, Volume II – Transmissão e extinção das obrigações. Não cumprimento e garantias do crédito, ob. cit., pp. 259 e seguintes. 87 berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, ob. cit., p. 158. 540 CLÁUDIA MADALENO II. Outra situação semelhante consistia na admissibilidade de cessação do contrato em caso de prisão do trabalhador: o empregador poderia despedir, se a ausência do trabalhador o fizesse perder, de imediato, o interesse na prestação. Este caso era visto como uma situação intermédia entre a força maior e o não cumprimento contratual. III. Ainda de acordo com a Lei n.º 1952, era previsto o despedimento com base em “moléstia contagiosa do trabalhador que se propusesse, ainda assim, a trabalhar”88. Nesta hipótese, havia já uma conduta do trabalhador que, sendo em princípio lícita (apresentação ao trabalho), poderia deixar de o ser na medida em que fosse suscetível de pôr em risco a saúde de outras pessoas, designadamente dos outros trabalhadores e de terceiros que se relacionassem com a empresa. Aqui, é claramente um dever do empregador a proteção dos demais trabalhadores, bem como daqueles que se relacionem com a empresa89. Esta segunda situação parece aproximar-se da que hoje encontramos no artigo 374.º, n.º 1, alínea c), do CT, em que é permitido o despedimento por inadaptação devido à existência de “riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou de terceiros”90. IV. Posteriormente, de acordo com o regime estatuído no artigo 101.º da LCT91, “Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôr imedia- tamente termo ao contrato, quer este tenha prazo, quer não, comunicando à outra essa vontade por forma inequívoca”. A este regime, acrescentava o n.º 2 do mesmo artigo que “Constitui, em geral, justa causa qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a sub- sistência das relações que o contrato de trabalho supõe, nomeadamente a falta de cumprimento dos deveres previstos nos artigos 19.º e 20.º”. 88 Cf. berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, ob. cit., pp. 158 e seguintes. 89 berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, ob. cit., p. 159. 90 De salientar que o trabalhador tem o dever de cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 128.º do CT. 91 Sobre esta lei, cf. Mário PiNto / Pedro furtAdo MArtiNS / ANtóNio NuNeS de cArVAlho, Comentário às Leis do Trabalho, Vol. I – Regime jurídico do contrato individual de trabalho (Dec.-Lei n.º 49 408, de 24-XI-69), Lisboa, LEX, 1994, pp. 278 e seguintes. 543 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO b) A conduta não culposa do trabalhador, que poderá suscitar uma situação de despedimento por inadaptação98/99. A nossa perspetiva é, pois, a de que a inadaptação não pode con- substanciar uma infração disciplinar. Se assim não fosse, haveria uma sobreposição entre o despedimento disciplinar e o despedimento por inadaptação, a qual poderia, inclusivamente, pôr em causa a aplicação do regime da justa causa subjetiva. Por exemplo, suponha-se que, decorrido o prazo para abertura do processo disciplinar, o empregador decide recorrer à inadaptação… Tal revela-se absolutamente inadmissível: a partir do momento em que a conduta do trabalhador consubstancia uma infração disciplinar, a eventual cessação do contrato que venha a ter lugar deve seguir o despedimento por facto imputável ao trabalhador, em cumpri- mento do disposto no art. 32.º, n.º 10, da Constituição. Com efeito: a) O despedimento por facto imputável ao trabalhador tem de ser precedido de um procedimento disciplinar, com observância das fases previstas nos artigos 353.º a 358.º do CT; 98 berNArdo dA gAMA lobo XAVier, Manual de Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 781 e 782 considera que não se trata de uma causa puramente objetiva nem sub- jetiva, “estando ligada ao binómio posto de trabalho/trabalhador concreto”. Porém, nesta afirmação o Autor refere-se à inadaptação com modificações do posto de trabalho. Cf. também júlio MANuel VieirA goMeS, Direito do Trabalho, Volume I – Relações individuais de trabalho, ob. cit., p. 997, assinalando que se trata de uma situação que não corresponde a um comportamento culposo do trabalhador nem do empregador. Porém, o Autor manifesta algumas dúvidas, ao afirmar que “Não é todavia muito claro, ao que nos parece, saber se a inadaptação não se poderá ficar a dever a culpa do trabalhador que violou a obrigação de adaptar-se à evolução do seu posto de trabalho, desde que não se trate de uma culpa grave e, por conseguinte, não justifique um despedimento por facto imputável ao trabalhador”. Ainda assim, na nota 2400, parece afastar a possibilidade de despedimento por inadaptação neste caso, já que se não se admite o despedimento disciplinar, não faria sentido admitir aqui aquela outra modalidade de despedimento. 99 Assim também Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, em anotação ao artigo 375.º, Código do Trabalho Anotado, Pedro roMANo MArtiNez (Coord.), ob. cit., p. 793 e MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, ob. cit., p. 1070, sublinhando que a consagração da figura “decorre das necessidades de flexibilização do Direito do Trabalho e, designadamente, das projecções tecnológicas dessas necessidades”. Cf. ainda Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., p. 375, onde afirma que “a imputação ao trabalhador da situação que traduz a inadaptação […], não pressupõe a ocorrência de um comportamento ilícito nem o inerente juízo de censura ou culpa”. 544 CLÁUDIA MADALENO b) O despedimento por facto imputável ao trabalhador não confere a este último direito a compensação, podendo, em contrapartida, determinar a obrigação do trabalhador de indemnizar o empregador pelos danos por este sofridos; c) A nível de proteção social, o despedimento por facto imputável ao trabalhador não dá direito a receber as prestações de desem- prego, a menos que o trabalhador haja impugnado judicialmente o despedimento e que tenha obtido vencimento na ação100. Por outro lado, uma vez que em princípio a culpa do trabalhador se presume, pelo art. 799.º do CC101, tal contribuirá para uma aplicação (ainda mais) reduzida do despedimento por inadaptação. III. É certo que a ausência de culpa do trabalhador é um requisito que não resulta, pelo menos de modo expresso, do regime da inadaptação cons- tante do Código do Trabalho. Assim, o artigo 373.º refere a inadaptação como a “cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada em inadaptação superveniente do trabalhador ao posto de trabalho”, sem qualquer menção à exigência ou ausência de atuação culposa por parte deste102. Contudo, não se vislumbra outra solução que não seja esta na medida em que, em caso de comportamento ilícito e culposo, a forma adequada de reação do empregador será o despedimento por facto imputável ao trabalhador, isto é, a justa causa subjetiva e não objetiva. Isto justifica- -se, desde logo, pelas garantias de defesa que importa assegurar ao tra- balhador, em sede de procedimento disciplinar, dado que neste caso o empregador o acusa de alguma conduta gravemente violadora dos seus deveres. Assim, a haver despedimento, terá de ser atribuída previamente 100 Neste sentido, cf. o disposto no artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro. 101 Sobre a exigência de culpa do trabalhador, cf.: luíS MANuel teleS de MeNezeS leitão, Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 404 e seguintes; Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 909 e seguintes; MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, ob. cit., pp. 955 e seguintes; Pedro roMANo MArtiNez, em anotação ao artigo 351.º, Pedro roMANo MArtiNez (Coord.), Código do Trabalho Anotado, ob. cit., pp. 749 e seguintes; joão leAl AMAdo, Contrato de trabalho, ob. cit., pp. 371 e seguintes. 102 Especificamente acerca do despedimento por inadaptação, veja-se joANA Neto, Despedimento por inadaptação. Reforma ou consagração leal do despedimento sem justa causa?, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 19 e seguintes. 545 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO ao trabalhador a oportunidade de defesa, imposta quer pelo CT, quer pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição103. IV. Diferentemente, a inadaptação parece pressupor que não se verifi- que qualquer infração; aliás, até pode estar em causa um trabalhador que seja mais diligente e mais esforçado do que qualquer outro. Ainda assim, poderá ocorrer despedimento, fundado neste motivo objetivo, desde que se verifiquem determinadas circunstâncias que tornem inexigível, para o empregador, a subsistência da relação laboral. V. Este é, ainda, um despedimento individual104. Está em causa a cessação do contrato de um único trabalhador, contrastando assim com o que se verifica na maioria dos casos de despedimento coletivo (cf. art. 358.º do CT). Relevante mostra-se ainda o disposto no artigo 380.º do CT: o propósito deste despedimento não consiste na redução do número de trabalhadores, contrariamente ao que se verifica no despedimento coletivo e na extinção do posto de trabalho. Isso mesmo explica que o empregador disponha de um prazo de noventa dias para admitir ou transferir um outro trabalhador para o posto de trabalho que era ocupado pelo trabalhador que viu o seu contrato cessar mediante despedimento por inadaptação. Contudo, é relevante referir que a inobservância desta obrigação não transforma o despedimento por inadaptação em ilícito, na medida em que não consta do elenco do art. 385.º do CT, situação que não deixa de ser criticável105. 5.3. As alterações ao despedimento com justa causa objetiva resultan- tes da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho I. Em maio de 2011, o Estado português vinculou-se a um Programa de Assistência Económica Financeira, financiado pela União Europeia 103 Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., pp. 381 e seguintes. Assim, j. j. goMeS cANotilho / VitAl MoreirA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, ob. cit., pp. 512 e seguintes, e, em especial, a p. 526; jorge MirANdA / rui MedeiroS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra editora, 2010, pp. 740 e seguintes. 104 Assim, joANA Neto, Despedimento por inadaptação. Reforma ou consagração leal do despedimento sem justa causa?, ob. cit., p. 19. 105 Assim também Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., pp. 380 e 381. 548 CLÁUDIA MADALENO III. Apreciando as alterações do Código do Trabalho no quadro do Memorando de Entendimento, manteve-se a impossibilidade de des- pedimento por inadaptação para a generalidade dos trabalhadores no caso de não serem atingidos os resultados previamente acordados com o empregador. Esta hipótese já se encontrava e encontra-se ainda atual- mente prevista no n.º 2 do artigo 374.º do CT114, sendo circunscrita aos trabalhadores afetos a cargos de complexidade técnica ou de direção, conceitos estes que, como a doutrina tem vindo a assinalar, são de difícil concretização115. IV. Relativamente à eliminação da obrigação introdução de alterações ao posto de trabalho, mostrou-se desde logo controversa a sua confor- midade com a Constituição. Com efeito, ao eliminar este requisito, a fronteira com situações de inaptidão – originária – mostra-se de difícil demarcação, como veremos melhor adiante. Ao invés, a favor da solução plasmada na lei, poder-se-á entender que ela vai ao encontro da evolução do conceito de justa causa a nível internacional (nomeadamente, no que se refere às Recomendações 119 e 166 OIT). Por outro lado, tendo já decorrido mais de vinte anos desde a introdução da figura da inadaptação, pode considerar-se que a mesma se encontra apta a albergar outras realidades, para além da situação clás- sica correspondente à introdução de modificações no posto de trabalho. O conceito alargado de inadaptação é também próximo do que se encontra consagrado noutros ordenamentos jurídicos onde é permitida a cessação com fundamentos semelhantes, não obstante idêntica aplicação do princípio da segurança no emprego. Até porque se mantém a exigência de justa causa, que decorre, inclusivamente, do artigo 30.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e da própria Constituição, no seu artigo 53.º V. Por último, assinale-se que as determinações constantes do Memorando não colidem com a proibição constitucional (absoluta) de despedimentos arbitrários, discriminados ou persecutórios: trata-se da 114 Sobre o tema, cf. Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., p. 372, refutando que se trate aqui de uma condição resolutiva tácita. 115 júlio MANuel VieirA goMeS, Direito do Trabalho, Volume I – Relações indi- viduais de trabalho, ob. cit., p. 998, chama a atenção para o facto de se tratar de um conceito indeterminado, tendo já a jurisprudência considerado como tal “o cozinheiro de um restaurante que tem que confeccionar um elevado número de refeições por dia”. 549 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO delimitação das situações suscetíveis de constituir motivo válido para a cessação unilateral do contrato pelo empregador, não infringindo assim outros instrumentos internacionais que também proíbem os despedimen- tos com justa causa (neste sentido, relembre-se novamente o disposto no artigo 30.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia). 6. Em especial, a inadaptação 6.1. Conformidade com o princípio constitucional da segurança no emprego I. O despedimento por inadaptação foi primeiramente previsto na ordem jurídica portuguesa pelo Decreto-Lei n.º 400/91116, de 16 de outubro, nos termos de cujo art. 1.º o empregador podia cessar o contrato de trabalho com fundamento em inadaptação do trabalhador ao posto de trabalho, desde que se verificasse a impossibilidade prática de manutenção do vínculo laboral117. Esta deve ser entendida como uma impossibilidade objetiva de subsis- tência da relação laboral118. Esta situação não se confunde com a inaptidão do trabalhador pre- vista no art. 102.º, alínea a), da LCT, onde se permitia a cessação do contrato de trabalho em caso de manifesta inaptidão do trabalhador para as funções ajustadas119. Com efeito, no diploma de 1991, a inadaptação é configurada como uma situação claramente superveniente. A inadaptação apenas podia ter lugar em caso de modificações no posto de trabalho, revelando o trabalhador impossibilidade de adaptação às mesmas, justificando-se o despedimento por motivos de racionalidade económica, ou seja, com vista a evitar perturbações de funcionamento da 116 Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., p. 166. Para a admissibilidade desta modalidade de despedimento foi essencial o Acórdão n.º 64/91 do Trobunal Constitucional, acima mencionado. Relevante foi ainda o Acordo Económico e Social de 1990, que antecedeu a adoção deste regime jurídico. 117 Acerca deste diploma, MAriA dA glóriA cArVAlho rebelo, O despedimento por inadaptação – Uma análise do DL n.º 400/91, de 16/10, Lisboa, 1995, em especial as pp. 43 e seguintes. 118 Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., p. 167, embora considerando que aqui o fundamento é antes a “eliminação do emprego, fruto de uma decisão de gestão do empregador / empresário”. 119 Neste sentido, cf. Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., p. 369, nota 401. 550 CLÁUDIA MADALENO empresa120. Assim, justifica-se a denominação, atribuída por alguma doutrina, de despedimento tecnológico, uma vez que se pretendia essencialmente assegurar a inovação das empresas121. Não obstante, atendendo a que se tratava já então de uma situação objetiva, sem culpa do trabalhador, tinha este direito a um aviso prévio, crédito de horas e a uma compensação. O seu regime manteve-se no CT de 2003, nos artigos 405.º e seguin- tes, que passaram a referir expressamente que a inadaptação deveria ser superveniente. II. Parece-nos importante salientar que a figura do despedimento por inadaptação teve origem no Anexo n.º 16 do Acordo Económico e Social de outubro de 1990, onde se encontram fixados sete objetivos: a) Contribuir para a modernização do tecido empresarial, garantindo maior eficácia à restruturação de empresas; b) Proporcionar maior eficácia em relação à introdução de novos pro- cessos de fabrico, de novas tecnologias ou equipamentos baseados em diferente ou mais completa tecnologia; c) Proporcionar a racionalização e adequação dos recursos humanos no quadro de uma situação favorável de emprego; d) Prevenir desequilíbrios estruturais, económicos e financeiros da empresa decorrentes da perda de competitividade por inadaptação do trabalhador; e) Prevenir situações de desocupação, precursoras de marginalização e discriminação profissionais; f) Promover a qualificação dos recursos humanos, incentivando a formação profissional na empresa; g) Estimular a observância das condições de segurança e saúde no trabalho. Assim, a origem deste instituto reside claramente numa lógica de tutela do interesse de gestão empresarial e de correta distribuição do risco122: o empregador deve poder adotar novas técnicas e métodos de trabalho mas, em contrapartida, deve proporcionar aos trabalhadores a possibilidade 120 MAriA dA glóriA cArVAlho rebelo, O despedimento por inadaptação – Uma análise do D.L. 400/91, de 16/10, ob. cit., p. 46, salientando que, se o despedimento não ocorrer, isso poderá trazer consequências para os demais trabalhadores. 121 Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., p. 370. 122 Tendo em consideração a caracterização da liberdade de iniciativa económica como direito fundamental, consagrado no artigo 61.º da CRP. 553 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO II. É fundamental proceder à diferenciação entre a inaptidão e a inadaptação. O período experimental possibilita a qualquer uma das partes a denúncia do contrato, ou seja, a cessação independentemente da invocação de um qualquer motivo (art. 114.º do CT). A razão de ser desta liberdade de cessação assenta na natureza da relação laboral, especialmente na circunstância de se tratar de um contrato que tem em vista perdurar por um período mais ou menos longo de tempo. Diferentemente, o despedimento por inadaptação consiste, como já foi referido, numa forma de resolução do contrato, por iniciativa exclusiva do empregador e motivada por uma circunstância de ordem objetiva, ou seja, não assente numa atuação culposa do trabalhador, embora seja a este respeitante. III. Desta delimitação resulta, à semelhança da solução que vigora no ordenamento jurídico espanhol, que uma situação detetada durante o período experimental, ou que pudesse ter sido detetada durante este período, não pode, em princípio, fundamentar o despedimento por inadaptação, sem grave ofensa ao princípio da boa fé (art. 126.º do CT). Se o empregador tinha a possibilidade de denunciar o contrato, mas se se conformou com a situação, não pode em princípio, a posteriori, invocar tal fundamento a título de inadaptação. Até porque, em tal caso, falharia o pressuposto previsto no art. 373.º, ou seja, a verificação de uma situação superve- niente. Assim sendo, a inadaptação supõe uma alteração, substancial, da prestação realizada pelo trabalhador, comparativamente com a sua anterior atividade, designadamente a realizada durante o período experimental. 6.3. Regime jurídico atual I. As considerações anteriores permitem-nos agora avaliar a conformi- dade do regime da inadaptação, plasmado no Código do Trabalho, com as demais fontes, nomeadamente a Constituição, a Convenção n.º 158 da OIT e os diversos instrumentos europeus acima referidos. Não obstante isso, não se deixará ainda assim de assinalar que esta figura tem sido objeto de uma escassíssima aplicação prática126. 126 Não se conhecem decisões jurisprudenciais especificamente sobre o tema. No entanto, a inadaptação foi referida, a título incidental, nos seguintes arestos: a) Acórdão do STJ de 22.06.2005 (Processo n.º 05S923, Relator Fernandes Cadilha, disponível em www.dgsi.pt), onde se decidiu que a extinção do posto de trabalho não se encontrava dependente de uma eventual inadaptação do trabalhador ao desempenho de outras funções 554 CLÁUDIA MADALENO II. O Código do Trabalho pressupõe expressamente que a inadaptação do trabalhador seja superveniente (cf. art. 373.º)127: assim se diferencia, como vimos, das situações de inaptidão, que poderão eventualmente fundar uma cessação no período experimental. Daqui resulta, tal como visto no âmbito do Estatuto del Trabajador espanhol, que o empregador não pode recorrer à inadaptação para reagir contra uma situação que fosse sua conhecida no período experimental, ou que pudesse ser conhecida no período experimental. Em contrapartida, a inadaptação não se confunde com a impossibili- dade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador realizar a sua prestação, que conduz à caducidade do contrato, nos termos da alínea b) do art. 343.º do CT128. Assim, na inadaptação o trabalhador não se encon- tra totalmente impedido de realizar a prestação, embora possa apresentar séria dificuldade na sua realização. Ao invés, ele consegue realizar a sua prestação no quadro contratado, ainda que o possa fazer com dificuldade ou com riscos para terceiros. Aliás, o trabalhador tem direito a um alar- gamento do objeto do contrato, uma vez que o empregador é obrigado a oferecer-lhe um posto compatível e disponível com a sua categoria, em alternativa ao despedimento [cf. art. 375.º, n.º 1, alínea d), do CT]. III. A inadaptação segue um regime diverso, consoante o tipo de trabalhador em causa: a) Trabalhador dito comum: a inadaptação pode fundamentar-se no modo de exercício das funções do trabalhador, que torne impos- sível a subsistência da relação de trabalho, desde que se verifique uma de três situações: redução continuada da produtividade ou de qualidade; avarias repetidas nos meios afetos ao posto de tra- dentro da atividade produtiva da empresa; b) Acórdão do STJ de 29.01.2003 (Processo n.º 02S2774, Relator Emérico Soares, disponível em www.dgsi.pt), em que o trabalhador foi despedido efetivamente por inadaptação (de um quadro superior, com base na alegada incapacidade de atingir os objetivos fixados), mas a questão em litígio era referente ao pagamento dos créditos laborais. 127 Sobre o tema, cf. luíS MANuel teleS de MeNezeS leitão, Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 400 e seguintes; Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, ob. cit., pp. 935 e seguintes; MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, ob. cit., pp. 1069 e seguintes; Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, em anotação aos artigos 373.º, 374.º e 375.º, Código do Trabalho Anotado, Pedro roMANo MArtiNez (Coord.), ob. cit., pp. 787 e seguintes; AMérico oliVeirA frAgoSo, Contributo para o estudo do despedimento por inadaptação à luz do Código do Trabalho, Lisboa, Edição policopiada, 2004, pp. 24 e seguintes. 128 Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, ob. cit., p. 935. 555 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO balho; riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou de terceiros; b) Trabalhador afeto a cargo de complexidade técnica ou de direção: a inadaptação pressupõe que não sejam atingidos os objetivos previamente acordados129, por escrito, e que tal se deva ao modo de exercício de funções do trabalhador130, tornando praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho131/132. Acresce que, qualquer uma destas situações, se subdivide em outras duas, nomeadamente: a) Inadaptação com modificação do posto de trabalho: no caso do trabalhador dito comum, encontra-se previsto no n.º 1 do art. 375.º, enquanto o trabalhador afeto a cargo de complexidade técnica ou de direção encontra a sua previsão na alínea a) do n.º 3 do art. 375.º; b) Inadaptação sem modificação do posto de trabalho: prevista no n.º 2 do art. 375.º para o trabalhador comum e na alínea b) do n.º 3 do art. 375.º para o trabalhador afeto a cargo de complexidade técnica ou de direção133. 129 São os chamados acordos de rendimento. 130 Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, ob. cit., p. 936, considera que se trata aqui de uma condição, embora não resolutiva, mas que constitui pressuposto da situação de inadaptação. 131 AMérico oliVeirA frAgoSo, Contributo para o estudo do despedimento por inadaptação à luz do Código do Trabalho, ob. cit., pp. 39 e seguintes, considerando que se deve atender ao “tipo de cargo, a remuneração, as regalias, a posição hierárquica na empresa, ou seja, todo um conjunto de elementos que atestem a especialidade de funções que estes trabalhadores exercem e que lhes possibilitam a assunção de compromissos” como os referidos neste âmbito, a propósito da obtenção de determinados objetivos. 132 Em crítica a este requisito, MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, ob. cit., p. 1073, afirmando que o mesmo se não adequa à justificação objetiva deste despedimento: “O que está aqui em causa é um juízo de inexigibilidade ao empregador da manutenção do vínculo laboral com um trabalhador que, reconhecidamente, não consegue trabalhar com o equipamento disponibilizado, que põe em risco a sua segurança ou a de outros pelo modo como realiza a sua prestação, ou cuja produtividade diminuiu drática e definitivamente.” 133 Considerando que a introdução desta situação “desvirtua o conceito de despedi- mento por inadaptação do trabalhador, na medida em que pressupõe a redução conti- nuada da produtividade ou da qualidade, avarias repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho e/ou existência de riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou de terceiros, sem que se tenha introduzido qualquer modificação no 558 CLÁUDIA MADALENO Estes requisitos resultam da alínea a) do n.º 2 do art. 375.º, a qual, a nosso ver, deve ser separada das restantes alíneas, que são já de ordem procedimental. Com efeito, a modificação substancial é um conceito que apela à ideia de significativa alteração da prestação executada pelo trabalhador: não se admite a cessação do contrato fundamentada numa situação insignificante ou, dito por outras palavras, de escassa importância (sendo esta a expressão constante, por exemplo, do art. 802.º do CC). O princípio da segurança no emprego, em articulação com o princípio da boa fé, exigem que haja uma efetiva afetação do interesse do credor/empregador, ou seja, que se verifique uma desconformidade significativa, quer do ponto de vista qualitativo, quer do ponto de vista quantitativo, ou mesmo de ambos. Em qualquer caso, essa modificação substancial tem de refletir-se num de três efeitos contemplados pela lei: redução continuada de pro- dutividade ou de qualidade, avarias repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho ou riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou de terceiros. Como refere Romano Martinez, é impor- tante aferir da causa de qualquer uma destas situações, para poder levar a cabo o despedimento por inadaptação, uma vez que tal apenas poderá acontecer se a causa se encontrar na “esfera de risco do trabalhador, não tendo resultado de elementos empresariais”137. Ainda assim, tal não é suficiente para motivar o despedimento, pois é preciso que a modificação substancial decorra do modo pelo qual o trabalhador desempenha a sua atividade (determinados pelo modo de exercício das funções). Portanto, se por exemplo a redução de produ- tividade se deve à falta de clientes, ou a atrasos de fornecedores, não se pode dizer que aquela modificação substancial decorra do modo de exercício de funções do trabalhador. Por isso, fica desde logo afastada a inadaptação. Para além disso, como decorre do art. 374.º, n.º 4, do CT, não pode estar em causa a falta de condições de segurança e saúde no trabalho imputável ao empregador. Por fim, exige a lei que seja razoável prever que a situação tenha carácter definitivo. O que significa que uma modificação substancial meramente temporária é tolerada pela lei e não pode ser invocada para despedir o trabalhador. Pensemos, por hipótese, numa situação de doença 137 Pedro roMANo MArtiNez, Direito do Trabalho, em anotação ao artigo 375.º, Código do Trabalho Anotado, Pedro roMANo MArtiNez (Coord.), ob. cit., p. 794. 559 DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA OBJETIVA. EM ESPECIAL, A INADAPTAÇÃO do foro psicológico do trabalhador, a qual, no entanto, não o impede de trabalhar mas pode afetar a sua produtividade (ainda que sem culpa deste): tratando-se de situação temporária e que, previsivelmente, não se transformará em situação definitiva, o empregador não poderá despedir, nem mesmo por inadaptação, tendo de suportar as consequências de tal situação, enquanto a mesma perdurar. VI. De seguida, exige-se a observância de um exigente procedimento, o qual foi, aliás, determinante, de acordo com o Acórdão n.º 602/2013 do Tribunal Constitucional, para a não declaração de inconstitucionalidade das modificações produzidas nesta sede pela Lei n.º 23/2012. O seu regime encontra-se contemplado nas alíneas b) a d) do n.º 2 do art. 375.º138/139: a) O empregador deve informar o trabalhador, juntando cópia dos documentos relevantes, acerca da apreciação que faz da atividade antes prestada, contendo a descrição circunstanciada de factos, demonstrativa de modificação substancial da prestação e conce- dendo-lhe a possibilidade de se pronunciar por escrito em prazo não inferior a cinco dias; b) Após a resposta do trabalhador, ou o decurso do respetivo prazo, o empregador deve comunicar por escrito ordens e instruções adequadas, respeitantes à execução do trabalho, com vista a que o trabalhador possa corrigir o modo de realização da sua prestação; c) Deve ser ministrada ao trabalhador formação profissional adequada; d) Após a formação, o trabalhador deve dispor de um período não inferior a 30 dias, para adaptação. Este é, portanto, um procedimento minucioso e particularmente exigente140. VII. A inadaptação do trabalhador comum, sem modificação do posto de trabalho, corresponde sem dúvida à situação que maiores problemas suscita, quer quanto à diferenciação em face do despedimento disciplinar, 138 Após a constatação da situação de inadaptação, acresce ainda o procedimento previsto nos artigos 376.º a 378.º do CT, sob pena de ilicitude do despedimento (cf. artigo 385.º do CT). 139 Sobre este procedimento, cf. Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., pp. 377 e seguintes. 140 Pedro furtAdo MArtiNS, Cessação do contrato de trabalho, ob. cit., p. 378, considerando que tal explica a extrema dificuldade de recurso a este mecanismo. 560 CLÁUDIA MADALENO quer, como referido, em termos de conformidade com a Constituição. Um exemplo desta situação é-nos referido por MAriA do roSário PAlMA rAMAlho: “se o telefonista, por força do uso continuado de drogas, passar a atender metade das chamadas por hora ou deixar de ser capaz de tomar nota dos recados ou de os transmitir, pode haver uma situação de inadaptação sem motivação externa”141. Este mostra-se um bom exemplo, já que permite a respetiva desagregação em diferentes hipóteses, nomeadamente quanto a saber se há ou não culpa por parte do trabalhador. Assim, se o trabalhador não se apresenta em condições de prestar a sua atividade – o que pode dever-se quer à ingestão de drogas ou álcool ou a outros motivos, como por exemplo à circunstância de não dormir o suficiente – poderá já haver culpa da sua parte e, assim, infração disciplinar, o que poderia conduzir a um despedimento nos termos do art. 351.º do CT. Caso contrário, admitindo que possa não haver culpa, este caso poderá efetivamente conduzir ao despedimento por inadaptação. VIII. Um dos problemas que nos parece suscitar maiores dúvidas a propósito desta nova modalidade de inadaptação sem modificações do posto de trabalho consiste na sua articulação com a proteção conferida no n.º 3 do art. 374.º do CT aos trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica. Com efeito, nos termos deste preceito, “o disposto nos números anteriores não prejudica a proteção conferida aos trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica”142. Se interpretada de forma literal, esta norma parece pôr em causa a efetiva aplicabilidade do despedimento por inadaptação sem modificações do posto de trabalho. Em primeiro lugar, saliente-se que este regime não se circunscreve aos trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica resultantes de acidente de trabalho ou de doença profis- sional, aplicando-se a todos estes trabalhadores, independentemente da causa que motivou a capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica. 141 MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, ob. cit., p. 1075, nota 482. 142 Cf. MAriA do roSário PAlMA rAMAlho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, ob. cit., p. 1075, considerando que está aqui em causa uma projeção do princípio geral da não discriminação dos trabalhadores.
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved